quarta-feira, 11 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18513: Bibliografia de uma guerra (89): Entender o pan-africanismo para melhor conhecer a guerra em África (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Aqui termina a curta viagem em torno dos ideais do pan-africanismo, que se revelaram, na generalidade dos casos, totalmente inviáveis.
Atendemos à génese do fenómeno, exterior a África e profundamente associado à discriminação racial do negro no subcontinente americano, referiram-se as grandes conferências pan-africanas que estiveram intimamente ligadas ao surto de nacionalismos, incluindo os das colónias portuguesas.
Deu-se conta das tentativas de agrupamentos regionais e como praticamente todos caíram na água, tal a competição na liderança política, os particularismos tribais, as discrepâncias entre Estados ricos e Estados pobres, a iniludível realidade das tensões motivadas pelas etnias divididas por determinação da Conferência de Berlim. Pan-africanismo que cedo se envolveu nas rivalidades da Guerra Fria, na concorrência económica e na imensa sombra da tutela neocolonial. Tudo conjugado, o pan-africanismo é um assunto do passado, mas pesou seriamente entre os líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas.

Um abraço do
Mário


Entender o pan-africanismo para melhor conhecer a guerra em África (2)

Beja Santos

O pan-africanismo imprimiu uma dinâmica imparável no continente africano a partir da década de 1950, influenciou um conjunto de experiências federativas, com exceção de uma, todas soçobraram. Vimos no texto anterior, e no seguimento da leitura de um livrinho que surgiu em 1959, exatamente com o título do pan-africanismo, que o fenómeno político teve a sua origem nos EUA e estendeu-se a colónias britânicas, no pós-guerra um conjunto de congressos fez expandir o ideal pan-africano. Na Europa, os intelectuais negros aqui educados não estavam de braços caídos. Em 1947, um jovem intelectual senegalês, Alioune Diop criou um movimento cultural Présence Africaine, vinha na esteira dos congressos pan-africanos, a ele associaram-se escritores como Jean-Paul Sartre, Albert Camus, André Gide e Emmanuel Mounier, a revista publicada com o mesmo nome tornou-se num sucesso. Em 1956 o movimento abre na Sorbonne o I Congresso Internacional dos Escritores e Artistas Negros, ali comparecem Léopold Senghor, Richard Wright, Aimé Césaire, entre outros. Novo congresso realizar-se-á em Roma em Março de 1959, aí acentua-se o caráter político, votam-se resoluções sobre a independência e unidade africanas, clama-se contra a opressão colonial. Senghor torna pública a sua tese a negritude, o conjunto de valores culturais africanos que davam força à vontade de afirmação da personalidade política de África, mas dizia claramente que não se podia voltar ao passado, à negritude das origens, era preciso encarnar a cultura negro-africana no contexto das realidades do século XX, a negritude não era uma peça de museu. Os acontecimentos sucedem-se, primeiro a independência do Gana, em 1957 segue-se a conferência do Cairo no final do ano de 1957, aqui é bem claro que os problemas asiáticos não fazem parte da agenda prioritária da África negra e Nasser, o líder egípcio percebe que não tem a influência que goza Nkrumah.

O autor deste livrinho de divulgação do pan-africanismo passa em revista o conjunto de partidos políticos e vai caraterizando-os na Nigéria, no Gana e na África negra francesa, e depois no mosaico da África do Sul.

Quando se chega a 1958 vão realizar-se as primeiras grandes conferência onde se agrupam os responsáveis políticos africanos. Logo em Abril, estão presentes os representantes de oito Estados soberanos, quatro Estados norte-africanos (Marrocos, Tunísia, Líbia e Egito), defensores de uma política pan-árabe e quatro Estados da África negra (Sudão, Etiópia, Gana e Libéria) defendendo uma política pan-africana. Para evitar o confronto, escolhe-se uma ordem de trabalhos consensual: a discriminação racial, a planificação industrial, a colaboração económica, técnica e cultural entre os países independentes do continente negro e a manutenção da paz mundial. Mas não foram escusados assuntos quentes como a questão argelina, houve acordo entre todos para apoiar o nacionalismo argelino. Em Julho do mesmo ano realiza-se em Cotonou (Benim) um novo congresso e desta vez a palavra de ordem foi a de independência imediata para todos os países africanos e que se deviam constituir os Estados Unidos de África. Em Dezembro do mesmo ano celebra-se a conferência dos povos africanos, estão presentes 250 delegados e já se fala na revolução africana pacífica. Para as potências coloniais, este novo dossiê é extremamente delicado, a começar pela Grã-Bretanha que vê desagregar-se a zona da libra entre as suas colónias, está em curso a constituição do Mercado Comum e os britânicos suspiravam por desenvolver o seu comércio com África.

Não se pode igualmente esquecer a Guerra Fria, russos e norte-americanos rivalizam, procuram aliados por toda a parte, incluindo junto dos sindicatos e quem dá mais em termos de cooperação e ajuda técnica. A conferência põe na ordem do dia a constituição de cinco federações africanas, tudo está dependente na vontade dos partidos políticos e as experiências sucedem-se umas às outras: a União Guiné-Gana; a Federação do Mali; a União Sahel-Benim; a União Aduaneira da África Equatorial, a Senegâmbia, a Grande Somália, e muito mais. Eram agrupamentos hipotéticos, daí o seu caráter efémero. Preconizada por certos chefes nigerianos e alguns homens políticos do Chade incentivava-se a fusão da Nigéria do Norte e do Chade Ocidental, sempre sob a consigna do pan-africanismo. A constituição de um Estado bacongo agrupando o enclave português de Cabinda, uma parte da República do Congo, a parte Ocidental do Congo Belga e o Norte de Angola permite ver a preocupação de certos políticos quanto à reconstituição de antigos quadros tribais.

O autor não esconde a listagem dos obstáculos à realização destes numerosos projetos pan-africanos, o facto colonial não era o menor, mas havia também o problema dos poucos Estados independentes e todos aqueles que acabavam de emergir na cena. No caso da união entre a Nigéria e o Gana, logo se percebeu que a Nigéria tinha uma população desmesurada e que aceitaria muito mal delegar no Gana uma parte dos seus poderes. Eram jovens Estados também que estavam ciosos da sua soberania e não desejam delegar noutros qualquer parcela de poder. E quando se falava em fusões surgiam os fantasmas de velhíssimas questões regionais. A Guiné reivindicava uma fração de território liberiano; a República do Congo reclamava as regiões mineiras de Franceville, pertencentes ao Gabão, era ali que se encontravam as mais importantes jazidas de manganês de todo o mundo; e o Gabão suspirava por anexar uma boa parte do território congolês com afinidades étnicas, mas havia muitos mais casos. Enfim as particularidades étnicas impunham-se e entravavam as propostas federativas e não deixaram de ter um grande peso as questões religiosas, havia claramente limites para o islamismo e muitos Estados possuíam elevadas percentagens de população cristã. A contabilidade destes obstáculos à constituição de federações era impressionante, e não nos esqueçamos de que o livrinho de divulgação a que temos vindo a fazer referência data de 1959: Os quadros tradicionais conservavam uma influência preponderante, em todos estes países havia uma gama de fatores que claramente inviabilizavam o sonho dos Estados Unidos de África: a presença colonial; a competência para a liderança entre chefes de Estado, basta recordar o que separava Senghor de Sékou Touré, havia o impressionante obstáculo linguístico, mais de 600 línguas negro-africanas, tudo separa as línguas sudanesas das nilóticas e das bantus e semi-bantus e o elevadíssimo número de subdivisões; e havia igualmente as minorias brancas, alguns dos Estados independentes tinham ficado atrelados a projetos de cooperação com Paris ou Londres, para eles era impensável prescindir da presença do branco; havia também que ter em conta os Estados ricos e os Estados pobres e a concorrência económica exacerbada por interesses de muitas empresas transnacionais, com forte pendor para gerar influência política.

No derradeiro capítulo é passado em revista o pan-africanismo face ao Islão, aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha e a França e não é difícil concluir passados estes 60 anos que a nobreza daquele ideal era incompatível com que o colonialismo gerara quanto à natureza dos novos Estados.

O pan-africanismo fica na história como um estado de inocência de novos países que desconheciam essa realidade que era a longa duração da corrente histórica, a força da religião e o imenso poder dos tradicionalismos e dos atavismos étnicos, que em tantos casos se revelaram inultrapassáveis.
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Nota do editor

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1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Mais uma boa "jogada" de BS.

Respiguei para mim, coisas que em i958/59,60 e 61 todos os estudantes de Luanda do liceu Sá da Bandeira, Salazar, Carmona Lobito e Benguela...etc. já nos cantavam aos ouvidos metropolitanos.

Mesmo brancos naturais, muitos alinhavam no pan-africanismo até...que apareceu o Março de 1961.

Aí um virar o "bico ao prego"

Deu-se o caso em que os bacongos (terrorismo a eito)queriam o pan-africanismo sem o Sul de Angola.

Diziam que os bailundos (sul)ainda nem vestiam «cuega» ora isto era dividir Angola ao meio com a ajuda da América, se a Rússia permitisse.

Outra novidade para alguns, Neyerere, quando vai estudar para Inglaterra, não se antecipou a Agostinho Neto , nem a Cabral, nem a jogadores da Académica como Mário Wilson e muitos outros jogadores/estudantes

As diferenças entre a colonização portuguesa e os outros, não andava muito distante, como sempre se ouve a anti-salazaristas.

É verdade que nós íamos a traz...como habitualmente, mas íamos,