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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25168: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte III: a CCAÇ 3545, de Canquelifá, no início de abril de 1974, "à beira da exaustão física e emocional"


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza  (*).

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A 23ª hora, a das "hienas", o da "lobo" (nome da hiena na Guiné-Bissau, conforme a linguagem dos contos populares em crioulo)...

Também o último governador-geral e com-chefe do CTIG, gen Bethencourt Rodriges, subtituto do lendário Spínola, teve a sua 23ª hora...  E acabou por ser derrotado não pelos "leões", mas pelas "hienas"...

Sem querer denegrir a sua folha de serviços (foi um brilhante militar, como tantos outros   
que "serviram Portugal em África", uma frase "redonda" e "barroca"...), achamos que foi sobretudo um erro de "casting": acabou por ser sacrificado no "altar da Pátria" pela visão míope de um senhor professor catedrático, especialista em direito administrativo, Marcello Caetano, delfim mal amado de Salazar, prisioneiro da extrema-direita do regime do Estado Novo, a quem faltou o golpe de génio, a grande leitura da história de Portugal e do Mundo, o rasgo de liderança dos "homens grandes" da Pátria,  para enfrentar, ética, moral, estratégica e politicamente, uma situação de guerra que se estava a degradar a olhos vistos, nomeadamente na Guiné e em Moçambique...  

O "herói do leste de Angola", o gen Bethencourt Rodrigues, o melhor do seu curso da Escola do Exército (que reminou em 1939),  atolou-se nas "bolanhas" da Guiné, e nas arnadilhas da política (ou do seu vazio...) e sobretudo foi incapaz de acrescentar um "suplemento de alma" a um exército (metade metropolitano e metade guineense, como ele ele próprio reconheceu mais tarde, em 1977, no seu "testamento político-militar" ("traído, vencido e pouco convencido") (**),  que estava cansado da guerra, e de combater sem um fim à vista e sem novos meios para fazer frente à nova estratégica do PAIGC (e dos seus poderosos aliados), que era a do tradicional "bate e foge", mas agora a partir das fronteiras (refugiando-se impunemente nos seus  santuários do Senegal e da Guiné-Conacri, onde Portugfal não poderia atuar, retaliando, sob pena de graves sanções internacionais, e de escalada do conflito,  sobretudo depois da desastrada Op Mar Verde, de 22 de novembro de 1970).

Nada correu bem a Bethencourt Rodrigues, para mais quando vai tomar posse a seguir à declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau, e passado um mês e tal  começa a "époc seca" (novembro-maio), altura em que o "urso" do PAIGC saía da sua letargia,,, retomando a sua atividade operacional... As "hienas" sempre foram um predador oportunístico... E o Amílcr Cabral, nunca tendo "cão", depressa ensinou os seus correlegionários a caçar com "gato"...

Bethencourt Rodrigues podia ter fechado a guerra com chave de ouro, abrindo as portas da paz e da solução política, negociada, do conflito, eventualmente com intermediação internacional... Mas, não, foi mais um militar político,  prisioneiro da estratégia suicidária do "orgulhosamente sós"...Em 26 de abril de 1974 acaba "nas teias da traição"... Sem honra nem glória. (*)

Mas voltemos à situação no terreno: o próprio general reconhece que "a gravidade (sic) da situação  militar que se vivia na Guiné nº 1º trimestre de 1974" (in "África: a vitória traída", op. cit, 2007, pág.  140).  E a prova disso foi a obssessão do general com a alterações do dispositivo: "planeava converter as 225 guarnições em 80 e tal. A dispersão é inimiga da eficácia. Mas já não tive tempo" (disse ele, nos "Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues, link infelizmente descontinuado e não salvagurdao pelo Arquivo.pt) (***).

2. Tomemos um exemplo, constante do livro da CECA  (2015), onde se dá conta das dificuldades das NT no nordeste da Guiné (CAOP 2): por exemplo, a CCAÇ 3545 (Canquelifá) / BCAÇ 3883 (Piche) estaria mesmo "à beira de uma ataque de nervos" (isto é, isto é, com sinais gritantes de exaustão física e emocional) (****).


"Decisões do Comandante-Chefe

"Não foi possível encontrar as Directivas do Comandante-Chefe das FAG
relativas a 1974. No Arquivo Histórico-Militar estão compiladas decisões do
Cmdt-Chefe.

"Apresentam-se as mais importantes (pág. 462):

(...) • Decisão de 2Abr74 - Alteração do dispositivo (pp. 470/471)

"1. Por decisão de 1Abr74, foi o CAOP 2 reforçado com 2 CCaç Paras / BCP 21 a seguir por meios fluviais, em 3Abr, e determinando que constituísse, no mais curto prazo, com tropa da zona, uma reserva com efectivo mínimo de 3 GComb para alternar ou reforçar a acção do BCP 12.

2. Entretanto foram recebidas mensagens da CCaç 3545 (Canquelifá), do BCaç 3883 (Piche) e do CAOP 2 (Nova Lamego) do seguinte teor:

a. Da CCaç 3545: NT completamente extenuadas psicofisicamente não permitem que se desenvolva uma reacção conforme situação.

NT estão a revelar indícios de intoxicação causados por gazes libertados sentindo vómitos e náuseas. Solicito intervenção imediata forças especiais durante longo período de tempo e reforço esta com mais 1 CCaç. Para cumprimento eficaz missão que está incumbido este Comando cumpre-lhe expor situação para salvaguardar defesa mesmo.

b. DO BCaç 3883: CCaç 3545 revela situação psicológica pessoal altamente preocupante receando-se reacções incontroláveis e imprevisíveis caso futuras flagelações. Solicito imediata decisão fim garantir segurança e acautelar desenvolvimento situação de gravíssimas consequências à qual não poderemos fazer face.

Insisto necessidade urgentíssima resolução propostas urgente rendição CCaç 3545 e intervenção Canquelifá Flnterv.

c. Do CAOP 2: Virtude potencial revelado pelo ln este Comando não tem possibilidade de fazer face à situação.

3. Em conformidade, em reunião de Comandos no Cmd-Chefe em 021000Abr74, decidi o seguinte:

a. Fazer deslocar durante o dia 2Abr    por via aérea conforme solicitado pelo Cmdt do CAOP 2 dada a extrema gravidade da situação (Msg referida em 2. a.);

b. Fazer deslocar cerca 10Abrpara a Zona Leste a 1a/BCaç 4516/73 comandada pelo oficial de operações do Batalhão.

470

Esta CCaç, reforçada com 1 GComb do BCaç 3883, deverá render em Canquelifá as CCaç 3545 e 33/BCaç 4516/73, à ordem do Cmdt CAOP;

c. A CCaç 3545 fica estacionada em Piche mantendo-se integrada no BCaç 3883;

A 33/BCaç 4516/73 recolhe a Bissau logo que rendida, conforme instruções especiais para o deslocamento;

d. Fica ao critério do Cmdt do CAOP 2 a troca da guarnição do Pel Art de Canquelifá pela do Pel Art de Piche.

4. O CTIG dará instruções de carácter administrativo logístico. [... ]"

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pp. 462 e 470/471.

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I 

(**) Vd, no livro escrito a quatro mãos, "África: a vitória traída" (Lisboa, Editorial Intervenção, 1977, 276 pp.): o depoimento do gen Bethencourt Rodrigues sobre a Guiné (pp. 103-143).

(***) Vd. poste de 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13097: (Ex)citações (230): Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues (Excertos, com a devida vénia...)

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20821: Prova de vida (4): António Ramalho (ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira

1. Mensagem de António Ramalho [ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas,  a viver em Vila Franca de Xira, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de duas dezenas de referências no nosso blogue]

Date: quarta, 1/04/2020 à(s) 12:57

Subject: Uma diligência interrompida.Porquê?

Caro Luís Graça,  bom dia.

Não me canso de repetir a qualidade do blogue que em boa hora criaste, e que visito todos os dias!

Como certamente te lembrarás,  o excerto do Coronel Vaz Antunes (*) faz-nos recuar ao trágico momento que vivemos com a Paz Podre entre 70/71 com o assassinato à queima roupa dos nossos queridos majores, que não me saem do pensamento, como tendo sido uma cilada preparada por quem não queria a Paz!

Os políticos (e alguns militares) não souberam aproveitar a nossa presença para assim poderem preparar uma saída em grande, e o resultado está bem à vista, que alguns ainda hoje têm dificuldade em alcançar e entender.

Só mais uma nota: Aguardemos a chegada a bom porto do navio que tem a bordo os nossos camaradas que interromperam a volta ao Mundo! (**)

Vamos esperar que o Covid-69 ["lapsus linguae"..., o nosso camarada queria dizer "a Covid-19",  doença provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2,] não nos separe por muito tempo! (***)

Um forte abraço para ti

António Fernando Rouqueiro Ramalho

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segunda-feira, 30 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20793: Notas de leitura (1277): O Coronel Vaz Antunes e as conversações com o PAIGC em Junho de 1973: muitas questões em aberto (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2017:

Queridos amigos,

Se vos trago à reflexão o artigo saído do punho do Coronel Vaz Antunes sobre conversações que teve no último dia de Junho de 1973 com alegados negociadores da fação guineense do PAIGC, que terão entusiasmado Spínola, há que ter em conta todas as alterações do xadrez político-militar daquele tempo: os mísseis Strela, o endurecimento das relações entre Marcelo Caetano e Spínola, a visita de Costa Gomes em Junho, no rescaldo dos acontecimento de Guileje, Gadameal-Porto e Guidage, e em que se definiu a retração do dispositivo em termos tais que Spínola se apercebeu que era o princípio do fim; a nível do PAIGC, caminhava-se para novo Congresso que preparava a radicalização política, com consequências desastrosíssimas para a diplomacia portuguesa, e muito mais. Spínola perdera o é dos acontecimentos, a fação guineense ficou entregue a si própria.

É convergência de todos estes fatores que preludiam o 25 de Abril, o encontro em território senegalês, no último dia de Junho de 1973 é demonstrativo de que os combatentes guineenses caminham para a sua própria independência, o tempo político em Portugal já não permitia consolidar a tal Guiné melhor.

Um abraço do
Mário


O Coronel Vaz Antunes e as conversações com o PAIGC em Junho de 1973: muitas questões em aberto

Beja Santos

Cor António Vaz Antunes
O Coronel António Vaz Antunes elaborou um documento, datado de 1987, intitulado “Guiné: Uma diligência interrompida. Porquê?”. O documento é público, o leitor interessado tem dele acesso através do link indicado em rodapé.[1]

Encontrei-o na Biblioteca da Liga dos Combatentes, em dia sim, pois emprestaram-me a importante história dos Paraquedistas na Guiné e a Engenharia Militar na Guiné, de que já se fez as competentes recensões.

A diligência que o General Spínola pediu ao Coronel António Vaz Antunes, de acordo com esta versão, poderia ter tido o condão de mudar o curso da guerra travada na Guiné. Mas vamos aos factos, tome-se o que escreveu o Coronel Vaz Antunes.

Este militar estava ligado à Operação Guidage, naturalmente desgastante, naquele terrível Maio de 1973. Recebeu a ordem do Comando-Chefe para montar um Comando avançado em Cuntima. O oficial chega à Companhia e o Comandante da mesma não escondeu a sua surpresa, terá suposto que a sua capacidade para enfrentar a situação não era suficiente. No dia 29 de Junho três helicópteros aproximam-se da pista, coisa que não acontecia há meses. Numa conversa a sós, Spínola explica-lhe o que o levou ali:

“No tom mais cordial que imaginar-se se possa, contou-me o que tinha sido a sua acção desde que chegara à Guiné, nos contactos com o Presidente Senghor, com os comandos do PAIGC nos tempos de Amílcar Cabral e as suas diligências na interferência da escolha do próximo secretário-geral do PAIGC, cuja eleição iria ocorrer dentro de dias”.

O Coronel Vaz Antunes ouvia tudo com muita atenção mas não compreendia a natureza desta abertura, esta abordagem de temas tão secretos. Sempre bem-humorado, e sem nunca lhe explicar a natureza dos aspetos tão confidenciais, Spínola regressou a Bissau.

A 30 de Junho, tudo se precipita, Vaz Antunes é procurado por um Fula que era um agente de informações com o nome de código Padre, algo se sabia pertencente ao Front da Guiné Conacri. Conheciam-se, Padre era um elemento de peso, chegara a ir com um agente da DGS de Farim até Bissau de avião. Padre surpreendeu completamente Vaz Antunes: “pediu que fizesse uma mensagem relâmpago para Bissau solicitando a presença do General Spínola nesse dia, ali em Cuntima, para um contacto com alguns dirigentes do PAIGC”.

Vaz Antunes entendia agora a visita da véspera. Começa a troca de mensagens, Bissau responde que não é possível a deslocação àquela hora, 16 horas. Padre mostrou-se angustiado, pediu então a Vaz Antunes para comparecer na referida reunião. Depois de algumas peripécias, Vaz Antunes atravessa a fronteira no marco n.º 104. Na noite cerrada, chegou um automóvel que parou a duas centenas de metros do qual saíram dois indivíduos que se dirigiram para Vaz Antunes e Padre. “Tratava-se do representante pessoal do comandante-geral das forças do PAIGC”.

O interlocutor foi direto:

“Andamos há já 10 anos nesta luta. Somos agora menos do que quando começámos. Actualmente não nos entendemos com o escalão político: eles são cabo-verdianos e comunistas e nós somos guinéus, combatentes e não comunistas. Desejamos apenas uma Guiné melhor. Já chegámos à conclusão de que, sozinhos, não somos capazes de a fazer, mas sê-lo-emos convosco. A nossa proposta é muito simples: em dia e hora que se combine acaba a guerra, nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação nem vingança”.

Vaz Antunes promete rapidamente comunicar o teor desta mensagem a Spínola. A 1 de Julho apresenta-se no Palácio do Governo em Bissau. Será recebido ao fim da tarde. Ouvida a mensagem, Spínola liga para Lisboa, telefona para António Fragoso Allas, o chefe da DGS em Bissau, pede-lhe para regressar urgentemente à Guiné.

Em Agosto Vaz Antunes entrou de licença. Aqui soube da substituição de Spínola por Bettencourt Rodrigues, foi à tomada de posse deste, pareceu-lhe que o discurso do novo Governador e Comandante-Chefe não estava em sintonia com tudo o que se passara anteriormente. Padre, manifestou-se em Farim, mais tarde, desgostoso por se aperceber de que tudo voltara ao princípio, não se entendia o porquê do retrocesso.

E chegamos ao final da história:

  “Um dia, no bar do Estado-Maior do Exército, já em 1976, contava o caso a uns camaradas, dado que a manutenção do segredo já não tinha razão de ser. O então Major Monge estava ao lado interrompeu-o e disse: 'Afinal foi o meu Coronel quem provocou o 25 de Abril' . Fiquei atónito. Mas imediatamente me veio à memória que tinha lido dias antes uma informação do General Costa Gomes para o governo de Marcelo Caetano segundo a qual para Portugal era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada… Porquê?”.

A narrativa do Coronel Vaz Antunes levanta inúmeras questões. É facto historicamente comprovado que naquele mês de Junho, antecedendo o Congresso do PAIGC, que ratificou Aristides Pereira como dirigente máximo do PAIGC, a linha guineense, com todas as cautelas, procurava uma posição de força para evitar um controlo maioritário de líderes cabo-verdianos. Nino sabia-se vigiado, Osvaldo Vieira já não contava, o rumo de ofensiva militar alterara completamente os acontecimentos, era certo e seguro avançar-se para uma declaração unilateral da independência, criando um ainda mais serrado cerco à diplomacia portuguesa. Padre não estaria na posse de informações quanto ao confronto já instalado entre Marcelo Caetano e Spínola, hoje bem conhecido através da epistolografia trocada, o Primeiro-Ministro proibira Spínola de negociar com o PAIGC o quer que fosse.

Seguramente que Fragoso Allas conseguira chegar até ao núcleo dos combatentes guineenses que não se conformavam com a liderança cabo-verdiana em perspetiva. Recorde-se que Aristides Pereira foi hábil, no mando supremo ficou ele, Luís Cabral e Nino Vieira. Mas de Junho para Julho, acontecera algo de decisivo para a desmotivação de Spínola: era fundamental retrair o dispositivo militar, com sacrifício de populações e quartéis nas fronteiras, Lisboa não tinha dinheiro para acompanhar a escalada armamentista do PAIGC, a partir daquele momento era o PAIGC quem estabelecia as regras do jogo, atacando e flagelando onde lhe apetecia e numa posição muitíssimo forte, sabendo que os mísseis Strela impediam a presença da Força Aérea.

Inconformado com a situação, prenúncio de perigos maiores e sabendo já que se caminhava para a declaração unilateral de independência, o que acarretaria a possibilidade da presença de exércitos amigos do PAIGC, Spínola afasta-se de tudo, vem para Lisboa preparar a sua resposta política, o livro Portugal e o Futuro. Não se entende o final do artigo do Coronel Vaz Antunes exatamente por que foi Marcello Caetano e não Costa Gomes quem disse que era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada.

Ainda pouco se sabe sobre os primeiros meses tresloucados de 1974, quando Marcello Caetano decidiu por sua conta e risco abrir negociações secretas com os movimentos de libertação. O que hoje é seguro é que a Guiné já estava fora dos seus planos, congeminou um cessar-fogo antes que fosse demasiado tarde.

[1] - Aceder ao documento em:
http://ultramar.terraweb.biz/06livros_antoniovazantunes_Guine_uma_diligencia_interrompida.htm
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20781: Notas de leitura (1276): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (51) (Mário Beja Santos)

domingo, 4 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13096: (Ex)citações (229): O MFA na Guiné-Bissau: comentário do ten cor ref Jorge Sales Golias sobre os acontecimentos de 26 de abril de 1974, em Bissau: o gen Bethencourt Rodrigues e os oficiais que com ele se solidarizaram foram tratados com deferência e cordialidade (Carlos Pinheiro / Bento Soares)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Pinheiro [ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70, e nosso grã-tabanqueiro, foto à esquerda]

Data: 2 de Maio de 2014 às 23:35

Assunto: MFA na Guiné-Bissau


Camarigo Luis Graça, camarigo Carlos Vinhal


Perdoem-me,  os meus amigos,  mas sinto-me obrigado, mas também muito honrado, em transmitir-vos a mensagem abaixo do meu Comandante do STM em Bisssau, então Capitão Bento Soares, hoje Major General na Reforma sobre os dias 25 e 26ABR74.

Um abraço com amizade

Carlos Pinheiro


2. Mensagem de Bento Soares, maj gen  ref, e leitor do nosso blogue, e de quem não dispomo de nenhuma foto:

Caro amigo Carlos Pinheiro:

Como sabe,  tomei por seu intermédio conhecimento do Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné, TO onde batalhamos no STM e por isso vejo sempre com agrado as historietas do Blog que regularmente fazem o favor de me enviar.

No último envio do blog deparei-me com o relato do Cor Vaz  Antunes sobre os dias 25 e 26 ABR74. Fiz então um reenvio para camaradas amigos meus que estiveram na Guiné.

Porque a todos interessa a verdade exacta sobre os documentos históricos (como é o caso daquele relato), envio-lhe um comentário do TCor Jorge Golias que viveu pessoalmente os acontecimentos narrados e, aliás, é citado no próprio relato.

Autorizou-me este oficial a fazer uso do seu comentário pelo que lhe pedia a fineza de o endereçar para os responsáveis do Blog, uma vez que o meu amigo é ali uma figura grada e conhecida.

Um abraço amigo
Bento Soares

3. Comentário ten cor ref Jorge Sales Golias Jorge Sales Golias, [ex-cap, eng trms, membro do MFA, Bissau,   adjunto do CEME, Gen Carlos Fabião - 1974/75, administrador de Empresas] [, foto à direita, cortesia da página Avenida da Liberdade, da associação 25 de Abril]

26 de Abril de 1974 em Bissau

O MFA resolveu actuar em face de uma escuta telefónica em que o senhor General Bethencourt Rodrigues deu ordem à PIDE para seguir os movimentos dos capitães do MFA em Bissau e pelo facto de não ter reconhecido a JSN [, Junta de Salvação Nacional], tal como já havia feito o Comodoro Almeida Brandão, comandante marítimo.

A entrada no gabinete do General comandante foi feita por oficiais desarmados que apenas lhe comunicaram que vinham depô-lo porque ele não reconheceu a JSN. Ele perguntou se se devia considerar preso e foi-lhe dito que não, que se considerasse detido em nome do MFA, e que preparasse a bagagem para embarcar para Portugal.

O Brigadeiro Leitão Marques dramatizou, dizendo que se solidarizava com o General e que queria que o fuzilassem. Foi esta a parte dramática e que teria sido bem escusada porque a intervenção do senhor Brigadeiro não tinha qualquer justificação. Tanto assim que o General comandante se levantou e, com toda a liberdade de movimentos, interpelou um a um os seus principais operacionais,  questionando-os por terem sido tão leais e agora estarem a colocá-lo naquela situação. Foi-lhe respondido que ele não soube assumir a posição que se esperava, naquela altura dos acontecimentos.

A carga dramática advém ainda do facto de todos nós considerarmos o General Bethencourt Rodrigues como um dos mais brilhantes do Exército, mas que na altura certa estava do lado errado da História.

Quanto ao senhor Coronel Vaz Antunes, soubemos no local que o mesmo tinha abandonado as instalações do Comando-Chefe na Amura sem autorização, dado que a PM [, Polícia Militar,] tinha ordens do Capitão Sousa Pinto, para não deixar sair nem entrar ninguém e receou-se que fosse ao COMBIS tentar obter meios para atacar os militares do MFA. Talvez por isso estava à sua espera um pelotão dos comandos africanos, mas esta parte eu só tomei conhecimento através do escrito no blogue Luís Graça [& Camaradas da Guiné].

En suma,  que fique claro que o senhor General Bethencourt e os oficiais que com ele se solidarizaram foram tratados com toda a deferência que lhes assistia e com a máxima cordialidade da nossa parte.

O capitão miliciano José Manuel Barroso (e não Alfredo Barroso) falou com o Comodoro Almeida Brandão, mandatado pelo MFA, porque era o único que o conhecia. A sua mulher, ao tempo, Dra. Emília Barroso, era professora em Bissau e foi depois distinta professora universitária em Lisboa.

O Tenente-Coronel Mateus da Silva foi indigitado pelo MFA para Encarregado do Governo, aceite provisoriamente pelo General Spínola, que ao tomar conhecimento dos factos sucedidos em Bissau o saudou e lhe disse que iria rapidamente nomear um substituto, que seria o Brigadeiro Carlos Fabião.

2 de Maio de 2014

Jorge Sales Golias

[Negritos do editor, L.G.]

[Vd. também Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril > J. Sales Golias > A descolonização da Guiné .]

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13095: (Ex)citações (228): O golpe de 26 de abril de 1974, o MFA, o Com-Chefe, gen Bethencourt Rodrigues, e o comandante interino do COMBIS, cor inf António Vaz Antunes (Luís Gonçalves Vaz, que tinha 13 anos, e vivia em Bissau, sendo filho do cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último chefe do Estado Maior do CTIG)

Guiné 63/74 - P13095: (Ex)citações (228): O golpe de 26 de abril de 1974, o MFA, o Com-Chefe, gen Bethencourt Rodrigues, e o comandante interino do COMBIS, cor inf António Vaz Antunes (Luís Gonçalves Vaz, que tinha 13 anos, e vivia em Bissau, sendo filho do cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último chefe do Estado Maior do CTIG)


1. Conjunto de comentários, ao poste P13078 (*), subscritos por  do Luís Gonçalves Vaz.  professor do 2º/3º ciclos do ensino básico, em Vila Verde,  a residir em Braga, ativo ambientalista, membro da nossa Tabanca Grande, filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo:


Para melhor comunicação, resolvi apagar o primeiro comentário e melhorar alguns pormenores, a saber:
Caros camarigos, tanto quanto sei (a ideia que ainda me ficou ao fim destes 40 anos), o "assalto ao gabinete" do Comandante em Chefe, general Bethencourt Rodrigues ... deve ter sido "muito desagradável",  já que decorreu de um Golpe Militar! 

E quanto a mim os oficiais revoltosos do MFA não admitiriam retorno, obviamente, estavam muito bem organizados, e deles faziam também parte alguns oficiais superiores, Majores e pelo menos um Tenente-coronel (que até seria familiar do então Comandante do CTIG, o sr. Brigadeiro Banazol, de que me lembro muito bem e até boleias me deu no seu Mercedes, entre a cidade de Bissau (Liceu Honório Barreto) e Santa Luzia, onde morava, mesmo em frente ao clube de oficiais.
Não entendo mesmo é a "destituição" do sr. Coronel António Vaz Antunes, muito menos pelas razões aparentes, que o documento da sua autoria nos dá, nomeadamente por questionar quem eram os representantes dos MFA… Haveria outras razões? Será que devido ás funções dele (comandante Interino do COMBIS) poderia “travar a evolução do golpe em curso? Brevemente deveremos saber mais, já que estes oficiais do MFA de então poderão “dar luz” a estas questões. Acho que será quase uma obrigação...

De qualquer forma, considero que, ao afastá-lo das suas funções (ao sr. cor Vaz Antunes), os representantes do MFA criaram um vazio na Defesa de Bissau: para todos os efeitos era ele quem estava à frente do COMBIS (Comando da Defesa de Bissau). Eu penso que em Bissau, nesta mesma altura, corremos alguns riscos de um ataque à cidade e aos QG (ainda que de baixo nível) ..... Eu estava lá e senti isso mesmo! Não “pânico”, mas havia muitos boatos que iriamos sofrer um “Ataque aéreo” por exemplo! Mas no fundo eu senti-me sempre seguro, apesar desses mesmos boatos.

No entanto, fazendo agora uma análise (passado 40 anos), as quebras de "cadeias de comando", os saneamentos/afastamentos (alguns seriam imprescindíveis), a bandalheira nalguns sectores militares, etc., poderiam ter criado "graves prejuízos em termos de segurança". Tal não aconteceu, pois a necessária “Cadeia de Comando” reorganizou-se e foram tomadas “as medidas certas” para mantermos a “segurança" quer em Bissau, quer na gestão da frente de combate, que sei que aconteceu ainda durante uns tempos, antes de os nossos militares iniciarem convívios com os guerrilheiros do PAIGC.
Mas relativamente ao “Golpe em si, o de 26 de Abril”, que me fez levar a realizar estes artigos agora postados, felizmente tudo correu em Bissau sem sangue, nesse aspeto, foi à "boa maneira portuguesa", com brandos costumes! Sendo assim não fomos atacados pelo IN, pois,  se calhar, os seus “Serviços de Inteligência” (do PAIGC) não estariam a par dos “nossos golpes internos”, tal qual o general Bethencourt Rodrigues, que também foi apanhado de surpresa . 

Ainda bem, foi um “golpe palaciano”, sem fogo real, sem vítimas mortais, (já havia muitas nas várias frentes de combate) … e assim estou aqui, de boa saúde para poder contar alguns destes episódios, parte dos quais foram-me “avivados na memória” através da minha mãe, já que o meu pai, não falava sobre estes assuntos com os filhos …

Quanto ao "assalto ao gabinete" do CMDT CHEFE, alguns dos revoltosos teriam sido "menos corretos" com o Sr. General Bethencourt Rodrigues (segundo ele e outras opiniões...), já que “jovens capitães” teriam de ser “contundentes e muito firmes …. Para imporem uma destituição de UM GENERAL CMDT CHEFE com muita CLASSE e muita influência no meio dos seus homens (sempre foi pacífico que este general era muito admirado pela maioria dos seus oficias) e houve mesmo “aspetos dramáticos”, segundo o então capitão Jorje Sales Golias, um dos oficiais “revoltosos do MFA na Guiné”, ao ponto de o CEM/CTIG, que não fazia parte do MFA da Guiné ( mas com o qual acabou por se solidarizar naturalmente), se impor no sentido de que aqueles oficiais teriam de "respeitar o Sr. general" em todo aquele processo (repito que ele aderiu sem pensar muito), sob a pena de não aceitar continuar nas suas funções (acabou por vir a ser o CEM/CTIG e CCFAG do Comando Unificado, já que desde 17 de Agosto de 74, que oficialmente se constitui no TO da Guiné, um QG unificado para o CC (Comando Chefe) e CTIG, publicado em Ordem de Serviço do Comando Chefe.
O CEM/CCFAG já estava afastado (Coronel Hugo Rodrigues), o sr. Brigadeiro Leitão Marques (gostava de perceber a razão deste afastamento, já que o MFA da Guiné contava com ele!!!), o General Bethencourt Rodrigues, o Coronel António Vaz Antunes (Comandante do COMBIS),enfim todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau!

O 1º Comandante estava de licença, o segundo parece que também ..... Ficaríamos sob o Comando dos Comandantes da Marinha? Agora percebo melhor que "o melhor para mim e para outro dos meus irmãos” foi vir nos TAM [Transportes Aéreos Militares] logo no mês de Maio .... O Liceu Honório Barreto finalizou o ano lectivo em Maio/Junho. E o meu pai que levou três filhos menores para Bissau em 1973, contra muitas opiniões, tratou de nos enviar para a Metrópole logo a seguir ao 25 de Abril, talvez porque temesse (ou não?) "um ataque em massa a Bissau", não sei, mas não deve ter sido, pois o meu irmão mais pequeno ficou lá. 

Mas agora,  depois destas "análises após 40 anos", acho que fez muito bem, a "coisa podia ter corrido para o torto" .... já que o IN, o PAIGC poderia ter aproveitado …. Mas pelos vistos não tinham “competência militar” para isso, a “Nossa Máquina Militar estava Bem Montada e Oleada”, ainda que ao custo do sofrimento de muitos jovens Portugueses nas várias frentes de combate, neste TO (Teatro de Operações), sem dúvida alguma, o pior, o mais duro de todos os nos TO da altura.

Para finalizar, e ainda relativamente ao “Golpe Militar de 26 de Abril no TO da Guiné”, apenas gostaria de dizer que,  quanto eu sei, e aliás como o tenente-coronel Jorje Sales Golias diz “Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático” (, em comentário que o editor Luís Graça vai publciar e que teve a gentileza de antecipadamente me dar conhecimento), foi de facto em minha opinião, pois apesar das “cenas dramáticas”, que mais tarde ou mais cedo iremos ser esclarecidos, os “Altos Comandos deste TO” foram parcialmente substituídos, tendo o meu falecido Pai, na altura CEM/CTIG acompanhado o sr. general Bethencourt Rodrigues ao avião (penso que nesse mesmo dia ?) e despediu-se dele com um abraço, tendo o próprio general agradecido a “forma altamente digna com que foi tratado", e tanto quanto eu sei as queixas/mágoa que o sr. general se referia durante estes anos todos, se relacionava especificamente com “a forma como o destituíram naquela manhã no Comando Chefe”... 

Eu,  como não assisti a esses momentos dramáticos, mais não poderei dizer... (**)

Um abraço.

Braga, 3 de Maio de 2014

Luís Beleza Gonçalves Vaz

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13080: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): III (e última) Parte


Guiné > Bissau > 1973 > No canto esquerdo o comandante Ricou, o oficial do lado direito de óculos é o Coronel CEM/CTIG Henrique Vaz (oficiais presentes na reunião relatada no manuscrito do sr. Coronel Vaz Antunes), e ao centro, também de óculos, o general Bethencourt Rodrigues (destituído em 26 de Abril de 1974), numa cerimónia oficial, em Bissau, no ano de 1973. Fotografia do arquivo pessoal do coronel Henrique Gonçalves Vaz.

O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau).


O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.,

Foto  (e legenda): © Luís Gonçalves Vaz (2014).  Direitos reservados


Guiné > Bissau > 1974 > O Coronel António Vaz Antunes (à esquerda da fotografia) com o General Bethencourt Rodrigues, e outros oficiais numa visita do Comandante-Chefe a uma unidade em Bissau, no ano de 1974. Fotografia do arquivo pessoal do Coronel António Vaz Antunes.

Foto: © Fernando Vaz Antunes (2014). Direitos reservados


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974.


Foto: © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



 Folha nº 5

Folha nº 6 

 Folha nº 7

 Folha nº 8
Folha nº 9


Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014). Direitos reservados


Restantes folhas, de 5 a 9, do documento manuscrito, da autoria do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974. Trancrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*).


Comentário do editor L.G.:

O nosso especial agradecimento a ambos, ao Fernando Vaz Antunes (que não conheço pessoalmente, mas sei que passou pela Academia Militar, e vive em Mafra, de acordo com a sua  página no Facebook) e ao Luís Gonçalves Vaz pelo seu contributo para a preservação e divulgação de documentos relevantes, como este, para a historiografia da presença portuguesa na Guiné, e em particular para a nossa historiografia militar, relativa ao período de 1961 a 1974.

Sendo ambos filhos de militares que serviram a Pátria no TO da Guiné, querem também, e com toda a legitimidade,  honrar a memória dos seus pais. É para isso que o nosso blogue também serve. E nessa medida envio, desde já,. um convite ao Fernando Vaz Antunes para se juntar aos camaradas e amigos da Guiné, que se senta à sombra do poilão da Tabanca Grande. Basta expressar a sua vontade, mandar-nos uma foto atual e aceitar as nossas regras de convívio.

Quanto ao Luís Gonçalves Vaz [, foto atual à esquerda,] recorde-se que  é  membro da nossa Tabanca Grande (nº 530), é professor do 2º/3º ciclos do ensino  básico em Vila Verde, vive em Braga, e é filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), já falecido.

O Luís, como aqui já ele próprio recordou, tinha 13 anos e vivia em Bissau, com a família, quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo.


__________

Nota do editor:

Vd. postes anteriores:


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13079: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte II


Cor inf António Vaz Antunes (1929-1998): "Memorando dos acontecimentos de Bissau".
Documento manuscrito, Lisboa, 30 de abril de 1974.





Folha nº1




Folha nº 2



Folha nº 3


Folha nº 4

(Continua)

Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014). Direitos reservados


Primeiras quatro folhas do documento manuscrito, da autoria  do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974. Trancrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*). O nosso especial agradecimento a ambos.

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Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I


1. Mensagem, acabada de enviar hoje, às 14h50, pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande,  filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo:

Boa tarde, camarigo editor:

É com muita satisfação e "sentido do dever cumprido" que envio para publicação no nosso Blog, este artigo sobre um Documento manuscrito em 30 de abril de 1974, pelo Sr. Coronel António Vaz Antunes sobre a forma de um “Memorando dos acontecimentos de Bissau”, protagonizados pelo próprio em 25 e 26 de abril de 1974.


Trata-se, quanto a mim de um documento histórico-militar, de grande "relevância", e de um momento muito conturbado para a então Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. Fez ontem 40 anos, que este oficial com grandes responsabilidades na altura, na defesa do perímetro militar da cidade de Bissau, escreveu este documento, não poderia haver melhor momento, para o publicar.

Forte Abraço, Luís Vaz




2. Golpe Militar de 26 de Abril de 1974 no TO da Guiné  > “Memorando dos acontecimentos de Bissau”

Pelo cor inf António Vaz Antunes [1923-1998]

A pedido do filho do Ilustre Sr. Coronel de Infantaria António Vaz Antunes, Fernando Vaz Antunes, elaborei este artigo para dar visibilidade nacional, neste nosso muito visitado blogue,  a um documento manuscrito em 30 de abril de 1974, sobre a forma de um “Memorando dos acontecimentos de Bissau”, protagonizados pelo próprio,  em 25 e 26 de abril de 1974, e registados em papel pela mão deste oficial, três dias depois de os mesmos terem decorrido.

Enfim trata-se, quanto a mim de um documento histórico-militar de uma altura muito conturbada e de mudança de paradigma politico e consequentemente de grandes mudanças para a então Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. Este documento, em minha opinião contribuirá sem dúvida para a “Memória Histórica do Golpe de 26 de Abril na Guiné”. Achei que deveria Iniciar este artigo com uma pequena resenha biográfica sobre este oficial. 

António Vaz  Antunes

[consultar também o portal Ultramar Terrweb]

(i) nasceu na freguesia da Mata, Concelho de Castelo Branco, em 21 de Junho de 1923;

(ii) faleceu em 15 de Outubro de 1998;

(iii)  frequentou a Escola do Exército, onde se formou como oficial de Infantaria do Exército Português; 

(iv) no ano de 1959 realizou um estágio de oficiais do Exército Português, junto de tropas francesas na Argélia;

(v) passou pelo CIOE/Lamego, onde foi 2º comandante; 

(vi) passou também por por Angola onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 185/RMA (1961 e 1962);  e por Moçambique, onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 1918/RMM (1967) e comandante do Batalhão de Caçadores 17/RMM (1967 a 1968);

(vii) no CTIG, foi comandante do Batalhão de Caçadores 4512/72/CTIG (1972 a 1975);

(vii) neste teatro de operações, e na altura a que se reportam os acontecimentos relatados no “manuscrito” aqui publicado, o Coronel António Vaz Antunes era Adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG;

Para que se perceba bem, este oficial tinha nesta altura, uma missão de muita responsabilidade na defesa militar de todos os quarteis no “perímetro militar de Bissau”, mesmo assim na reunião relatada no “documento histórico”, foi afastado destas funções pelo MFA da Guiné. 

Chamo à atenção que nesta altura não estavam em funções os 1º e 2º Comandantes do CTIG, pois encontravam-se de licença, o que elevava a responsabilidade deste oficial no quadro de comandos neste TO (Teatro de Operações). Pode-se ler,  por exemplo, no seu manuscrito, que no dia 25 de Abril recebeu por telefone e por mensagem indicações do CEM/CTIG, coronel cav Henrique Gonçalves Vaz, “recomendações para que o pessoal de guarda tivesse a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN”, a situação era de facto explosiva, vulnerável e muito sensível …

Não quero de forma alguma, fazer aqui qualquer tipo de julgamento, apenas pretendo apresentar este “documento histórico”, de uma forma contextualizada, para que os leitores se inteirem do “ambiente deste momento histórico”, nunca deixando de se perceber que estavam em causa altos interesses “políticos, militares e de segurança”, neste teatro de operações, que era sem dúvida o pior, o mais “dramático”, o mais duro de todos os teatros de operações que mantínhamos naquele ano de 1974. 

Antes de apresentar o “documento manuscrito” do Sr. coronel António Vaz Antunes, quer a “transcrição” para melhor leitura, quer as imagens do “próprio original”, apresento uma pequena citação da autoria de um dos “oficiais revoltosos”, o então capitão Jorge Sales Golias, um dos protagonistas desse mesmo golpe, e que explica o que se teria passado “momentos antes desta mesma reunião”, que acabou por afastar o coronel António Vaz Antunes, a reunião que levou à “destituição/prisão" (?) do então Governador e Comandante-Chefe desta Província Ultramarina, general Bethencourt Rodrigues, a saber:

“Em Setembro de 1973, constitui-se uma primeira Comissão Coordenadora, que integrava o Major Almeida Coimbra, Capitão Duran Clemente, Capitão Matos Gomes e o Capitão Caetano.”

“Assim, no dia 26 de Abril, onze oficiais (1) dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático. Com o General vieram também alguns oficiais que se lhe solidarizaram, nomeadamente o Brigadeiro Leitão Marques que o MFA julgava poder contar para o substituir.

"Por isso tivemos que solicitar ao Comodoro Almeida Brandão, o Comandante Marítimo, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. Regista-se o facto de este oficial já ter reconhecido a Junta de Salvação Nacional (JSN). 

"Para as funções de Encarregado do Governo interino, o MFA indigitou um dos seus membros, o Tenente-Coronel Mateus da Silva que era Comandante do Agrupamento de Transmissões, o Quartel-General da conspiração, e um dos poucos oficiais superiores que integrava o Movimento dos Capitães (MOCAP). “

"Lisboa em 20 de Maio de 2005

"Jorge Sales Golias, Tenente-Coronel, MFA da Guiné-Bissau - 1974, Adjunto do CEME, General Carlos Fabião - 1974/75"

(1) Lista dos Oficiais revoltosos:

TCor [Eduardo] Mateus da Silva, Engº Trms
TCor Maia e Costa, Engº
Maj [Raúl] Folques,  Cmd
Maj [Manuel Joaqum Trigo Mira] Mensurado,  Pára [BCP 12]
Cap Simões da Silva,  Art
Cap [Jorge] Sales Golias, Eng Trms
Cap [Carlos] Matos GomesCmd
Cap Batista da Silva.  Cmd
Cap [Zacarias] Saiegh, Cmd (Africano)
Cap Ten Pessoa Brandão, Armada
Cap mil José Manuel Barroso



Como poderemos ler nesta citação, este Golpe Militar na Guiné, segundo um dos seus protagonistas, o então capitão Jorge Sales Golias, “foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático”, mas que,  segundo me contaram à época, foi “duro na forma”, em que destituíram o então General Bethencourt Rodrigues…. 

Eu estava lá em Bissau na altura, e apesar de ser muito jovem (tinha 13 anos de idade), era filho de um militar com grandes responsabilidades neste TO e que presenciou também este “episódio histórico”, fiquei com essa ideia (bem como ao longo destes últimos 40 anos), embora se possa considerar que um “golpe militar é por natureza duro”. 

No entanto entre militares que viviam a guerra em conjunto, do mesmo lado da “trincheira”,  e que,  até o dia 25 de Abril, mantinham uma “cadeia hierárquica” sólida, liderada quiçá por um dos mais competentes e respeitados generais portugueses da altura [o gen Bethencourt Rodrigues], o momento seria inevitavelmente (seria mesmo ?) sempre “dramático” para quem é destituído das suas funções neste contexto político-militar. 

Esta ideia com que fiquei, será no entanto verosímil,  a ter em conta  o facto deste general ter ficado “tão tocado” com este episódio que,  passado muitos anos,  não quis dar entrevistas em direto para reportagens sobre a “A Guerra Colonial”, tanto quanto sei. Disse sempre que não se esquecia da “forma como o trataram” nessa manhã longínqua,  no Forte da Amura,  em Bissau.



Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974.

Foto: © Fernando Vaz Antunes  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Não irei aqui proceder a reflexões “técnico-militares”, se o Sr. General foi apenas “destituído das suas funções” pelos militares revoltosos, ou se foi mesmo “preso”, pois esse tipo de discussões não serão a razão principal deste mesmo artigo.

Sendo assim,   passo à apresentação do “documento histórico”, que justificou a elaboração deste mesmo artigo, o “manuscrito do Sr. coronel de Infantaria, António Vaz Antunes: primeiro apresentarei o original, escrito pelo seu próprio punho, logo dias após o seu afastamento das suas funções neste TO, e depois a “transcrição fiel”,  realizada pelo seu filho Fernando Vaz Antunes, onde apenas se procedeu à introdução / reorganização de notas de rodapé, para permitir uma melhor leitura, tendo também recorrido ao “Regulamento de Abreviaturas Militares” para um melhor esclarecimento dos acontecimentos relatados.


Guiné > Região do Oio > O Coronel António Vaz Antunes,  em Farim,  no ano de 1974. Fotografia do arquivo pessoal do coronel António Vaz Antunes.

Foto: © Fernando Vaz Antunes  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Primeira parte da folha 1, do documento manuscrito do cor inf António Vaz Antunes, de 9 folhas. Trancrição da responsabilidade do seu filho Fernando Vaz Antunes.

3. Lisboa 30Abr74  > Memorando dos acontecimentos de Bissau  (Transcrição dos registos originais)  [Por decisão do editor, e para tornar a leitura mais fácil, e o blogue mais ágil, apresentam-se as imagens digitalizadas do documento manuscrito, nos dois postes a seguir]

Cor. António Vaz Antunes


Funções:

Desde 24Mar – Inspector do CTIG

13Abr – Adjunto do Cmdt do CTIG para parcial substituição do Brig. 2º Cmdt [1], de licença; Cmdt intº do COMBIS por licença do Comandante

Sequência cronológica

24Abr

Considerando que 26 era feriado em Bissau, e para aproveitamento de tempo, solicitei à Chefia Srvc Transportes passagem para Bolama, a partir das 09:30. Planeei assistir às cerimónias mais significativas de homenagem a Honório Barreto e seguir depois para Bolama, em visita ao BArt [2] em IAO.

25Abr

Conhecimento por camaradas, do Movimento das Forças Armadas em Lisboa: através da BBC ao fim da tarde, depois de actividades várias no CTIG e COMBIS, tive conhecimento do triunfo do Movimento. Às 18:00 horas comuniquei à Chefia Srvc Transp para anular ida a Bolama.

22:00 horas – como de hábito, desloquei-me para o COMBIS para pernoitar, depois de ter recebido comunicação telefónica do Chefe do Estado Maior do CTIG [3] para recomendar ao pessoal de guarda a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN.

À chegada ao COMBIS recebi a mensagem escrita que repetia a recomendação telefónica. Dei as necessárias instruções ao Oficial de Dia. Pouco depois o Oficial de Dia batia à porta do quarto para me prevenir de que a Emissora Nacional (Lisboa) ia transmitir uma mensagem do Movimento. Desloquei-me para o Bar, onde ouvi a mensagem na companhia do Oficial de Dia e mais 2 alferes.

Logo de seguida voltei para o quarto e pouco depois ouvi a repetição da mensagem, feita agora por emissor da Guiné e mais tarde repetida pelo PFA [Programa das Forças Armadas]  , vulgo “PIFAS”.

26Abr

Às 08:00 dirigi-me para a Praça Honório Barreto, de uniforme nº1 (branco), acompanhado do Cor Lemos [4]

Terminada a cerimónia, voltei ao quarto e mudei de farda.

09:45 – Chegada ao QG/CCFAG para tomar parte no briefing diário. Enquanto aguardava no local habitual, juntamente com outros oficiais – nomeadamente Cor Vaz, Cor Pilav Amaral Gonçalves, Cmdt Ricou e Comodoro Brandão [5] –, o Cmdt Lencastre chegou conduzindo um Volkswagen muito apressadamente, travou bruscamente e dirigiu-se a correr ao Comodoro a quem comunicou qualquer coisa, de que eu só percebi “vêm aí pára-quedistas”. O Comodoro não reagiu, o Cor Amaral Gonçalves pareceu-me surpreendido e eu perguntei ao Ricou, também impassível, o que se passava.

Este informou-me que eram os pára-quedistas que estavam a cercar o QG. Perguntei qual a intenção, respondeu não saber. Perante a impassibilidade destes, dirigi-me à sala de reuniões para onde tinha visto entrar o Sub Chefe do Estado Maior – Ten Cor Monteny [6] –, disse-lhe o que se tinha passado e ele respondeu-me que não sabia de nada. Respondi que, nesse caso, o nosso General [7] também não devia saber. Confirmou-me que não. Nessa altura ordenei-lhe que fosse avisar o nosso General, o que se prontificou a fazer, tendo saído para o efeito [8]. Momentos depois o grupo de oficiais, que estava fora, dirigiu-se para a sala de reuniões. Fiz o mesmo e cada um ocupou o lugar habitual.

Faltavam o General Cmdt Chefe, o Brigadeiro Adjunto [9] e o CEM/QG/CCFAG [10]. Não estranhei, por supor que estariam ocupados – e não era a primeira vez que o Comodoro presidia à reunião.

Logo que todos tomaram lugares – e havia muito mais oficiais que era habitual em briefing de rotina, especialmente considerando que era feriado –, adiantou-se para a frente o Ten Cor Mateus da Silva [11] que pedia atenção e disse: 

“A Comissão na Guiné do Movimento das Forças Armadas, que está aqui presente, entendeu que o Sr. General Bethencourt Rodrigues não podia continuar no desempenho de funções. Foi-lhe dado conhecimento disso e destituiu-o. Em face disso nomeia o Sr. Comodoro, Comandante Chefe, e eu, que já desempenhava funções de direcção no Serviço das Obras Públicas, passo a desempenhar as de Secretário Geral” [12].

O Comodoro fez um gesto afirmativo de cabeça e disse: “Bem, vamos ao briefing!”. 

Houve uns curtos momentos de silêncio e passividade que me fizeram crer que só eu fora surpreendido, pelo que me levantei e pedi licença ao Comodoro para dizer: 

“Para mim é surpresa o que acabo de ouvir. Tenho uma missão de responsabilidade da defesa de Bissau. Desejo identificar os membros da Comissão da Junta que tomou tais decisões e conhecer a minha posição!” 

O Comodoro propôs que falássemos depois do briefing. Insisti para que se não adiasse porquanto não conhecia as novas estruturas criadas.

Além disso,  em 33 anos de Oficial nunca se me tinham deparado tais procedimentos dentro das estruturas militares, pelo que pedia o esclarecimento da situação. Enquanto falava, um capitão tentou intrometer-se, no que o impedi [13]. Mas logo que terminei, ele pediu licença ao Comodoro e sugeriu “que o senhor Coronel acompanhasse o Sr. General para Lisboa, no Boeing que o transportaria nessa tarde”.

Fiquei perplexo, o Comodoro não respondeu, mas fitava-me como esperando a minha reacção, e então retorqui: 

“Lamento que seja posto na situação de aceitar uma sugestão apresentada por um Capitão que não conheço, mas se o Sr. Comodoro a aceitar eu aceito-a também!”.

 O Comodoro respondeu: “Sim, é melhor, vai com o Sr. General para Lisboa!”. 

Perguntei se podia contactar com o Sr. General, a fim de lhe perguntar se dava licença que o acompanhasse. Perante resposta afirmativa, pedi licença e retirei-me. Dirigi-me de imediato ao gabinete do Comandante Chefe e perguntei ao Sr. General Bethencourt Rodrigues se autorizava que o acompanhasse no avião que o transportaria para fora de Bissau. Respondeu-me que não tinha que se pronunciar sobre isso porque fora forçado por um grupo de oficiais, que invadiram o seu gabinete, a abandonar o cargo. Esclareci que apenas pedia licença para o acompanhar, porquanto a ordem para embarcar tinha-me sido dada no briefing nas circunstâncias que atrás referi.

Entretanto entraram no gabinete o Comodoro, o Cor Vaz, o Cmdt Ricou e o Cmdt Lencastre. Após breves palavras que o primeiro disse ao Sr. General, em termos de lamentação (que eu não entendia… ), esclareci-o que o Sr. General autorizava que eu o acompanhasse. Perguntei por guia de marcha, e disse-me que não era precisa. Indaguei sobre hora e local de reunião e fui informado que podia reunir-me no Palácio, ao Sr. General, até às 13 horas. 

Logo de seguida – cerca das 10:15 –, dirigi-me ao COMBIS para recolher os meus haveres pessoais e informar o meu Chefe do Estado Maior, de que devia entrar em contacto com o Cmdt Chefe para lhe definir a situação e missões.

Quando chegava à entrada do Depósito de Adidos, acesso ao COMBIS, estava a formar junto à porta, muito apressadamente, um Pelotão do Batalhão de Comandos Africanos, transportado para ali numa viatura pesada estacionada em frente. O Pelotão estava completamente armado, inclusive com LGF e armas automáticas, equipado e municiado.

Deduzi que seria por minha causa, mas nem parei nem interferi. Rapidamente reuni os meus haveres após o que chamei o Ten Cor Altinino e o Cap Bicho para os informar que deixava o COMBIS, mas não tinha dados que me permitissem transmitir o Comando.

Cerca das 12:45 cheguei ao Palácio com a minha bagagem. Cerca das 14h, quando vi chegar a guia de marcha para o Brig. Leitão Marques e Cor. Hugo Rodrigues da Silva, telefonei ao Cor Vaz, Chefe do EM/CTIG solicitando uma guia também para mim. Às 15:30 o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny disseram-me que o Comodoro não assinava a guia e não autorizava que eu saísse.

Surpreendido por esta nova versão, procurei o Comodoro para que me esclarecesse. Estava num dos corredores do Palácio para tomar parte na cerimónia de tomada de posse do novo Governo da Província. Respondeu que não estava na disposição de autorizar que saísse quem pedisse. Lembrei-lhe que eu não o pedira – ele é que o ordenara. Reagiu atirando-se para um sofá e declarando que se quisesse embarcar que embarcasse, mas que não me passava guia.

Mais tarde, já no aeroporto, pedi-lhe para me atender em particular, e solicitei que recordasse o que se tinha passado e a ordem que me dera, e a situação em que me colocara na presença de dezenas de oficiais. Decidiu então que me enviaria a guia pelo correio e autorizou que embarcasse.

Chamei o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny e, estando também presente o Cmdt Ricou, o Comodoro deu ordem ao Cor Vaz para me enviar a guia para o DGA [14] no dia seguinte.

Nessa mesma ocasião, disseram (não me lembro quem) ao militar que fazia policiamento à porta de passagem para a gare, que eu podia embarcar.


(24-26Abr1974) – Cor. António Vaz Antunes

Fernando Vaz Antunes, documento inédito, cedido pelo autor ao Luís Gonçalves Vaz e ao blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné

Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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Foto: © João Martins  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


E no ainda Império Português, decorria aqui, neste antigo forte colonial (Forte da Amura), mais um Capítulo da História Colonial Portuguesa. No entanto ainda seriamos “senhores deste território”, desta Província Ultramarina,  por mais seis meses, já que o acantonamento e a retirada dos 42 000 militares portugueses (número máximo de militares presentes neste TO) , bem como as negociações com o PAIGC, iriam levar o seu tempo e conhecer a sua “turbulência”.

 Nesta fase final, ainda houve “pressões por parte do PAIGC” e por parte de alguns sectores políticos para que todo o processo de descolonização na Guiné fosse célere. Como tal em 14 de Outubro de 1974 saem os últimos militares portugueses por via aérea, e no dia 15 saem os últimos militares portugueses, por via marítima, estes já ao largo, desde o dia 14 de Outubro.

Espero assim ter contribuído mais um pouco, para a elaboração da “Memória Futura do Golpe Militar de 26 de Abril de 1974”, na antiga Província Ultramarina Portuguesa da Guiné. 

Resta-me agradecer ao Sr. Fernando Vaz Antunes, filho do Sr. Coronel António Vaz Antunes, a amabilidade em me ter confiado esta missão de divulgação deste importante “documento histórico”, de que é proprietário e legítimo herdeiro. Como a História se faz a partir do estudo de documentos e vestígios do passado, aqui ficou mais um, com grande valor para que historiadores e investigadores se possam debruçar sobre estes acontecimentos marcantes da nossa vivência colectiva.


Braga, 29 de Abril de 2014

Luís Beleza Gonçalves Vaz

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Notas de AVA/FVA/LGV:

[1] - Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, 2º Comandante do CTIG e, por inerência, Comandante do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau).

[2] - Batalhão de Artilharia nº 6520/73, mobilizado pelo RAL5-Penafiel e aerotransportado entre 01 e 04Abr74, do AB1-Portela para a BA12-Bissalanca, de onde marchou para o CIM-Bolama.

[3] - Coronel de cavalaria CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz (CEM/QG-CTIG desde 07Jul73 até 14Out74)

[4]  -«A cerimónia começou mais tarde porque se aguardou, em vão, a chegada do Gen. Cmdt Chefe. A dada  altura, por decisão do Comodoro Brandão que estava presente, deu-se início à cerimónia com uma alocução  do então Maj de infantaria Alípio Emílio Tomé Falcão, Comissário Provincial da MP na Guiné.» [AVA]

[5] - António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante do ComDefMarG (Defesa Marítima da Guiné).

[6] - António Hermínio de Sousa Monteny, Tenente-Coronel CEM

[7] - José Manuel de Bethencourt Conceição Rodrigues, desde 29Set73 Governador e CCFAG.

[8] - «Houve entretanto um curto impasse: o Monteny continuava a escrever uns papéis, que eu lhe retirei da secretária repetindo-lhe que fosse de imediato – e ele foi. Isto passou-se na sala, enquanto o resto do pessoal estava fora. Quando o Monteny saiu, vim atrás dele, mas ao chegar à porta vi que os que estavam fora, incluindo o Comodoro, vinham entrando para o briefing, e eu fiz o mesmo, enquanto o Monteny descia o jardim.» [AVA]

[9] - Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques.

[10] - Coronel CEM Hugo Rodrigues da Silva. [O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau). O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.]

[11] - António Eduardo Domingos Mateus da Silva, TCor Engº Trms, desde Jul72 Comandante do AgrTmG.

[12] - «O Mateus da Silva propôs-se ocupar os cargos de Secretário Geral e Encarregado do Governo – o que veio a acontecer –, tendo sido “empossado” cerca das 12h quando nós estávamos ainda no Palácio do Governo (e residência do Governador).» [AVA]

[13] - «O Capitão era o José Manuel Barroso, miliciano, que dirigia o semanário “Voz da Guiné” (e mais nada); era casado com a “fulana” que estava em Bissau para estudar a instalação da Universidade de Bissau, recebendo por isso 15 contos X mês (naquele tempo… ).» [AVA]

[14] - Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda, em Lisboa).

(Continua)