sábado, 13 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18207: Os nossos seres, saberes e lazeres (248): À sombra de um vulcão adormecido (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 1 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Estadia mais frutuosa não podia haver. Amigo há várias décadas de Mário Reis, o combativo secretário-geral da ACRA - Associações dos Consumidores da Região Açores, recebi com ambas as mãos o convite que me endereçou para passar um tempo numa casa de família, no Vale das Furnas. Dali só saí para ir a Ponta Delgada visitar uma comadre e fazer uma brevíssima romagem de saudade por alguns dos locais frequentados 50 anos atrás.
Apanhei bom e mau tempo, sol e neblina, os calores de várias estações do ano, o importante era uma varanda vidrada com vista para os prados e para as cumeeiras, acrescentando-se o mugir das vacas ao quadro bucólico. E fica-se naquela varanda a contemplar um quadro de uma região que é, toda ela, um geoparque, uma preciosidade nascida de um acidente vulcânico habitado por povoadores que adubaram o misticismo e a curiosidade de conhecer mundo, basta pensar em Antero de Quental e Bento de Góis, o importante missionário que chegou à China.
Nunca dá para cansar o deslumbramento açoriano.

Um abraço do
Mário


À sombra de um vulcão adormecido (3)

Beja Santos

O viandante chegou em Outubro de 1967 a esta terra abençoada pela bagacina e pedra vulcânica. Muito se surpreendeu pelas estradas flanqueadas por plátanos, perguntou a alguém que planta era aquela que se espalhava pelos declives, aprendeu o que era a conteira, uma infestante. Numa fase mais adiantada de iniciação açoriana aprendeu a distinguir a criptoméria. E se aqui se fixa camélias amarelas, em pleno Outubro, depois habitou-se a vê-las pelo Outono a desabrochar em tons vermelhos e brancos, é porque se manteve incrédulo, visto à distância até lhe parecia hibisco, valha-nos a ignorância, mas é assim que se aprende. Camélias a receber-me no Vale das Furnas!



Era 19 de Outubro, data de nascimento da filha mais nova do viandante, falecida em 2009. Entrou na igreja de Nossa Senhora da Alegria para fazer as suas encomendas, apontando-as às estrelas. É nisto que dá de face com este vitral, a exaltação do nascimento, calou-lhe fundo a associação imaginada, nesta e noutras coisas o viandante é pouco virado para os milagres, visões a aparições, embora acredite que é possível receber sinais. Haja alegria!



Estamos agora na Poça de D. Beija, apresentada como espaço de correio e de relaxamento, tendo mesmo uma mística especial. O que para o caso interessa é o deslumbramento da água férrea, fluído contínuo, sabe bem estar em decúbito dentro de águas a uma temperatura média de 39 graus, encostar a coluna à torrente, um arremedo de talassoterapia, assim se passam as horas e o corpo agradece. Repare-se na segunda imagem duas hidrângeas em flor, como se contempla assim a água em cascata.


Já se tirou esta fotografia, largos meses atrás, na primeira viagem comemorativa do cinquentenário do achamento de S. Miguel. Desta feita até se conversou com a proprietária do estabelecimento, ela tem muito orgulho neste espavento de cestos coloridos, tudo à disposição de furnenses e turistas, é uma bela atração vegetal, ali a escassos centímetros daquele belo pavimento de pedra acinzentada, não acham?



Um tanto a despropósito, quer recordar-se a quem nos lê que se cumpriu a tradição, comeu-se cozido, aqui nas Furnas tem chancela de monumento nacional. As coisas passam-se assim: as panelas que resguardam as carnes e os vegetais do cozido são ensacadas e enterradas em solo geotérmico, segue-se uma cozedura de cerca de 5 horas, e o resultado é um cozido totalmente distinto do que se come no continente. Mas não se vai agora falar em cracas, nem nos bifes, nem nos filetes de abrótea, nem nas alcatras de peixe, nem nas queijadas, quanto muito deixa-se uma referência ao bolo lêvedo, daqui originário, um bolinho preparado na sertã, uma delícia com compota ou manteiga. Voltemos à natureza. O que aqui se vê é o que é possível ver do jardim da D. Beatriz do Canto que no século XIX era conhecido por Parque das Murtas, localiza-se junto do leito da Ribeira das Murtas. O parque é visitável em Agosto, ao todo 3,7 hectares. Isto que se mostra é o que se pode ver fora de Agosto. É muito pouco mas é muito belo.



As caldeiras merecem uma visita obrigatória, não há ninguém que não se impressione com estas fumarolas de água fervente, aqui se fez termalismo usando lamas medicinais e águas. É ponto obrigatório, tal como as caldeiras da Lagoa das Furnas, nesta é que se prepara o cozido. Os turistas que aqui arribam veem um pouco da lagoa, inexplicavelmente não chegam a visitar a Ermida de Nossa Senhora das Vitórias nem a Mata-jardim José do Canto, ao tempo um caso exemplar de empreendedor agrícola, sempre na vanguarda; há passeios pelo Parque Terra Nostra, com abundante flora, com uma espantosa coleção de fetos, conhecido no mundo inteiro pela sua coleção de camélias, rododendros e a flora endémica nativa dos Açores; e finalmente as caldeiras, acreditem que é um passeio incomparável. Por aqui o viandante andou à solta e daqui partiu com a noite escura.


Quem vem ao Vale das Furnas não deve perder a oportunidade de visitar o Observatório Microbiano dos Açores, que se apresenta como um centro de divulgação científica e tecnológica, está instalado no antigo chalé, seguramente que aqui se fazia termalismo, olhe-se para a cor desta banheira e tenham-se ideias positivas que nela emergiram doentes e que imergiram com muito mais conforto. Ninguém deu uma explicação satisfatória ao viandante por que estas termas perderam uso quando no passado tiveram tanto prestígio.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18181: Os nossos seres, saberes e lazeres (247): À sombra de um vulcão adormecido (2) (Mário Beja Santos)

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