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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21404: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte I

Foto nº 5 – Guiné > Região de Bafatá >Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Finete > Elementos da 1.ª secção do 2.º Gr Comb da CCAÇ 12 , num patrulhamento ofensivo ao Mato Cão, para montagem de segurança à navegação do rio Geba Estreito > 

"Eu à esquerda, na primeira fila, com a mala de primeiros socorros, e a minha G-3 (nunca usei pistola), com malta de da 1ª secção do 2º Gr Comb, da CCAÇ 12. Além do Arménio Monteiro da Fonseca [, que vive no Porto, em Campanhã], a secção era composta por: (i) soldado arvorado Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7); e ainda os sold Samba Camará, Iéro Jaló, Cheval Baldé (Ap LGFog 8,9) [, à direita do Arménio), Aruna Baldé (Mun LGFog 8,9) [, à minha esquerda], Mamadú Bari, Sidi Jaló (Ap Dilagrama) (FF) [, dado como tendo sido fuzilado depois da independência], Mussa Seide, e Amadú Camará, todos fulas ou futa-fulas. Desta vez, também, a secção, o fur mil arm pesa inf Henriques [, o nosso editor, Luís Graça], de óculos escuros, ao lado do Arménio". (*)

Foto (e legenda): © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
 .

Foto nº 1 > Lisboa > s/d [ c. 1880-1890] > Formatura de pessoal e material sanitário militar.

[In; Revista Militar n.º 2544, Janeiro de 2014, p12 (pdf) do Artigo do TCor Med Rui Pires de Carvalho "Factos relevantes da Saúde Militar nos últimos 200 anos"], com a devida vénia.



 

Foto nº 2 – Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > s/d > Entrou em funcionamento em 16 de Agosto de 1961 (4.ª feira).

Fonte: CECA, 7.º Vol, pp 679/680 e foto: Carlos Cardoso; P1578, com a devida vénia.

 

Foto nº 3 – Guiné-Bissau > Bissau > Novembro de 2000  > Ruínas do Hospital Militar 241, em Bissau. Foi entregue ao PAIGC em 12 de Outubro de 1974 (sábado). 

Fonte: CECA, 7.º Vol, pp 679/680 e foto: Alberto Costa (Nov2000), com a devida vénia.


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau > s/d > Ruínas do Hospital Militar 241 (de 1961 a 1974). Depois passou a chamar-se "Hospital 3 de Agosto". 

Fonte: https://triplov.com/guinea_bissau/guine-bissau/index.htm com a devida vénia.



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue... e já está a preparar o próximo ano letivo, que não vai ser fácil paar ninguém: professores, e demais pessoal da conunidade escolar: pessoal não docente,alunos, pais e encarregados de educação, etc. Espera que este ano lectivo (2020/21) seja o último, antes de se reformar.


MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS» 

OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE I 



1. - INTRODUÇÃO


Não sendo possível comparar o que é incomparável – a Guerra Colonial / Guerra do Ultramar / Guerra de África  (1961-1974) e a Expressão Pandémica do Covid-19 (2020) – encontrei no âmbito da segunda situação, nomeadamente em quase todas as manifestações espontaneamente organizadas por grupos de cidadãos e divulgadas nos media, uma forma de homenagear os profissionais que trabalham na áreas da saúde, homens e mulheres, por estes se terem colocado na "linha da frente" do combate à actual ameaça, de natureza viral, com que a saúde pública mundial se viu/vê confrontada, desde o início do presente ano.


Por ser verdade, inspirei-me nestas últimas manifestações de carinho e gratidão que acima relevo, para recordar, também, a importância e o importante papel (insubstituível) desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente dos civis/população local) – médicos e enfermeiros – na missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida (medicina geral), mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais. [Vd. foto nº 5, acima]


Neste novo trabalho de investigação (**), dividido por fragmentos, procuramos descrever cada um dos contextos em campanha, que na fita do tempo tem mais de meio século, analisando "factos" e "feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", onde cada caso acabaria por influenciar a Chefia Militar na argumentação para um "louvor" e que se transformaria, depois, em "condecoração" com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe.


Na construção das narrativas, a principal fonte de consulta foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), abaixo designada pelo acrónimo  "CECA".


Divisa: "Entre os braços dos serviços de saúde "



2. - SUBSÍDIO HISTÓRICO DO HOSPITAL MILITAR 241 (BISSAU)


Tendo por Divisa "Inter Arma Medicina", o Hospital Militar 241, em Bissau, iniciou a sua actividade em 16 de Agosto de 1961 (4.ª feira), sob a direcção clínica do Major Médico José Libertador Ferraz Pereira Monteiro. A missão era de dois anos.


Com início em 16 de Dezembro de 1968, entrou em vigor a figura de Subdirector do Hospital Militar, sendo este lugar ocupado, então, pelo Capitão Médico Ernesto Mendes Ferrão.


Como elemento estatístico, entre 1961 e 1974, período considerado na historiografia militar como o da Guerra Colonial, só pelo Exército foram mobilizados, para os três TO, cerca de 1.100 [mil e cem] Médicos Milicianos, permitindo uma experiência técnica adicional e ímpar. 


O HMP, em particular, teve grande incremento e desenvolveu capacidades e prestígio: Cirurgia Plástica, Fisiatria e Neurocirurgia, entre outras. 


[Fonte: https://www.revistamilitar.pt/artigo/113


2.1 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL


O Hospital Militar 241 [HM 241] foi criado a partir do Destacamento Sanitário/Equipa Cirúrgica, anteriormente mobilizada pelo 1.º GCS [Grupo de Companhias de Saúde, em Lisboa]. O seu desembarque em Bissau ocorreu por fracções, entre 08 de Junho de 1961 e 05 de Julho de 1961.


Em 14 de Junho de 1972, a sua designação foi alterada para Hospital Militar de Bissau, por despacho ministerial de 19Mai72, com aprovação concomitante de novos quadros orgânicos.


Desenvolveu as acções de hospitalização de todas as categorias de indisponíveis, realizando o seu tratamento definitivo ou preparando para ulterior evacuação os que dela necessitassem. 


Atingiu a capacidade de 250 camas e dispôs de serviços especializados de cirurgia geral, ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia, análises clínicas, radiologia, estomatologia, dermato-venerologia, reanimação e sangue, fisioterapia, psiquiatria, medicina geral e cardiologia.


Dispôs ainda de equipas itinerantes de cobertura estomatológica, orientou a profilaxia antipalúdica e ministrou instrução de formação de maqueiros e auxiliares de enfermagem, tendo colaborado também com os serviços de saúde civis na assistência à população.


Após chegada dos primeiros elementos do PAIGC, a partir de 04Set74, para recepção dos serviços, o Hospital Militar de Bissau [HMB] foi entregue em 12Out74, sendo portanto extinto. (Ceca; 7.º Vol., pp 679-680), [Vd.  fotos, acima, nºs 1, 2, 3 e 4]


 

3.   - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)

 





Nota: A descrição de cada caso seguirá a ordem estruturada no quadro supra.

 

3.1        - FRANCISCO GONÇALVES MOREIRA, 1.º CABO MAQUEIRO DA CCAÇ 152, CONDECORADO A TÍTULO PÓSTUMO COM A MEDALHA DE PRATA DE VALOR MILITAR, COM PALMA


A primeira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração (a título póstumo) a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército aconteceu quatro dias após o início do conflito armado, tendo por origem uma emboscada sofrida por um Gr Comb da CCAÇ 152, entre Bichalá e Budom (ver mapa abaixo).


► Histórico



 

◙ Fundamentos relevantes para atribuição da Condecoração


"Pelo seu acto valoroso de abnegação, camaradagem e desprezo pela vida, que me apraz registar e enaltecer, aponto-o como exemplo vivo de todo o soldado português" – Joaquim da Luz Cunha [Faro, 1914-?], Ministro do Exército [de 4 de Dezembro de 1962 a 7 de Agosto de 1968].





▬ Portaria de 26 de Novembro de 1963:


"Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar a título póstumo, com a Medalha de Prata de Valor Militar, com palma, nos termos do parágrafo 1.º do art.º 51.º, com referência ao art.º 7.º, do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, o 1.º Cabo Maqueiro, n.º 264/60, Francisco Gonçalves Moreira, da Companhia de Caçadores 152 [CCAÇ 152], Regimento de Infantaria n.º 8, porque, na Guiné Portuguesa, numa emboscada sofrida [a 27Jan63, em Bichalá] por um Pelotão na região de Budom, em que tombou ferido pelo inimigo o seu comandante de Secção [Abílio Monteiro de Brito, Fur Mil Inf], num acto valoroso de abnegação, extraordinária coragem e com risco da própria vida, progrediu debaixo de fogo intenso para o socorrer e, quando já o segurava em seus braços, veio também a morrer." (CECA; Vol. 5, Tomo I, p 210). (Os seus corpos não foram recuperados).

 

CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Em 27 de Janeiro de 1963 (domingo), quatro dias após o ataque ao Aquartelamento de Tite, um Gr Comb da CCAÇ 152 efectuou uma das primeiras acções militares realizadas no território da Guiné, executando um golpe de mão sobre um acampamento temporário instalado na região de Budom (Bichalá), a norte de Chugué. 


Durante a missão, o mesmo Gr Comb, do qual fazia parte o 1.º Cabo Maqueiro, Francisco Gonçalves Moreira, sofreu uma emboscada vindo a tombar quando socorria o seu comandante de Grupo, o Furriel Miliciano de Infantaria, Abílio Monteiro de Brito. Os seus corpos não foram recuperados. (CECA; 7.º Vol. Tomo II, p 308).




3.1.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 152

= BUBA - CACINE - ALDEIA FORMOSA - GADAMAEL - SALTINHO - BISSAU (1961-1963)


Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 8 [RI8], de Braga, a Companhia de Caçadores 152 [CCAÇ 152], embarcou em Lisboa, em 28 de Julho de 1961, 6.ª feira, por via aérea, sob o comando do Capitão de Infantaria Carlos Alberto Blasco Gonçalves, rumo à Guiné (Bissau), onde chegou no mesmo dia.


3.1.2    - SÍNTESES DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 152


Após a sua chegada a Bissau, a CCAÇ 152 foi colocada em Buba, a fim de substituir a 4.ª CCAÇ, com dois Grs Comb destacados em Cacine e Aldeia Formosa e secções em Gadamael e Saltinho, sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 237 [25Jul61-19Out63; do Maj Inf António Tavares de Pina e TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], e orientando a sua actividade para acções de soberania, segurança e controlo das populações, procurando impedir a instalação do inimigo na área.

Em 30Abr63, foi substituída em Buba pela CCAÇ 411 [09Abr63-29Abr65; do Cap Inf João Gomes do Amaral], sendo colocada em Bissau a fim de integrar o dispositivo do BCAÇ 236 [25Jul61-19Out63; do TCor Inf José Alves Moreira], com vista a garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área, colmatando a saída anterior da CCAÇ 84 [09Abr61-12Abr63, do Cap Inf Manuel da Cunha Sardinha e Cap Mil Inf Jorge Saraiva Parracho]. 


Em 18Out63, foi rendida em Bissau pela CART 565 [18Out63-27Out65; do Cap Art Luís Manuel Soares dos Reis Gonçalves], a fim de efectuar o embarque de regresso, ocorrido em 19 de Outubro de 1963, a bordo do N/M «Ana Mafalda» (CECA; op. cit., p. 308).




3.2   - ADOZINDO CARVALHO DE BRITO, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO DA CCAV 489, CONDECORADO A TÍTULO PÓSTUMO COM A CRUZ DE GUERRA DE 1.ª CLASSE  


A segunda ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração (a segunda a título póstumo) a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército aconteceu durante a «Operação Adónis B-3», realizada na região do Morés (ver mapa abaixo).


► Histórico


 

◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ Portaria de 05 de Maio de 1964:


"Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: A título póstumo, Primeiro-Cabo auxiliar de enfermeiro, Adozindo Carvalho de Brito, n.º 1826/62, da Companhia de Cavalaria 489 [CCAV 489] – Batalhão de Cavalaria 490, Regimento de Cavalaria n.º 3."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, adoptar para todos os efeitos legais, o seguinte louvor, conferido a título póstumo, em Ordem de Serviço n.º 24, de 29 de Dezembro de 1963, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné Portuguesa, ao Primeiro-Cabo, auxiliar de enfermeiro, Adozindo Carvalho de Brito, n.º 1826/62, da Companhia de Cavalaria 489 [CCAV 489] – Batalhão de Cavalaria 490, Regimento de Cavalaria n.º 3:


Porque numa acção de fogo na região de Morés [«Operação Adónis B-3», em 02/03Nov63], na qual tomou parte o Grupo de Combate a que pertencia, abnegadamente se dirigiu à frente, debaixo de intenso fogo inimigo, a fim de fazer curativos a um seu camarada ferido, o que executou com prontidão, desprezo pelo perigo e risco da sua própria vida, após o que foi por sua vez gravemente atingido por ferimentos que lhe vieram a causar a morte.


A par da sua grande coragem, manteve até ao fim elevado moral e espírito de sacrifício, tendo desta forma honrado da melhor maneira a Companhia de Cavalaria a que pertenceu [CCAV 489], cujo pessoal, oficiais, sargentos e praças, jamais poderão esquecer o dignificante exemplo dado por este Primeiro-Cabo auxiliar de enfermeiro, em circunstâncias tão difíceis." (CECA; Vol. 5. Tomo II, p 331).





CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Após o desembarque em Bissau, verificado em 22Jul63, o comando do BCAV 490 e as suas três unidades de quadrícula (CCAV's 487, 488 e 489), ficaram inicialmente instaladas na Capital, como forças de intervenção. A partir de 02Ago63, duas dessas subunidades passaram a actuar intensivamente na região de Óio-Morés e Mansoa, como reforço do BCAÇ 512 [22Jul63-12Ago65, do TCor Inf António Emílio Pereira de Figueiredo Cardoso].


É neste âmbito que tem lugar a «Operação Adónis B-3», cuja missão seria a entrada no acampamento IN (base) de Morés.


Assim, em 02 de Novembro de 1963, sábado, a CCAV 489 iniciou esta acção militar sob o comando do Cap Cav António Ferreira Cabral Pais do Amaral, que contou ainda com a participação do Cmdt do BCAÇ 490, TCor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro (1917-2012).


Eram 23h00, de 02Nov63, quando se deu início à «Operação Adónis B-3», com a saída de Mansabá. Durante a progressão, as forças mobilizadas foram sendo repartidas, enquanto umas emboscavam, as outras marchavam em busca do acampamento (base) de Morés. Até Cai, as NT não encontraram obstáculos. Ultrapassada esta tabanca, e quando eram cerca de 04h30, os dois elementos da frente da força abriram fogo de G-3. Progredindo encontraram um elemento IN, gravemente ferido na anca, armado com uma PM [pistola-metralhadora], que se prontificou a colaborar para o cumprimento da missão de chegar ao Morés. O outro guerrilheiro ferido em fuga foi avistado, mas a uma distância que não foi possível tentar a sua perseguição.


Na progressão foram encontradas várias munições e carregadores. Debaixo de fogo intermitente, eram 08h30 quando as tropas penetraram na "Tabanca de Morés". Aí foi encontrado um casal idoso, ele acamado e a mulher ao lado. As informações obtidas naquele momento confirmaram as anteriormente recolhidas. O acampamento situava-se junto ao caminho que de Morés conduzia a Talicó [ver infografia acima], a meio de duas bolanhas. Eram 10h00 quando um "heli" recolheu o guerrilheiro ferido. Uma hora depois chegou, também de "heli", o Comandante-Chefe, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa. Na presença do Cmdt-Chefe, e pelas mãos de elementos da CCAV 489, foi hasteada a Bandeira Portuguesa no Morés (Imagem - CECA; 6.º Vol., Tomo II, p 122).


Depois, com a prisioneira (Mala Seidi) como guia, as tropas continuaram a progredir em direcção à "casa de mato" que se pensava ser o "Quartel-General" dos grupos que, desde Julho'63, vinham desencadeando acções contra a tropa e a população. Os guerrilheiros aguardavam-nas pacientemente. Atacadas pelos flancos, as NT reagiram com tiros de bazuca trazendo acalmia momentânea. A cada passo reacendia-se a refrega. Momentos houve, que o relatório da operação minuciosamente descreve, em que quase se combateu tiro a tiro, individualmente.


As nossas tropas tinham feridos e corpos de guerrilheiros espalhavam-se pela mata. O 1.º Cabo enfermeiro, Adozindo Carvalho de Brito, foi atingido quando estava a socorrer um soldado ferido. Os alf mil Rui Noronha Ferreira e fur mil António Covas transportaram para a rectaguarda um dos feridos mais graves. Foram 45 minutos de "inferno de fogo e sangue", até que chegaram os «T-6», de acordo com o pedido feito de intervenção sobre as zonas das casas de mato, que metralharam.


Às 16h00, o Morés é atingido, ao mesmo tempo que começaram a chegar os "hélis" para procederem à evacuação dos feridos mais graves, um dos quais o 1.º Cabo enfermeiro, Carvalho de Brito, e que, lamentavelmente, foi o único que não resistiu aos ferimentos recebidos.


O TCor Fernando Cavaleiro decidiu que se devia permanecer em Morés até ao dia seguinte. Escolheram-se os locais para as sentinelas, limparam-se alguns arbustos e improvisaram-se abrigos. Às 19h00 recomeçou o tiroteio, interrompido pela reacção das NT e recomeçando às 22h00. Elementos IN, ao abrigo da escuridão, aproximaram-se do improvisado aquartelamento e arremessaram granadas de mão. Às 01h, 02h e 03h00 os ataques foram feitos com mais força e as flagelações vinham de vários lados… numa longa noite de muitas "memórias". (…)





● Fonte: P3329 (adap.): "Breve resumo da História do BCAV 490" (Virgínio Briote).

Ø  Outras consultas sugeridas: P19993 e P20013.


 

3.2.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAVALARIA 489


= MANSABÁ - ILHA DO COMO - CUNTIMA - BULA - BISSAU (1963-1965)


Mobilizada pelo Regimento de Cavalaria 3 [RC3], de Estremoz, a Companhia de Cavalaria 489 [CCAV 489] embarcou em Lisboa, a 17 de Julho de 1963, 4.ª feira, a bordo do N/M «Niassa», sob o comando do Capitão de Cavalaria António Ferreira Cabral Pais do Amaral, rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 22 de Julho.


3.2.2    - SÍNTESES DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAV 489


Após a sua chegada a Bissau, a CCAV 489 e o restante contingente do seu BCAV 490, ficaram provisoriamente instaladas na capital como forças de intervenção. Durante cinco meses, de 02Ago63 a 27Dez63, esteve instalada em Mansabá, onde na função de força de intervenção reforçou o BCAÇ 512, tendo participado em diversas operações na região do Óio, nomeadamente nas zonas de Mansabá, Bissorã e Morés. Neste intervalo de tempo, ainda cumpriu outra missão, tendo sido atribuída temporariamente ao BCAÇ 236 [23Jul61-19Out63, do TCor Inf José Alves Moreira], e depois ao BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65, do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], para colaborar na segurança e protecção das instalações da área de Bissau, de 03Set63 a 21Out63, a fim de colmatar a saída da CCAÇ 154 [21Jun61-03Set63, do Cap Inf Fernando Barroso de Moura].


Integrada nas forças do seu Batalhão envolvidas na «Operação Tridente», que decorreu nas Ilhas de Como, Caiar e Catungo, durante o primeiro trimestre de 1964, contabilizou um novo deslocamento até Sitató, desta vez em conjunto com a "irmã" CCAV 488 [do Cap Cav Fernando Manuel Lopes Ferreira (1.º); Cap Cav Manuel Correia Arrabaça (2.º) e Ten Cav Lourenço de Carvalho Fernandes Tomás (3.º)], instalando-se em Cuntima em 31Mai64, onde substituiu forças da CCAÇ 461 [20Jul63-07Ago65; do Cap Mil Inf Joaquim Lourenço da Rocha e Santos (1.º) e Cap Inf Joaquim de Jesus das Neves (2.º)] e da 1.ª CCAÇ, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector, então criado e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu Batalhão.


Em 06Jun65, foi rendida pela CART 732 [14Out64-07Ago66; do Cap Art Guy Stélio Pereira de Magalhães], tendo recolhido seguidamente a Bissau com o seu Batalhão e onde se manteve até ao seu embarque de regresso, verificado em 12 de Agosto de 1965. Entretanto, a partir de 13Jun65, dois dos seus Grs Comb estiveram temporariamente deslocados em Bula, em reforço do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado], por períodos de 10 a 15 dias, com vista à realização de patrulhamentos e contactos com as populações da região de S. Vicente.


 

Foto nº 6 – Elementos da CCAÇ 489 (1963-1965), na curva da picada para Jumbembem - P14827, com a devida vénia. 

(Continua)

_____________


► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

28Set2020


__________________


Nota do editor:


(*) Vd. poste de 25 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16011: Álbum fotográfico do Fernando Andrade Sousa, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) - Parte I: Uma ida ao Mato Cão

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20927: (De)Caras (158): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte VII: mais uma achega do Carlos Geraldes: o caso do ataque (anunciado) a Pirada em 28/5/1965 e o linchamento do gila confundido com um espião,


Comunicado do PAIGC referindo um ataque a Pirada,  o dia 28 [, sem mês nem ano],,, Cruzando informação disponível no blogue, esse ataque só pode ser o dia 28 de maio de 1965, ao tempo da CCART

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07065.068.053
Título: Comunicado [Frente Leste]
Assunto: Comunicado sobre o ataque da Secção do Exército Popular ao quartel de Pirada.
Data: s.d. 
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Página(s): 1

Citação:
(s.d.), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40762 (2020-4-29)




Mário Soares > Pirada >
14/2/1974.
Foto: António Rodrigues 
(2015)
1. Continuamos à(s) volta(s) dessa figura algo misteriosa que foi o comerciante português Mário Soares, ou Mário Rodrigues Soares, mas também identificado com António Mário Soares (*). Dizem, justa ou injustamente, que serviu dois senhores, as NT e o PAIGC. Foi acusado de ter sido informador da PIDE/DGS tanto quanto "espião" do PAIGC. Em suma, "um "hábil agente duplo (...) durante muito tempo", condição que "acaba sempre por ter um preço amargo de pagar" (, segundo o seu amigo Carlo Geraldes). No fim da guerra, terá sido escorraçado por uns e por outros.

Esteve estabelecido em Pirada, no leste da Guiné, na fronteira com o Senegal, e diversos camaradas nossos (, nomeadamente, alferes milicianos)  conviveram com ele ao longo da guerra colonial, pelo menos desde 1963 a 1974.

Tende, por vezes, a ser confundido com o  seu homónimo,  esse, sim,  inconfundível figura pública Mário [ Alberto 
Nobre  Lopes] Soares (1924-2017), presidente da República Portuguesa (1986-1996), duas vezes primeiro ministro, fundador 
e secretário geral do Partido Socialista, opositor do regime de 
Salazar-Caetano,  etc.

A ignorância pode ser tanta que até a jovem cabo-verdiana, nascida em 1991, Kathleen Rocheteau Gomes Coutinho, troca os dois nomes, os homónimos,  num trabalho académico, defendido em provas públicas numa universidade brasileira (**).

Sabemos, por testemunhos anteriores (*), que o Mário Soares: (i) era natural de Lisboa; (ii) terá vindo para a Guiné por "dificuldades financeiras); (iii) estabeleceu-se como comerciante em Pirada; (iv) era casado (com Luísa  e tinha 3 filhos (um rapaz. José, a estudar em Lisboa,  e duas raparigas, Rosa e Eva Lúcia, esta a mais nova,  nascida em 1958); (v) deverá ter nascido na década d 1920, pelo que nos anos de1964/65 já teria mais de 40 anos; (vi) era "o branco mais africano que comheci" (, segundo a opinião de José Pratas, antigo alf mil médico, CCS/BCAV 3864, Pirada, 1971/73).

Sabemos ainda que: (vii) em Pirada havia mais 4 comerciantes brancos, em 1964/65; (vii) em 1971/73,  havia um agente da PIDE na vizinhança, "bom para seviciar e intimidar", o Carvalho [, Gumersindo Fernandes Carvalho, agente de 2ª, nascido em Castanheira de Pera, 1946 ?], substituído pelo Pereira [, Manuel Rodrigues Pereira, agente de 2ª, nascido em 1945, em S. Pedro do Sul ?,]  que "tinha farroncas mas com as flagelações tremia como varas verdes" (José Pratas).

Portanto, o Mário Soares não era o gente da PIDE/DGS de Pirada, nem nunca pertenceu ao quadro de pessoal da PIDE/DGS... o que não o impedia de colaborar com a política política, aproveitando-se das "relações especiais" que tinha com as autoridades fronteiriças do Senegal. O que também não quer dizer que não fosse "informador" da PIDE/DGS...e não pudesse também ser útil ao PAIGC. Dáí que, desde muito cedo, corresse a fama de ser um "agente duplo".


Guiné - Bissau > Região de Gabu > Pirada > 2018 > Antiga delegação local da PIDE/DGS, e hoje esquadra local da polícia de segurança pública. Entre 1971 e 1973, ao tempo do alf mil médico José Pratas (CCS/BCAV 3864, Pirada, 1971/74),  terão passado por aqui dois agentes:  o Carvalho [, Gumersindo Fernandes Carvalho, agente de 2ª, nascido em Castanheira de Pera, 1946 ?], substituído pelo senhor Pereira [, Manuel Rodrigues Pereira, agente de 2ª, nascido em 1945, em S. Pedro do Sul ?,]  (José Pratas). 


Guiné > Região de Gabu > Pirada > 2018 > Antiga casa do comerciante Mário Soares. Ficava,  à esquerda,  na Rua principal que levava à fronteira do Senegal, 

Fotos (e legendas): cortesia da página do Facebook Pirada Guiné-Bissau (2018). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]

No livro de Maria José Tíscar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017), o "patrão" da polícia política na Guiné, homem  da confiança pessoal de Spínola, o Fragoso Allas, dá a entender, abusivamente, que  o comerciante Mário Soares era "mais" agente que o "seu"agente, o Carvalho, e depois, o Pereira:  que estes, ou um deles,  viveriam na casa do comerciante, que ele é que atenderia, em 90% dos casos o rádio da DGS, e que era aceite por ele, Fragoso Allas, como "agente duplo"... Porque lhe convinha... No fundo, é menorizado o papel do Mário Soares, conforme se pode deduzir das longa conversa com a historiadora,em que ele terá aberto o seu "livro": 

(...) "Era habilidoso [, o Mário Soares], tinha boas relações com as autoridades portuguesas e tinha bons contactos, também, com as do Senegal. Teve atuações muito importantes para nós. 

(...) " Era útil como agente de contrainformação. Quando queríamos enviar informações falsas ao PAIGC dizíamos-lhe que era muito secreto e então ele ia logo transmiti-las.

/...) "As informações que ele fornecia sobre o PAIGC quase não serviam, porque nós sabíamos que ele também trabalhava para eles.


(...) "Quando cheguei à Guiné, o General Spínola estava muito zangado com ele e queria mesmo expulsá-lo da província, mas isso não seria conveniente porque o posto da PIDE estava dentro da sua casa, pelo que me interessei para que ele continuasse na sua atividade”. (...)


2. Quem mais escreveu sobre o comerciante Mário Soares,  aqui no blogue,  foi  ex-alf mil Carlos Geraldes, da CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66), infelizmente já falecido em 2012. 

A sua foi a primeira companhia a ficar aquartelada em Pirada (, a partir de 15 de outubro de 1964). Até então Pirada era um destacamento guarnecido por um pelotão: em 1963, por exemplo, o nosso camarada e grã.tabanqueiro Jorge Ferreira disse-me, em conversa ao telefone, que esteve lá em Pirada, dois dias, e almoçou na casa do Mário Soares, ele, e outros militares, incluindo  o comandante do destacamento, o então alf inf Artur Pita Alves, hoje cor ref, que faria mais tarde uma outra comissão na Guiné, como capitão (CAÇ 1423, Bolama. Empada e Cachil, 1965/67).

O destacamento possivelmente pertencia ao BCAÇ 512 (Mansoa e Nova Lamego, 1963/65) ou então ao BCAÇ 506 (Bafatá, 1963/65), pormenor que o Jorge Ferreira já não pode precisar, mas seria o batalhão de Mansoa,

O Mário Soares recebeu, de resto,  em sua casa vários camaradas nossos, a começar pelos veteranos, o alf mil António [de Figueiredo] Pinto (BCAÇ 506 e 512, 1963/1965), o alf mil médico Luiz Goes (BCAÇ 506, Bafatá, 1963/65), e o Carlos Geraldes (CART 674, 1964/66), os dois últimos já falecidos. (Ao António Pinto, que  vive em Vila do Conde, mandamos um especial abraço.)

O Jorge Ferreira (ex-alf mil da 3ª CCAÇ,  Bolama, Nova Lamego, Buruntuma e Bolama, 1961/63),  autor do livro de etnofotografia, "Buruntuma: 'algum dia serás grande', Guiné, Gabu, 1961-63". (Edição de autor, Oeiras, 2016), estava nessa altura destacado em Buruntuma. Portanto, em 1963, ele também confirma que o Mário Soares já estava estabelecido em Pirada.

No Arquivo Amílcar Cabral, disponível no portal Casa Comum, criado pela Fundação Mário Soares, há pelo menos 11 referências a Pirada, mas nenhuma referência ao nome ou à pessoa do comerciante Mário Soares...

Sabe-se que em 1963 o PAIGC tinha muitas dificuldades de implantação na região, devido à hostilidade dos fulas e à fraca lealdade dos seus simpatizantes e militantes,  de maioria mandinga,  bem como à concorrência da FLING. Por outro lado, o Senegal, de Leopoldo Senghor, impunha, na época,  sérias limitações à liberdade de movimentos do PAIGC.

Se o Mário Soares fosse militante ou simpatizante do PAIGC seria, na época, um recurso precioso: os homens do PAIGC queixavam-se, então,  de que passavam fome, não dispunham de cuidados médicos, não tinham  armamento em condições nem muitos menos explosivos para a destruição de pontes, eram combatidos pelos fulas... Em suma, o moral era baixo ou estava em baixo.



Excerto de carta (manuscrita) remetida por Areolino Cruz a Pedro Pires, data de Pirada, 17/7/1963. É referido um ataque a "quartel de Pirada", no dia 15, tendo sido incendia a casa de um "tipo da PIDE".  Resultados: (i) "morreu um soldado europeu"; (ii) " soldados europeus têm agora medo de sair à noite, e mesmo depois das 6 da tarde"... O PAIGG não teria na época um bigrupo, o Areolino Cruz diz que "fomamos de agora em diante um só grupo comandado por Chico Tê, aproximadamente 22 homens"... (Não temos noticia de que nessa data, 15/71963, tenha morrido algum militar português no TO da Guiné.)

(Fonte: Arquivo Amílcar Cabral... Com a devida vénia; Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Citação:
(1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36881 (2020-4-30)


3. O primeiro verdadeiro ataque a Pirada só acontece em 28 de maio de 1965, ao tempo da CART 676. (Talvez não por acaso, o PAIGC desencadeou mais do que um ataque ao longo da guerra, nessa efeméride, evocativa do 28 de maio de 1926,  data histórica em que triunfou, em Portugal, o golpe de Estado que deu origem à Ditadur Militar e ao Estado Novo; estou-me a lembrar, por exemplo, do ataque a Bambadinca, em 28 de maio de 1969.) 

Estava então o Carlos Geraldes de licença de férias na Metrópole... [Há um interregno da sua correspondência para a Metrópole entre 18/4/1965 e 13/6/1965, correspondente ao período - mês de maio - em que não apenas gozou a sua licença de férias como celebrou  o seu primeiro casamento.]

A posteriori, logo a seguir, quando regressa a Pirada e a Paunca (onde o seu pelotão está destacado), reconstitui esse ataque e os acontecimentos que se lhe seguiram, o linchamento de um pobre gila (comerciante ambulante), confundido com um espião,  por ter sido encontrado transportando alguns sacos de invólucros na sua bicicleta depois do ataque do PAIGC...

Não tendo sido "testemunha ocular" nem do ataque do PAIGC  nem do linchamento do gila,  Carlos Geraldes, por uma questão de honestidade intelectual, começa a narrativa com a segyinte reserva: "Não sei se o deva contar"...Mas depois conta, e o que escreveu está  publicado no blogue, na sua série "Gavetas da Memória".

Voltamos a reproduzir essa crónica, com título e subtítulos nossos. Pode ser que, entretanto, mais algum camarada possa confirmar ou infirmar  (ou acrescentar algo mais sobre) o que aconteceu nesse dia 28 de maio de 1965, em Pirada.


O caso do  ataque (anunciado)  a Pirada em 28/5/1965 e o o linchamento do gila, confundido com um espião (**)


(i) O Primeiro Ataque a Pirada

Não sei se o deva contar, porque nem sequer fui testemunha ocular. Nesse dia, 28 de Maio de 1965, estava de férias na Metrópole junto com a família. Um mês inteiro longe da guerra, na total ignorância de como as coisas se iam passando por lá,  a milhares de quilómetros. Só quando regressei de avião a Bissau é que me contaram a novidade.

Pirada tinha sido atacada!

Ao princípio custou-me a acreditar, até porque quem mo contou também não sabia bem os pormenores. Mal pude conter a impaciência nos dias que se seguiram à espera de boleia num Dakota (o velhinho, mas muito útil DC-6) para Nova Lamego onde depois teria um jeep da Companhia para me ir buscar. O sempre sorridente alferes Pinheiro lá estava pontualíssimo para me servir de condutor de regresso a casa.

E então lá me contou como tudo se tinha passado, enquanto eu o ouvia,  embasbacado, ainda pouco crente que me estivesse a falar verdade.

O M[ário] Soares, como sempre, fora informado que um numeroso grupo de guerrilheiros se estava a juntar do outro lado da fronteira, no Senegal. Estava bem armado e tinha intenção de fazer qualquer coisa ao quartel da tropa em Pirada. E até se sabia o dia e a hora em que isso iria acontecer. 

O nosso Capitão fez aquilo que a prudência mandava, entrincheirou-se o melhor que pôde e aguardou. Aliás, tomou até uma medida que sempre me pareceu um pouco ousada e timorata. Quis contra-atacar. Planeou então uma manobra para emboscar o inimigo que supostamente viria atacar o aquartelamento do lado ocidental a coberto da povoação nativa, a cintura de palhotas que envolvia Pirada. Para isso mandou que o alferes Pinheiro e o seu Grupo de Combate se fossem colocar, muito discretamente, do lado de fora da tabanca, numa zona baixa, já perto da bolanha, onde aí, montariam uma emboscada e contra-atacariam os assaltantes encurralando-os contra o quartel. Só que as coisas nem sempre correm tão bem como se planeiam no papel. A noite estava escuríssima, conforme me ia contando o Pinheiro:

"Eu mal consegui dar com o sítio que o capitão me tinha dito onde eu e os meus homens nos deveríamos ocultar para depois apanhar os gajos. E depois quando a festa começou deu-me a impressão que afinal estávamos mais afastados do que era previsto. E pelo arraial que faziam deviam de ser mais de duzentos. Olha, eu, pelo sim pelo não, para não estar para ali a fazer fogo sem mais nem menos, resolvi que o melhor seria esperar muito caladinho e ver como as coisas se iriam passar. Se revelássemos a nossa posição até talvez ficássemos numa situação muito perigosa. Aliás poderia acabar por fazer fogo contra os nossos, não achas? Por isso, ficámos ali muito quietinhos à espera que tudo passasse. No quartel estavam mais bem protegidos pelos abrigos, eu ali não tinha protecção nenhuma!"

Sim, o alferes Pinheiro tinha razão, era insensato atacar às cegas um inimigo que não se sabia bem onde estava nem de onde vinha, muito superior em número e armamento. Tomou uma decisão que à primeira vista poderá ser tomada como um acto de cobardia, mas que na verdade, tratou-se apenas de evitar um mero suicídio colectivo totalmente gratuito e ineficaz.

Assim o ataque desenrolou-se durante grande parte da noite, com a população nativa aterrorizada, escondida o mais que podia para escapar às balas perdidas que voavam em todas as direcções, varando de lado a lado as palhotas e as vedações dos quintais, enquanto do quartel atiravam morteiradas em todas as direcções e abriam fogo de metralhadora à vontade numa ânsia de aniquilar um inimigo que nem conseguiam descortinar.


(ii) O enigmático Mário Soares


Segundo depois me contou o M[ário] Soares, elementos do PAIGC passearam-se mesmo pelo centro do povoado, donde, até debaixo do alpendre da sua casa, fizeram fogo na direcção do quartel. Mas a ele e à família nem num cabelo tocaram. 

Admirável cavalheirismo romântico, que não seria fácil encontrar ali no mais remoto interior da Guiné. Gesto que, no entanto, lhe acarretaria futuros problemas com as desconfianças que a tropa foi alimentando a seu respeito, esquecendo que paralelamente M. Soares sempre lhes fornecera amplas e atempadas informações das andanças dos grupos inimigos que transitavam regularmente pelo Senegal, vindos da Guiné-Conacri em direcção à região do Morés, no triângulo Mansabá-Mansoa-Bissorã.

Na verdade a imunidade de M. Soares devia-se muito à sua condição de hábil agente duplo que soube manter durante muito tempo e isso acaba sempre por ter um preço amargo de pagar.

Com o raiar do dia [, 28 de maio de 1965], já depois de as armas se terem silenciado,  é que, aos poucos e poucos se foram verificando os estragos. Felizmente do nosso lado não houve mortos nem feridos, apenas danos materiais. As instalações ficaram com as paredes crivadas de balas, e duas viaturas foram atingidas mas nada de grande monta. [No comunicado do PAIGC, acima reproduzido, fala-se em 3 viaturas incendiadas: 1 jipe, 1 Unimog, 1 Mercedes Benz; mais: diz-se que "incendiámos toda a Pirada"...]

Na tabanca é que tinha sido pior, tinham ardido umas dezenas de casas, devido talvez ao nosso fogo de morteiro. Quatro mortos a lamentar e bastantes feridos sem grande gravidade, pois grande parte da população tinha fugido para longe. O posto médico depressa se encheu e o pessoal de saúde não teve mãos a medir, enquanto patrulhas percorriam toda a zona de onde o inimigo teria estado a fazer o fogo, agora facilmente identificável pelo elevado número de cápsulas vazias de vários calibres 
espalhas pelo chão. 

Os rastos deixados pelo grupo dos atacantes indicavam também que deveriam ter sofrido algumas baixas pelos vestígios de sangue deixados nos percursos de fuga em direcção do Senegal [, pelo menos dois mortos, conforme comunicado do PAIGC acima reproduzido].


(iii) O linchamento do gila


Mal recuperados do susto que tinham apanhado, tanto oficiais como sargentos e praças nem tinham vontade de falar no assunto.

Mas envergonhados também pelas reacções primárias a que se entregaram, quando ainda naquela manhã, prenderam um atónito gila que, inocentemente, tinha carregado na sua bicicleta vários sacos de cartuchos vazios que fora apanhando pelo caminho que percorrera despreocupadamente (?). 

Logo ali o acusaram de espião e resolveram fazer justiça pelas próprias mãos. Enquanto o capitão e o resto dos oficiais e sargentos se fecharam na caserna, a turba,  uivando cada vez mais enfurecida, arrastou o pobre desgraçado para o meio da parada e,  no meio de insultos e pancadaria, acabou de matar o pobre do gila, regando-o em seguida com gasolina e chegando-lhe fogo.

E até me mostraram fotografias, que acabaram por depois fazer desaparecer, cientes da barbaridade cometida.

Ainda cheguei a tentar falar com o capitão sobre o acontecimento. Mas apenas me respondeu com um silencioso encolher de ombros, revelador de uma total incapacidade de impedir o linchamento. E se calhar até de algum tácito consentimento para serenar os ânimos.

Mas só na antiga Roma é que os cruéis imperadores proporcionavam ao povo espectáculos de morte, para o poder controlar a seu bel-prazer! Teria acontecido aqui o mesmo?

Porém, com o passar do tempo,  tudo foi esmorecendo e caiu no esquecimento.Mas, o gila teria deixado família? Mulher,  filhos, outros parentes? Qual teria sido a raiva e a dor deles? Como teriam encarado o futuro?

A guerra não foi só recheada de heroísmos, ou uma alegre perseguição das bajudas lavadeiras apanhadas desprevenidas no regresso da bolanha, ou uma imprevidente saída para o mato na escuridão de uma noite tenebrosa.

A guerra foi também um longo rosário de pesadelos que nos marcou profundamente, mas que teimamos em não valorizar também.

Recolhi a Paunca [, destacamento da CART 676], logo que pude, para tentar esquecer.

(iv) A guarda republicana senegalesa corre com todos os grupos armados que podem ameaçar os postos fronteiriços portugueses (****)


(...) Voltando à vaca fria, nesta guerra, como se pode ver mais uma vez, tive sorte. Pois foram logo escolher o dia do ataque para quando estava de férias. Parece que eles ainda pensaram em voltar, mas viemos a saber depois que tinham resolvido ir atacar outra zona que, se calhar, lhes seria mais favorável. Entretanto a população regressou e tudo voltou à normalidade.

O Presidente do Senegal (Senghor) enviou para esta região membros da guarda republicana senegalesa para correr com todos os grupos armados que circulam por aqui e que já o estavam a inquietar, de maneira que hoje de manhã [, 15 de junho de 1965,]tivemos a inevitável confraternização, mesmo sobre a linha de fronteira.

Confraternização essa que levámos a efeito em regime estritamente confidencial, pois mais ninguém deveria saber, para não se armarem as habituais confusões junto do poder central. De um lado, eu, o Capitão, o alferes Carvalho [, pseudónimo do Pinheiro], e o alferes médico representando a tropa. O M. Santos representando os civis. Do outro lado, três guardas senegaleses.

O ambiente foi bastante cordial e prometeram-nos nunca mais autorizar a permanência, nesta zona, de grupos de guerrilheiros armados que, pelos vistos, também já os estariam a preocupar e incomodar. (...)

[Seleção, revisão e fixação de texto, incluindo negritos, itálicos e realces a amarelo: editor LG]
_______________


(**) Katheleen Rocheteau Gomes Coutinho - A Política Externa de Cabo Verde (1975 a 1990): uma análise da configuração e atuação da política externa de Cabo Verde durante a guerra fria. Monografia apresentada ao Instituto de Relações Internacionais como requisito parcial à obtenção do Bacharel em Relações Internacionais. Brasília, Unibversiade de Brasília, Faculdade de Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais, 2015. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/16366/1/2015_KathleenRochteauCoutinho_tcc.pdf

(...) Estes dois fatores [, a vitória da luta de Libertação Nacional levada a cabo pelo PAIGC,  e a Revolução dos Cravos ou Revolução de 25 de abril de 1974,] foram importantes e estiveram na origem do Acordo para a independência de Cabo Verde, assinado em 19 de dezembro de 1974, pelas delegações do governo de Portugal e o PAIGC, nomeadamente entre Mário Soares (representando Portugal) e Pedro Pires (representando o PAIGC). (...)

Em nota de rodapé, diz-se que o seguinte: 

(...) Mário Rodrigues Soares- Português, 1922. Comerciante na região de Pirada onde acabou por funcionar como “agente” ou “espião”, nos contatos entre as autoridades portuguesas, senegaleses e o PAIGC. (Lopes, 2012).(...) [LOPES, José Vicente. “Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História”. Spleen edições, Cabo Verde, Cidade da Praia, 2012.]

(...) Pedro Pires, Cabo-verdiano 1934. Oficial miliciano na Força Aérea Portuguesa. Membro do PAIGC. Formação militar em Cuba e URSS. Comandante da Região Militar do PAIGC. Lidera a delegação do PAIGC na assinatura (...)

(****) Excerto da carta datada de  Pirada, 13 de junho de 1965, reproduzida aqui;

7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4916: Cartas (Carlos Geraldes) (6): 2.ª Fase - Abril a Junho de 1965