domingo, 8 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18500: (D)o outro lado do combate (26): outros elementos sociodemográficos dos bigrupos dos cmdt Mário Mendes (1943-1972) e Quintino Gomes (1946-1972) (Jorge Araújo)


Citação: (1963-1973), "Jovem guerrilheiro do PAIGC com a mulher", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43365 (2018-4-6) (Cortesia de Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum / Fundação Mário Soares)


Citação: (1963-1973), "Combatentes a pilar numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43389 (2018-4-6) (Cortesia de Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum / Fundação Mário Soares)


Citação: (1963-1973), "Costureira numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43991 (2018-4-6). (Cortesia de Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum / Fundação Mário Soares)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
OUTROS ELEMENTOS SOCIODEMOGRÁFICOS DOS BIGRUPOS DOS CMDT MÁRIO MENDES (1943-1972) E QUINTINO GOMES (1946-1972)

1. INTRODUÇÃO

Não podia ficar indiferente aos importantes contributos transmitidos pelos diferentes tertulianos nos seus comentários, postados nos P18487 e P18493, a propósito dos meus trabalhos de investigação sociodemográfica tendo por universo dois bigrupos de guerrilheiros do PAIGC, o primeiro relacionado com o Cmdt Mário Mendes (1943-1972) e este último com o do Cmdt Quintino Gomes (1946-1972), falecidos em combate em Maio e Fevereiro de 1972, no Xime e em Empada, respectivamente.

A todos agradeço os seus comentários de igual modo, mas com particular destaque para os do nosso amigo e colaborador permanente, Cherno Baldé, que continua a ajudar-nos a decifrar alguns dos enigmas socioculturais dos seus pares e da sua terra, território onde passámos mais de dois anos da nossa juventude. Obrigado!

Pelo superior valor que lhes atribui, fui em busca de novos dados sociodemográficos de modo a alargar e/ou a complementar os já publicados.

Em resultado dessa investigação, curta no tempo mas bem-sucedida, apresento-vos abaixo o que consegui apurar, agora no âmbito do "estado civil" de cada um dos sujeitos da investigação, cujo tema poderá servir de ponto de partida para novas reflexões, singulares e colectiva.

Mais uma vez a análise centra-se nos documentos consultados no acervo de Amílcar Cabral disponíveis na CasaComum - Fundação Mário Soares.

Quanto à data da elaboração das fichas de inspecção e coordenação do Conselho de Guerra das FARP/PAIGC, acreditamos que elas tenham ocorrido no início do ano de 1970, uma vez que os documentos agora consultados, que também não estão datados, referem a existência da "Bateria Especial Grad" da Frente Sul e que, como sabemos, foi criada no último trimestre de 1969.


2. RESULTADOS DO ESTUDO SOBRE O "ESTADO CIVIL" DOS CONSTITUINTES DOS DOIS BIGRUPOS

O quadro abaixo foi elaborado a partir das fichas de inspecção coordenação do Conselho de Guerra, já publicadas anteriormente. Foi dividido por bigrupo, correspondente a cada um dos Cmdt's, e agrupado quantitativamente por frequências relacionadas com o ano de nascimento de cada sujeito. Consideram-se apenas as duas variáveis categóricas do "estado civil" referidas na ficha: solteiro e casado.

Não nos é possível referir o ano da "união" ou "uniões", por desconhecimento, uma vez que o segundo documento consultado dá-nos conta da existência de casos de "poligamia".

Na segunda coluna da esquerda indicam-se as idades dos sujeitos no ano de 1970, por ser o ano (deduzimos) em que foi elaborado o documento acima referido, respeitante ao número de sujeitos "casados" em cada um dos bigrupos, número de mulheres e filhos, e que daremos conta em quadros originais obtidos na investigação.


Quadro 1 – distribuição de frequências em relação ao "estado civil" de cada bigrupo

Da análise ao quadro 1, verifica-se que o bigrupo do Cmdt Quintino Gomes regista sete "casados" (20.6%) em trinta e quatro casos, enquanto o bigrupo do Cmdt Mário Mendes tem treze "casados" (34.2%) em trinta e oito casos.

Quando comparados os dois bigrupos, e estratificadas as idades, constata-se que o maior número de "casados", três em cada bigrupo, nasceram no ano de 1946. O bigrupo de Mário Mendes repete igual cifra em 1942.

Por outro lado, os nascidos no ano de 1948 e seguintes, sete (9.7%) eram "solteiros" (n=72), não existindo nenhum "casado".


Quadro 2 – distribuição de frequências dos "casados", mulheres e filhos, do bigrupo do Cmdt Mário Mendes, tendo por base a região da mata do Fiofioli (frente Leste)

Da análise ao quadro 2, verifica-se que os "casados" do bigrupo do Cmdt Mário Mendes eram treze (34.2%), cada um com uma mulher. Dois "casados", no mínimo, não tinham filhos.


Quadro 3 – distribuição de frequências dos "casados", mulheres e filhos, do bigrupo do Cmdt Quintino Gomes, tendo por base a região do Quinara (frente Sul)

Citação: (s.d. [1970]), "Tabela referente ao estado civil e situação familiar dos militares do CE da Frente Sul e Leste", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40459 (2018-4-6) (com a devida vénia)

Da análise ao quadro 3, verifica-se que os "casados" do bigrupo do Cmdt Quintino Gomes eram sete (20.6%), sendo as mulheres em número superior (nove). Algumas das mulheres teriam mais de um filho.


3.  CONCLUSÕES

Da análise aos quadros supra concluímos:

(i) existe diferença no número total de "casados" entre os dois bigrupo;

(ii) no bigrupo do Cmdt Mário Mendes existe um rácio igual entre o número de homens e mulheres, sendo que nem todas as mulheres têm filhos (ou são mães);

(iii) no bigrupo do Cmdt Quintino Gomes, o número de homens é inferior ao das mulheres, o que pressupõe a existência de casos em que há homens que têm mais do que uma mulher (poligamia); neste bigrupo, o número de filhos é superior ao número de mulheres (mães) o que significa a existência de mulheres (mães) com mais de um filho. Pode-se considerar, como hipótese académica, a existência de mulheres sem filhos.

À vossa consideração.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
07ABR2018.
____________________

Nota do editor:

Últimos dois postes da série:

6 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18493: (D)o outro lado do combate (25): Jorge Araújo, "adesão" dos blufos balantas ao PAIGC? ... Eu diria antes que eles foram empurrados para os braços do Amílcar Cabral, devido ao terror provocado pelo bombardeamento indiscriminado das suas tabancas, pelas NT, nos anos 1962/63... (Cherno Baldé)

5 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18487: (D)o outro lado do combate (24): estudo sociodemográfico: o caso do bigrupo do cmdt Quintino Gomes (1946-1972) (Jorge Araújo)

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, estamos sempre a descobrir coisas "novas"... Por exemplo, no quadro 3, há uma referência ao "grupo de telescópica", onde havia 3 casados... Se calhar, alguns dos nossos leitores não sabiam que o PAIGC também tinha "snipers", e que alguns dos nossos camaradsa, nortos no TO da Guiné, foram mortos com um tiro na cabeça, quando estavam em postos de sentinela, nos seus aquartelamentos ou destacamentos, ou alvejados a partir do álto de árvores, quando em progressão no mato...

Estou-mw a lembrar do fur mil mec auto Joaquim Araújo Cunha, nº 14138068, CART 2915, do Xime, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”; sepultado em Barcelos... Era o único de seis que tunha um tiro na cabeça, os restantes da sseção que ia à frente das NT, forsm mortos à roquetada... Fui do grupo que resgatou os seus corpos...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search?q=Op+Abencerragem+Candente

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Temos que pensar que, para estes homens (, a guerrilha do PAIGC), a guerra tornou-se um modo de vida... Eles não sabiam fazer outra coisa... E tinham famílias, como tinham os meus soldados da CCAÇ 12...

Nós regressávamos a Bambadinca, depois de uma operação, os nossos soldados iam ter com as mulheres e filhos, que viviam fora do quartel... Como eram muçulmanos, tinham, os mais velhos, mais do que uma mulher... Nós, metropolitanos, solteiros ou casados, íamos para as nossas camaratas, descansar o corpo dorido... O único sortudo da CCAÇ 12, que tinha lá a mulher, era o Tony Carlão... Teve a sorte grande: deram-lhe um tacho no reordenamento de Nhabijões... Nunca cheguei a saber porquê...

Anónimo disse...

Luís; tens razão!

No fenómeno global da "guerra", qualquer que seja o lugar, há certamente detalhes que nos vão escapando no decorrer da sua compreensão e análise.

Entretanto, uma nova curiosidade emergiu deste caso - o das mortes dos Cmdt's dos bigrupos, que eram casados, provavelmente com filhos, e que é a seguinte: o que terá acontecido às suas mulheres? será que continuaram nas suas "bases" ou "acampamentos", ou foram transferidas para outro lugar mais seguro? Quem souber que diga... vou tentar descobrir.

Bom domingo para todos.

Ab. Jorge Araújo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os "manda-chuvas" do PAIGC tinham as mulheres e os filhos em Conacri... Havia lá uma escola para os "pioneiros"... Tal como enter nós, havia uma "nomenclatura" no PAIGC: eram todos iguais, mas uns mais iguais do que outros...

Os "homens do mato", os operacionais como o Mário Mendes ou o Quintino Gomes, provavelmente tinham a família em bases mais próximas da fronteira, no sul... Podiam estar semanas, ou até meses, sem se verem...

Uma das coisas que não está documentada no nosso blogue é a eventual "promiscuidade sexual" nas chamadas zonas libertadas... E aí também terão nascido "filhos do vento"... Ou os comissários políticos também controlavam a "tusa" da rapaziada ?... Não sei se o Amílcar Cabral chegou a fazer doutrina sobre a esta matéria... delicada.

Cherno AB disse...

Caros amigos,

Pegando nessa nova curiosidade do Jorge Araujo que nao deixa de nos surpreender com novos dados, diria que, em condicoes normais sabemos que a generalidade dos africanos ainda seguia a tradicao que permitia a heranca da mulher, dos filhos e, eventualmente, dos bens deixados pelo falecido. No caso colocado por Jorge aconteceu em plena guerra onde essas regras podiam sofrer alteracoes.

Em muitos casos de que ouvi contar, tambem as situacoes eram diversificadas. Havia casos em que a mulher era obrigada a fazer uma longa viagem, em condicoes de grande perigo para se juntar ao novo marido. Se acreditarmos nos factos relatados, o mais frequente era a mulher, com ou sem os filhos, ficar no acampamento (barraca) e casar com um dos companheiros do ex-marido. Afinal era o meio que conhecia e eram as unicas pessoas a quem tinha alguma relacao de afinidade e nas quais podia confiar e socorrer-se em caso de nrcessidade.

De acordo com os relatos, parece que haveria concorrencia e alguma rivalidade no sentido de manter ao maximo as pessoas, nomeadamente mulheres mais novas, sob controlo das barracas e nao deixar que fossem para outras, mas isto sao narrativas que sobreviveram a guerra que afinal e tendo em conta estes novos elementos, foi mais dolorosa, de parte a parte, do que se podia pensar. Inclusive, como contaram, houve mulheres que tendo partido para outros sitios, mais tarde, solicitaram o regresso a sua barraca inicial, onde se sentiam melhor, provavelmente.

Em relacao aos filhos, houve casos em que foram levados para escolas e/ou internatos dentro e fora do territorio nacional, quando nao eram enviados para familias mais proximas ou simplesmente adoptados pelos padrastos e companheiros do falecido pai. Na Guine-Bissau independente houve muitos alunos da escola-piloto que estavam nessas condicoes e mais tarde foram enviados para Cuba e a URSS (Escola secundaria de Ivanova, nos arredores de Moscovo).

Com os melhores

Cherno Balde

Anónimo disse...

Mais tarde e durante a minha estadia na URSS, cruzei-me com alguns desses filhos de antigos combatentes, saidos da escola de Ivanova. Tinham a sua forma propria de ser e estar, diferente da nossa que eramos pouco mais velhos e mais responsaveis. Viviam e sentiam-se como peixe na agua naquele pais que afinal era a unica que conheciam. Por norma tinham dificuldades na escola e eram amigos da farra a semelhanca do que acontece, muitas vezes, com os filhos de emigrantes africanos nascidos nos bairros suburbanos de Lisboa.

Cherno

Anónimo disse...

Caro amigo Cherno,

Fiquei esclarecido com as explicações produzidas, daí o meu muito obrigado!

Trata-se de um tema que nos abre mais umas quantas "janelas", viradas para novos caminhos de investigação. Vamos ver o que se pode fazer...

Com um forte abraço,

Jorge Araújo.