segunda-feira, 5 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18381: Notas de leitura (1046): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Continuo sem compreender como é que este livro não teve editor em Portugal ou Brasil em 2002, atendendo à investigação original e ao ineditismo do seu esquema básico: uma abordagem abrangente das cinco antigas colónias portuguesas em África.
Acresce que se juntou um naipe de oiro de grandes investigadores: Patrick Chabal, ao tempo professor do King's College em Londres, deve-se-lhe àquela que porventura é a melhor biografia internacional de Amílcar Cabral; David Birmingham, da Universidade de Kent; Joshua Forrest, professor da Universidade de Vermont e que deixa aqui um ensaio notável sobre a Guiné-Bissau; e também Malyn Newitt da Universidade de Londres e Gerard Seibert e Elisa Silva Andrade, investigadores com créditos firmados.
Sem hesitação, leitura recomendada para conhecer no grande ecrã 30 aos de história pós-colonial das cinco colónias portuguesas em África.

Um abraço do
Mário


A História da África Lusófona Pós-colonial: 
Uma investigação de leitura obrigatória (1)

Beja Santos

O livro intitula-se “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, o autor principal é Patrick Chabal, nome cimeiro da investigação dos movimentos revolucionários e das repúblicas africanas lusófonas, aparece neste livro com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company, Londres, 2002.

Logo nos agradecimentos, Chabal recorda a evolução positiva da historiografia sobre os países africanos lusófonos e apresenta este volume que coordena como uma tentativa de fornecer uma visão abrangente das cinco antigas colónias portuguesas em África, e confessa que se utilizou uma abordagem iconoclástica: apresentação da história dos cinco países a partir de dois anos complementares, o que têm de comum e de divergente da restante África, seguindo-se uma enunciação sistemática dos eventos que ocorreram depois da independência com a utilização de fontes de investigadores, oficiais, semioficiais e até jornalísticas; a procura de um contexto histórico rigoroso articulando o período pré-colonial com o pós-colonial; numa tentativa de ultrapassagem de uma visão estreita do foco lusófono, apresenta-se a evolução comparada e igualmente contrastada dos cinco países. O âmbito do estudo centra-se no período entre 1975 e 2000.

Temos em primeiro lugar o fim do Império e chama-se a atenção para uma declaração do MFA feita em 5 de Maio de 1974 em que é proposta uma nova e fraternal cooperação entre Portugal e Guiné, o que parece ilustrar a contradição entre um regime que existia numa solução militar e um estado de espírito dos sublevados que ofereciam uma colaboração desinteressada como forma de reparar os crimes do fascismo e do colonialismo. Recorda-se que o regime de Salazar e de Caetano recusou sempre negociações com os movimentos independentistas, estas só apareceram de forma muito dissimulada no estertor do regime. Estes movimentos anticolonialistas são encarados em três categorias: os vanguardistas, os tradicionalistas e os etno-nacionalistas. Como vanguardistas são invocados o MPLA, o PAIGC e a FRELIMO, não terá sido por acaso que eram todos provenientes de uma geração jovem, de um modo geral com formação universitária ou bases culturais e com uma preparação ideológica da Esquerda do seu tempo. Entre os movimentos tradicionalistas aparecem agrupamentos com brancos, pretos mestiços e indianos e o exemplo escolhido para movimentos etno-nacionalistas são apresentados a FNLA e a UNITA. Estas guerras foram sempre conflitos políticos, resultantes de uma total incapacidade de o regime de Salazar e Caetano se aperceber da insustentabilidade para as razões da potência colonial teimar em ficar em África. O PAIGC aparece como um movimento mais bem-sucedido quanto aos critérios da eficácia da luta anticolonial: preservação da unidade nacional, a despeito do mosaico étnico; enorme capacidade para a mobilização política das populações rurais; submissão da luta armada a objetivos políticos; eficácia para apresentar na cena internacional as chamadas áreas libertadas graças a um bom uso diplomático. É também observado que o espírito de a missão colonial se foi desgastando ao longo dos anos e no fim da guerra o moral das tropas dava sinais de ser crítico.

O estudo prossegue com uma perspetiva histórica da descolonização a partir do momento em que os movimentos de libertação conseguiram uma plataforma de entendimento, a CONCP – Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas que gerou um elevado espírito de solidariedade e que permitiu a Amílcar Cabral encontrar formas de comunicação verdadeiramente criativas para sensibilizar a opinião pública em muitos países onde dava entrevistas, fazia conferências, distribuía documentos, conversava e justificava a guerrilha dada a inflexibilidade do regime de Salazar e Caetano. Na hora da descolonização, os políticos portugueses foram confrontados com movimentos nacionalistas influenciados pelo marxismo. Todos eles enveredaram, na fase de arranque da vida independente, por nacionalizações, estatização económica, monopólio de comércio externo, contando com a ajuda dos países da Europa Oriental, Cuba, URSS e China.

Pôs-se, obviamente, o problema da unidade nacional e do Estado-Nação, com disparidade de respostas. No que toca à Guiné-Bissau, a unidade Guiné-Cabo Verde resistiu até 1980, Cabo Verde enveredou pela sua via específica de identidade nacional, no caso vertente da Guiné-Bissau nem o tremendo conflito político-militar de 1998-1999 fez minimamente questionar a afloração de conflitos étnicos, nunca se questionou em propriedade nacional mas também nunca se iludiu a fragilidade do Estado, logo patente nos primeiros anos da era de Luís Cabral em que o PAIGC se desentendeu com a questão rural e as expetativas dos agricultores que recusaram sistematicamente vender ao Estado as suas produções, transferindo-as em muitos casos para os países limítrofes. O livro estuda os efeitos da guerra, as especificidades do nacionalismo revolucionário e dedica um importante estudo à construção do Estado-Nação. Nesta aceção, é sequenciada a história da África portuguesa e as sequelas que deixou nos Estados pós-coloniais, comparando-os com os países vizinhos. A construção do socialismo é igualmente analisada com a deteção dos pontos frágeis e dos obstáculos para os quais os partidos vitoriosos se revelaram incapazes de ultrapassar. Esta construção do socialismo tem uma importante análise do contexto histórico nos cinco países. Chama-se à atenção para a inviabilidade de seguir políticas similares em Cabo Verde e na Guiné: Cabo Verde não podia hostilizar as comunidades sediadas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, para já não esquecer a comunidade cabo-verdiana residente no Senegal; na Guiné-Bissau ensaiou-se um apelo à ajuda internacional dos países socialistas e acenou-se a uma ajuda dos países ocidentais, com os escandinavos e os Países Baixos à frente. Mas é uma leitura estimulante ler toda esta construção da Nação-Estado no xadrez africano, no permanente relacionamento entre os fatores internacionais e as políticas domésticas. Até porque os limites destes nacionalismos surgiram muito cedo quando se verificou que os partidos únicos se revelavam incapazes de conciliar o todo nacional.

(Continua)
___________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18373: Notas de leitura (1045): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (24) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Talvez a mais perfeita análise do papel do PAIGC e de Amílcar, que lemos aqui, de todas as leituras que BS incansavelmente nos tem trazido.

Por esta análise e pelo que alguns aqui já nos cansámos de constatar, devia ser erguida uma estátua enorme em Luanda e outra ligeiramente mais pequena em Lourenço Marques, e um busto em São Tomé, a Cabral, e só não será um dia, apenas por ciúmes desses países.

Até na Guiné há ciúmes, por apagar outros heróis.

Mas o que esses estudiosos nunca dizem, é que sem aqueles 13 anos de teimosia de Salazar, nem Cabral viveria tantos anos como viveu, e as fronteiras destes palop, poderiam existir ou não.