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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7300: (In)citações (21): 14 de Novembro de 1980, uma data que mudou a vida do meu país e a minha (Nelson Herbert)

1. Comentário do nosso amigo Nelson Herbert [, foto à esquerda,] ao poste P7281:


Mais Velho Rosinha:


Lembro-me perfeitamente,  aos meus 17 anos, dessa noite por sinal, a mais longa da minha vida...

Por várias razões,  pessoais e familiares. Foi uma noite que enlutou a minha familia... um orfão, um bebé de apenas um ano, para cuja educação, sem ressentimentos e ódios, fui chamado a contribuir já no exterior da Guiné. Hoje é um engenheiro licenciado aqui,  nos Estados Unidos, entretanto há anos radicado na Suécia !


Tratar-se-ia pois do primeiro, de duas crianças, membros da minha família, orfãos, vítimas das purgas internas do PAIGC. A segunda é uma jovem formada em Administração de Empresas na Africa do Sul, hoje residente em Angola...


Portanto,  a noite de 14 de Novembro não só alterou o curso da história da Guiné,como acabou por influir no destino e nos projectos da minha vida, como jovem...

Foi por sinal a noite em que o cine-teatro UDIB exibia o filme "Estado Sítio" [État de siège, de Costa-Gravas, 1972]... Se não me falha a memória, um filme retratando também ele um golpe de estado militar algures na América Latina... 


Antecipando a sessão, os primeiros tiroteios aconselhavam a um recolher obrigatório...E a sessão ficou adiada.. 


Sabe que ainda hoje,  algures nos meus arquivos pessoais da Guiné, conservo o bilhete de cinema desse dia, na esperança de um reembolso (Ah Ahhhh)? Aqui pelos States virou hábito vasculhar os clubes de vídeo americanos, em busca de uma cópia do filme, a que não cheguei a assistir !

Foi igualmente a noite em que,  a escassos metros da minha casa, e tendo como alvo uma residência vizinha, um violento tiroteio e explosões envolvendo disparos de tanques e de armas automáticas, punham fim à vida de António Buscardini [1943-1980], o ex-chefe da secreta do governo de Luís Cabral...

A noite mais longa... e de insónias !


Como na época era proibido contrariar os ânimos e os próprios argumentos justificativos do golpe militar (aliás,  sobre este aspecto o meu conterrâneo Cherno Baldé [ e não Djaló, lapso do Nelson] referiu-se em tempos de forma precisa num post deste blog à então unanimidade reinante entre os guineenses nessa matéria), entre o querer ficar mas ter que partir, havia uma opção a ser feita !

Foi pois igualmente a noite determinante da minha decisão de, apesar de jovem, procurar outros rumos mais além. Para tal foi apenas necessário alguns meses de um compasso de espera, o tempo suficiente para a conclusão do ano lectivo e consequentemente do 2º  ano do curso complementar (o antigo 7º ano dos Liceus).


Na altura eu era um jovem professor integrante das então brigadas Chico Tê, a de jovens professores ao serviço da massificação da educação e do ensino na Guiné !


Portanto a todos os níveis, incluindo episódios que por enquanto prefiro manter reservados, a noite de 14 de Novembro de 1980  acabou por alterar não apenas o rumo da Guiné Bissau (*)...mas também o meu próprio destino e projecto de vida ...

Mantenhas

Nelson Herbert
Washington DC,USA
__________________


Notas de L.G.:


Último poste desta série > 13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7272: (In)citações (25): 14 de Novembro, às 10h30, na BBC, mais um Remembrance Day (António Martins de Matos)


(*) Vd. também o depoimento de Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote" (que esteve com  Buscardini antes de este morrer) na página de Didinho: Resistência e morte de António Alcântara Buscardini, 6/10/2006. Em Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, conheci pessoalmente a viúva de Buscardini, Isabel. Era então ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria.


Sobre Norberto Tavares de Carvalho, que foi preso  na sequência do golpe de Estado de 'Nino' Vieira, vd. o poste de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3125: História de vida (14): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)


Sobre Buscardini (e o seu papel no processo que levou ao fuzilamento dos ex-Comandos Africanos, em 1977/78), ver ainda o site do seu sobrinho, António Buscardini, e em especial um extenso extracto de declarações de André Gomes, chefe do departamento do Estado-Maior da Guiné-Bissau,  em Novembro de 1980, "no Comissariado do Interior no pós-golpe de Estado conduzido pelo ex- Comissário-Principal do Presidente Luís Cabral, 'Nino' Vieira"...


Infelizmente, o webmaster não cita a fonte bibliográfica, em suporte de papel ou em suporte digital, donde extrai as sinistras e arrepiantes declarações do dirigente do PAIGC sobre os fuzilamentos de 1977/78 (e nomeadamente os de Nhacra), encenadas ou não, obtidas sob coacção ou não, mas com o propósito de incriminar Luís Cabral, António Buscardini e outros, que pertenciam à facção derrotada em 14 de Novembro de 1980.

O material foi colocado na página pessoal (Polonii, plural de Polon, Poilão),  de António Buscardini, filho de José Manuel Buscardini, e  sobrinho do antigo homem forte do regime de Luís Cabral, em 5/7/2007. Presumo que a fonte original seja o Nô Pintcha, o órgão do PAIGC, que passou a estar alinhado com a facção vencedora.  Uma das medidas mais mediáticas tomadas pelos vencedores do 14 de Novembro de 1980 foi a de tentar 'diabolizar' o regime de Luís Cabral,  com a 'revelação' das valas comuns  de Porto Gole, Farim, Cumeré e Nhacra, contendo os restos mortais de cinco centenas de guineenses, executados sumarimente como contra-revolucionários, 10% dos quais pertenciam ao antigo Batalhão de Comandos Africanos.

Recorde-se que este destacado militante do PAIGC, André Pedro Gomes, um dos braços direitos de Buscardini,  era o comandante da guerrilha na região  de Caboiana/Churo, aquando do chamado massacre do chão manjaco, em 20 de Abril de 1970.

Em 17 de Fevereiro de 1968, terá sido ele a chefiar o comando que flagelou, com foguetes (Katiusha),  o aeroporto de Bissau.

Em 1972 era um homem da inteira confiança de Amílcar Cabral, membro do Comité Executivo da Luta e Comandante da frente Nhacra – Morés.

Em 31 de Dezembro de 1980, um mês e meio depois do golpe de Estado,  o Nô Pintcha noticiava o seu "suicídio" na prisão...Enfim, há mais referências, no nosso blogue (II Série), ao André Pedro Gomes...