quarta-feira, 25 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18560: Antropologia (26): “Produtos, Técnicas e Saberes da Tradição Bijagó”, por Fanceni Baldé, Cleunismar Silva e Mary Fidélis, editado por Tiniguena, 2012 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Trata-se de um estudo do complexo Urok, do arquipélago dos Bijagós, estudo esse que pretende identificar os modos de gestão sustentável de uma parte da sociedade Bijagó como procede à transmissão de conhecimentos, como se relaciona com o ambiente envolvente, os seus deuses, os seus lazeres, o seu prodigioso artesanato, a sua gastronomia, a vida comunitária, o casamento. A sociedade Bijagó não está impermeável à mutação, gradualmente procura libertar-se das leis da natureza ou dos constrangimentos sociais.
É um trabalho que procura identificar os traços destes saberes e da inteligência dos Bijagós nas formas de gerir os seus espaços e de apelar à conservação dos seus recursos. Uma leitura saborosa para desvendar a sabedoria, a cultura e a inteligência de um povo que está a ficar abalado por algumas leis da sociedade de consumo e também por isso necessitada a refletir o que pode dar às gerações futuras.

Um abraço do
Mário


Os Bijagós e a sua cultura admirável

Beja Santos

A Tiniguena, uma organização não-governamental guineense que intervém nas ilhas Urok (Bijagós), nas regiões de Quínara e Bolama (também nos Bijagós) e nas florestas de Cantanhez (Tombali), e procura promover um desenvolvimento participativo e duradouro, de colaboração com o CIDAC, editou em 2012 uma obra muito afetiva, uma exaltação da cultura Bijagó em toda a sua amplitude: “Produtos, Técnicas e Saberes da Tradição Bijagó”, por Fanceni Baldé, Cleunismar Silva e Mary Fidélis.

Estes autores não escondem o seu deslumbramento no texto de abertura:
“A dependência da sociedade Bijagó em relação à natureza é de tal modo vital que levou a um nível de conhecimento e um grau de intimidade extremos. Como sobreviver numa ilha longe do mundo, se não se conhecesse todas as espécies plantas e tudo o que elas podem oferecer, se não se conhece os hábitos da fauna selvagem ou o comportamento dos peixes, se não se é familiar com as forças da natureza tais como as marés, as correntes, o vento ou a chuva? Como sobreviver se não se sabe fabricar os instrumentos para explorar, transportar, transformar ou consumir esses recursos? O conhecimento das leis que regem a natureza obriga, para além do mais, a respeitar esses ritmos, a não tomar mais do que aquilo que ela pode oferecer: esgotar os recursos significaria tão simplesmente esgotar-se a si próprio”.

Os Bijagós são um arquipélago atrativo para o turismo, correm lendas sobre o matriarcado, o sentido de autossuficiência do povo e a sua arte escultórica tem uma tal dimensão genial que os grandes museus procuram essas peças que falam de deuses, que são usadas nas danças, que fazem parte do culto doméstico e da sua comunicação com a fauna, os elementos da natureza, os tubarões que por ali cirandam. É uma cultura tão poderosa quanto é facilmente visível a identidade cultural Bijagó. Os autores apresentam o arquipélago, e do geral vão ao particular, às ilhas Urok, onde habitam pouco mais de 3 mil pessoas em Formosa, Nago e Chediã, uma população jovem que se entrega à agricultura, à exploração de produtos silvícolas e à pesca. O governo da Guiné-Bissau reconheceu o complexo Urok em 2005 como uma Área Marítima Protegida.

Na Formosa, vamos saber como vivem e habitam os Bijagós, perceber o seu artesanato sagrado (do oculto e cerimonial), utilitário e comercial, descrevem-se as peças artesanais como os acentos em arco, os transportadores tradicionais de objetos, as saias confecionadas à mão com base em fibras de vegetais, as máscaras que são usadas sobretudo para as danças tradicionais, os escudos tradicionais. Releva-se também o papel do artesanato utilitário como o canapé, o cesto e os chapéus tradicionais, as travessas usadas para as refeições, e as respetivas matérias-primas.


As danças Bijagós têm um destaque especial a partir do conhecimento das fases iniciáticas. A dança tem um papel dominante, está presente em praticamente todas as cerimónias. Como escrevem os autores:  

“A característica principal e comum em todas as danças praticadas no arquipélago é a relação com os aspetos da natureza, em especial representação dos animais. As danças, em todos os momentos reproduzem a forma de ser e de estar dos animais no seu meio natural. Através da natureza busca-se o conhecimento sobre as características e história do animal que se pretende representar. A escolha de animais ferozes, que possuem força, é o símbolo principal, pois para os Bijagós o valor do homem reside na sua coragem e força para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia”.
E daí o estudo sobre as danças masculinas e as danças femininas, profundamente distintas, e os trajes que lhes estão associados.

Uma palavra sobre a gastronomia tradicional, onde primam o arroz, o óleo de palma, a mancarra, o feijão e os produtos de mar. Na cozinha Bijagó utilizam-se as folhas de bananeira para a cosedura do arroz, mexe-se a comida com uma colher de pau, há uma concha feita com o fruto da cabaça para servir os caldos e os molhos, um vasilhame para armazenar o vinho de palma, um pote em barro para conversar a água é também se usa uma técnica de transporte de peixe feita com folhas de palmeira.


Falando do casamento, observa-se que os Bijagós da Formosa não costumam formalizar a união entre o homem e a mulher, é uma união de facto em que não existem muitas obrigações sociais entre o homem e a mulher, sendo possível a troca de parceiros. É a mulher que escolhe o homem com quem pretende estabelecer a união, cabendo à mãe a confeção de um prato à base de farinha de arroz transportado por um grupo de mulheres grandes à casa do pretendido noivo. Durante a fase de noivado, o noivo deve levar ofertas constantes à família da noiva, geralmente sob a forma de produtos que retira do mato e do mar. O trabalho desenvolvido pela Tiniguena pormenoriza os produtos associados à gastronomia, os produtos florestais, os produtos de mar.

Em jeito de conclusão, escreve-se:  
“O domínio sobre as técnicas e os saberes associados a cada um dos produtos presentes na tradição Bijagó revela décadas de aperfeiçoamento. O conhecimento e respeito dos diferentes ciclos de regeneração das espécies na natureza tem permitido ao Bijagó da Formosa explorar e tirar proveito da rica biodiversidade do arquipélago. A gestão consciente e responsável dos recursos naturais é uma estratégia crucial para assegurar a continuidade do modo de vida Bijagó. Passados alguns anos desde a atribuição do estatuto de Área Marinha Protegida, permanece o desafio da adequação entre os avanços inevitáveis da modernidade e da globalização e a conservação dos valores e princípios intrínsecos ao saber tradicional Bijagó”.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16777: Antropologia (25): Um sonô, o mais valioso tesouro artístico da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52)

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