sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Guiné 61/ 74 - P18346: (D)o outro lado do combate (19): Os fracassos assumidos pelo PAIGC no ataque a Buba, de 12 de outubro de 1969 … E os outros que se seguiram (ao tempo da CCAÇ 2382 e do Pel Mort 2138) - Parte I (Jorge Araújo)



Guiné > Região de Quínara > Buba  > Material capturado ao PAIGC em 23 de novembro de 1968: granadas, minas, cunhetes de munições, medicamentos, géneros alimentícios enlatados, material diverso, incluindo um "poster" (ou retrato em tamanho médio, tipo 18'' x 24'')  de 'Che' Guevara, seguramente trazido pelos cubanos...

Foto do camarada Francisco Gomes, 1.º cabo escriturário da CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael (1968/1969). In: https://guine6869.wordpress.com/album/  (com a devida vénia.


Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974)


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE  > OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC NO ATAQUE A BUBA [12OUT1969] … E OS OUTROS QUE SE SEGUIRAM  (AO TEMPO DA CCAÇ 2382 E DO PEL MORT 2138 - Parte I


por Jorge Araújo


1. INTRODUÇÃO

Nas últimas três narrativas estivemos focalizados na região de Buba, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138, com a primeira visita a acontecer por acaso, quando encontrámos uma foto de um «espaldão de morteiros 81» no Arquivo Amílcar Cabral, localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares, e que, após identificado o local, nos permitiu chegar ao episódio de um ataque a esse Aquartelamento ocorrido em 12 de Outubro de 1969, domingo. Desse ataque foi produzido um “Relatório do Ataque”, como procedimento habitual, redigido pelo CMDT da CCAÇ 2382, ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo [vidé P18223].

Por efeito da pesquisa com ela [foto] relacionada, na qual se adicionou o contributo escrito das NT, tivemos acesso, «do outro lado do combate», a um relatório, sem referência ao seu autor, elaborado a propósito “das operações militares na Frente Sul”, realizadas pelo PAIGC no último trimestre de 1969, onde se incluía a análise crítica a um primeiro ataque a Buba efectuado naquele dia 12 de Outubro, com se indica acima [http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_40082 (2018-1-20).

Aí são apresentadas as principais razões para os fracassos contabilizados nessa acção [P18244].

Finalmente, e para concluir a investigação sobre os Pelotões de Morteiros que passaram pelo Aquartelamento de Buba, foi elaborado um cronograma com essas Unidades, tendente a identificar os períodos das suas respectivas comissões, no quadro temporal iniciado em 1964 até 1974 [P18283].


Por todas estas razões, o presente trabalho procura dar sequência ao modo como os responsáveis do PAIGC (re) agiram aos fracassos anteriores e o que preconizaram fazer depois disso, e com que resultados.


2. OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC EM 12OUT1969… E OS SEGUINTES…

Recorda-se que este primeiro ataque só foi concretizado depois de um longo período de minucioso reconhecimento sobre as melhores condições geográficas para a actuação da artilharia com três posições de fogo distintas. Por outro lado, esse reconhecimento previa também identificar as melhores vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição, uma vez que iriam estar no terreno um universo superior a três centenas de combatentes, comandados pelo capitão cubano Pedro Peralta e por Nino Vieira.

Entretanto, durante esse reconhecimento, um grupo de guerrilheiros foi descoberto pelas NT, no dia 7 de Outubro, quando o sentinela do Pel Mort 2138, colocado no posto de vigia junto à Pista de aviação, detectou um guerrilheiro nas imediações da Pista. No dia seguinte (dia 8), na continuação do reconhecimento supra, um grupo IN accionou uma mina A/P reforçada implantada pelas NT junto ao cruzamento das estradas de Nhala e Buba (in: História do Pel Mort 2138, p3, recorte abaixo). 


Pelo acima exposto, confirma-se, então, o que é descrito no relatório da acção do PAIGC; “no cumprimento desta última missão de reconhecimento temos a lamentar a morte de um camarada e o ferimento de outros dois, entre os quais o camarada CAETANO SEMEDO, em consequência da detonação duma mina antipessoal” [P18244].

"Esta operação, que deveria ter início pelas 17 horas, só se iniciou meia hora mais tarde devido a atrasos na instalação dos canhões. O ataque iniciou-se com fogo dos canhões B-10, que falharam os alvos, tendo apenas dois obuses atingido o quartel. O inimigo [NT] respondeu com um nutrido fogo de morteiros [Pel Mort 2138], canhões [2.º Pelotão/BAC], metrelhadoras e armas ligeiras [CCAÇ 2382 + Pel Milícia]. Além disso, unidades inimigas [NT] de infantaria cruzaram o rio [de Buba], pondo sob a ameaça de liquidação do posto de observação, os canhões, em retirada, e os morteiros".


Citação: (1963-1973), "Irénio Nascimento Lopes; ensinando os combatentes do PAIGC a manobrar um canhão sem recuo [B-10] de origem soviética", [será que se trata do actual presidente da Federação de Futebol da Guiné-Bissau - Manuel Irénio Nascimento Lopes “Manelito”?] CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_43809 (2018-2-2).

"Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das armas pesadas do inimigo [NT]. Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria. Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente."


Infogravura adaptada do livro «Guerra Colonial», do Diário de Notícias, p. 295. 

As setas a amarelo servem para referenciar a zona onde se iniciou o ataque. 

Em função do desempenho das NT, que certamente teria provocado uma “louca correria” [digo eu] dos diferentes grupos em direcção a terrenos mais protegidos e estáveis, o que não é de estranhar neste contexto, não houve tempo para utilizar a totalidade do material de guerra transportado para o local do ataque e que, em princípio, seria todo para “queimar”. Assim sendo, e porque era mais cómodo e mais fácil correr sem pesos nas mãos ou noutros locais, grande parte desse material ficou no terreno, sendo recolhido no dia seguinte pelas NT. Disso dá-nos conta a “História do Pel Mort 2138, p.90”.

Como curiosidade, uma outra situação de captura de material ao PAIGC já se tinha verificado um ano antes, mais concretamente em 23 de Novembro de 1968, sábado, pelas 15h30, quando elementos da mesma Unidade - CCAÇ 2382/BCAÇ 2834 (1968/1969) -, que se encontravam perto do cruzamento de Buba, contactaram com uma coluna de reabastecimento IN, causando a estes baixas prováveis. 

Foram apreendidas [, vd. foto acima]: 
 - 74 granadas RPG; 
- 16 granadas de Morteiros 82;
- 3 minas anticarro;
- 11 minas antipessoais;
- 20 cunhetes 7,9 mm;
- muitos medicamentos e géneros enlatados, incluindo um "poster" do 'Che' Guevara [in; História da Unidade, da qual retirámos a citação que abaixo se reproduz].



Como consequência dos sucessivos fracassos observados nas suas acções contra o contingente sedeado em Buba [NT], foi aprovado pelos comandantes da Frente Sul [que desconhecemos] a realização de um segundo ataque a esse aquartelamento, com a inclusão de alterações estratégicas e de outros procedimentos operacionais.

Como elemento histórico, seguidamente daremos conta do seu conteúdo, dividido em pequenos fragmentos, ficando a sua conclusão para a Parte II, a publicar oportunamente.


3. O SEGUNDO ATAQUE A BUBA EM 10DEZ1969)… QUE PASSOU PARA 11DEZ1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO

"Dado o fracasso da primeira operação contra Buba, tentada no dia 12 de Outubro [1969], foi decidido cumprir a missão de atacar Buba na fase final da campanha [último trimestre]. Para isso levámos a cabo novos reconhecimentos: novas vias de acesso para a infantaria e escolha de novo posto de observação.

As nossas forças deviam actuar no dia 10 de Dezembro [1969], quarta-feira, com os seguintes efectivos [indicam-se no quadro abaixo, como elemento de comparação logística, as quantidades utilizadas no 1.º ataque]:


Desenvolvimento da acção: 

"Deviam actuar primeiro as peças do GRAD, em seguida os morteiros 120 da mesma posição de fogo que as peças do GRAD e, por último, a infantaria devia assaltar o quartel."



"Utilizávamos, pela primeira vez, os “rádios 104” para garantir a comunicação entre o posto de observação e a posição de fogo. Infelizmente, estes não funcionaram no momento em que se devia iniciar a operação, forçando-nos a adiá-la para o dia seguinte, com a substituição dos rádios por telefones."


Citação: (1963-1973), "Operador de rádio da guerrilha", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43758 (2018-2-2) 

"De novo tivemos de suspender a operação que devia ter lugar no dia 11 [Dez’69], devido a uma série de falhas nas instalações telefónicas e, mais tarde desistir da utilização da artilharia, dada a actuação independente da infantaria, com a qual, por falta de meios de comunicação, não foi possível combinar um outro plano em substituição do que estava previsto."


Final da Parte I.

Na Parte II deste tema, serão abordados os seguintes pontos:

1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.

2 – Análise crítica sobre os aspectos que influenciaram a marcha das operações, como sejam: o reconhecimento dos quartéis; equipamento (fardamento); alimentação; comunicações e funcionamento do corpo de exército.

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

05FEV2018.
__________________

Nota do editor::

Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)

8 comentários:

Cherno Balde disse...

Caro Jorge Araujo,

O Irenio Nascimento Lopes eh o pai do Manelinho, Presidente problematico da FFGB. Foi um dos primeiros responsaveis da regiao de Bafata, apos a independencia e sob os seus ombros pendem parte da responsabilidade pelo genocidio silencioso que ocorreu no pais em geral e particularmente na zona Leste. Entre 1975-1978, Bafata e Bambadinca foram palco de muitos crimes contra ex-militares do exercito colonial portugues e autoridades tradicionais da etnia Fula que eram contra a guerra nacionalista que consideravam prematura e injustificada.

Com um abraco amigo,

Cherno Balde

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, obrigado pelo esclarecimento...Todos temos a obrigação de não morrermos com as nossas memórias, as boas e as más...Mamtenhas. Luís Graça

Anónimo disse...

Caro Cherno Balde,

Os meus agradecimentos pela pronta resposta à questão levantada na foto onde está o Irénio Nascimento Lopes.

Com um forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

Anónimo disse...



Fui em rendição individual para Buba em Março de 1970, integrar a Ccaç 2616 que tinha ido render a C.Cac. 2382 em fins de outubro de 1969, portando já depois desse grande ataque de 12 de outubro. No segundo ataque em Dezembro, fracassado, segundo parece, já estava lá a minha companhia e a anterior provavelmente teria saído, eu ainda não estava lá e falham-me as recordações do que os outros terão dito. Com o pelotão de morteiros 2138 ainda terei estado quatro ou cinco meses em Buba. Dos 17 meses que passei em Buba recordo que o Paigc nunca fez ataques conjugados de armas ligeiras e armas pesadas. Lembro-me que os ataques de armas pesadas no 1º ano tinham a regularidade mensal de um ataque por mês. Depois começaram a ficar mais espaçados. Os nossos obuses respondiam tal como os morteiros e a "festa" da artilharia durava dez minutos, um quarto de hora, raramente meia hora. Felizmente do nosso lado nunca houve mortos ou feridos graves.
Terá sido em fins de 1970, não sei precisar um dia fui chamado ao gabinete do capitão, que me disse que tinha recebido uma mensagem dos serviços de informação, através do comando do Batalhão que o Nino, à época comandante da região militar do sul do Paigç, iria atacar o nosso quartel, no dia seguinte, com armas pesadas. Por esse motivo mandou-me ir com o pelotão para leste já depois do terminus do Rio Grande Buba, um local donde por vezes eramos atacados. O pelotão há época já bastante desfalcado, pela má alimentação e pelas doenças seria constituído por 15 militares mais cinco milícias mais mal armados.
Esse ataque prometia ser forte, em armas pesadas e em guerrilheiros armados de armas ligeiras para fazer a segurança do Nino e do armamento pesado.
Ao capitão respondi que iria, como manda o código militar, sa+i do quartel, mas não fui. O ataque foi o maior da minha permanência em Buba, durou meia hora e foi o primeiro em que foram utilizados misseis terra-terra. Caíram várias granadas no quartel mas felizmente só houve três feridos ligeiros. A ordem do capitão como eu previra seria uma ordem suicida para o meu pelotão. No dia seguinte ao fazer o reconhecimento do local do ataque avaliou-se que o inimigo teria deslocado mais de cem homens. Se cumprisse essa ordem muitos de nós seríamos heróis, heróis desnecessários, heróis mortos para sermos chorados, alguns esquecidos, um ou outro lembrado com nome de rua. O capitão nunca me falou sobre esse assunto nem falou tampouco aos superiores hierárquicos. Não gostei da atitude dele, ao dar-me essa ordem, mas já lhe perdoei há muitos anos, ainda antes dele morrer e ele já morrei à cerca de trinta anos.
Francisco Baptista

Cherno Balde disse...

Caro amigo Francisco,

Estou surpreso ao ler o teu comentario. Com que entao, se acreditarmos nas tuas palavras, existem ordens que nao seriam suicidas, num cenario de guerra como foi na Guine?

Para mim, so facto de vestir a farda ja eh um acto suicida.

Pergunta ao Luis Graca o que a mae de Umaro Balde (CCAC 12) tinha dito quando soube que o filho ia assentar praca em 1969.

Um abraco amigo,

Cherno AB

Anónimo disse...


Amigo Cherno, penso que os estrategas militares escrevem há longos anos que quando a desproporção de forças no campo de batalha é grande, ela deve ser evitada, para não estar a sacrificar inutilmente vidas de homens e combatentes.
Um abraço

Francisco Baptista

Cherno Balde disse...

Ainda bem que nao se deixou enganar pelas chefias que queriam oferecer a tua cabeca aos homens do mato. Hoje nao teriamos o prazer de apreciar a tua bela prosa literaria. Esperamos ver brevemente em livro as tuas cronicas sobre Brunhoso dos anos 50. Contigo estou a descobrir a verdadeira face da metropole da segunda metade do sec. XX.

Cherno AB

Unknown disse...

Estranho que Cameconde um destacamento de Cacine não conste no mapa dos ataques do IN apesar do período ser curto. Estive em Cameconde de Abr68 a Jun69(Cart 1692 e Ccaç2445). As flagelações ditas morteiradas eram semanais de curta duração que às vezes respondia com uns tiros de Obus 10.5. Em finas de 68 a situação com a mudança da Compª piorou para testar a
capacidade da Ccaç 2445 e passou haver ataques aos arames. No inicío de 69 começamos a ser flageladas com Morteiro 120 mais preciso com granadas a atingir o aquartelamento uma vez.

Nessa altura Cacine tinha Cameconde como Tampão e era raramente atacada. Sabíamos os pontos onde o IN colocavam as armas pesadas e a resposta era imediata.

Abraço.
J.D.Faro
Ex Fur Milº Artª BAC1