quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18246: Bibliografia de uma guerra (84): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,

Quando classifico esta obra de Valentim Alexandre como obra de consagração, refiro-me a uma laboriosa atividade investigativa anterior em torno da problemática do império português que encontra neste livro uma poderosa articulação das peças fundamentais do império português no pós-guerra, as sucessivas crises, o contexto geral da descolonização, a obstinação férrea de Salazar em recusar descolonizar, adiando sempre reformas, que surgiram demasiado tarde.

A investigação compreende o período determinante do fim da II Guerra Mundial até ao último ano de paz, 1960.

Como recorda o autor, nunca se excedeu o debate interno sobre a política colonial, era truncado e secreto, funcionava apenas na vertical, na relação entre cada um dos intervenientes e Salazar. E o Estado Novo também não encontrou fórmulas de abertura e entendimento com a oposição. Se "orgulhosamente só" estava, orgulhosamente só preparou a sua condenação e queda.

Um abraço do
Mário


Contra o vento: uma obra-prima da historiografia portuguesa (3)

Beja Santos

“Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017, é indubitavelmente um dos principais acontecimentos da edição historiográfica de 2017. O investigador Valentim Alexandre tem sobejas provas dadas na área da história colonial, este seu opulento (e a partir de agora incontornável) levantamento é o fecho de abóbada, a consagração da sua carreira.

Passamos a dispor, a partir deste trabalho, de uma sequência bem articulada para a cronologia os principais eventos que contextualizam o Império Português no pós-guerra, ressaltando a primeira ameaça, a crise de Goa (1954-1955), segue-se a pormenorização dos dados da grande peja da descolonização e a resposta dada pelo Estado Novo: o luso-tropicalismo – a política indígena, uma incipiente industrialização, as formas precárias de deslocação da população branca, nomeadamente para colonatos, a ONU como a principal arena a confrontar o império português, os atritos com o Vaticano, a reorganização dos dispositivos militares; e a manutenção das inquietações no Oriente, um tanto à semelhança de que ocorrera no decurso da II Guerra Mundial, mas agora fruto das descolonizações: Goa, Macau e Timor, devido ao aparecimento da União Indiana, da República Popular da China e da República da Indonésia.

Vimos anteriormente o pano de fundo do império português no pós-guerra, como entretanto se começaram a desagregar os principais impérios coloniais, como a política externa do Estado Novo procurava enfrentar ameaças que impendiam sobre a Índia Portuguesa, Macau e Timor e como emergiram os sinais de alarme com os ventos de mudança em África. Por um lado, com êxito relativo, atraía-se população branca para os colonatos, ensaiava-se uma industrialização controlada, estabeleciam-se acordos com grandes grupos por causa de matérias-primas básicas e para aumentar a rede do caminho-de-ferro.

Para consumo interno, adotava-se o luso-tropicalismo, algo que o sociólogo Gilberto Freyre tratava como a integração dos portugueses nos trópicos, tese muito simpática para incensar a apologia do multirracial mas que tinha na prática múltiplas entorses, uma deles, a mais óbvia, era a Guiné onde só por humor negro se podia falar da aptidão natural dos portugueses para o convívio com os nativos. A chamada missão civilizadora de Portugal não resistia a uma rigorosa leitura dos factos históricos.

É neste contexto que o historiador Valentim Alexandre analisa a reorganização dos poderes coloniais, a natureza do fomento e povoamento, passando depois em revista a pressão crescente que se fazia sentir nas zonas de fronteira das colónias portuguesas, sucessivamente a Guiné, Angola e Moçambique. Confirma-se, quando se lê este laborioso levantamento, muito dele depositado no Arquivo Salazar, que o regime, com boa antecedência, dispunha de informação segura sobre o braseiro que se iria anunciar muito em breve.

Veja-se o caso de um documento enviado a Salazar em Setembro de 1959, assinado por personalidades como Adriano Moreira, Franco Nogueira, José Manuel Fragoso, Alexandro Ribeiro da Cunha, Sarmento Rodrigues, Henrique Martins de Carvalho, Jorge Dias e outros. Partia-se de uma constatação, um “clima de tensão social”, sobretudo em Angola e Moçambique, também por efeito de “múltiplas causas internas”. Considerava-se premente promover um “amplo esclarecimento de opinião pública portuguesa tanto metropolitana como ultramarina”, a fim de “tornar a nação ciente dos perigos que a situação actual envolvia, de modo a ser possível formar-se a consciência nacional necessária numa crise eventual”. E o documento avançava com variadíssimas soluções de carater reformista.

Os ataques na Assembleia Geral da ONU eram insistentes, a propaganda do regime respondia com o tema da unidade nacional. Salazar detivera-se sobre o problema colonial em Maio de 1959 no discurso “A posição portuguesa em face da Europa, da América e de África”, proferido na sede da União Nacional. Bateu na sua tecla dominante: África era “o complemento da Europa, imprescindível à sua defesa, suporte necessário à sua economia”. E o historiador termina o capítulo com a seguinte observação:

“Tudo somado, as alterações ao sistema colonial ficaram-se, nos anos de 1959-1960, por uma forma de reformismo mitigado, praticado sobretudo pelos governador de Angola e Moçambique que, não pondo fim aos aspetos mais contestáveis do domínio colonial, procuravam melhorar a relação entre a administração e a população africana e corrigir, aqui e ali, os abusos mais gritantes. Só a eclosão da guerra colonial em Angola, meses depois, dará o impulso a reformas de fundo”.

Entrementes, altera-se modestamente o dispositivo militar, têm lugar algumas missões militares, redefine-se a política de defesa, reequipa-se as Forças Armadas, reforça-se a ação da PIDE.

O combate na ONU não dá tréguas. Aliados do passado, começam a desalinhar-se com a posição portuguesa, enfraquecem-se as solidariedades, e o mais gritante é o que se irá passar com a Grã-Bretanha. Os EUA não escondem divergências, que se agravarão substancialmente em 1961 com a eleição do presidente Kennedy. Observa o historiador: 

“A grande divergência entre os governos português e norte-americano era de ordem estratégica: enquanto Salazar tinha por certo que se devia seguir uma linha de intransigência absoluta, nada cedendo aos nacionalismos africanos, a seu ver artificiais, já em Washington se defendia uma política de contemporização, tendo em vista uma transição pacífica dos territórios coloniais para o autogoverno e a independência, em estreita cooperação com as respectivas metrópoles”.

E chegaram os sinais preocupantes como a abstenção dos EUA em votações tidas por altamente sensíveis. Valentim Alexandre passa em revista os pontos de apoio conjunturais, o relacionamento com os vizinhos africanos. E surgem os atritos com o Vaticano, abre-se um vasto campo de melindres e ziguezagues dentro da hierarquia católica portuguesa face à questão colonial. Os perigos no Oriente não podiam ser relativizados. Deixaremos para o próximo e último texto a sua apreciação e as conclusões da obra.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 17 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18221: Bibliografia de uma guerra (83): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

"Os EUA não escondem divergências, que se agravarão substancialmente em 1961 com a eleição do presidente Kennedy".

Foi aqui o busílis do princípio do fim.

Kennedy conforme entregou Cuba por inabilidade, entregou o MPLA, FRELIMO e PAIGC, ficou apenas com a UPA terrorista, tudo na mesma altura.

Já foi com a estupidez e falta de habilidade americana que se deram as grandes desgraças no vizinho Congo Belga, Ruanda e Burundi.

Salazar tinha razão em não abandonar as colónias nas mãos de facínoras.

Não aguentámos mais que 13 anos? paciência, mas que fique bem registado na história, porque esta continua a ser escrita.

Obrigado BS.