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sexta-feira, 8 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25249: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte X: as directivas do último trimestre de 1973


Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea 12 > s/d. 


1. Em 25 de Agosto de 1973 foi nomeado para os cargos de Cmdt-Chefe das Forças Armadas da Guiné  e de Governador da Guiné, o general José Manuel Bettencourt (ou Bethencourt) Conceição Rodrigues (1918-2011), oriundo da arma de infantaria,  em substituição do general António Sebastião Ribeiro de Spínola (1910-1992), oriundo da arma de cavalariam que terminou a sua  comissão de serviço  nesse data. (Já estava, de resto, de licença de férias no Continente desde o dia 6 de agosto.).


O gen Bettencourt Rodrigues chegou ao CTIG numa altura em que já era pública e notória a degradação da situação político-militar, e o cansaço de ambos os lados (as NT e o PAIGC), ao fim de 10 anos de guerra de guerrilha e contra-guerrilha (a evoluir cada vez mais para uma guerra com meios convencionais). 

Chegou, podemos dizê-lo,  na 23ª hora, já praticamente no último trimeste do ano de 1973, considerado pelos historiados como o "annus horribilis" de Marcelo Caetano(*)

Aceitou, por dever de obediência militar mas também "por amizade" (e,  em última análise,  "alinhamento político) o presente envenenado que o Marcelo lhe ofereceu... Um dos nomes indigitados, o general da FAP, Diogo Neto, terá recusado, por não querer acumular a função de com-chefe com a de governador-geral (por sugestão,aliás,  do próprio gen Costa Gmes, então CEMGFA). 

Bettencourt Rodrigues, madeirense de ascendência, tinha sido ministro do Exército (1968-1970), e chegava de Angola, "coberto de honra e glória", onde fora comandante da Zona Militar Leste (1971-1973).

Com uma brilhante folha de serviço, e talvez o melhor general disponível no ativo para substituir o carismático gen Spínola (dois h0mens de escolas e  estilos de comando muito diferentes), Bettencourt Rodrigues aceitou os riscos da estratégia do governo de Marcelo Caetano que era, em última análise, resistir até à exaustão de meios e deixar cair a Guiné se tal fosse preciso, mas nunca negociar com o inimigo (o PAIGC)... 

Será exonerado do cargo na sequência do golpe de de estado do Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril de 1974. 

Em tempo recorde, nos  últimos três meses do ano de 1973,  o novo Com-Chefe publicou três Directivas (o seu antecessor só no ano de 1971 tinha publicado 26; e em 1972, 24; e mais 26 at
até 21 d setembro) em 21 de outubro, 30 de novembro e 17 de dezembro de 1973. (O seu antecessor só no ano de 1971 tinha publicado 26; e em 1972, 24; e mais 26 até 21 de setembro: já agora acrescente-se que, segundo a CECA, o foi possível encontrar as Directivas do Comandante-Chefe das FAG relativas a 1974, mas mas no Arquivo Histórico-Militar há compilações  das decisões do Cmdt-Chefe. ) 

A primeira, a 21 de outubro de 1973, será a "Directiva para a diminuição das vulnerabilidades". Não tem número.

Reproduz-se aqui o excerto publicado da CECA (2015, pp. 286-288). Numa primeira leitura, fica-se com a ideia que esta diretiva é ditada pelos ensinamentos colhidos dos acontecimentos mais recentes, ocorridos no 1º semestre  de 1973, e em especial a chamada "batalha dos 3 G" (Guidaje, Guileje e Gadamael); por outro lado, identificam-se algumas das "vulnerabilidades" mais conhecidas das NT no TO da Guiné, como o deficiente treino e preparação, a indisciplina de fogo, o laxismo, a rotina, o cansaço, etc.  Não se faz referência ao facto de uma das vuknerabilidades maiores das nossos guarniões era serem fronteiriças (Canquelifá, Buruntuma, Copá, Gadamael, etc.), expostas ao bel prazer da artilharia do IN e dos países vizinhos que o apoiavam (como irá acontecer logo no início da época seca, de 1973/74).


Capa e contracapa da  2ª edição do livro do António Martins de Matos [ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74; ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2008, com mais de uma centena de referências no nosso blogue; autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas" (2ª edição, Lisboa: O Sítio do Livro, 2020,  456 pp. ;  a 1ªedição é de 2018, Lisboa,BooksFactory 375 pp.) ]


(i) Directiva do Com-Chefe,  de 21 de outubro de 1973 > Determina às Forças Armadas da Guiné que adoptem medidas tendentes à diminuição dos efeitos causados pela acção do lN sobre as nossas forças.

Transcreve-se a "Execução":

"a. Com vista ao cumprimento desta missão impõe-se:

(1) preparar as Unidades, a todos os níveis de Comando, para, face às possibilidades lN esboçadas, conseguir uma "diminuição de vulnerabilidades";

(2) estudar e adoptar, a todos os níveis de Comando, as medidas mais adequadas e velar exaustivamente pelo seu rigoroso cumprimento;

(3) responsabilizar todos os escalões de comando pelo estabelecimento de medidas convenientes, pela orientação das Unidades e pela fiscalização da execução, com vigor e com rigor;

(4) não aceitar desculpas como o calor, o cansaço do pessoal, o tempo de comissão, o desembaraço criado pela veterania e a incomodidade do esforço físico porque está em causa "a troca de sangue por suor".

b. Os Comandos do TO, a todos os níveis, adoptam todas as medidas convenientes, de entre as quais se indicam aquelas cuja adopção se considera imprescindível:

(1) Manter abertos os itinerários da respectiva ZA que permitam a ligação a Unidades vizinhas e, através dos quais, se possam executar reabastecimentos normais e de emergência e deslocamentos de forças para apoio mútuo e reforço de localidades ameaçadas.

Com esta finalidade, toma-se necessário:

  • a desmatação de itinerários de molde a dificultar a montagem de emboscadas lN;
  • a realização de patrulhamentos frequentes para impedir a implantação de minas e para detectar e neutralizar as existentes;
  • a montagem de emboscadas e de minas e armadilhas nos trilhos de acesso às vias de comunicação e nos locais mais propícios a emboscadas lN.

(2) Treinar as tropas na reacção a emboscadas lN.

(3) Assegurar a defesa e segurança das pistas e heliportos de molde a mantê-las em permanente estado de utilização.

(4) Executar acções dinâmicas que criem insegurança e intranquilidade ao lN.

(5) Eliminar todas as rotinas que possam dar vantagens ao lN.

(6) Verificar a instrução de tiro do pessoal (1 cartucho por homem serve para detectar maus atiradores) e treinar os menos aptos.

(7) Mentalizar permanentemente o pessoal quanto à necessidade de disciplina de fogo. O consumo exagerado de munições denuncia nervosismo, baixo moral e deficiente nível de instrução e pode colocar as tropas perante a necessidade dum reabastecimento urgente, nem sempre possível.

(8) Estudar e ensaiar medidas de reacção dinâmica que devem ser procuradas com o maior interesse e executadas com a máxima agressividade.

(9) Aperfeiçoar todos os procedimentos para pedidos de apoio, de molde a que estes possam ser feitos de maneira eficiente e em tempo útil. Salientam-se os referentes a apoio de fogos da Força Aérea e de Artilharia e aos transportes de evacuação (TEV).

(10) Rever os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, de forma a aperfeiçoar os dispositivos de defesa imediata, bem como os sistemas de apoio mútuo, quer pelo fogo quer pela
manobra.

(11) Melhorar a organização do terreno quer em abrigos, quer em trincheiras ou locais de combate, para fazer face à hipótese de tentativas de abordagem e assalto.

(12) Assegurar a defesa afastada dos aquartelamentos e localidades por meio de: 
  • patrulhamentos e emboscadas frequentes nas possíveis bases de fogo lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
  • implantação de minas e armadilhas nas bases de fogos lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
  • elaboração de planos de fogos perfeitamente adaptados às realidades.

(13) Treinar os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, pela execução de frequentes "exercícios de alarme", de dia e de noite, promovendo imediatamente as necessárias correcções.

(14) Proteger as populações.

(15) Intensificar o serviço de informações e o rigor de medidas de contra- informação.

(16) Assegurar uma efectiva e eficiente acção de comando, em todas as situações de modo que a tropa se encontre sempre convenientemente enquadrada.

(17) Dispor de uma reserva pronta a sair com prévio alerta, com vista a actuar contra  grupo lN detectado ou a socorrer uma Unidade vizinha. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 286-288. (Com a devida vénia...)

(ii) A segunda directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues é a Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número. 

No essencial, é decalcada da Directiva nº 20/73 de 29Mai73, do anterior Com-Chefe, gen António Spínola: Directiva nº  20/73 de 29Mai73 - Condições em que é executado o apoio aéreo as FA do TO face à evolução da situação.

(...) A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar, impôs profundas alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das forças de superfície (F.S.). Aquelas alterações traduzem-se por: 

(1) Cancelamento de acções operacionais da Força Aérea; 

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específicos, para cada tipo de aeronaves; 

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das F.S. (...)

Reproduz-se a seguir o excerto publicado da CECA (2015, pp. 288-292).  

Reveja-se depois o estudo do investigador independente José Matos (e membro da nossa Tabanca Grande), suportado por dados empíricos, sobre o  impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (*)

Neste estudo José Matos refere "que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio." (...)



Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis). Os T 6G desempenharam o seu  importante papel ao longo da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora). 

O míssil terra-ar Strela, se não lhe ditou a morte, afectou a sua exploração operacional pela FAP. Como diz José Matos,  "o  efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise" (, ou seja, 1973).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


"1. SITUAÇÃO

a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar  [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).

b. Aquelas alterações traduzem-se por:

(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força  Aérea.

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.


"2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS

São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:

a. DCON  [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]

b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]    ("T-6" - armado). [...]

c. ATAP [ Ataque de Apoio]   ("T-6" - armado). [ ]

d. ATAP  [ Ataque de Apoio]  ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]

e. ATIR  
[Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID  [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]

f. RVIS [Reconhecimento Visual ]  ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].

"3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL

São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:

a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés.  
[1 pé=30,48 centímetros. ]

b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).

c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.

d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.

e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.

f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:

(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.

(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).

g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A 
[omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

"4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES

a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").

(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.

(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]

b. TGER  
 [Transportes Gerais ]    ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.

(1) "DO-27"

(a) As disponibilidades de carga a transportar são:

  • Descolagem de Bissau 300 Kg
  • Descolagem de outras pistas 200 Kg

(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]

(i) O pedido de uma acção TEVS 
 [ Transporte de Evacuação Sanitária]  é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.

c. PCV 
 [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")

Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.

d. Ataque ao solo (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(1) "FIAT G-91". [... ]

e. TMAN  
 [Transporte de Manobra]  (Helicóptero "AL-III")

(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.

(2) O número de vagas deve ser o menor possível.

(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.

(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.

(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.

f. RFOT 
[Reconhecimento Fotográfico ] 

(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.

(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.

g. AESC  
Ataque em Escolta ]   (Helicóptero "AL-III")

(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.

(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.

h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] 

O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT   
[Comando Operacional Aero Terrestre  ]   e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.

i. DLIG   [Missão Diversa de Ligação]

Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.


"5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO

a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.

b.  
(1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde). 

Há que ter em atenção as distâncias de segurança adequadas (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ]O ATAP pode, em casos específicos, ser executado por dois helicópteros armados que, além do ataque ao solo, também se apoiam mutuamente. A sua presença na zona é por períodos curtos. Quando conveniente, podem ser lançadas do helicóptero granadas de fumo para sinalização de objectivos a atacar por aviões "FIAT" (em alerta).

(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:

- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.

- Qual o armamento utilizado pelo lN.

- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.

- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.

"6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG 
 [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné]  NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO

a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.

b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.

c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.

d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.

e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.

f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 288-292 (Com a devida vénia...)


(iii) A terceira (e última, no ano de 1973) directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues, é a "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

É também um sinal dos tempos.  Bissau está ao alcance dos foguetões (ou "foguetes") 122 mm e vulnerável a eventuais acções de sabotagem e terrorismo urbano (como virá acontecer, já em 1974, com o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau, em 26 de fevereiro,  que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG, em 22 de fevereiro, onde parte do edifício principal foi destruída, numa acão reivindicada pelas (ou atribuída às) Brigadas Revolucionárias. O perímetro da base aérea nº 12, e o aeroporto  de Bissalanca também  também podia estar sujeito à infiltração de um furtivo apontador de Strela...

Por outro lado, a  CECA (2015, pág. 12) recorda que já em 1971 se registaram dois factos graves e/ou preocupantes:

(i)  em fevereiro, "2 aviões MiG-17 com as cores da República da Guiné, tripulados por argelinos, sobrevoaram Bissau, tendo continuado a verificar-se, posteriormente, acções várias de violação do espaço aéreo por helis e aviões não identificados" (ic);

(ii) e em 9 de junho, "o PAIGC levou a efeito o primeiro ataque a Bissau e a diversos aquartelamentos das proximidades, provocando num deles um número significativo de baixas".
 
Ainda segundo a mesma fonte, mas já em 1972, explodiram três engenhos explosivos, durante a noite, em locais diferentes da cidade de Bissau, capital do território,  "o que indiciava propósitos de terrorismo urbano". Nestes engenhos foram utilizados espoletas de efeito retardado MUV-2 (CECA, 2015, pág. 121).

Não em Bissau, mas na segunda maior cidade, Bafatá, o PAIGC em 8 de janeiro de 1972 levara a cabo  "um aparatoso ataque", com foguetões 122 mm (CECA, 2015, pág. 121).  

Destaca-se também, nesse ano, em 9 de março, "a flagelação ao topo norte da Base Aérea de Bissau, no dia 9 de Março, fazendo uso de lança-granadas foguete RPG-7".
 
Num dos últimos discursos que proferiu antes de ser assassinado, em Conacri, em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral "referiu a necessidade de intensificar a guerrilha
em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos." (CECA; 2015, pág. 239). 

E como é sabido em março desse ano entram em acção os mísseis terra-ar Strela...
 
Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

Excertos:

"1. SITUAÇÃO

a. Inimigo

A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.

Nas áreas urbanas e suburbanas destacam-se, como pontos sensíveis a acções de sabotagem lN:
  •  as instalações da SACOR; 
  • a Central Elevatória da Mãe de Água;
  • o Centro Emissor de Brá; e
  • a Central Eléctrica (Av. Brasil).

b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.

2. MISSÃO

As Forças Armadas colaboram na defesa dos pontos sensíveis das áreas urbana e suburbana de Bissau, ficando a seu cargo a defesa das instalações da Central Eléctrica (Av. Brasil), da Central Elevatória da Mãe de Água e do Centro de Brá.

3. EXECUÇÃO

a. Conceito da Manobra

Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.

b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
  • Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
  • Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
  • Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________
 
Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25245: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte IX: O adeus a Aldeia Formosa, onde também tinha um sobrinho, madeirense [Fernando Costa (1951-2018), ex-fur mil trms, e músico, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, março de 1973/ setembro de 1974)]

(...) A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

 A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. (...)

(...) As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. 

O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros (...) . Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. (...)

(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:

  • T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  • Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  • Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)

(...) As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. (...)

(...) Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara (...).

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. 

No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. (...) 

6 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)

(...) É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno.

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...).  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...) 


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24626: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (9): Requiem para um paisano



Foto nº 1



Foto nº 2

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > 1969 > Sinchã Mamajã... Algures, numa tabanca do regulado de Badora, já no limite sul, fazendo fronteira com o regulado do Corubal; uma tabanca em autodefesa, reforçada pelo 3º Gr Comb, com os respetivos furrieis mlicianos, "periquitos": o Luciano Almeida (foto nº 1) e o Luís Graça Henriques (foto nº 2), junto a um dos abrigos e posando com o RPG 2 para a fotografia... O fotógrafo foi o Arlindo Roda, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis,

Fotos  © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste >  Regiáo de Bafatá > Sector L1  > BART 2917 (Bambadinca, 1970/72  >  Bambadinca  > 1970 > Uma das poucas fotos que temos do malogrado fur mil at inf Luciano Severo de Almeida,  do 3º pelotão da CCAÇ 12, que morreria, em circunstâncias desconhecidas (mas presumivelmente violentas), depois de regressar à metrópole.  

Foto (e legenda): © Vitor Raposeiro (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


À memória do Luciano Severo de Almeida 
(que terá morrido de morte violenta, já como paisano), 
 meu camarada da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 
(Contuboel e Bambadinca, 1969/71)
e de mais camaradas da Guiné, desconhecidos,
que morreram, de morte violenta,
por homicídio, suicídio ou acidente,
já depois do regresso á pátria.


Requiem para um paisano

por Luís Graça (*)


Disseram-me que tinhas morrido, meu infortunado camarada,  já depois do nosso regresso a casa. Talvez nos finais dos anos 70 do século passado, não posso precisar.

Morrido, "lerpado", para usar o nosso calão de caserna, bruto e feio. "Lerpado", assim, sem mais nada, sem uma palavra,  sem uma oração, talvez até sem um ai nem um ui, sem um grito de dor, sem um ato de contrição, sem direito sequer  a um último desejo, um cigarro, uma palavra de despedida... Imagino ou suspeito  que nem sequer tinha havido um xeque-mate, do tipo "a bolsa ou a vida!"... 

"Lerpado", morrido, de morte matada, morrido, como um cão, com um tiro na nuca, como os cães que abatemos (dezenas!|), uma noite, em Bambadinca, nessa alucinante e sangrenta  "Noite das Facas Longas", lembras-te?!... (Precisávamos de dormir, e eles eram uma alcateia selvagem de vira-latas,  famintos, sem-abrigo,  que todas as noites invadiam a parada, e uivavam às nossas janelas!)

Disseram-me que tinhas sido encontrado, morto, longe da nossa Guiné, dessa terra verde e vermelha que tu tanto amaste, longe da tabanca de  Sinchã Mamajã, e da morança da tua bela e sensual Fatumatá, de mama firme, que se escapulia para a tua morança, nas noites de cio e lua cheia, em que uivava a hiena (o "lobo", para os guineenses)… 

Longe do tarrafo do Geba, da Ponta Varela e do Poindom, do Mato Cão, dos Nhabijões, da Ponta do Inglês, da Missão do Sono, da Ponte do Udunduma, da orla da bolanha, do poilão, do bagabaga, do tarrafe… Longe de Bambadinca, de Badora, do Corubal,,,

Onde, afinal ? Não longe do lugar dos teus verdes anos, não longe do arco-íris do teu céu de menino, quiçá perto do estuário do teu Tejo, numa qualquer praia do mar da Palha, ou numa valeta suja de uma rua escura da tua cidade (S
e bem recordo, moravas no Afonsoeiro,  Montijo, na Rua Damão, rodeada de outras ruas com topónimos ultramarinos, Luanda, Ilha do Príncipe, Ilha de Sáo Tomé, Moçambique, Cabo Verde),,,

Em que encrencas te meteste, meu irmão ?  E com quem jogavas à lerpa, camarada ? Ou em que emboscada caíste, meu amigo ?  

Que morte tão crua, a ser verdade, oxalá fosse boato a notícia de fait-divers que alguém leu no jornal, a notícia de uma morte em que eu não te (re)vejo, nem nenhum de nós, teus velhos camaradas de Bambadinca.

Oxalá tenhas simplesmente desaparecido, emigrado!... Oxalá, tenhas sido sequestrado, tenhas mudado de código postal ou até de identidade, sempre era menos mal. Sinal ao menos, que estavas vivo, algures!... E poupavas-me este requiem, o teu elogio fúnebre, que é a pior das missões que se pode pedir a um camarada de armas.

Oxalá,  Inshallah, Enxalé!

Disseram-me (mas eu não quis crer) que tinhas sido morto, sem honra nem glória, depois de cumprido o teu dever para com a Pátria que te foi madrasta, cruel Jocasta.

Já depois da última nau da Índia ter naufragado no mar da Palha da tua infância, já muito depois dos últimos guerreiros do império terem feito o espólio de todas as guerras e o relatório da sua errância desde Quinhentos.

No século passado, meu amigo, no século transato, meu irmão!...

Lembro-me de o velho Uíge, navio da Companhia Colonial de Navegação, nos ter devolvido a terra, à nossa cidade e capital. Nas praias da Rocha Conde d' Óbidos, no cais de todas as saudades, no cais de pedra donde havíamos partído em 24 de maio de 1969, quase às escondidas, vindos do comboio noturno e soturno de Santa Margarida, do Campo Militar de Santa Margarida.

Não sei quem te esperava nesse dia 22 de março de 1971, mas seguramente os mesmos entes queridos (pais, manos, namoradas, noivas, mulheres...) que nos esperavam,  a quase todos nós, que ali, no cais, passávamos à condição de paisanos, depois de nos depedirmo-nos, a bordo, na noite anterior,  bebendo o último gole de uísque sem gelo e fazermos promessas de amizade para sempre. 

Vestidas as calças à boca de sino, e as camisas às florinhas que estavam na moda, na época,  regressávamos ao doce lar, com as exóticas bugigangas compradas c
om o patacão da guerra em Bissau, na loja do libanès Taufik Saad.

Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio, quase fantasma,  da marinha mercante,  o T/T Uíge.

Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, "contra os ventos da história" (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na chamada classe turística, reservada aos sargentos: (i) uma sopa de creme de marisco; (ii) seguido de um prato de peixe (pescada à baiana); e (iii) um prato de carne (lombo estufado à boulanger)... sem esquecer (iv) a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king...

Não sei se "lerpaste" nessas noites, se perdeste (ou ganhaste) algum patacão... Sim, esse 17 de março de 1971, em que largámos do estuário do rio Geba,  foi o primeiro dia do resto das nossas vidas...  E, nas costas da ementa de um desses jantares a bordo, talvez o do último dia, deixámos escritos os nossos nomes e moradas. 

Três de nós, que iam na classe turística,  já não estão mais entre os vivos, tu, o sargento Piça e o furriel António Branquinho... Bolas, já lá vai meio século depois do nosso regresso... E todos jurámos ficar amigos... para sempre !

Regressávamos ao lar e à rotina das nossas vidas, pequenas, insignificantes. E a uma outra guerra, a da lufa lufa do quotidiano, com outras picadas, com outras minas e armadilhas, com outras emboscadas e golpes de mão.

Tu tinhas um lar, todos tínhamos um lar, uma família, alguns um emprego, muitos uma namorada ou uma noiva ou uma mulher e até filhos à sua espera… Mas eu…, o que sabia eu de ti ? O que sabíamos nós uns dos outros ? E dos nossos sonhos de meninos que foram obrigados a crescer tão cedo e tão rãpido ?

Muito pouco, afinal… Casaste ? Tiveste filhos ? Não, não deves ter tido tempo e pachorra para ser pai, um bom pai,   e muito menos avô babado…  

Não, nunca mais voltei a ver-te,  depois desse dia 22 de março de 1969, ao longo de todos estes anos, em que tantas coisas aconteceram, para o pior e o melhor, na nossa Pátria...  
Uma palavra, repara, que saiu do léxico dos tugas, e já não se usa mais, a  Pátria... Afinal o que é a Pátria, camarada ? Ou era ?

Em 1994, encontrámo-nos,  alguns de nós, em Fão, Esposende, mas tu já não estavas no rol dos vivos... Julgo que foi aí que soube, pela primeira vez, da notícia de que tinhas morrido (segundo constava)...

A imagem mais forte, não a última, que retenho de ti, é a do menino e moço que saiu, fardado, garboso,  bem escanhoado, da casa de seu pai e sua mãe...É a imagem do puto reguila, quiçá rebelde, temperamental, belicoso mas generoso, da margem sul do Tejo. Com jeito para o desenfianço, o desenrascanço, que a vida era dura para os homens da CCAÇ 12, brancos e pretos. E com lábia para as bajudas de mama firme e para os "dubis", os putos da companhia, alguns ainda meninos de sua mãe.

Retenho ainda,  sem qualquer sentimento de pudor nem de culpa, 
a imagem do nosso patético duelo, numa noite de desvario,  no bar de sargentos de Bambadinca, tendo por arma, letal, uma garrafa de VAT 69. (Ou era Jonhnie Walker ? Ou White Horse, a tal do cavalinho branco ? Já não me lembro do rótulo, sei apenas que era scotch, e do bom, daquele que vinha From Scotland for the Portuguese Armed Forces with love!, da Escócia para os tugas com amor.)

Um duelo de morte, gole a gole, até ao gole ou golpe final, em menos de 15 minutos!... Com árbitro e tudo, apostas a dinheiro, mirones e claques de apoio, como mandavam as regras dos apanhados do clima de Bambadinca!... Já não sei quem ganhou: seguramente perdemos os dois...

Apanhados do clima, cacimbados, dizes bem, Exaustos, usados e abusados, filhos de Sísifo, filhos de um deus menor, condenados ao mais insano dos suplícios, uma guerra a que chamavam de baixa intensidade,  de contraguerrilha, do gato e do rato, de contrassubversão…

Não, não, era a roleta russa, ninguém tinha pistolas de tambor, era o fado lusitano, era o fado da Guiné, meu camarada, meu amigo, meu irmão.

Era a nossa triste condição, era a nossa quiçá estúpida, mas viril, maneira de matar… o tempo, o escasso tempo de lazer em tempo de guerra, , cronometrado, o tempo de espera entre uma operação e outra, o tempo de espera que podia ser entre a vida e a morte, que estava quase sempre emboscada nos trilhos que levavam do Xime à Ponta do Inglês. 

Era a insanidade mental, era a raiva, traiçoeira, era a lucidez da loucura a tomar conta de nós….

Foi esse fado que te matou, essa maldita toxina, essa adrenalina, que trouxeste das águas do Geba e do Udunduma, e das bolanhas do Corubal, do cacimbo das manhãs de Sinchá Mamajá, e que te impedia de parar para pensar, simplesmente parar, simplesmente pensar, simplesmente viver, simplesmente respirar à tona de água. meu irmão, meu camarada, meu amigo.

Foi o sobressalto da vida, foi a vida em sobressalto, foi a vida em saldo, foi a alma em carne viva, foi a dor em lume brando... 
Foi isso que te matou. No pós  guerra, na guerra dos paisanos.

Foi isso, foi a Guiné que te matou. Ao retardador.

© Luís Graça (2015). Revisto em 6set2023



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1955) (Escala 1/50 mil) Subsetor de Bambadinca > Detalhe > Tabancas fulas em autodefesa, Samba Juli, Sare Adé, Sinchã Mamajá e Sansacuta, situadas entre os rio Quéuol e Timinco, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo. na frinteiras entre os regulados de Badora e Corubal 
Sansancuta faz parte dum eixo de aldeias estratégicas, como se diz no Vietname, no limite sul do regulado de Badora, no Sector L1, e que funciona como uma espécie de pequena muralha da China, cortando as linhas de infiltração das forças da guerrilha que eventualmente se dirijam para o interior daquele regulado a partir do rio Corubal (infiltração facilitada pela retirada de Madina do Boé, Béli,  Ché-Ché, Madina Xaquili...) Estavam ali reagrupados os habitantes de três tabancas, uma das quais Sare Ade cuja população, sobretudo os mais jovens, não se conformou com a ordem de deportação dada pelo comando militar de Bambadinca, tendo fugido para o nordeste (Gabu) e inclusivamente para o Senegal, que também é chão fula.

Lugares que continuam no nosso imaginário, ao fim de mais de meio século, fazendo parte das nossas geografias emocionais...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24599: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (8): Bonjour tristesse!

(...) Nada fazia prever, quando o Teodoro nasceu, que estaria predestinado a ser padre. Pelo menos não havia nenhum sinal exterior dessa predestinação, desse chamamento de Deus.

− Nenhum rasto de estrela ou cauda de cometa a apontar para a minha casinha de xisto. (Apesar de tudo, sempre era melhor do que a loja da vaca e do burro, em cuja manjedoura nascera o Menino Jesus, em Belém.) − comentaria ele, com um misto de ironia e melancolia, mais tarde, em 2008, quarenta anos depois da sua partida para França, onde fixara residência. Nunca mais voltara à sua aldeia, na Serra da Lousã, a não ser então, depois da reforma. (...)


Postes anteriores da série "Contos com mural ao fundo":

21 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24572: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (7): Sozinho, como um cão

(...) Estive no seu leito de morte. Um fatal cancro dos pulmões, porventura curável nos nossos dias, roubara-lhe a vida, há uns trinta anos atrás. Teria hoje os seus 80 anos, se fosse vivo. Morreu jovem, demasiado jovem.

Era um dos meus heróis da adolescência, o Doc. Tinha lentamente recuperado a alegria de viver, depois de uma grave crise que ele próprio qualificara de “existencial”. (...)


26 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24504: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (5): O "Felgueiras", de 1º cabo hortelão a comendador (1943-2017) (Parte I)

27 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24506: Contos com Mural ao Fundo (Luís Graça) (6): O "Felgueiras", de 1º cabo hortelão a comendador (1943-2017) - II (e última) Parte

(...) Conhecemo-nos, por um mero acaso, num casamento em Braga, a terra dos arcebispos (um dos quais, o Dom Lourenço Vicente, do séc. XIV, meu longínquo conterrâneo, senhor das terras da Lourinhã).

A história do "Felgueiras" já me tinha sido contada, muito por alto, pelo pai do noivo. Antigos camaradas da Guiné, tinham estado numa companhia independente, colocada no setor de Teixeira Pinto (hoje Canchungo), na região do Cacheu.

− Fomos e viemos no mesmo navio: para lá no "Niassa", para cá no "Uíge"... − acrescentou o Arlindo, o pai do noivo. (..)

20 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24491: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (4): Amigos para sempre!

(...) Foi o primeiro encontro da Companhia, depois do regresso da Guiné... Vinte anos depois (!)... Na Anadia, em 1991, o ano em que nasceu a Internet, pelo menos a Internet que conhecemos hoje, em que as pessoas estão familiarizadas com as redes sociais, e usam o telemóvel e o correio eletrónico.

A organização coube ao "Vagomestre", auxiliado pelo "Transmissões"... Não lhes foi fácil descobrir nomes, moradas, telefones e até faxes... E juntar "boas vontades". (Ainda não havia endereços de e-mail, comunicava-se por telefone, telegrama e fax.) (...)


8 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24459: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (3): Um tiro de misericórdia!


(...) Conheceste-o no Chez Toi, em Bissau. Ou melhor, reconheceste-o, de Tavira, do CISMI, do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos. Haviam pertencido, ambos, à Companhia de Instrução comandada por uma figura impagável, um tenente gordinho, que, dizia-se, tinha-se coberto de “honra & glória” no Norte de Angola. Já esqueceste o seu nome, para bem da tua higiene mental.

Em Bissau, estavas hospedado naquela espelunca, de paredes de tabique, que à noite funcionava como boite. (Era assim que, na época, se chamavam, “en français, comme il faut!”, todas as espeluncas da noite, em Lisboa e, onde se bebia uísque marado, "de Sacavém", e havia umas miúdas de minissaia e cueca vermelha, peludas, que te faziam olhos remelosos, e cócegas no pescoço… Tinham unhas compridas, como os felinos, pintadas de um verniz vermelho horroroso. Faziam, pela vida, coitadas. E viviam nas periferias de Lisboa que cresciam então como cogumelos, em arredores como a linha de Sintra, começando na Reboleira.) (...)


(...) A guerra. Essa coisa tão primordial que é a guerra. Que estaria inscrita no nosso ADN, a acreditar nos sociobiólogos para quem o comportamento humano
seria geneticamente determinado.

A guerra é a continuação da evolução por outros meios, dirão os entomólogos, especialistas em insetos sociais. Para eles, a morte de uma ou de um milhão de formigas (ou de seres humanos...) é-lhes totalmente indiferente. Desde que triunfe o ADN, um projecto de ADN musculado, duma "raça" nova e superior... (Onde é que o leitor já leu isto?) (...)

8 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24379 Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (1): À porta do IPO, à espera de Deus e de remédio para as suas obras imperfeitas...

(...) O que é que um gajo faz, das oito às nove, junto à entrada de um hospital, para mais oncológico ?

Aqui, esperas, desesperas, esperas. Que a esperança é a última coisa a morrer, diziam-te na tropa os gajos mais otimistas, os safados dos instrutores, sobretudo dos coirões, velhos, dos cabos RD, readmitidos, que sabiam que já não iam à guerra, nem nunca morreriam docemente pela Pátria. (...)

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24361: FAP (126): A que altura (quantos pés) voava a DO-27 quando fazia de PCV (Posto de Comando Volante)? (Fernando de Sousa Ribeiro)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Pista de Bambadinca... Ao fundo, o muro do cemitério... Uma DO-27 na pista... 

Era uma aeronave que  adorávamos  quando nos trazia de Bissau os frescos e a mala do correio ou, no regresso, nos dava boleia até Bissau, para apanharmos o avião da TAP e ir de férias... 

Era uma aeronave preciosa nas evacuações (dos nossos feridos ou doentes militares, bem como dos civis)... 

Era um "pássaro" lindo a voar nos céus da Guiné, quando ainda não havia o Strela...

Em contrapartida, tínhamos-lhe, nós, os infantes, um "ódio de morte" (sic) quando se transformava em PCV (posto de comando volante) e o tenente coronel, comandante do batalhão, ou o segundo comandante,  ou o major de operações,  ia ao lado do piloto, a "policiar" a nossa progressão no mato...  Quando nos "apanhavam" e ficavam à nossa vertical, era ver os infantes (incluindo os nossos "queridos nharros") a falar, grosso, à moda do Norte, com expressões que eram capazes de fazer corar a Maria Turra... "Cabr..., filhos da p..., vão lá gozar pró c..., daqui a um bocado estamos a embrulhar e a levar nos corn...".

Também os nossos comandantes operacionais (capitães QP ou milicianos) não gostavam nada do "abelhudo" do PCV, em operações no mato...

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

.

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, 
CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);
 membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780


1. O nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro levantou uma questão que não é de lana caprina (*):

O que é de cabo-de-esquadra é o PCV, que eu tive que ir verificar do que se tratava, porque em Angola não havia disso.

É o cúmulo "comandar" uma operação a partir de um avião! Mas que diabo de ideia! Toda a gente que estivesse num raio de muitos quilómetros ficava a saber onde é que a tropa andava, o que destruía por completo uma das regras básicas da guerra de guerrilha, que é o fator surpresa. 

Os "brilhantes" cérebros militares não sabiam disso? Está visto que a guerra na Guiné era uma guerra rica, pois até majores e tenentes-coronéis passeavam-se em aviões, enquanto a carne-para-canhão morria ou ficava estropiada cá em baixo por culpa deles.

Para abater um DO-27 não eram precisos "strelas". Uns tiros de AK-47 bem apontados ao depósito de combustível ou à hélice do avião deitá-lo-iam abaixo, a menos que este voasse a mais de 300 ou 400 metros de altura, fora do alcance das espingardas, ou então que voasse muito baixinho, a roçar as copas das árvores. 

Portanto, aqui deixo a minha dúvida: a que altura é que os PCV costumavam voar?

2 de junho de 2023 às 02:04  (*)


2. Comentário do nosso editor LG:

Boa questão, Fernando... O "hino da CCAÇ 12", da época de 1971/72, que iremos publicar à parte, é uma paródia da cantiga do "tiro-liro-liro", mais uma bela peça do nosso humor de caserna  lá em cima o senhor major, no PCV ("posto de comando volante") e cá em baixo a "tropa-macaca"... 

Lá em cima anda o Heli-Canhão
Cá em baixo anda a 12 e anda o Xime. (...)

Juntaram-se os três numa operação
Lá para os lados do Poidão
Correu tudo que nem um mimo! (...)

Major... ó meu Major
Ora diga lá agora o que é que quer. (...)

Ora essa continuem cinco minutos,
não precisam que vos peça.
Continuem... ora essa! (...)

Comandante... ó meu Comandante
Estamos fritos, estamos agora a embrulhar! (...)

Tenham calma... tenham calma e não pensem
que eu daqui não vos estou a ajudar. (...)

Contra os canhões sem recuo...
VAI TU!

No sector L-1 o comando dos batalhões usavam e abusavam do PCV... "Para mostrar serviço" aos senhores de Bissau... Nunca dei conta que tenham sido úteis, bem pelo contrário..

Os pilotos de DO-27 podem dizer-nos a quantos pés costumavam voar em operações como PCV ? Vamos lá perguntar aos camaradas da  FAP. (**)
___________

Notas do editor:


sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23761: Voltamos a recuperar as antigas cartas da província portuguesa da Guiné, um dos recursos mais preciosos do nosso blogue - Parte IV: De Quinhamel a Xitole

Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Uma das mais belas piscinas naturais  do mundo... Foto do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Arlindo Roda (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Bafatá > Carta de 
Contabane (1959) > Escala 1/50 mil > Detalhes: Saltinho, rápidos do Saltinho, Rio Corubal, Contabane, Cansamange... 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)



As cartas da antiga Província Portuguesa da Guiné são de uma enorme  riqueza documental, em termos geográficos,  e a um escala (1/ 50 mil) em que cada centímetro corresponde a meio quilómetro 
 (ou quinhentos metros)... 

Nomeadamente, permite-nos, por exemplo,  saber hoje (vd. sinais convencionais):

  • quais as tabancas que existiam antes da guerra (e ver depois as que foram abandonadas ou destruídas); 
  • qual o número médio aproximado de moranças ou casas (cada ponto corresponde em geral a uma morança; 
  • as temporárias e as abandonadas;
  • as povoações "de tipo europeu" e as "indígenas" (e dentro destas, as "cerradas" e as com "arruamentos" definidos);
  • conforme o tamanho da letra, as povoações "indígenas" com mais de 50 casas, as entre 50 e 10, e as menos de 10;
  • o regulado a que pertenciam;
  • as que eram sede de circunscrição (equivalente ao nosso concelho) e as que eram sede de posto administrativo... 
  • mas também localizar as bolanhas (arrozais de regadio), as lalas (capinzais)  (de água doce e água salgada, com ou sem tufos de palmeiras), os mangais,   as florestas-galeria, as savanas arbustivas, as terras incultas... 
  • os diferentes tipos de palmeiiras e palmares: palmeira-de-tara (Phoenix reclinata(; palmeira de dendém (ou azeite), comforme a sua densidade: massiços consideráveis ou não desbravados; palmares desbravados com culturas diversas; 
  • mas igualmente as "pontas" (ou hortas) (que em geral eram exploradas por cabo-verdianos e europeus, e que tinham o nome do dono ou fundador: Ponta do Inglês, Ponta João Dias)... 
  • e ainda calcular distâncias entre duas povoações, por estrada ou em linha recta; estimar a largura de um rio ou o comprimento de uma bolanha...

Tudo isto feito ainda "no bom tempo" (anos 50 do séc. XX), ou seja, antes do vendaval da guerra em que desaparecem regulados inteiros ou em parte (alguns eu conheci: Xime, Bissari, Corubal, Enxalé, Cuor, Mansomine, Oio,  Joladu, Ganado, Padada...) e foram abandonadas ou destruídas muitas e muitas dezenas (senão não algumas centenas) de povoações (por exemplo, ao longo da bacia do rio Corubal)... para nao falar de regiões inteiras, como a de Quínara e a de Tombali, no sul (que só conheci depois da guerra)...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

1. Estamos a recuperar os "links" ou as "URL" das cartas (ou mapas) da Guiné, dos Serviços Cartográficos do Exército, que estavam alojadas desde finais de 2005 na antiga página pessoal do editor Luís Graça ("Saúde e Trabalho - Luís Graça")cujo servidor era o da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa (ENSP / NOVA). Mais concretamente estavam alojadas numa pasta institulada "Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Colonial"...

As cartas (ou mapas) da Guiné e os demais recursos dessa página estavam acessíveis a partir do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Com o fim da página pessoal do nosso editor, em 2022, passam doravante a poderem ser consultadas, de novo, "on line", no nosso blogue, mas a partir do Arquivo.pt.(https://arquivo.pt):

Arquivo.pt (criado e mantida pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia)  permite  "a preservação da informação publicada na Web portuguesa para que o conhecimento nela contido esteja acessível às nossas gerações futuras"... e continue a estar disponível para todos (incluindo os investigadores das mais diversas áreas disciplinares, da linguística à história, da sociologia à literatura, da geografia à etnografia, da ecologia à economia)... E, naturalmente, para os leitores do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné a quem se destinam, em primeiro lugar, estas cartas ou mapas.


2. Continuamos a repor as nossas preciosas cartas (ou mapas) da Guiné (Escala 1/50 mil), por ordem alfabética, agora alojados no Arquivo.pt. É só carregar no link. (Também podem ser descarregados e guardados no computador do leitor.)

No final desta série continuarão a estar disponíveis na coluna estática do blogue, do lado esquerdo. Por enquanto (e até a uma próxima actualização), esses links continuam quebrados, bem como todos os topónimos que até agora (ou até há alguns meses) usavam os links antigos, quando estavam alojados na página da ENSP/NOVA. Aqui vão os novos links, das cartas (de  Q a X):

Cartas (ou mapas) da antiga Guiné  Portuguesa 
(Escala 1/ 25 mil) (De Q a X)


Quinhamel (1952) (Inclui Quinhamel, Ilondé...)

Saltinho / Contabane (1959) (Carta de Contabane, Saltinho, rio Corubal...)

Sedengal (1953) (Inclui Sedengal, Ingoré, rio Cacheu, fronteira com o Senegal...)

Susana (1953) (Inclui Susana, fronteira com o Senegal...)

São Domingos (1953) (Inclui S. Domingos, rio Cacheu, fronteira com o Senegal...)

São João (1955) (Inclui Bolama, São João, Nova Sintra, rio Grande de Buba...)

Teixeira Pinto (1953) (Inclui Teixeira Pinto, Catequisse, Bassarel, Bachile...)

Tite (1955) (Inclui Tite, Jabadá, rio Geba, Bindoro, Chuhué, Dugal...)

Varela (1953) (Inclui Varela, fronteira com o Senegal, 

Xime (1955) (Inclui Xime, rio Geba, rio Corubal, Enxalé...)

Xitole (1955) (Inclui Xitole, rio Corubal, Buba, Nhala, Mampatá. Aldeia Formosa...)


3. Fica aqui, mais uma vez, a nossa homenagem aos nossos valorosos cartógrafos militares portugueses. A cartografia portuguesa deu cartas (no duplo sentido do termo) ao mundo, é bom é dizê-lo.

Estas cartas da Guiné são pequenas obras-primas, resultantes do minucioso e aturado levantamento efectuado aos longo dos anos 50 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N.H. Mandovi e do N.H. Pedro Nunes. 

A fotografia aérea foi da responsabilidade da Aviação Naval. O trabalho de restituição, por seu turno,  foi feita pelos Serviços Cartográficos do Exército. As fotolitografias e a impressão foram feitas em várias casas, de Lisboa, Porto, V.N. Gaia: Litografia de Portugal, Papelaria Fernandes, Arnaldo F. Silva... 

A imagem em geral é  de boa qualidade, graças também à fotolitografia de casas como a  Papelaria Fernandes e a  António F. Silva (em geral, são os melhores trabalhos, os destas casas)… e à posterior digitalização feita na Rank Xerox. 

A imagem original tem 10 MB. Como habitualmente, a imagem que está disponível "on line" foi reduzida a um 1/3 da dimensão original…

A edição é da antiga Junta das Missões Geográficas e Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar.  

Convirá recordar que a sua paciente digitalização foi efectuada pelo Humberto Reis na Rank Xerox, em 2006. (Ele não nos disse quanto pagou, mas não deve ter sido barato...). Eu passei cada um destes pesadíssimos ficheiros (10 ou mais Mb) para outros mais leves (da ordem dos 2 Mb), procurando manter a qualidade da imagem (que tem alta resolução)...

Ao Humberto Reis, nosso mecenas,  mais uma vez a nossa gratidão pela sua generosidade (todo este trabalho foi pago do seu bolso) e a nossa homenagem ao seu carinho pela Guiné-Bissau e pelos guineenses. Não é por acaso que ele é o nosso "cartógrafo-mor" e colaborador permanente, desde então. (*)
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