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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24988: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (43): Arroz de moiras com grelos ("Chef" Alice)


Marco de Canveses > Paredes de Viadores > Candoz  > Quinta de Candoz > 21 de dezembro de 2023 >  O arroz de moiras com grelos,à moda da "Chef" Alice...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A tropa e a guerra roubaram-nos pelo menos dois, três ou quatro Natais nas nossas vidas... Por isso, que os nossos leitores nos perdoem estas recordações profanas em tempo tão sagrado como esta quadra festiva em que comemoramos o nascimento, em Belém,  do deus feito homem dos cristãos... Há dois mil anos... Em que tanto a terra do Menino Jesus como a dos nossos antepassados lusitanos eram uma colónia ou província do Império Romano... (Na verdade, a gente não sabe o que eles comiam nem que língua falavam, herdámos e adaptámos a língua dos colonialistas romanos.)

 Mas eu pergunto-me também: será que os habitantes da cidade galaico-romana de  Tongóbriga, no Freixo, Marco de Cansveses, a escassos quilómetros da nossa Quinta de Candoz, já conheciam esta delícia da gastronomia da nossa terra, que é o arroz de moiras com grelos ? 

A resposta é não: ainda o arroz, oriundo do Extremo Oriente, não tinha chegado à Lusitània... Nem muito menos as moiras (e os mouros)...

O termo "moira" é usado aqui, na região duriense (ou do Baixo Douro) para designar uma "chouriça feita de sangue fresco e  carne de porco, temperos e vinho tinto verde"... Indispensável no cozido à portuguesa e, com mais razão, no arroz de moiras com grelos ou arroz de grelos com moiras (depende das quantidades)..Há mutas receitas na Net. É um prato típico aqui na nossa regiáo, Marco de Canaveses e Baião. Ceme-swe todo o ano, e agora é que sabe bem com o frio de rachar.

2. Em Tormes, que fica em Santa Cruz do Douro, Baião, também aqui perto de Candoz, ao alcance de um tiro de obus 10.5,  nem o Jacinto nem o seu criador, o Eça de Queiroz, alguma vez terão provado o "arroz de moiras com grelos"... 

Ou talvez, sim,  o Eça era um "gourmet"... Se tivesse comido, em vez das favas, teria feito o elogio do divinal arroz de moiras com grelos... Recorde-se aqui a antológica descrição (ou uma parte dela) da primeira refeição, no solar de Tormes,  do princípe Jacinto e do seu amigo Zé Fernandes em "A Cidade e as Serras":

(...) Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço cruzado, ainda suada e  esbraseada  do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com uma terrina a fumegar. E o Melchior, que seguia erguendo a infusa do vinho, esperava que Suas Incelências lhe perdoassem porque faltara tempo para o caldinho apurar (...).

[Jacinto], desconfiado, provou o caldo, que era de galinha e rescendia. (...) Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: 
-
−  Está bom!

Estava precioso: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia: três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.

 − Também lá volto!   −  exclamava Jacinto com uma convicção imensa.   − É que estou com uma fome... Santo Deus! Há anos que não sinto esta fome.

Foi ele que rapou avaramente a sopeira. E já espreitava a porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija rapariga de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o sobrado - e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!... Tentou todavia uma garfada tímida - e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:

 - Ótimo!... Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia! 

E por esta santa gula louvava a serra, a arte perfeita das mulheres palreiras que em baixo remexiam as panelas, o Melchior que presidia ao bródio...

- Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo! 

O homem óptimo sorria, inteiramente desanuviado: 

- Pois é cá a comidinha dos rapaz da quinta! E cada pratada, que até Suas Incelências se riam... Mas agora, aqui, o Sr. D. Jacinto, também vai engordar e enrijar!

O bom caseiro sinceramente cria que, perdido nesses remotos Parises, o senhor de Tormes, longe da fartura de Tormes, padecia fome e mingava... E o meu Príncipe, na verdade, parecia saciar uma velhíssima fome e uma longa saudade da abundância, rompendo assim, a cada travessa, em louvores mais copiosos.  (...)

In: Excertos de: Queiroz, Eça de -  A Cidade e as Serras". Livros do Brasil, 2016, pp. 153/153 (Obras de Eça de Queiro, 8) (Fixação do tcxto e notas de Helena Cidade Moura).

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24642: Manuscrito(s) (Luís Graça) (228): Uma romã e um cacho de uvas douradas, para ti, querida Nita(s), com a nossa (e)terna saudade

 

Foto nº 1 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023) (*)

Foto nº 2 > Quinta de Candoz > Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), a Mi (cunhada) e a Chita (Alice, irmã)

Foto nº 3 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (1)...



Foto nº 4 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (2)...



Foto nº 5 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Os cachos  (arinto / pedernã) que a Nita(s) adorava apanhar...


Foto nº 6 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindimas...Este ano começou a vondimar-se mais cedo, foi um ano "atípico", diz o nosso engenheiro e enólogo... Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos..., para dar uma mãozinha.


Foto nº 7 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindima...Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos... Filhos, sobrinhos/as, sobrinhos-netos...


Foto nº 8 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Antigamente acarretava-se os "cestos de vime" às costas até ao lagar... Hoje, felizmente, o trator alivia-nos as costas...


Foto nº 9 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Tud0 gente da casa, da 2ª e 3ª geração...



Foto nº 10  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Cestos (de plástico...) cheios de uvas de castas (loureiro, avesso, algum alvarinho...),  que amadurecem mais cedo.


Foto nº 11 > Quinta de Candoz > Vindimas > 9 de setembro de 2023 > A "romãzeira da tia Nita(s)", na borda de um dos nossos campos... (Nome científico: Punica granatum)


Foto nº 12  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > As primeiras romãs maduras para a "tia Nita(s)" com a nossa (e)terna saudade...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Amigos e camaradas, deixem-me falar de outra das minhas geografias emocionais, que é Candoz, a Quinta de Candoz, ou Tabanca de Candoz, como eu também gosto de lhe chamar.  

Há quase meio século, desde 1975, que venho aqui, à casa  e à terra onde nasceu a mãe dos meus filhos. Por herança (e opção), somos sócios da Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal).  Havia momentos especiais do ano, festivos, em que não podíamos faltar: o Natal,  a Páscoa, as vindimas... Mesmo estando longe, a 350 km de distância, eu, a Alice, os nossos filhos, procuramos estar aqui em Candoz nessas datas...

As vindimas são um momento mágico e agregador das famílias que nasceram no campo e sempre conviveram com a terra e a vinha. Mesmo quando se partia para a cidade (Porto, Lisboa) e depois para o Brasil, a França e a guerra em África, Moçambique e Angola (como foi o caso dos très rapazes da família),  quem podia vir, vinha dar uma ajuda quem não podia vir, escrevia cartas ou aerogramas cheios de saudade...  

Dos seis filhos do casal José Carneiro e Maria Ferreira, quatro (três raparigas e um rapaz) decidiram constituir, nos anos 80, a Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal) e constuir uma vinha inteiramente nova, nos solcalcos roubados ao longo dos séculos à floresta de carvalhos e castanheiros, sustentados por grossos muros de pedra, e que está na família Ferreira Carneiro desde pelo menos os primeiros decénios do séc. XIX. 

Era uma pequena exploração familiar projetada, há 40 anos, para produzir no máximo 20 pipas (c. 15 toneladas de uvas),  de vinho verde branco, das castas arinto/pedernã e azal (maioritariamente, mas também com videiras  de loureiro, alvarinho e avesso), a uma cota entre os 250 e 0s 300 metros acima do nível do mar.

Durante estes anos todos a nossa Nita (para o marido e os filhos) ou Nitas, a "tia Notas" (para os restantes familiares e amigos) foi a "alma" desta pequena comnunidade. A morte, traiçoeira, levou-a aos 76 anos, depois de trabalhar uma vida inteira como engenheira química no laboratório do Departamento de Engenheiria Química do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto (*)

Este  é o primeiro ano que fazemos a vindima sem a sua presença física. Nas duas primeiras fotos acima, de 18 de setembro de 2020, ela já sabia o diagnóstico da doença que a haveria de matar, e a que não teria sido alheia a exposição profissional a substàncias cancerígenas.  Estóica e digna na doença, e ainda em tempo de pandemia de Covid-19, a Nita(s) não deixava de nos brindar com o seu sorriso luminoso, a sua gentileza, a sua fotogenia, o seu carinho , a ternura, o amor, o desvelo, a entrega, a generosidade e a alegria que sempre pôs em tudo o que fazia,  bem como nas relações que mantinha com  os outros. 

Foi fada e rainha deste lar.

Estas primeiras fotos da primeira vindima de 2023 (vamos fazer três, e no próximo fim de semana a maior) é dedicada à nossa querida Nita(s), figura tutelar da nossa Quinta de Candoz. Para ela vai um cacho de uvas douradas e a primeira romã madura que colhemos da sua romãzeira. (**)

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Notas do editor:

(*) 26 de março de 2023  > Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)

(**) Último poste desta série : 18 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

sábado, 26 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24591: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (42): Saudades da caldeirada de peixe de antigamente... Valha-me a "Chef" Alice e o "chef" Tony Levezinho




Lourinhã > "Chez Alice" > 25 de agosto de 2023 > O almocinho hoje foi caldeirada de peixe para seis, incluindo a neta, o filho, a nora e a vovó da Madeira

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em matéria gastronómica, havia coisas na Guiné que eram um luxo, sendo difícil ao "pobre do vagomestre" fazer, já não digo uma surpresa, mas uma gracinha na messe (também já não falo do "rancho" onde se rapava fome...).  

No mato, não havia carne decente, não havia bom peixe, muito menos marisco... Uma vez por outra, lá se arranjava um cabrito, um leitão, umas galinhas raquíticas... e alguma caça: gazela, lebre, galinholas, javali... Mas isso era só para alguns, servido como petisco "semi-clandestino", fora da messe ou do rancho... Para se comer um "bifinho com ovo a cavalo e batatas fritas"(supremo luxo de um operacional do mato!)  só em Bafatá, Bissau e pouco mais...

Esses tempos de fomeca (houve gente que passou dois anos a comer arroz ou espargute com conservas...) vêm a propósito da carestia de vida hoje em dia: o preço do peixe disparou (e o melhor do peixe português vai para Paris, Roma, Madrid, Londres, Bruxelas...),  o polvo, os moluscos, o marisco, etc. que eram comida dos pobres e servidos nas tabernas do meu tempo de infância e adolescència, tornou-.se proibitivo para a maior parte das bolsas portuguesas.

Ainda me lembro, no anos 50/princípios dos anos 60,  da lagosta vendida na lota, em Porto das Barcas, Porto Dinheiro ou Paimogo a sete e quinhentos (escudos) o quilo (!), enquanto o tamboril se deitava fora, por ser muito feio, e por não ter valor comercial  nem gastronómico... A sapateira, a santola, a navalheira, o polvo, os ouriços do mar, as lapas, os mexilhões, os percebes, as enguias, etc. não íam à mesa dos ricos...

Tudo isto para dizer que é difícil, hoje em dia, comer uma boa caldeirada de peixe, num bom restaurante à beira mar, com cheirinho a maresia, a não ser pagando uma boa nota preta... 

Por isso eu prefiro ir ao "Chez Alice": com très ou quatro qualidades de peixe (raia, safio da barriga, cação, etc.), mais uns camarões, umas navalheiras e umas amêijoas para pôr no  fundo do tacho  e "não deixar torrar", faz-se uma caldeirada de cinco estrelas, mesmo assim relativamente económica e de fazer criar água na boca... 

Claro, a batata tem que ser boa, e a Lourinhã, nessa matéria,  é umas das melhores terras não só de Portugal como da Europa para produzir batata (de diversas qualidades)... Caldeirada com batata de puré é uma desgraça!... O resto é o gémio culinário do/a nosso/a chef(s)... Neste caso, a Alice (que aprendeu com a minha mãe a cozinha estremenha).

E, por favor, não estraguem a caldeirada adicionando-lhe umas sardinhas... gordas!... É um desastre culinário... Adoro a sardinha (que é também do mar do Cerro, Lourinhã, e desembarcada em Peniche), mas só grelhada, com uma batatinha e pimentos ou até  só com uma boa fatia de pão caseiro, comida de preferència na Tabanca do Atira-te ao Mar...

Bom apetite!

PS1 - Estou à espera da caldeirada  do Tony Levezinho, que tem ganho prémios nas festas dos pescadores em Sagres!... Ele prometeu vir aqui um dia à Lourinhã mostrar os seus dotes culinários (que de resto já tinham alguma fama em Bambadinca e que nós temos mostrado no blogue)...

PS2 - Com os restos da caldeirada (a "auguinha") faz-se uma sopa de peixc divinal para se comer à noite!... De massinhas. Picantezinha, como convém...

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domingo, 20 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24569: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (40): Comidinhas de verão: amêijoas, atum fresco e salada... ("E quando os coentros no Norte sabiam a "fedelho" e não iam à mesa do rei?!")



Lourinhã > "Chez Alice" >  15 de agosto de 2023 > Amêijoas com um molhinho de coentros picados, atum fresco de cebolada e salada de alface e cebola... 

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. De que é que um cristão precisa mais cá na terra, em pleno verão, no nosso outrora querido mês de agosto? Amêijoas, de entrada, atum fresco de cebolada com uma batatinha com pele, uma saladinha, um copo de branco fresco...

A sugestão é da "chef" Alice que, infelizmente, eu não apanhei na Guiné, em 1969/71, como "vagomestre". Nessa altura eu não fazia a mínima ideia onde era Candoz, onde ela nasceu, em 1945, a cerca de 320 km a norte da minha terra, Lourinhã... 

Conheci-a aqui, quando ela veio para cá trabalhar, em 1973, para a equipa da "Junta de Colonização Interna" (sic). Vinha do Parque Nacional da Peneda-Gerês que ajudou a criar...

Há encontros felizes...

Fica aqui mais a sugestão gastronómica de verão do nosso "vagomestre de serviço", mesmo que os ingredientes  estejam mais caros do que no ano passado (o atum, as amêijoas, até a batata e a cebola). Mas já que falamos de batata, tenho que deixar aqui o sítio de um homem da minha terra, o Raul Reis, do Sobral, Lourinhã,  que fala "de cátedra" sobre a(s)  batata(s) do nosso contentamento (era um luxo na Guiné, no nosso tempo).  Batata Ratte, batata olho de perdiz, batata raiz-de-cana, batata Asterix... Tudo produtos "gourmets"...

Amigos e camaradas, boa continuação do verão, bebam água, protejam-se do sol (que também faz bem aos ossos), cuidado com as insolações e o cancro de pele... e sobretudo com as minas & armadilhas espalhadas ao longo do troço da picada que nos falta palmilhar neste terço da vida.

Continuamos,  entretanto,  à espera que os outros nossos 'vagomestres' nos mandem ao menos as fotos dos seus "petiscos de verão"... Comam bem o que bem vos apetecer (e se puderem...),  mas não se esqueçam de partilhar as vossas fotos... gastronómicas (LG).

PS - Costumo contar, com algumna graça, que fui eu e Alice que introduzimos os "coentros" (e as "amêijoas") na culinária da Quinta de Candoz... No nosso casório, realizado em 7 de agosto de 1976, lá na Quinta de Candoz, levámos marisco (camarões e sapateiras), e amêijoas com fartura... Aquela gente do Norte nunca tinha cheirado nem muito menos mastigado o raio da erva da terra dos mouros (Coentro, Coriandrum sativum, do grego κορίαννον) ... 

"Sabe a fedelho, carago|!", diziam os mais novos... (A língua portuguesa é tramada.)

Primeiro estranhava-se,  cuspia-se e... despois entranhava-se como todas as novidades boas...  E os ceontros vieram para ficar, lá em Candoz... Hoje cultivam-se na quinta... E toda  gente é fã das amêijoas à Bulhão Pato. Agora temos que tentar... a sopa de beldroegas (a tal erva daninha onde os cães e os gatos mijam).

Quando eu ia ao estrangeiro, em trabalho, ou recebia colegas estrangeiros em Portugal, sempre fiz propaganda das nossas amêijoas à Bulhão Pato: "the small femnale Portuguese clams with olive oil and coriander"... No passado era comidinha dos pobres, que não ia à mesa do rei... "Coentros e rabanetes não vão à mesa do rei", diz a letra do fado de Jorge Atayde, interpretado por Rodrigo.
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fedelho|â|ou|ê|
(fe·de·lho)



Regionalismo |  Entomologia

Inseto hemíptero (Nezara viridula), de cor verde, que liberta um cheiro desagradável quando se sente ameaçado.

nome masculino

1. Criança que ainda cheira a cueiros.

2. Jovem muito novo.

3. Criança traquinas ou impertinente. = Badameco

4. [Regionalismo] [Entomologia] Inseto hemíptero (Nezara viridula), de cor verde, que liberta um cheiro desagradável quando se sente ameaçado. = Percevejo-do-Monte, Percevejo-Verde

"fedelho", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/fedelho.
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Nota do editor:

Último poste da série >: 19 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24568: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (39): Lagoa de Óbidos, Bom Sucesso: Enguias fritas no "Covão dos Musaranhos"

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

 


Lourinhã > Praia de Vale de Frades > 14 de agosto de 2018 > Paisagens jurássicas > A Alice, ao fundo, virada para as Berlengas, o Cabo Carvoeiro, o forte de Paimogo...  


Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Querida Chita:

 Há dias escrevi uns versinhos,

por ocasião da efeméride do nosso casamento,

em 7 de agosto de 1976, 

versinhos esses que não cheguei a acabar (*)…

Acabo-os hoje, no dia do teu 78º aniversário (**):

 

Há já quarenta e sete

Que estamos os dois casados,

Mas um só,  de namorados,

Que fique aqui de lembrete.

 

Teve momentos bonitos,

Alegrias e tristezas,

Dúvidas e incertezas,

Sorrisos e alguns gritos.

 

Eu não estou arrependido,

Feito o deve e o haver,

Que posso amanhã morrer,

Fica aqui o registo devido.

 

Gostei do nosso casório,

Lá na Quinta de Candoz,

Com os pais,  manos e nós,

Só faltou o foguetório.

 

E tu também, aposto,

Com o "anho" à maneira,

Houve “bailo” lá na eira,

 Nesse querido mês de Agosto.

 

Tu escolheste a pousada,

Lá no alto do Marão,

Eu roubei teu coração,

Tu dizes que foste enganada.

Querias Braga para morar,

Ou o Porto, ali mais perto,

Não, eu não fui mais esperto,

Se a Lisboa fomos parar.


São teus filhos alfacinhas,

De Lisboa gostam de sê-lo,

O teu amor não vão perdê-lo,

São eternas criancinhas.

 

E, a juntar à Joana e João,

Há agora uma Clarinha,

Que, diz a avó, babadinha,

Não lhe cabe no coração.

 

Setenta e oito degraus,

Muitos anos e canseiras,

Mutos erros e asneiras,

Nesta escada de calhaus.

 

Não vale a pena parar,

A vida é p’ra se viver,

Com momentos p’ra sofrer,

É tudo sempre a somar.

 

Se for a dois, tem mais graça,

Tu e eu, mesmo de muletas,

Fui-me abaixo das calhetas,

Tenho esperança, isto passa.

 

A melhor prenda que te dei,

Foi ontem os seiscentos passos,

Para ti podem ser escassos,

Mas foram os que eu andei.

 

Do ginásio ao café,

Sem muletas nem encosto,

Deu-me ânimo e gosto,

Ter andado tanto a pé.

 

E p´ró ano, fica agendado,

Irmos a uma ilha, os dois,

Mas sem muletas, pois, pois,

Provando que estou... curado.

 

Teu Nhicas.

 Praia da Areia Branca, 7 e 18 de agosto de 2023.

 

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Notas do editor:

(*) +Ultimo poste da série > 12 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24550: Manuscrito(s) (Luís Graça) (226): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte IVB: Enfermagem, Misoginia e Sexismo

(**) Vd. poste de 18 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24562: Parabéns a você (2194): Maria Alice Carneiro, amiga Grã-Tabanqueira

Guiné 61/74 - P24562: Parabéns a você (2194): Maria Alice Carneiro, amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24558: Parabéns a você (2193): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador Metralhadora da CCAÇ 2382 (Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Buba, 1968/70)

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24492: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (38): O arroz de lingueirão à moda de Candoz







Marco de Canaveses > Paredes de Viadorees > Candoz > Tabanca de Candoz > 15 de julho de 2023 > Aqui também chegam os sabores do mar...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1.  Dez dias de "férias & trabalho" na nossa Quinta .de Csndoz, longe da Lourinhã, da fisioterapia e do ginásio,... e do blogue (já que o acesso à Net é reduzido),  não nos impedem, a mim e à Alice, de manter a tradição do petisco... com sabor a mar. 

Ontem foi uma sardinhada, à moda antiga, para 15 pessoas. A Alice juntou cá os manos vivos.  O  Zé Carneiro  trouxe as sardinhas da lota de Matosinhos, e foram as melhores que comemos este ano, assadas em lenha de videira (que é a melhor)... Como se diz aqui, "souberam-nos pela vida"..., independentemente da sua origem (parece que foram pescadas no mar de Sesimbra). E lembraram-se os tempos da "sardinha para très"...

Há dias a "chef" Alice fez um arrozinho de lingueirão (ou navalha)... É um prato simples e delicioso, com arroz de tomate e coentrinhos.  (Podia levar pimentos, mas não  levou para estragar o gostinho a maresia do molúsculo...). 

 O "segredo" é lavar bem o lingueirão (ou navalha). libertando-o de toda e qualquer impureza , em particular a areia (que é extremamente desagradável para os nossos dentinhos e língua). Aproveita-se a "auguinha" onde se coze o molúsculo... 

Quanto ao resto, há para aí muitas receitas na Net, que o leitor pode consultar. Como sempre, estava um arrozinho de comer e chorar por mais...Esta gente aqui é especialista a cozinhar o arroz (de mil e uma maneiras)...

Amigos e camaradas, b0m verão,  e que Deus Nosso Senhor não  vos tire o apetite... Continuamos à espera que os nossos 'vagomestres'  nos mandem ao menos as fotos dos seus "petiscos de verão"... Comam bem (o que não quer dizer muito...)  e partilhem ao menos a vossa fotogaleria... gastronómica.  (LG)

II. Lingueirão, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

lingueirão |güei|
(lin·guei·rão)

nome masculino

1. Língua grande.

2. [Zoologia] Molusco acéfalo bivalve, com concha retangular estreita e longa. = Canivete, Ligueirão,Lingueirão-de-Canudo,Longueirão, Navalha, Navalheira.  

Origem etimológica: língua + -eirão.

"lingueirão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/lingueir%C3%A3o#google_vignette.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24310: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (35): chegou a primavera (mesmo sem "abril, águas mil"), que vai bem com (diz a 'Chef' Alice): (i) favas com casca, suadas, à moda alentejana; (ii) carapauzinhos fritos com arroz de tomate; e (iii) favas suadas à moda da Maria da Graça... Sem esquecer: (iv) o festival literário "Livros a Oeste (11ª edição, Lourinhã, 9-13 mai 2023); e ainda (v) a 14ª quinzena gastronómica do polvo (Lourinhã, 17-31 mai 2023)...


Lourinhã > Chez Chef Alice > 12 de maio de 2023 >  "Favas com casca... suadas, à moda alentejana"


Lourinhã > Chez Chef Alice > 10 de maio de 2023 >  "Carapauzinhos fritos com arroz de tomate"


Lourinhã > Chez Chef Alice > 24 de abril de 2022 >  "Favas suadas à moda da Maria da Graça"

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já passou o Abril, mas não vieram as águas mil... Estamos em plena primavera do nosso (des)contentamento... Veio a seca, para ficar, cada vez mais cíclica... E,  se água "cá tem" nas nossas hortas, deixamos de poder jogar aos feijões e, pior ainda, de poder fazer as favas suadas ou o arroz de tomate com peixe frito... Em contrapartida, teremos, pelos santos populares, a boa (?) sardinha assada no pão... Já se vende na praça, aqui, a cinco euros (já vai o tempo em que, perdulários, dizíamos: "ao preço da chuva"...)

Como sugestões dos nossos 'vagomestres', para estes dias em que a fava ainda aparece nos nossos mercados locais, aqui vão dois pratinhos, de resto já divulgados, da nossa 'chef' Alice: as costumeiras favas suadas (à moda da senhora minha mãe, Maria da Graça, que Deus já lá tem), e as favas com casca (colhidas ainda jovens, tenrinhas)... 

Neste último caso, são feitas ´"à moda alentejana", e aproveita-se tudo, a casca e a fava... (Não confundir com as ervilhas de quebrar, que também são de comer & chorar por mais: este, sim, um prato duriense, das gentes da Tabanca de Candoz...

As favas com casca (com entrecostro, ou só enchidos, com destaque para o "chourico preto"...) não são prato que se encontre nos restaurantes aqui à volta, contrariamente aos   carapauzinhos fritos com arroz de tomate... (Não se diz "jaquinzinhos", que a ASAE não deixa.)

Bom proveito... E mandem-nos também as vossas sugestões, enquanto a gente ainda puder andar por qui, pela Terra da Alegria... A prazo, claro, estamos a  prazo.Mas esta semana, também há cá o festival literário "Livros a Oeste"... Porque, na terra dos dinossauros, nem só de favas vive o homem... Amanhã, 13, é o último dia... LG



Cartaz do festival literário "Livros a Oeste", Lourinhá, 9-13 de maio de 2023... Este ano subordinado ao mote  "Entre nós... e as palavras" (verso do poeta Mário Cesariny, que faria 100 anos)...  Vai já na 11ª edição, realizado pela CML desde  2012. Programador cultural: João Morales.... 

E para a semana, começa  a 14ª quinzena gastronómica do polvo (Lourinhá, 17 a 31 de maio de 2023). 
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Nota do editor:

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24202: Manuscrito(s) (Luís Graça) (221): Boas e santas Páscoas, nós por cá... todos bem!

 

Quinta de Candoz > s/d > Visita do compasso pascal...


Joana Graça (2014) - Técnica mista, 30 x 40 cm. S/ título

Cortesia de © Joana Graça (2014). Todos os direitos reservados


A Páscoa em Candoz: 
no tempo em que ainda estávamos todos vivos, 
e felizes, e de boa saúde
 

À Nitas (que era a deusa do lar  
e a oficiante da liturgia de Candoz);

À Joana (que hoje faz anos, e que desde pequenina gostava 
de brincar com a fada Oriana em Candoz);

À Chita (que é a mãe da Joana,  a "alma gémea" da Nitas 
e a minha feiticeira  de Candoz);

Ao Gusto (que há 49 anos, em 6/4/1974, se casava com a sua "Nita"
 e que, por amor, se tornou o senhor "engenheiro" de Candoz, 
agora inconsolado e inconsolável com a perda 
daquela que era "mais de metade" do seu ser)

 

Quinta de Candoz > c. 1999 >Os manos e sócios, da esquerda para a direita: Chita (Alice), Nitas (Ana) (1947-2023), Zé e Rosa


Era  domingo de Páscoa na aldeia. 
Fazia frio mas o sol estava esplêndido. 
Era um daqueles dias 
em que a gente  se reconciliava  com a vida. 
Nem que fosse por uns breves instantes. 
Com a vida, mas não necessariamente 
com o mundo. 
Como o Eça e o seu príncipe Jacinto, 
em Tormes, ali ao lado, 
do outro lado do vale,
à volta de um copo de vinho verde, branco,
 de umas cebolinhas do talho 
com presunto ou salpicão.
(Não havia favas, em Candoz, 
havia as ervilhas de quebrar.)

A manhã, primaveril, trazia-te 
os sons, as cores e os cheiros do campo.
Um outro campo que não o mesmo 
da tua infância da Estremadura. 
Descobriste, tarde, esta parte 
do Portugal sacroprofano
que era mais pagão, celta, visigótico e românico 
do que fenício, romano, judeu, mouro ou gótico.

Um citadino, como tu, não sabia 
o que era isso de ouvir, 
logo pela manhã, 
os galos a cantar nos seus galinheiros. 
Ou ver as cerdeiras (cerejeiras) em flor. 
Ou observar os melros de bico amarelo 
pousados nas videiras 
que desabrochavam, em gamões.


Quinta de Candoz > s/d > O pôr do sol nos montes (aqui chamam montes aos pinhais, onde outroram cresciam carvalhos e castanheiros)


Um citadino como tu 
não tinha o privilégio de ouvir falar dos gaviões 
nem das suas frágeis presas. 
Nem sabia por que autoestradas andavam 
as toupeiras, os ouriços-caixeiros 
e as raposas deste país. 
Nem por que razão falavam alto e bom som 
aquelas gentes de além-Douro. 
Nem o seu gosto desmedido pelo fogo 
que ribombava como o trovão.

Nos campos de erva, de diferentes tonalidades de verde,
eram  visíveis as partes  cortadas para as ovelhas, 
entáo recolhidas nas cortes, 
à medida que os gamões das videiras 
cresciam a olhos vistos.

Na grande matança da Páscoa, 
o inocente que era sacrificado, 
era o cordeiro, o anho
o ex-libris da gastronomia da região. 
Já fumegabvam as chaminés 
enquanto ao longe se ouvia
o estralejar dos foguetes. 
O compasso pascal andava por aí, 
alvoraçado como a canalha
já vinha no Alto, já chegava ao Cruzeiro, 
com a cruz abrindo os tortuosos caminhos e estradões
e exorcizando os medos ancestrais.

In hoc signo vinces
Com este sinal vencerás. 
Desde Constantino, o Imperador, 
que a cruz marcava a vida dos servos da gleba 
e depois os cabaneiros, os rendeiros e os camponeses,  
do nascer ao morrer. 

 Levava dois dias a percorrer a freguesia. 
A cruz, o Cristo pregado na cruz, 
o compasso, 
os homens da opa vermelha 
e o menino da sineta, 
de sobrepeliz branca como o anjo. 
Pouco mais de mil almas 
e algumas escassas centenas de fogos, 
dispersos, a visitar:
"Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!", 
proclamava o homem da opa vermelha, 
o mordomo da festa sacroprofana,
que fazia as vezes do padre.

Em frente o vale e a montanha. 
A linha do Douro.
O rio Douro ao fundo. 
Pacificado,
onde já não chegava o sável e a lampreia,
nem o barco rabelo com o néctar dos deuses.

Cem anos depois, o Eça não voltaria a escrever 
A cidade e as serras.
Havia ainda um mundo a desmoronar-se. 
E testemunhas vivas desse mundo. 
O mundo dos rendeiros e dos camponeses pobres 
que decidiram trocar o arado
e as juntas de bois
e a rega do milho
pela linha de montagem automóvel 
ou pelos chantiers da construção civil 
nos arredores de Paris
ou pelas as fábricas do Porto.


Quinta de Candoz > s/d > A preparação do anho... Ainda a Maria da Graça (1922-2014) (à esquerda) era viva... Veio do Sul em visita aos do Norte. A meio a Alice (Chita) e, à sua esquerda, a cunhada Maria (Mi).


Já havia a barragem do Carrapatelo, 
e as suas eclusas,
as antenas das telecomunicações 
e os moínhos eólicos no alto das serras. 
E o Mercedes de matrícula K.
E o alcatrão. 
E os telemóveis.
E as casas do granito 
arrancado às pedreiras de Alpendorada.
O progresso cobrava o seu preço,
a globalização também. 
Estradas e estradões tinham esventrado 
o cenário bucólico 
que outrora escondia a miséria dos casebres 
dos cabaneirosos mais pobres dos pobres. 

O Zé do Telhado já há muito que morrera, 
desterrado em Angola, 
mas ainda continuava vivo 
nos telhas vãs da memória
das gentes dos vales do Sousa e Tamega
Os netos dos antigos senhores, os fidalgos
proprietários agrícolas absentistas 
do Porto e da Foz do Douro, 
recuperavam as casas dos caseiros 
e faziam delas a sua casa de campo. 
Com piscina e court de ténis. 

O povoamento continuava disperso 
pelo verde e pelos socalcos. 
Os montes estavam carecas 
depois das últimas décadas de incêndios. 
Já há muito que regressara
o último soldado das colónias 
e se escrevera o último aerograma
a dar conta do fim do Império.
Os brasileiros tinham dado lugar 
aos franceses.
E o Porto ali tão perto. 
Cada vez mais perto 
com as autoestradas, as IP e as IC  do país motorizado.

Um mundo quase perfeito, visto da janela do teu quarto. 
Domingo de Páscoa, de manhã. 
Faltavm-lhe só, porventura, os camponeses, 
que morreram. 
E os que emigraram. 
E os que não voltaram. 
E os soldados que morreram, de morte matada,
nas guerras do passado.
E os que morreram, mal haviam nascido. 
Que as famílias eram numerosas 
mas a mortalidade infantil altíssima. 

Passavas os olhos 
pelas paredes da casa, de grosso granito. 
Já tinham albergado 
sete, oito ou mais gerações, 
que os seus registos só iam até 1820. 
Não era nada, se quando sabias  
que os australopitecos, teus antepassados, 
tinham evoluído há 5 milhões de anos, 
200 mil gerações atrás.


Quinta de Candoz > s/d > O fogo, depois do recolher do compasso pascal


No virar do milénio, 
na madrugada do século XXI, 
Cristo continuaria a ressuscitar 
todos os anos, pela Páscoa, 
no Entre-Douro e Minho da tua aldeia
E os cristãos poderiam ver abalada a sua fé,
mas  continuariam a reunir-se 
em casa uns dos outros 
para comer o agnus Dei com arroz de forno. 
E para celebrar o milagre da vida, 
a vitória da vida sobre a morte.

Há quinhentos anos que se deitavam foguetes 
nas vilas e aldeias do teu Portugal sacroprofano. 
Não sabias nada da história do fogo de artifício, 
sabias apenas que viera da velha China 
com as naus quinhentistas. 
Para celebrar a ressurreição de Cristo, 
ou mais prosaicamente para fazer a festa. 
Que era a vitória sobre o trabalho, 
tripaliu(m) que matava a gente. 
E para marcar o tempo, o fluir do tempo, 
o solstício do inverno e do verão, 
a inexorável usura do tempo.

E todos os anos pela Páscoa, 
tu, descendente de austrapolitecos, 
assistias da tua varanda de granito 
à alegria infantil
 dos camponeses durienses, mortos há muito, 
face à orgia de fogo que assinalava, 
em cada freguesia, 
o recolher do compasso pascal. 

Da tua janela vias o mundo 
ou uma parte dele, mesmo ínfíma:
Paredes de Viadores, Mesquinhata, 
Santa Leocádia, Grilo,
Porto Antigo, Paços de Gaiolo... 
Estes nomes, medievos, passariam a ser-te familiares. 
E as serras à volta do teu presépio: 
Montemuro, Aboboreira 
e, mais ao longe, Gralheira, Meadas, Marão, 
separadas pelo vale do Douro... 
Em 2004, os de Paços 
é que lançaram o fogo mais vistoso:
"Dois mil contos de réis!"!,  
diziam as gentes da terra, 
ainda incapazes de raciocinar em termos de euros, 
dos milhões de euros do novo Brasil da Europa. 
Capricharam, os de Paços de Gaiolo, 
mas também era verdade 
que eles tinhamo dobro dos fogos 
da tua adoptiva freguesia de Paredes de Viadores.


Quinta de Candoz > s/d > Azevinho


Da janela do quarto da aldeia 
que tu também havias feito tua, 
só não podias ver o mar. 
E fazia-te falta o mar, confessavas.
O mar.
A maresia. 
O azul. 
O rugir do grande oceano Atlântico.
E o pôr do sol no mar. 
Na exacta e nítida linha do horizonte. 
E a silhueta do cabo Carvoeiro 
e das Ilhas das Berlengas.

Ah!, quanto falta nos fazia o mar, 
ó Sofia, deusa grega antiga.
Mas a hora não pensar nele, no mar. 
Nem na mediterrânica luz da poesia da Sofia. 
Naqueles domingos de Páscoa de Candoz , 
se te era legítimo ter um pensamento,
de admiração e agradecimento, 
ele ía direitinho para os antepassados 
que desbravaram Candoz 
e ergueram solcalcos e muros de pedra
em antigos montes de carvalho e castanheiro
sem esquecer os teus australopitecos 
que nunca terão chegado a estas terras  
de Candoz e de Fandinhães, 
parte do concelho, extinto em 1836, 
a que os antigos, pobres diabos, 
chamavam Bem Viver.

Da janela do teu quarto, 
com o Porto Antigo ao fundo,
na albufeira do Carrapatelo,
e enquanto aguardavas o compasso pascal, 
gritavas ao mundo dos vivos e dos mortos:
"Boas e Santas Páscoas. Nós por cá..., todos bem!"


Texto e créditos fotográficos: © Luís Graça (2023)

Texto poétixo de Luís Graça, originalmente publicado no Blogue-Fora-Nada > 13 Abril 2004 > Portugal sacroprofano - XIX: Boas e Santas Páscoas. Nós, por cá, todos bem!

Texto profundamente revisto e melhorado nesta data, 6/4/2023 (em que a minha querida Joana faz 45 anos, às dez e trinta da manhã; e a nossa Nitas deixou a Terra da Alegria há duas semanas:  faria hoje precisamente 49 anos de casada com o homem da sua vida, o Gusto, meu "mano", o "engenheiro" da Quinta de Candoz).
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