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sábado, 4 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24821: As nossas geografias emocionais (15): o reordenamento de Nhabijões (ou Nha Bidjon), 300 casas de zinco que terão custado mais de 2700 contos (c. 700 mil euros a preços de hoje), fora a mão-de-obra, civil e militar, e ainda os custos indiretos e ocultos


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca / CAOP 2) > Nhabijões (ou Nha Bidjon) > c. 1973 > Vista aérea do reordenamento de Nhabijões: o maior ou um dos maiores do CTIG, com 300 casas de zinco...(Fonte:  CECA, 2015, pág. 276)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca / CAOP 2) > Nhabijões (ou Nha Bidjon) > 197 2> Vista aérea do reordenamento de Nhabijões (Fonte:   "Diário de Lisboa",   31 de Agosto de 1972, com a devida vénia)


1. Ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) /CAOP 2), o redordenamento de Nhabijões tinha, a defendè-lo, um pelotão (da CCS) mais um 1 Esq do Pel Mort 2268, com morteiro 81. Continuou, no tempo do batalhão, que veio a seguir, o  BART 3873 (1972/74), com 1 pelotão (da CCS) mais 1 Esq do Pel Mort 2268... E por fim, no final da guerra,  com o BCAÇ 4616/73 (1974),  havia só 1 pelotão (da CCS).

Ainda lá estive, uma semana ou duas, a comandar um pelotão de "básicos" da CCS... Uma noite apareceu alguém, no destacamento, a gritar, histérico, "Turras no Nha Bidjon"... Veio,  em meu socorro, o piquete de serviço, de Bambadinca, comandado pelo Beja Santos (que estava em fim de comissão, e era uma força da natureza).

No final, não fora nada: os gajos do PAIGC entravam e saíam a seu bel prazer em Nhabijões, iam visitar os parentes, beber vinho de palmeira ou aguardente de cana, dormir com as bajudas, recolher as compras feitas em Bambadinca na loja do "tuga" Zé Maria (a quem chamávamos "turra"), estudar as rotinas da tropa  e, quando muito bem lhes apeteceu, puseram duas minas A/C, à saída do reordenamento, accionadas por duas viaturas nossas no dia 13 de janeir0 de 1971...

Nhabijóes tem 55 referências no nosso blogue. É um dos topónimos míticos da guerra no leste. O reordenamento foi um dos maiores sucessos da política spinolista "Por Uma Guiné Melhor"... 

Mas também pagámos (a CCAÇ 12 e a CCS/BART 2917) um alto preço por este êxito: recordemos as duas minas A/C accionadas no dia 13 de janeiro de 1971, vitimando mortamente o sold cond auto da CCAÇ 12, Manuel da Costa Soares, e ferindo, com gravidade,  o alf mil sapador Luís Moreira (da CCS/BART 2917), os fur mil Joaquim Fernandes e António F. Marques (este, esteve dois anos no hospital), os sold Ussumane Baldé,  Tenen Baldé, Sherifo Baldé, Sajuma Baldé (todos da CCAÇ 12, 4º Gr Comb) e ainda um soldado da CCS / BART 2917 (cujo nome não me ocorre agora). 

No meu caso, foi o meu dia de sorte, ia na GMC, no lugar do morto, que accionou a segunda mina, a explosão deu-se n0 rodado duplo, traseiro, do meu lado...  Já aqui escrevi, "ad nauseam": 

(...) "Eu também nunca mais esquecerei aquela data e aquele nome. Nunca mais esquecerei a correria louca que fiz com um Unimog 404, carregado de feridos, pela estrada fora, de Nhabijões até Bambadinca, até ao nosso aeródromo onde nos esperava o helicóptero para uma série de evacuações ipsilon. 

"Ainda hoje não sei explicar por que razão fui eu, além do condutor, o único do meu Gr Comb (a duas das secções) que fiquei praticamente incólume mas inoperacional: umas contusões na cabeça (por projecção contra a parte inferior do tejadilho da GMC); a G-3 danificada; tonto e cego de tanta poeira; etc." (...) 


2. Da história da CCAÇ 12, reproduzo estes excertos:

(...) "A partir deste mês, novembro de 1969, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

"Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. 

"Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colabora com o IN." (...)

A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social e económica da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelos seguintes elementos (que f
oram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969):
  • alf mil at inf António Manuel Carlão (1947-2018) (originalmente o cmdt do 2º Gr Comb, que passou a ser comandado por um fur mil);
  • fur mil at inf  Joaquim Augusto Matos Fernandes (comdt da 1ª secção 4º Gr Comb):
  • 1º cabo at inf Virgilio S. A. Encarnação (cmd da 3ª secção do 4º Gr Comb);
  • e sold arv at inf Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7, do 2º Gr Comb)
e ainda 2 carpinteiros (na vida civil):
  • 1º cabo at inf Sousa (?)
  • e 1º cabo aux enf Carlos Alberto Rentes dos Santos.
A CCAÇ 12, além de ficar desfalcado de seis importantes elementos operacionais (e dois grupos de comnbate desfalcados),  participou ainda indirectamente neste projeto.  criando as condições de segurança aos trabalhos.

Numa primeira fase estava previsto levar a efeito:
  • a desmatação do terreno;
  • a fabricação de blocos de adobe;
  • a construção de 300 casas de habitação com portas, janelas e cobertura de zinco;
  • a construção de equipamentos sociais  (1 escola, 1 mesquita, fontes, acessos, etc.).
(...) "Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.

"A partir de Janeiro/70 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.

"A partir de abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.

"A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de junho de 1970).

"A partir de Julho, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12." (...)


3. Uma estimativa grosseira do cust0 deste reordenamento aponta para 2700 contos, em 1972 (300 casas de zinco x 9 mil escudos).

Este valor, em 1972, equivaleria, a preços de hoje, a €703.942. Não se incluem os custos de mão de obra, gratuita (civil e militar) nem outros custos indiretos e ocultos (planeamento, formação, ferramentas, segurança,  etc.)... Falta ainda contabilizar a escola, a mesquita, as fontes e outros equipamentos sociais como o posto sanitário, os caminhos, etc.  (**)

O jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues (que vim a conhecer pessoalmente há uns anos), convidado especial de Spínola, para ver as "obras" do seu consulado, escreveu (**):

(...) "As aldeias de zinco, ordenadas e reluzentes, surgem por todo o lado, com a colaboração dos nativos que ambicionam casa melhor, à prova de incêndio e mais parecida com a casa dos brancos, embora menos defendida do calor do sol.

"Dantes só os régulos conseguiam ter casas de zinco. Mas agora 70 reordenamentos foram executados desde 1969, e muitos outros estão em construção, Nove contos cada, não contando a mão-de-obra gratuita. 

"Só na época seca de 1972, de janeiro a junho, foram construídas pelo exército 1642 casas de zinco e 689 casas de c0lmo, além de 42 escolas e 5 postos sanitários. Há reordenamentos de 200 ou 300 casas. 

"Os primeiros eram aldeias estratégicas onde se juntava a populção dispersa de várias tabancas, perto dos quartéis que asseguravam a defesa, e evitavam as infiltrações do PAIGC.  Neste momento   - garantiram-me em Bissau - os reordenamentos são instalados onde houver terreno arável, e, de preferència, nos locais indicados pela população.

"Segundo a doutrina do general Spínola, o reordenamento é um dos dois 'grandes marcos' da política de desenvolvimemto da Guiné" (...)

(...) "Infelizmente ainda tenho que dar tiros,  - explicou-me o outro dia o general - mas a guerra não se ganha aos tiros". (...) (***)
____________

Notas d0 editor:

(**) Vd. poste de 10 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23252: 18º aniversário do nosso blogue (14): até meados de 1971, o Serviço de Reordenamentos do BENG 447, com o apoio das unidades militares e as populações locais, construiram 8 mil casas cobertas a colmo e 3880 cobertas a zinco

terça-feira, 13 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24397: O Cancioneiro da Nossa Guerra (15): O Hino da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74): uma paródia do "Tiro-Liro-Liro" (Recolha: José Sobral e António Lalande Jorge)


Coimbra > Claustros do antigo Colégio da Graça, hoje sede no núcleo local da Liga dos Combatentes, na Rua Sofia, 136 > 27 de maio de 2023 : 50.º convívio de confraternização da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74) (a chamada 2ª e 3ª geração de graduados e especialistas, de origem metropolitana) (*) > Um grupo de "coralistas": cantando o "Hino da CCAÇ 12"... Da esquerda para a direita, 

(i) José Sobral, ex-alf mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73);

(ii) António Lalande Jorge, ex-fur mil mecânico, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972/74);

(iii) Manuel Lino, ex-fur mil art, 20º Pel Art (obus 10,5 cm) (Xime, 1972/74);

 (iv) António Duarte, ex-fur mil at inf, CCART 3493 e CCAÇ 12 (Mansambo, Bambadinca e Xime, 1971/74).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Vídeo (1' 14''). Alojado em Luís Graça > You Tube (2023)


Coimbra > Claustros do antigo Colégio da Graça, hoje sede no núcleo local da Liga dos Combatentes, na Rua Sofia, 136 > 27 de maio de 2023 > 50.º convívio de confraternização da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74) (a chamada 2ª e 3ª geração de graduados e especialistas, de origem metropolitana) (*)

No vídeo pode ver-se um grupo de "coralistas", cantando uma paródia de uma canção tradicional, que a Amália Rodrigues imortalizou ("Tiro-Liro-Liro") ("Cá em cima está o tiro-liro-liro, / cá em baixo está o tiro-liro-ló / Juntaram-se os dois à esquina / A tocar a concertina, a dançar o solidó"), transformada em cantiga de escárnio e maldizer, em que os visado seria o 2º comandante do BART 2917 (o então major art Anjos de Carvalho, conhecido na "caserna" como o "alma negra", e gostar de comandar operações "by air", ou seja, através do PCV - Posto de Comand0 Volante, em DO-27. 

"Grande momento 'musical' com coreografia final especial", escreveu o António Duarte... Acrescento eu: com um valente "manguito" do nosso dr. José Sobral... Ora não fora ele, um coimbrão que, enquanto estudante, apanhou a crise estudantil de 1969, e foi logo recambiado  para a tropa, ele e o Jaime Pereira, seu colega e amigo desde os tempos de liceu... Por azar, logo os dois foram parar à CCaç 12 (que raio de coincidência!).

 
1. O António Lalande Jorge, ex-fur mil mec auto, de rendição individual, que pertenceu à CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972/74), respondeu do seguinte modo a um outro mail que eu mandei aos camaradas da CCAÇ 12 que estiveram presentes no convívio de Coimbra, do passado dia 27 de maio.

Data - 31/05/2023, 22:16
Assunto - Coimbra, 27/5/2023... Convívio da nossa CCAÇ 12

Caros camaradas,

Na sequência e em resposta ao mail enviado pelo camarada Luís Graça e esperando que o José Sobral não leve a mal eu antecipar-me e responder ao pedido do Luís Graça a propósito da cedência da letra do Tiro Liro Liro / Hino da CCAÇ12,  e para evitar nova reunião para acerto da letra, envio agora o Hino com a letra já corrigida para que todos possam guardá-la e decorá-la de modo a que num próximo encontro possamos cantar todos afinadinhos.
Abraços para todos.

António Lalande Jorge


2. Comentário do editor LG:

Publica-se a seguir a letra do "Hino da CCAÇ 12", na versão que me foi disponibilizada pelo António Lalande Jorge. Uma peça a juntar ao Cancioneiro de Bambadinca, ou melhor, ao Cancioneiro da Nossa Guerra (**)... 

Julgo que a letra é do médico, coimbrão,  José Sobral, ex-alf mil at inf, da CCAÇ 12, no período de 1971/73,  revista e melhorada por outros camaradas da CCAÇ 12, da chamada 2ª e 3ª gerações. (Como é sabido, as subunidades do CTIG, como a CCAÇ 12, tinham apenas graduados e especialistas de origem metropolitana e rendição individual.)

Obrigado,  camarada Lalande Jorge. E espero que aceite o meu convite para integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande (***). Só preciso de duas fotos tuas, uma do "antigamente", e outra mais recente. Pelo que eu pude observar, de relance, no nosso convívio de Coimbra,  tens um excelente álbum fotográfico do tempo em que passaste por Bambadinca e pelo Xime (1972/74). 

E, "by the way",  pelo que me constaste, ias levando uma "piçada" do gen Bettencourt Rodrigues, o Com-Chefe que rendeu o Spínola, por no quartel do Xime (para onde a CCAÇ 12 foi transferida, a contragosto, em março de 1973), teres dezenas e dezenas de pneus, se não centenas, empilhados até ao tecto... 

O general deve ter pensado que andavas a açambarcar pneus (e até a vendê-los aos "turras"...) quando havia falta deles (e dos demais sobresselentes paras as viaturas automóveis)  no CTIG... 

A tua resposta, serena,  deve tê-lo desarmado: "Meu general, é uma herança acumulada, das companhias que passaram por aqui, e agora da nossa, que veio de Bambadinca... Não sei o que fazer a este lixo todo..."

Se quiseres partilhar uma seleção de fotos, com maior interesse documental, estás à vontade: só tens que as digitalizar, com uma boa resolução (mínimo,  1Mb) e mandá-las para o meu endereço de email... Se possível com legendas: data, local, etc.


HINO DA CCAÇ 12

Lá em cima anda o Helicanhão.
Cá em baixo anda a 12 e anda o Xime.

Lá em cima anda o Helicanhão,
Cá em baixo anda a 12 e anda o Xime.

Juntaram-se os três numa operação,
Lá para os lados do Poidão,
Correu tudo que nem um mimo!

Juntaram-se os três numa operação,
Lá para os lados do Poidão,
Correu tudo que nem um mimo!

Major... ó meu Major,
Ora diga lá agora o que é que quer.

Major... ó meu Major,
Ora diga lá agora o que é que quer.

Ora essa, continuem cinco minutos,
Não precisam que vos peça.
Continuem... ora essa!

Ora essa, continuem cinco minutos,
Não precisam que vos peça.
Continuem... ora essa!

Comandante... ó meu Comandante,
Estamos fritos, estamos agora a embrulhar!

Comandante... ó meu Comandante,
Estamos fritos, estamos agora a embrulhar!

Tenham calma... tenham calma e não pensem
Que eu daqui não vos estou a ajudar.

Tenham calma... tenham calma e não pensem
Que eu daqui não vos estou a ajudar.

Contra os canhões sem recuo...
VAI TU !

(Recolha: José Sobral / António Lalande Jorge)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

31 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24356: Convívios (963): Coimbra, 27mai2023, 50.º convívio da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime 1971/74): "Balada de Despedida", voz: Firmino Ribeiro

30 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24353: Convívios (962): CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1971/74): Coimbra, sede do núcleo local da Liga dos Combatentes, 27/5/2023: poucos mas bons, ao fim de 50 anos...

(**) Último poste da série > 3 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23583: O Cancioneiro da Nossa Guerra (14): Os Hinos da 4ª CCAÇ (Bolama e Bedanda, 1961/67) e da CCAÇ 6 (Bedanda, 1967/74)

(***) Vd. poste de 5 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24285: O que é feito de ti, camarada ? (18): António Lalande Jorge, ex-fur mil mec auto, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, março de 1972 / abril de 1974)

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24325: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (5): Op Triângulo Vermelho, a três agrupamentos (CART 2715, CCAÇ 12 e CCP 123 / BCP 12), em 4 e 5 de maio de 1971: a captura de população civil que depois é levada para Bambadinca e cujo tratamento causa a piedade e provoca a indignação do alf grad capelão Arsénio Puim


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) / Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Bambadinca  bem como do complexo de tabancas de Nhabijões, maioritariamente balantas, na margem esquerda do rio Geba, bem como o temivel Mato Cão (na margem direita) e, mais a norte, no regulado do Cuor, o destacamento de Missirá.... No princípio da década de 1970, para Norte Cuor) e Oeste (Enxalé)  não havia mais tropa (a não ser o destacamento do Enxalé, frente ao Xime, do outro lado do rio Geba). O PAIGC tinha aqui uma "base" (ou "barraca"), a "base do Enxalé", e este era um corredor fundamental para as colunas logísticas que vinham do sul... na altura em que o Senegal não permitia o trânsito de armas e munições no seu território. (Em linha reta devem ser mais de 25 km, de Bambadinca até à península de Madina / Belel.)


Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Excerto: posição relativa de Bambadinca e Xime (na margem esquerda do rio Geba), Enxalé (na margem direita do rio Geba) e Madina, Belel e Sará, a norte do Enxalé (que era território  dos regulados do Enxalé, Cuor e Oio, onde não havia tropa e que o PAIGC considerava "área libertada", controlando na península de Madina /Belel, a sudeste da base de  Sará (onde havia cubanos), uma população dispersa de cerca de duas mil almas, segundo estimativa do comando do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)


Guiné > Região do Oio > Carta de Mamboncó (1954) / Escala 1/50 mil > "Terra de ninguém"... Ou melhor: tradicionalmente o PAIGC andava por aqui com relativa à vontade, duarnte a guerra... Posição relativa do destacamennto de Cutia, na estrada Mansoa-Mansabá, tabancas (abandonadas) de Mambono, Belel e Sarauol.. E ainda o rio Malafo.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Sector L1 / Região de Bafatá > BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > CART 2715, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 54, e CCP 123 / BCP > 4 e 5 de Maio de 1971 > Operação "Triângulo Vermelho": a captura de população civil que depois é levada para Bambadinca e cujo tratamento causa a piedade cristã e provoca a indignação humana do alf grad capelão Arsénio Puim (*).

1. Vale a pena transcrever este excerto da História da Unidade, o BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), para se perceber melhor a situação dos prisioneiros que foram levados da península de Madina / Belel, para Bambadinca, e  ali permaneceram uns dias, em condições indignas e desumanas (recorde-se que estamos já em pleno consulado spinolista,     está em vigor a política "Por uma Guiné Melhor" que nem toda a hierarquia militar, no CTIG,  compreendia e sobretudo apreciava e  aceitava, continuando a praticar a politica da "terra queimada",.  "aniquilar o IN e destruir todos os seus meios de vida"):

Desenrolar da ação:

- Em 04.Maio, pelas 17,00 horas e durante cerca de 50 minutos o “Agrupamento  Verde ” [CART 2715] cambou o Rio Geba no Xime, utilizando um sintex que, em diversas viagens transportou o material e o pessoal, continuando em seguida em marcha apeada para o Enxalé onde chegou pelas 18,45 horas.

- Às 22,30 horas o 
“Agrupamento  Verde ” iniciou a progressão para Bissilão de onde seguiu para a estrada Enxalé - Porto Gole, seguindo por esta atingiu a margem direita da bolanha do Rio Malafo pela 1,30 horas do dia 05 de Maio.

- Pelas 2,00 horas foi atingida pelo 
“Agrupamento  Verde " o ponto de coordenadas (Mamboncó 7E6-21) de onde seguiu para Norte em direcção ao ponto de coordenadas (Mamboncó 7E3-66) que atingiu pelas 4,30 horas, montando em seguida uma linha de emboscadas no trilho que de Sinchã Madina se dirige para o ponto de coordenadas (Mamboncó 7G1-56), a fim de recolher o “Agrupamento Laranja" [CCP 123 / BCP 12].

- Entretanto o
“Agrupamento  Negro” [CCAÇ 12] que saiu de Bambadinca pelas 18,00 horas cambou o Rio Geba junto ao porto de Bambadinca por haver apenas um sintex no Xime, prosseguiu por Finete – Malandin  Mato Cão  Saliquinhé tendo atingido o ponto de coordenadas (Bambadinca 1F3-43) pelas 22,30 horas onde fez um pequeno alto para descanso do pessoal.

- Pelas 24,00 horas este Agrupamento continuou a progressão para o ponto de coordenadas (Bambadibnca 1E4-35) que foi atingido pelas 0,30 horas do dia 05 de onde prosseguiu para Norte ao longo do trilho que contorna a margem direita da bolanha do Rio Ganturandim, passando por Iaricunda.

- Pelas 04,30 horas foi atingido Madina (Bambadinca 1B2-87) de onde continuou para Norte até ao ponto de coordenadas (Bambadinca 1A9-93) alcançada pelas 5,00 horas onde foram montadas emboscadas em vários trilhos, que se reuniam num só que se dirigia para a zona onde iria decorrer a operação.

- Foi verificado nesta altura que este trilho era a única via, relativamente fácil, de passar a linha de água, pois a tentativa de o fazer noutro local seria infrutífera dado que toda a linha de água é rodeada de espessa vegetação e grandes canaviais.

- Entretanto o “Agrupamento Laranja” [CCP 123 / BCP 12], pelas 14,00 horas do dia 04, deslocou-se em meios auto de Nova Lamego para Bafatá onde chegou cerca das 15,30 horas sendo em seguida heli-transportada para Missirá.

- Pelas 17,30 horas do dia 04, já com todo o pessoal em Missirá iniciou-se a progressão apeada em direcção a Sancorlã de onde, seguindo o rumo 260 graus e a corta mato, continuou a progressão.

- Pelas 5,50 horas do dia 05 foi atingido o ponto de coordenadas (Bambadinca 2A2-30) onde o Agrupamento emboscou aguardando os bombardeamentos da FAP.

- Pelas 6,30 horas o “Agrupamento Laranja” progrediu para a margem direita da bolanha do Rio Malafo seguindo depois para Sul em direcção ao ponto de coordenadas (Mambo0mcó 7G1-56) onde o “Agrupamento Verde” emboscado, o havia de recolher.

- Durante este trajecto destruiu 12 tabancas, de 2 a 8 moranças cada, uma escola, um celeiro e outros meios de vida. Capturou um elemento armado de Mauser, 7 mulheres, 6 crianças e documentos diversos.

- Pelas 11,30 horas atingiu o ponto de coordenadas Mamboncó 7G1-56) onde foi recolhido pelo “Agrupamenmto Verde”, continuando a progressão, protegido por este o Agrupamento, para sul em direcção a estrada de Porto Gole - Enxalé.

- Entretanto o “Agrupamento Negro”, após o bombardeamento da FAP, continuou a progressão para (Bambadinca 1A4-94).

- Logo após os bombardeamentos foram ouvidos gritos humanos e ruídos de animais domésticos, assustados e em fuga.

- Pelas 6,20 horas, após passagem da linha de água, foram detectados 4 elementos IN desarmados, vestindo de calções e blusa azuis progredindo na mesma direcção mas em sentido contrário. Eram seguidos a cerca de 50 metros por mais 2 elementos IN, vestindo do mesmo modo e armados de PPSH. Estes elementos IN imediatamente retiraram para Norte fazendo fogo, tendo as NT abatido 2 elementos desarmados mais próximos.

- Continuou-se a progressão para Oeste seguindo depois par Sul, tendo-se encontrado várias moranças, bem construídas, com cerca de 3 e 4 divisões, cobertas a colmo e a ripado de bambu, muito bem camuflado sob grandes maciços de vegetação e com trilhos de acesso às mesmas.

- Foram destruídas 20 moranças, 2 celeiros com um total de 500 kg de arroz e outros meios de vida.

- Não foram detectados nem elementos da população nem elementos armados.

- Às 7,20 horas foi atingido o ponto de coordenadas de (Mamboncó 7I8-73), onde o Comandante do “Agrupamento Negro” [CCAÇ 12] decidiu atravessar a bolanha para (Bambadinca 1A2-68) e não regressar pela passagem utilizada à entrada, pois aquela era a única na linha de água, facilmente referenciável e difícil de utilizar nessa altura sem segurança.

- Pelas 7,30 horas quando os últimos elementos se encontravam a cerca de 30 / 40 metros da orla da mata, um pequeno grupo IN estimado em cerca de 10 elementos desencadeou uma pequena e rápida flagelação,  utilizando armas automáticas e LGFog, ao mesmo tempo a área de (Mamboncó 7I7-78) era batida com 3 tiros de Mort 82.

- A reacção das NT pelo fogo e movimento obrigou o grupo IN a retirar da área, fortemente batida pelas NT com armas automáticas, LGFog e, principalmente dilagramas, sofrendo 2 mortos confirmados e feridos prováveis.

- Como consequência desta flagelação as NT sofreram 11 feridos, dos quais 2 morreram antes de serem evacuados e um morreu a caminho do Hospital Militar 2
41.

[Nota do editor LG: Um dos militares que morreu, nesse dia, 5 de maio de 1971, no decurso desta operação, foi o sold at inf, da CCAÇ 12, Ussumane Sissé, nº mec. 82107669; os outros dois eram do Pel Caç Nat 54, sold at  inf Suntum Camará, nº mec. 82047766, e Adi Jop, nº mec. 821 30863; os três foram sepultados em Bambadinca.]

- Foi pedido apoio aéreo, tendo comparecido rapidamente o PCV e cerca de 5 minutos depois compareceu o Helicanhão, mas o IN já havia retirado.

- Como havia feridos no meio da bolanha, o PCV e o Helicanhão, alternando-se, fizeram a segurança das NT até final das evacuações.

- Pelas 11,00 horas terminadas as evacuações, continuou-se a progressão para Sul em direcção à estrada Porto Gole – Enxalé.

- Pelas 13,00 horas foi atingido o ponto de coordenadas (Mamboncó 7I7-31) onde o “Agrupamento Negro” [CCAÇ 12] emboscou,  a fim de fazer a segurança da travessia da bolanha do Rio Malafo, pelo “Agrupamento Verde” [CART 2715] e “Agrupamento Laranja” [CCP 123].

- Entretanto os Agrupamentos Verde  e Laranja, progredindo ao longo da margem direita do Rio Malafo, atingiram a estrada Porto Gole - Enxalé pelas 13,30 horas, de onde continuando por esta, atravessaram a bolanha do Rio Malafo, protegidos pelo PCV e recolhidas pelo “Agrupamento Negro” emboscado na margem oposta (Mamboncó 7I7-31, continuando a progressão para o Enxalé, atingido pelas 15,30 horas, seguidos pelo “Agrupamento Negro”.

- Às 18,00 horas os Agrupamentos cambaram o Rio Geba para o Xime onde ficou “Agrupamento Verde” continuando os outros dois, em meio auto, para Bambadinca onde chegaram pelas 19,30 horas.

- O “Agrupamento Laranja” imediatamente continuou para Nova Lamego, atingida pelas 21,30 horas.

Fonte: Excertos de: História do Batalhão de Artilharia nº 2917  - De 15 de novembro de 1969 a 27 de março de 1972: Capítulo II - Atividade no Terreno Operacional da Guiné (...): Atividade do Inimigo (IN) em 1971: 04 e 05.Maio.71: Operação "Triângulo Vermelho", pp. 73/74.

(Revisão / fixação de texto / negritos: LG)

(Dispomos de uma versão, em pdf,  policopiada, gentilmente cedida ao nosso blogue pelo ex-fur mil trms inf  José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande; o excerto que hoje se publica consta da versão, em suporte digital, corrigida, aumentada e melhorada pelo Benjamim Durães, igualmente membro da nossa Tabanca Grande.(***)

Provavelmente é da responsabilidade do Benjamim Durães a seguinte informação relativa ao "alferes Mil  Capelão Arsénio Chaves Puim, nº mec. 48092867" : (...) "Apresentação compulsiva no Quartel-General em Bissau em 13/05/71 para ser interrogado pela PIDE/DGS."...

Temos dúvidas sobre a data... o que próprio vai averiguar melhor no seus "papéis"... Ao telefone, o Puim disse-me que o assunto dos prisioneiros, capturados numa quarta-feira, dia 5 de maio de 1971, foi tema da sua homilia de domingo, dia 9... Desmentiu, por outro lado, que tenha sido interrogado pela PIDE (rebatizada DGS, a partir de 24/11/1969), tanto em Bissau, como depois em Lisboa e nos Açores (para onde voltou como padre). (LG)

2. Eu fui lá em 30 de março / 1 de abril de 1970 (Op Tigre Vadio)... No sector L1,  as NT iam uma vez por ano à península de Madina/ Belel,... Já agora transcreve-se alguns excertos do poste P8388 (***):

(9) Março de 1970: Op Tigre Vadio, 300 homens na península de Madina/Belel, no regulado do Cuor

(...) Esta foi seguramente a mais dramática (e talvez a mais temerária) operação conjunta que a CCAÇ 12 efectuou enquanto esteve de intervenção ao Sector L1, às ordens do Comando do BCAÇ 2852. Podia ter dado para o torto...

A missão confiada às NT era bater a  chamada península de Madina/Belel, no limite do regulado do Cuor / princípio do regulado. do Oio, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse (espalhada por locais como Madina, Quebá Jilã, Belel e Banir, esta localização já no Oio).

Em Madina, localizada em MAMBONCÓ 8G-1, havia uma população sob controlo do IN, estimada em 1500 habitantes. Mais 400, em Banir, cuja localização era em MAMBONCÓ 8H-9 (...).

Segundo as informações de que se dispunha, existiria 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Goryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc).

Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mamboncó].

A última operação com forças terrestres realizara-se em Fevereiro de 1969, não tendo as NT atingido o objectivo devido à fuga do prisioneiro-guia e ao accionamento dum engenho explosivo que alertou o IN. Verificaram-se ainda vários casos de insolação (Op Anda Cá) [Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel ]. (...)
___________

Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 15 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

 

Duas páginas do diário do Arsénio Puim que foi apreendido pelas autoridades militares de Bambadinca, em 17 de maio de 1971 (e que serviria depois para o incriminar). Cortesia de António Marujo / Semanário Expresso, 12/5/2023 




Arsénio Chaves Puim, ex-alf graduadocapelão,
CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio 1970 / maio 1971)

Foto: © Gualberto Magno Passos Marques (2009). Todos os direitos reservados. 
Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Transcrição: 

"Porto, 19/2/70. 

Continuam a perpassar pela minha consciência, espontaneamente, confrontos e problemas relativamente  à minha situação de capelão militar.

Não nego, evidentemente, a necessidade de assistência religiosa aos militares como parcela que são, frequentemente muito válida do mundo dos homens e mesmo da Igreja. O problema não é esse, mas simplesmente os moldes atuais em que essa assistência é feita.

Penso e tenho constatado que a incorporação do sacerdote, como tal,  no Exército, demais em guerra, com a categoria de oficial, sob as ordens de um comando militar, e a orientação duma cúria castrense, que é uma repartição do Ministério do Exército, escandaliza seriamente muitos homens de hoje, e distorce a sua missão de pregador do Evangelho, e dispensador da graça a todos os homens.

Como ministro de Cristo, que veio dar testemunho da Verdade e morrer por todos, o sacerdote não pode (sem falsear a sua realidade, manietar a palavra de Deus, e dar um antitestemunho de Cristo), estar comprometido, enquant0 tal, com instituições de fins especificamente militares, mormente quando
empenhadas em atividades bélicas partidárias e unilaterais, que a sua presença, além de cooperante, poderia parecer autorizar e sacralizar.

Ou os homens compreendem a missão específica do sacerdote e respeitam-na ou não compreendem e prescindem dela.

Todos estes pontos de vista, tive oportunidade de ver que preocuparam a consciência de muitos sacerdotes que frequentaram este ano a Academia Militar, mas nunca mere- (...)

(Transcrição / revisão / fixação de texto: LG)


1. O jornalista António Marujo (do jornal digital 7Margens) publicou esta semana na Revista do semanário Expresso, edição nº 2673, de 12/5/2023,  uma excelente e bem documentada reportagem sobre os capelães militares e a guerra do ultramar / guerra colonial. O destaque é dado à figura do nosso tabanqueiro Arsénio Puim (que acaba de completar, em 8 de maio,  os 87 anos).  

O título da peça não de deixa de ser apelativo e metafórico: "O caso do capelão expulso por querer descalçar os dois sapatos à guerra".

Neste trabalho de investigação (em que o nosso blogue é citado várias vezes), o autor acabou  por descobrir  "pelo menos outros 11 padres católicos que se opuseram à guerra colonial e não quiseram ser capelães", para além dos dois que foram expulsos do CTIG e exonerados das suas funções de capelania (Mário de Oliveira, em 1968 e Arsénio Puim, em 1971):

(...) "José Maria Pacheco Gonçalves, José Alves Rodrigues, Domingos Castro e Sá, Serafim Ferreira de Ascensão, Manuel Joaquim Ribeiro, António de Sousa Alves, José Domingos Moreira, José Lopes Baptista, Joaquim Sampaio Ribeiro e Carlos Borges de Pinho (todos da diocese do Porto) e José Carlos Pinto Matos, da diocese de Viseu. "

Destes nomes destaque-se o do Carlos Manuel Valente Borges de Pinho, que foi capelão da CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74), no curto período de 16/3 a 16/9/73. (´Foi amigo pessoal do nosso tabanqueiro José Teixeira, que neste momento não sabe do seu paradeiro: para saber mais ler aqui o poste P19055.)

O título da reportagem é inspirado na história de dois homens e um par de sapatos, que o ex-capelão militar Arsénio Chaves Puim,  na Guiné, registou no seu diário, no Dia de Ano Novo de 1971. 

“A guerra não é coisa para ter fim. Qual? Até se lhe acharia a falta, como aquele homem que, dormindo num andar inferior, estava habituado a ouvir o vizinho descalçar os sapatos à noite. Um dia este só descalçou um e o homem não adormeceu.”

O mesmo Diário que depois lhe provocaria dissabores... Como sobejamente é conhecido e está descrito no nosso blogue em inúmeros postes com a referência a Arsénio Puim (há pelo menos 66 referências)

Citando o jornalista António Marujo:

(...) A história acabou com uma denúncia — não sabe de quem: poderia ter sido alguém que o ouvira em alguma missa ou outra pessoa que o tivesse escutado numa conversa menos coincidente com as opiniões do regime. Certo é que os comandantes do quartel lhe apareceram no quarto, obedecendo a ordens superiores, “de Bissau”, para revistar tudo. Começaram por exigir os diários: “Tinham ordem judicial, estavam informados de que eu os escrevia. Deram-me duas ou três horas para me preparar, iria depois uma avioneta buscar-me.”

Abílio Machado, militar que presenciou a cena, contou, no blogue de Luís Graça: “Fui ver. Encontro o Puim sentado na cama, nervoso mas determinado, olhando uns sujeitos que impiedosamente lhe desmantelavam o quarto descarnado, de asceta, à cata de... Abriam, fechavam gavetas, apressados...”

O resto desta história, acabrunhante,  é conhecida dos nossos leitores: o capelão acaba por ser expulso do CTIG, e das suas funções de capelania (tal como tinha acontecido com o Mário de Oliveira, três anos antes, em Mansoa). De "Bissau" (sic) veiouma ordem (que ele nunca leu, nem lha deram a ler), para arrumar a trouxa e preparar-se para embarcar numa DO-27... Foram-lhe confiscados, pelo major que fazia então as  funções de comandante do BART 2917, os caderninhos com o seu "diário".

"(...) há vários sublinhados dos censores ou militares que os leram, depois de apreendidos. O autor só os recuperaria depois do 25 de Abril de 1974, depois de um primeiro pedido ter sido recusado, em janeiro de 1972, pelo ministro do Exército." (...).

Em suma, achamos de todo o interesse documental a leitura desta peça jornalística  que aborda um tema, se não tabu, pelo menos incómodo (e até comprometedor) para a hierarquia da Igreja Católica de então, nomeadamente para o bispo titular de Madarsuma, António dos Reis Rodrigues (1918-2009), um homem intelectualmente brilhante, professor na Academia Militar, que desempenhou as funções de Pró-Vigário Castrense e Capelão-Mor das Forças Armadas entre 1967 e 1975, ano em que foi nomeado bispo-auxiliar do Patriarcado de Lisboa ( ainda ao tempo do cardeal-patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira, 1888-1977).

Não sabemos qual foi o papel, nesta história, do controverso capelão-chefe major Gamboa (de seu completo Pedro Maria da Costa de Sousa Melo de Gamboa Bandeira de Melo, nascido em Castelo Novo, Fundão, em 1919)  que vivia no "Vaticano",  em Bissau, na altura em que o Puim fui expulso do CTIG. 

De qualquer modo,  o Puim  tinha já razões de sobra para não querer “ser mais capelão militar nesta guerra”, como escreveu numa carta ao vigário-geral castrense, o bispo António dos Reis Rodrigues, pedindo para sair. Mas ainda hoje ele não sabe se a carta chegou a Garcia... Honra lhe seja feita, também fez questão de dizer que "terei pena de abandonar os homens com quem vim [os militares do BART 2917, Bambadinca, 1970/72] e de quem não tenho razões pessoais de queixa.” Dois meses depois vem a ordem de expulsão de Bissau...

2. Num trabalho desta natureza, com recurso a diversas fontes, e nomeadamente orais, há sempre alguns imprecisões, nomeadamente toponímicas, que eu próprio já sinalizei ao autor. É o caso, por exemplo, deste parágrafo:

(...) Algumas das homilias mais fortes de Puim contra a guerra foram entre abril e maio de 1971. Um grupo de pessoas — incluindo sete mulheres e algumas crianças — tinha sido detido em Madina do Boé, onde dois anos depois o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) proclamaria a independência unilateral. A memória é de Luís Graça que viria a ser professor da Escola Nacional de Saúde Pública, colocado no mesmo batalhão e que hoje é o principal dinamizador de um blogue que recolhe memórias e testemunhos desse tempo (...)  (Negritos nossos, LG).

O jornalista deve trocado, por lapso, Madina / Belel por Madina do Boé. Madina / Belel (temos duas dezenas de referências a este topónimo) era uma península, que ficava a norte do Enxalé, na margem direita do Rio Geba, já no limite do Sector L1 (Região de Bafatá), e que era de difícil acesso a tropas apeadas... As NT iam lá uma vez por ano, no tempo seco... 

Madina do Boé, por seu turno,  ficava junto à fronteira sul / sudeste com a Guiné-Conacri (Região de Gabu). (Temos mais de 180 referências a este topónimo; por outro lado, é um erro grosseiro dizer que foi em Madina do Boé que o PAIGC proclamou a independência unilateral em 24/9/1973; o nosso blogue já publicou muitos postes a desmontar esse mito da propaganda do PAIGC.)

Por outro lado, eu preciso de confirmar mas os referidos prisioneiros não terão sido feitos pela 1ª CCmds (que já estava a atuar no setor L1 nessa altura, no nordeste da Guiné) mas sim pela CCAÇ 12, companhia de recrutamemtp local (a que eu pertenci desde a sua formação, em junho de 1969 até ao fim da minha comissão, em março de 1971).

Tirando estes "pequenos lapsos" (frequentes quando se  fala com os jornalistas ao telefone e não há muito tempo nem espaço para explicar e registar o contexto em que as histórias acontecem, para mais num território como a Guiné de geografia e etnografia complexas e exóticas...), o trabalho do António Marujo merece ser lido. (Ele disse-me que vai também publicar uma versão corrigida, no seu jornal digital 7Margens).
____________

Nota do editor:

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24286: Convívios (957): Pessoal de Bambadinca, 1968/71 (CCS/BCAÇ 2852, CCS/BART 2917, CCAÇ 12,Pel Caç Nat 52, 54 e 63, Pel Rec Daimler 2046 e 2206, Pel Mort 2106 e 2268: 27ª edição, Coimbra, 27 de Maio de 2023: inscrições até ao dia 16 (António Damas Murta, ex-1.º Cabo Op Cripto, CCAÇ 12, 1969/71)

 



Brasões das unidades e subunidades que passaram por Bambadinca (Setor L1 da Zona Leste, Região de Bafatá) entre meados de 1968 e meados de 1971. Composição do nosso editor Eduardo Magalhães Ribeiro.

Infogravura: Eduardo Magalhães Ribeiro / BLogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)




António Damas Murta, ex-1º cabo Op Cripto 
CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71); 
bancário, reformado da Caixa Geral de Depósitos,~
residente em Coimbra.



1. A organização, este ano, está a cargo do António Damas Murta [foto acima ], com a preciosa ajuda sua filha Sofia Murta.  (Palmas para ele, é o terceiro encontro que organiza, depois dos de 2009 e 2014).

Apesar das dificuldades económicas e sociais que atingem muitos portugueses, incluindo muitos dos nossos ex-camaradas de armas (agravadas pelas  limitações de mobilidade e saúde), esperemos que o 27º almoço-convívio em Coimbra, no próximo dia 27 de maio de 2023, atinja ou ultrapasse mesmo as 80 inscrições do último ano (2022).

Publica-se a seguir o convite e o programa do 27º convívio anual do pessoal que passou por Bambadinca entre 1968 e 1971. A reter:

(i) ponto de encontro; Estádio Universitário de Coimbra, às 10h00;

(ii) Missa na igreja de Santa Cruz, na baixa coimbrã, às 11h00;

(iii) Almoço no restaurante "República da Saudade", a partir das 13h00;

(iv) Preçário: 31 morteiradas (adulto):

(v) Inscrições até 16 de maio;

(vi) contactos: telef 239 71 30 55 / telem 964 538 201 (António Murta) | telem 968 050 119 (Sofia Murta, depois das 17h00, durante a semana)

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Nota do editor:

Último poste da sériie > 27 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24258: Convívios (956): A CCAÇ 2381 comemorou o seu regresso no 9 de Abril de 1970, fazendo o seu 30.º Almoço / Convívo no dia 15 de Abril, em Torres Vedras (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23991: Antologia (88): estereótipos coloniais: os balantas de Bambadinca, vistos pelas NT (BCAÇ 2852 e BART 2917)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > 
Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... 

Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos das NT. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Bambadinca era sede de posto administrativo e tinha correios, telégrafo e telefone, além de um posto sanitário ("missão do Sono")... Era, além disso, um importante porto fluvial. Era banhado pelo caprichoso Rio Geba (ou Xaianga). Até 1968 as LDG da Marinha chegavam até lá... Depois, já em 1969, ficavam-se pelo Xime que passou a ter "porto fluvial" (na realidade, um cais acostável)... De Bambadinca a Bafatá (cerca de 30 km) a estrada era já alcatroada...no tempo da CCAÇ 12  (1969/71). (LG)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74). Com a política "Por uma Guiné Melhro", a população balanda do setor (Nhabijões ou Nha Bidjon, Mero, Santa Helena, Enxalé, etc.) começou a aproximar-se mais do posto administrativo de Bambadinca e sede de batalhão, onde havia escola, posto médico, correios  e lojas.

Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
]


1. Todas as Histórias de Unidade, em geral,  refletem a visão "etnocêntrica" que os portugueses, civis e militares, tinham dos povos da Guiné nas décadas de 1960/70. O termo "etnocentrismo" não é fácil de definir.

et·no·cen·tris·mo
(grego ethnós, -eos, raça, povo + centrismo)

nome masculino

Visão ou forma de pensamento de quem crê na supremacia do seu grupo étnico ou da sua nacionalidade.

"etnocentrismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/etnocentrismo [consultado em 17-01-2023].

Especificando: 

(i) atitude, existente dentro de um dado grupo social, face aos outros que estão fora, e que se pode caracterizar em termos de preconceito, condescendência, desconfiança e/ou hostilidade; 

(ii) a maneira própria de ver a 'minha' cultura, a do meu povo ou etnia, por oposição à cultura do 'outro'... (Os primeiros portuguese que chegaram ao Japão em meados do séc. XVI foram chamados Nanban, 南蛮, “bárbaros do Sul”.)

Tanto nós (os comandos militares) (*) como o próprio PAIGC pecámos por etnocentrismo... Afinal de contas, tanto Amílcar Cabral (**) como a nossa 'inteligentsia' político-militar leu o António Carreira, o Manuel Belchior, o Fernando Rogado Quintino e outros etnógrafos/etnólogos da Guiné... A única sensibilidade sócio-antropológica que nos incutiram, a nós, tropas metropolitnas,  à chegada à Bissau, foram meia dúzia de "clichés" ou estereótipos  sobre os fulas, os mandingas, os balantas, os felupes, e por aí fora...

É interessante, em todo o caso, ir vendo como evoluiu a atitude das chefias militares em relação àqueles grupos étnicos e sociais que, no início da "guerra subversiva", escolheram o "campo do inimigo", aliciados pela "subversão"... A aliança dos fulas com as NT sempre foi incensada, até ao consulado de Spínola e à 'psico': a necessidade de concorrer com o PAIGC, não só com as armas de fogo, mas também e sobretudo com as da "sedução", levou os comandos militares a passar a "namorar" os balantas, os biafadas e os mandingas, e a criticar certas facetas do modo de vida e de pensar dos fulas...

Era  o caso, por exemplo, do Comando do BART 2917 que tinha, em Nhabijões, em 1970/72, um dos maiores reordenamentos da Guiné: cerca de 300/350 casas... Em contrapartida, esta abordagem "etnográfica"  estava práticamente ausente da História da Unidade anterior, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), podendo ler-se na pag. 1 do Cap II este delicioso naco de prosa :

(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Biafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero.

"Com o início do reordenamento da população em auto-defessa, num futuro próximo o IN se verá com sérias dificuldades, pois deixará de ter apoio e de ter a possibilidade de roubar para deste modo poder sobreviver" (...)


O roubo (e nomeadamente de gado) estava associado aos balantas... Este estereótipo mantinha-se no tempo da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71),

Uma advertência final: a transcrição de documentos político-militares, tanto de um lado como do outro, não implica qualquer concordância, aval ou aceitação do seu conteúdo... São documentos de trabalho, para leitura e análise 'desapaixonadas'... Partimos do princípio que o nosso leitor é soberano... E os nossos leitores são, fundamentalmente, os antigos combatentes desta guerra (colonial, para uns; do ultramar, para outros; de libertação, ainda para alguns...).


2. Vamos aqui voltar reproduir alguns excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, pp. 17-21 (Documento na altura classificado como "reservado", hoje desclassificado; versão policopiada gentilmente cedida ao nosso blogue pelo ex-fur mil trms inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande; comparada igualmente com a versão, em suporte digital, corrigida e melhorada pelo Benjamim Durães, outro grã-tabanqueiro (*)
 

(...) Sector L1 (Bambadinca) > População > Aspecto político (...)

3 – O BALANTA

(i) Nesta apreciação incluímos todos os balantas, incluindo os mansoancas, por não se conhecerem, no Sector [L1], problemas específicos para cada ramo balanta;

(ii) Aguerridos, alegres e folgazões, desconfiados mas demasiados ingénuos, depois de quebrada a sua desconfiança atávica, são o povo mais trabalhador da Guiné e só a ele se deve a transformação da lalas em produtivas bolanhas;

(iii) O Chefe Político é o Chefe de Família e por isso o Chefe de Povoação tem funções limitadíssimas, não podendo decidir sobre qualquer assunto sem que haja um total consentimento por parte dos Chefes de Família;

(iv) A figura de Régulo ou Chefe de Tabanca, é de criação portuguesa e, como é óbvio, não se integra na estrutura deste povo e, por conseguinte, nada representa para eles;

(v) A sua economia assenta na exploração do arroz alagado, aparecendo as culturas de milho, mandioca e arroz de sequeiro como complemento mas em muita pequena escala;

(vi) Vive sempre junto da bolanha pois desta necessita, para as suas necessidades imediatas, o barro para os seus potes, a palha para as suas casas;

(vii) Povo agrícola, pouco gado cria e este mesmo reserva-o quase só para rituais;

(viii) Praticando o roubo de gado como modo de aumentar a sua importância social, visto tal roubo ser uma verdadeira instituição social sem o significado desonrado que tem para as outras sociedades, evita-o, dividindo o seu gado pela guarda dos seus vizinhos e amigos e guardando em contrapartida o desses vizinhos;

(ix) A subversão apanhou os balantas na altura em que o seu dinamismo demográfico se fazia sentir no Sector ao longo das lalas dos rios Corubal e Geba, tendo penetrado neste praticamente até à área de Bissaque-Canchicamo e naquela até Jargavida;

(x) Ao mesmo tempo que se expandia, introduzia novos métodos de cultura junto das populações;

(xi) Entretanto a ingenuidade e imprevidência do balanta e o seu gosto pelo álcool são aproveitados não só pelos comerciantes pouco escrupulosos, que de um momento para o outro os colocaram na sua dependência mercê de juros elevados, mas também pelos mandingas e fulas, especialmente estes, que os sujeitaram a uma dependência económica tal que chegaram ao ponto de colherem os próprios frutos do trabalho dos balantas, dando-lhe somente o terreno para cultivo;

(xii) Encontrando-se enquadrados em sistemas políticos mas vastos, em que os chefes eram quase todos de etnia fula ou mandinga, eles com o seu conceito de grupo social apenas estendido à família não podiam fazer nada para evitar a sua desorganização social e defenderem-se das prepotências sofridas;

(xiii) É neste contexto que se deve compreender a fácil adesão do balanta à subversão, as promessas de libertação dos povos que os subjugavam económica, política e socialmente, induziram-nos a ver no PAIGC um meio de serem realizadas as suas aspirações;

(xiv) A inclusão sistemática de balantas nos grupos de guerrilheiros, a obrigação de darem grande parte da sua produção agrícola para alimentação desse mesmos grupos, a necessidade de, em virtude da acção das NT, se afastar cada vez mais das suas bolanhas, obrigá-los a abandonar a cultura do arroz alagado, a constatação de que os que ficaram nas zonas dominadas pelas NT têm uma vida fácil e progressiva, sendo cada vez menor, embora ainda existindo, a exploração que sobre eles exercem os outros grupos étnicos, exerceram a sua nostalgia da bolanha e criaram as condições quase ideais para uma viragem da sua atitude perante a subversão;

(xv) Contudo os que estão junto do IN sabem que aqueles que se apresentaram em Bambadinca e que não possuem bolanhas na área, são explorados apenas como mão-de-obra pelos donos da terra – alguns mesmo seus irmãos de raça – e continuam a ter a nostalgia das suas próprias bolanhas;

(xvi) Tal não sucede ainda aos que se têm apresentado no Enxalé (subsector do Xime) porque aí a bolanha é vasta e encontra-se ainda desocupada, especialmente em locais bastante longe da povoação, mas, se não nos preocuparmos em pôr cultivável toda aquela imensa bolanha, a curto prazo veremos acontecer também ali a exploração do balanta pelo balanta e estancar-se-ão as apresentações quase semanais que ali se vêm realizando;

(xvii) Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de balantas, será criar condições de segurança das ricas bolanhas que se encontram abandonadas

(xviii) De entre todas essas está a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rica e muito grande, encontrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontram sobre controlo IN, na área de Incala, e desejarem para ali voltar.

Dos Balantas existentes no Sector os seguintes núcleos:

ENXALÉ (carta do Xime, 1961, escala 1/50 mil) > Francamente colaborante com as NT.

NHABIJÕES > Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato têm assíduos contactos com pessoal, especialmente da região de Incala que ali vai vender arroz e, através de Bambadinca, abastecer-se de artigos de primeira necessidade. Sempre negam tais contactos embora sejam de todos conhecidos. (***)

SANTA HELENA > Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato, especialmente pessoal do Regulado do Cuor, mantêm frequentes contactos com esses familiares que ali se deslocam, mas negam esses contactos e raramente os denunciam.

MERO > Colaboram com as NT. Mantêm intensos contactos com pessoal desarmado sob controlo IN que na maioria são seus familiares. Negam sempre tais contactos. 

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos: LG] (****)

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3000: Amílcar Cabral: nada mais prático do que uma boa teoria (Luís Graça)

 (...) A estratificação da sociedade fula também pode ser vista a partir da família, extensa, que é a sua célula: a família de um homem grande é constituída pela morança; um conjunto de moranças formam uma tabanca; um conjunto de tabancas um regulado; e por fim, os regulados fulas estão associados ao chão fula (Leste da Guiné, compreendendo hoje as regiões de Bafatá e de Gabu), uma entidade territorial e simbólica, ligada à conquista.

Aqui a mulher não goza de quaisquer direitos sociais: participa na produção sem quaisquer contrapartidas; por outro lado, a prática da poligamia significa que ela é, em grande parte, propriedade do marido.

Estranha-se, não haver aqui uma referência ao fanado feminino e sobretudo ao profundo significado sócio-antropológico que tinha (e tem) a Mutilação Genital Feminina entre os Fulas (mas também entre os Mandingas e os Biafadas). Será que Cabral tinha consciência das terríveis implicações, para a mulher, desta prática ancestral, e também aceitava tacitamente em nome do relativismo cultural, tal como os antropólogos colonialistas ? Não conheço nenhum texto em que o ideólogo do PAIGC tenha tomada posição sobre este delicado problema. (...) .

(...) Tenho ideia que Cabral se movimentava (e pensava) melhor no campo do que na cidade, já que ele trabalhou como engenheiro agrónomo, na Guiné e depois em Angola, ao longo da década de 1950. Entre 1953 e 1956 fez o recenseamento agrícola da Guiné (…), e julgo que lhe veio daí a sua admiração pelos povos animistas, e em especial os balantas, os magníficos camponeses da Guiné, os grandes cultivadores de arroz. (...)

(...) Falando das gentes do mato, Cabral dá uma lição sobre os balantas, grupo que ele não só conhece, como agricultores, como admira, enquanto povo, que foi historicamente um povo resistente (tal como os oincas, ms estes mandingas, islamizados). Chama-lhes uma “sociedade horizontal”, isto, é, “que não tem classes por cima umas das outras”. Entre eles não há hierarquias. Os chefes foram uma invenção dos tugas, que lhe impuseram régulos fulas ou mandingas, nalguns casos antigos cipaios, leais aos portugueses:

“Cada família, cada morança tem a sua autonomia e, se há algum problema, é o conselhos dos velhos que o resolve, mas não há um Estado, não há nenhuma autoridade que manda em toda gente”. 

A sociedade balanta seria uma sociedade tendencialmente igualitária, que Cabral descreve nestes termos singelos : 

“A sociedade balanta é assim: Quanto mais terra tu lavras, mais rico tu és, mas a riqueza não é para guardar, é para gastar, porque um indivíduo não pode ser muito mais que o outro”… Explicitando melhor: “Quem levantar muito a cabeça já não presta, já quer virar branco, etc. Por exemplo, se lavrou muito arroz, é preciso fazer uma grande festa, para gastar" (...).

(***) Vd. poste de 28 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P577: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

(...) Nhabijões, 20 de Dezembro de 1969

Nhabijões: um conjunto de tabancas, ao longo do Rio Geba, habitadas por balantas (uma delas por mandingas), sob duplo controlo (a expressão é das NT) e agora em fase de reordenamento (outro eufemismo: para mim, trata-se de puro etnocídio sociocultural, o que se está aqui a fazer, obrigando os pobres dos balantas e mandingas de Nhabijões a transferir-se da beira rio para uma zona de planalto, sobranceira ao Geba, e a viver em casas desenhadas e construídas por europeus)...

(...) Os balantas foram, segundo o testemunho insuspeito dos meus soldados (fulas), as maiores vítimas da repressão colonial nesta década. Seis anos depois (é difícil confiar na memória dos africanos que não usam calendário, mas isto ter-se-á passado em 1962 ou 1963, depois do início oficial da guerra), Samba Silate (cuja população terá sido parcialmente massacrada pela tropa ou pela polícia administrativa de Bambadinca, não posso precisar) e Poidon (regada a napalm, dizia-se,  pela força aérea) ainda despertam aqui trágicas recordações: evocam o tempo em que todo o balanta era suspeito aos olhos das autoridades militares e administrativas, presumivelmente coadjuvadas pela PIDE (..)-.

Há uns anos atrás, nos anos do terror, ser encontrado fora da sua tabanca ou do seu perímetro, de catana na mão ou faca de mato à cintura - que é ronco ou adorno para um balanta que se preze - , eis um belo pretexto para um balanta ser preso, levado para o posto administrativo de Bambadinca, sumarianente interrogado e às vezes, hélàs!, mais sumariamente ainda liquidado.

 A justificação era simples, segundo os meus soldados fulas: "um balanta a menos, era um turra era menos" (sic)… Admito que haja aqui alguma dose de fanfarronice e de exagero, por parte dos fulas, históricos inimigos e vizinhos dos balantas… Mas não há fumo sem fogo: estas histórias parecem-me ter consistência…
 
(...) Recuperação psicológica e promoção sócio-económica das populações – a chamada acção psicossocial: eis agora a palavra de ordem, sob o consulado de Herr Spínola… É isso: agora faz-se psico (psícola, como dizem os nossos soldados): o major aperta, com visível repugnância, as mãos das múmias; o médico observa, enfastiado, uns tantos casos constantes do catálogo das doenças tropicais; um outro miliciano distribui cigarros Marlboro; e o cabo da CCS anda a ver se come a bajuda de mama firme…

Admitem-se abertamente, na linguagem fetichista dos spinolistas, os erros do passado da nossa administração que não terá tido na devida conta as susceptibilidades, as idiossincracias e até os direitos das populações guineenses, mas omite-se, talvez por uma questão de má-consciência, os crimes praticados pelas NT, no passado recente e no passdo mais remoto, pelos nossos métodos particulares de pacificação…

(...) Mas, fazendo deslocar a guerra do TO (teatro de operações) para a ACAP (repartição de acção psicológica), Herr Spínola admite implicitamente que a vitória já não pode ser ganha só pelas armas. (...).

(****) Último poste da série > 22 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23905: Antologia (87): Apresentação do livro de Daniel dos Santos, "Amílcar Cabral: um outro olhar", pelo eng.º Armindo Ferreira, na Praia, em 5/9/2014