sábado, 7 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18496: Os nossos seres, saberes e lazeres (260): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Sempre considerei Tomás Júlio Leal da Câmara um génio no desenho de humor, levou uma vida fascinante e por razões de saúde da mulher, acolheu-se a um chão saloio, na Rinchoa, aquela casa museu é impressionante, espelha o seu talento transbordante, incluindo o mobiliário que desenhou e que se vendeu por muitas casas, tive a felicidade de todas as semanas me sentar numa sala de jantar que ele concebeu, era a casa dos meus padrinhos.
Tivemos três grandes desenhadores de humor que triunfaram fora de portas: Leal da Câmara, Emmerico Nunes e Vasco.
Dá gosto visitar esta casa museu, deferentemente conservada, sentir a atmosfera e lavar os olhos no museu onde estão exemplos concludentes de um desenhador a quem Paris abriu todas as portas, convém recordar que uma revista como L'Assiette au Beurre, onde ele desenhou as capas, era o topo das publicações humorísticas à escala europeia do seu tempo.

Um abraço do
Mário


Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (1)

Beja Santos

Tudo começou na Feira da Ladra, deparou-se-me o livro “Ambições”, de Ana de Castro Osório, capa de Raquel Roque Gameiro. A memória prontamente remeteu para Leal da Câmara, protegido da escritora, inclusivamente afilhado de casamento. E daí memória viajou para casa dos meus padrinhos, em cuja sala de jantar primava o mobiliário que o nosso génio do desenho de humor da primeira metade do século XX concebeu, e móveis similares se podem encontrar na casa museu, situado na Rinchoa, no termo de Sintra, onde viveu desde os anos 1930 até à sua morte, em 1948. Meu dito meu feito, nesta mesma tarde vou matar saudades e ver alguns dos melhores desenhos de humor alguma vez feitos pelo talento português. Dito e feito.



Este aparador de sala de jantar, em exibição na Rinchoa, é luxuriante, típico da conceção de mestre de Leal da Câmara, com as ferragens em forma de coração, aquelas saliências pontiagudas e a pintura sobre vidro. Em casa dos meus padrinhos era diferente, enorme mesa de sala de jantar para 12 pessoas, dois armários junto à janela e numa das paredes um género de sofá tendo no meio um belíssimo vidro pintado com uma vista de Sintra. Dizia-me o meu padrinho que tinha ido com o pai dele a uma feira, mostrara-se maravilhado com aquela mobília, o industrial Agostinho Fernandes não se fizera rogado, comprara para o catraio todo o jogo da sala de jantar que ficara em armazém até aos esponsais. Tive pois a dita de conviver com este conjunto de Leal da Câmara até os meus padrinhos fecharem os olhos.




Consta da biografia deste génio que andou no curso de Agronomia e Veterinária, trocou-o pela profissão de jornalista, tinha um desenho acerado, fez do rei D. Carlos um bombo de festa, para fugir à captura judicial partiu para Espanha, onde também teve amargos de boca com as imagens que produziu da rainha Cristina, seguiu para Paris, tornou-se num dos mais famosos desenhadores de humor, todas as portas se lhe abriram a começar por aquela publicação de nomeada europeia L’Asiette au Beurre. Veio a guerra, regressou a Portugal, foi professor de desenho no Norte e em 1920 foi colocado na Escola Industrial de Fonseca Benevides, onde ensinava lavores femininos. Casa nesse ano com Júlia de Azevedo, Ana de Castro Osório apadrinha-os, em 1923 o casal vai para o campo, D. Júlia precisava de bons ares, compram uma casa saloia que vão aprimorar. Aqui estamos, por aqui deambulou o génio, aqui estão os seus sinais de vida, patentes na ornamentação. Dá gosto andar aqui à volta, tentar perceber as intervenções de alguém que sabia mais do que desenhar.





Primeiro o exterior, houve grandes obras de beneficiação em 1965, quando D. Júlia doou a casa à Câmara Municipal de Sintra com o encargo de nela funcionar um pequeno museu. Doou praticamente todo o recheio da casa, pinturas, gravuras, desenhos, aguarelas, guaches e a documentação do artista. Em 1992 houve obras de restauro e recuperação integral do edifício, mestre Leal da Câmara concebera um jardim estilo francês, não o viu nascer mas ele cá está, a recuperação é que conta e o bom gosto que preside a toda esta conservação do seu devoto zelador, Élvio Melim de Sousa, para que conste.


Um ano antes de falecer, Leal da Câmara fez uma série dedicada aos aliados vitoriosos, tenho sérias dúvidas que o generalíssimo Estaline tenha sido exibido em público e muito menos publicado em revista ou jornal. Confesso que desta série é Winston Churchill quem mais me empolga, pela economia do traço, naquelas escassas linhas estão todos os sinais iconográficos, o lacinho, a cartola, o charuto, as feições de bulldog carregadas de energia e dois olhos faiscantes sob pálpebras pesadas. Magnífico!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18455: Os nossos seres, saberes e lazeres (259): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (8) (Mário Beja Santos)

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