segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18311: Notas de leitura (1040): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Chegou o momento de desvelar o modelo político unificador. Estou absolutamente seguro que propostas tão entusiasmantes levarão a um estudo mais aprofundado, tal o entusiasmo que o autor põe nas suas propostas.
Não quero despedir-me desta obra gémea à dissertação de doutoramento do Dr. Livonildo sem dizer, haja a ingenuidade que houver em todo o emaranhado do modelo político unificador, que ele se revela bem intencionado e que não lhe podemos atribuir todas as responsabilidades por erros crassos que o trabalho evidencia. Noutros tempos, havia júris onde os membros estudavam o conteúdo da dissertação e dividiam tarefas entre si. Fica-se com a dúvida de que algum daqueles membros, e mesmo do arguente, soubesse alguma coisa sobre o que é a Guiné-Bissau e a cornucópia dos seus problemas.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (4)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.

Não se escondeu, desde o primeiro texto de recensão aqui publicado, que se põem sérias reservas à organização deste trabalho. Carece totalmente de sentido transplantar para obra literária o conteúdo de uma dissertação de doutoramento. Propõe-se no livro ir falar de um novo paradigma de governação na Guiné-Bissau, apõe-se o subtítulo à obra de “Um manual de ciência política para a Guiné-Bissau e para África” e faz-se percorrer centenas de páginas com uma orgia de citações, desfilam pensadores a falar de ciência política, de filosofia, de direito constitucional, e muitíssimo mais, o resultado é calamitoso, e não se pode contestar que o Dr. Livonildo trabalhou afincadamente, mesmo quando escreve erros crassos, que houve que apontar.

Vamos finalmente ao modelo que ele nos propõe. A razão pelo modelo unificador, observa ele é que desde 1240 até 2015 nenhum modelo político conseguiu estabilizar o povo, território e aparelho do poder do Estado guineense. É de arrepiar o que acaba de se escrever, já que o Estado guineense existe de facto desde 1974, não sei como será possível enfileirar todos estes séculos de História no mesmo tipo de análise. O modelo preconizado destina-se a agregar todos os elementos que constituem o Estado – território, povo e aparelho de poder, a sua finalidade é o preenchimento das lacunas que afetam a política e o pensamento político guineense nas suas múltiplas facetas. O que escreve adiante é inenarrável num qualquer texto de recensão e não sei mesmo qual a natureza de um artigo presumivelmente científico que dê claridade a tais propostas. Um só exemplo começa por o modelo triangular ou o modelo de Duplo Mandato de Governação Alternado com duas fases de 9 ou 6 anos, composto por um Governo de Base Democrática, por uma Área de Estudos que é um Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial e um Tratado Político de Governação.

Num segundo bloco, irá ser representado pelo modelo de rodas dentadas ou modelo de engrenagem, que será composto pela Nova Etapa Democrática com um mandato de 6 ou 5 anos, e que se desdobrará num bipartidarismo perfeito típico dos EUA ou do Reino Unido, só com dois ou três partidos políticos, articulando com um Governo de Manutenção e Coordenação de um mandato com 3 ou 2 anos, mantendo-se o Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial e um Tratado Político de Governação. Num terceiro bloco, integrará o Modelo Político Federal com duração de 6 ou 5 anos e com a legitimação do bipartidarismo e bipolarização típicos dos EUA. O leitor deverá atender a todas estas siglas, os seus acrónimos vão ser usados com fluência daqui até ao final do livro. É indispensável, quem o diz é o autor, pôr termo aos desnortes das segundas voltas, é de rejeitar a representação proporcional e de procurar pôr cobro à existência do multipartidarismo de partido dominante, o PAIGC anda por toda a parte, mesmo nos outros partidos, como anteriormente observou o autor. Com ardor, emite as suas opiniões:  
“Vale a pena apostarmos no escrutínio maioritário de uma volta para escolher abertamente os 3 ou 2 partidos políticos e governantes para fazerem parte do arco da governação da Guiné-Bissau. Isto é, se o Estado e os cidadãos guineenses querem baixar drasticamente os 40 partidos políticos para 2 ou 3 partidos políticos, deverão adotar um verdadeiro instrumento para proceder a uma lipoaspiração da sua vida política”.

Segue-se uma longa enumeração em torno dos sistemas políticos do governo. Os anciãos merecem respeito, os chefes tradicionais deverão ser bem acolhidos e ouvidos. Instala-se primeiro o modelo triangular, avança-se para a segunda fase, põe-se em funcionamento o modelo unificador. O autor lembra os efeitos negativos da filosofia colonial, baseada depois na estratégia de mobilização e de adesão à luta armada, está aqui a matriz ideológica que ainda hoje envenena a Guiné-Bissau. E a autor descarrega uma sentença:
“O facto de Amílcar Cabral ter considerado a descolonização como um processo de luta contínua, não apenas política ou até económica, mas também profundamente psicológica, leva-nos a crer que Amílcar Cabral conhecia de antemão o pesado fardo que os guineenses iam carregar por muitas décadas”.
A Guiné tem que mudar de mentalidades, deve universalizar a língua portuguesa e a crioula e respeitar 8 áreas-chave prioritárias para o desenvolvimento do país: educação, saúde, justiça e apoio social; agricultura, ciência/tecnologia/energia; direitos humanos e ambiente; defesa e segurança/cultura, etnia e religião/autarquias locais, património e turismo; cooperação e relações internacionais; sociedade civil, organizações não-governamentais. A seguir, o Estado guineense poderá proceder à descentralização de poderes e à desconcentração dos serviços de defesa e segurança. Dentro da originalidade do pensamento do Dr. Livonildo chegámos a um ponto de uma nova estratégia: a Guiné-Bissau deve ceder uma das suas ilhas para a instalação de uma base militar a uma potência amiga de Portugal – de preferência o Reino Unido – pelo seu passado histórico. Não se assombre o leitor, é que o Reino Unido mete medo à França, quer estar perto da Gâmbia. Dentro deste enquadramento da geoestratégia político-militar da Guiné-Bissau, é preferível, numa primeira fase, apoiar os rebeldes Felupes contra o Senegal e depois convidá-los, integrá-los e transformá-los a partir do terceiro bloco do modelo unificador, quando a Guiné for um Estado federado. Mas há outras hipóteses e valências:  
“Se o Senegal precisar de apoio do Estado guineense para apaziguar os rebeldes Felupes, deve conceder contrapartidas vantajosas ao Estado da Guiné-Bissau, tais como beneficiar da sua energia para resolver o problema crónico da Guiné-Bissau e conceder à Guiné-Bissau mais de 50% do litígio do petróleo que o Senegal ganhou contra a Guiné-Bissau”.

Estamos a chegar à cúpula do modelo, a Guiné-Bissau deverá adotar uma atitude de Estado coordenador. Se até aqui a narrativa pode ser encarada como uma obra capaz de ombrear com a ficção científica, a partir daqui Franz Kafka, todo o sistema norte-americano será apreciado da base ao topo, ponderada a possibilidade de haver duas câmaras e cita-se Cícero:
“Um governante não deve aumentar os impostos – a menos que não haja mesmo alternativa. Os governantes devem perceber de alguns princípios: nunca comecem uma guerra injusta e a corrupção destrói um país. A ganância, o suborno e a fraude minam um país a partir do seu interior, deixando-o fraco e vulnerável”.

Na reflexão final o autor reitera que procurou tratar os principais temas de forma clara e objetiva e orgulha-se de ter apresentado um modelo político e inovador, sem precedentes, baseado em teorias/práticas de modelos já existentes, mas com uma nova configuração e fundamentação. Enfim, o modelo unificador está pronto para ser submetido à análise e ao debate, irá abrir uma frente de combate. Anota grandes dificuldades:
“Os intelectuais guineenses foram educados e socializados no seio do velho paradigma, pelo que terão dificuldade em aceitar este novo modelo político de governação”.

Cá estaremos para acompanhar esse galvanizante debate e procurar vislumbrar as saídas que se abrem para o modelo unificador do Dr. Livonildo.
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Notas do editor:

Poste anterior de 5 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18286: Notas de leitura (1038): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18304: Notas de leitura (1039): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (21) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Já disse várias vezes e escrevi que a Guiné é um país como os outros. É independente, tem a sua bandeiram hino, governo, etc. A Guiné optou por uma fórmula governativa da qual divirjo, mas onde não posso, não quero, nem tenho direito de intervir.
Nada me irmana mais com aquele país do que com outro qualquer.
É capaz de ser abusivo irmos para além de uma recensão neutra de um livro escrito por um guineense sobre a política guineense.
Pode ter defeitos de forma e, se calhar, até de conteúdo, mas tenho para mim que não devemos ir além de uma opinião, nestas áreas.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Sem BS a vida não é a mesma, vai a todas.
Não larga as pontas.
E como anda tudo ligado, não perco uma do BS.
Então livros de Africanos escritos em português, são tão poucos, é o que mais aprecio.
São os que mais nos elucidam sobre o que «ficou» e «está para vir».
Sem ser a propósito, lembro que um destes dias (11/2) foi aniversário da libertação de Mandela (11/2/1990) 4 anos após a perestroika (1986).
Foi quando já estava tudo maduro.
Alguns colheram verde...muito verde!