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sexta-feira, 3 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24114: Notas de leitura (1560): "Sons da Guerra Colonial", por Carlos Miranda Henriques; Edições Vieira da Silva, 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Não é usual alguém, mesmo solidário com amigos antigos combatentes, e com livro já publicado sobre a guerra colonial, pretenda homenagear aqueles jovens que andaram em diferentes teatros de operações, recolhendo múltiplos depoimentos, aliás não esquece em In memorium o José Eduardo Reis de Oliveira, que era para nós o Jero, de saudosa memória, temos aqui algumas histórias pícaras, tudo rescende ao feitiço africano, mesmo quando a narrativa está focada em dor e sofrimento. Uma iniciativa que nos merece muito respeito.

Um abraço do
Mário



Quando o escritor se arvora em recolector de guerras alheias

Mário Beja Santos

É, acima de tudo, uma antologia de muita escuta e camaradagem, um ajuntamento de pequenos textos elaborados por antigos combatentes nos três teatros de operações. Há narrativas assinadas sob pseudónimo, por vontade dos seus autores. São lembranças de uma juventude sofredora, observa o recolector, que tanto deu a Portugal sem regatear, sem nada exigir em troca: "Sons da Guerra Colonial", por Carlos Miranda Henriques, Edições Vieira da Silva, 2023. Iremos aqui cingirmo-nos aos relatos que se prendem com a Guiné, encontrei inclusive um nosso confrade, Belmiro Tavares.

Abre as hostilidades Carlos Matos Oliveira, capitão miliciano, recorda o telefonema de António Silva, cabo-enfermeiro da CCAV 1617/BCAV 1897, é telefonema que se repete pelo S. João, vem a propósito da operação Espadeirar, que se realizou no Oio em 23 de junho de 1967, quem comandava a operação era o capitão Alarcão, da CCAV 1616. Chegaram a um objetivo que era a base de Cã Quebo, na região do Oio; não houve resistência, encontrou-se uma pistola CESKA e duas granadas, seguiram pelo trilho que levaria à estrada Mansabá-Bissorã, aqui começaram os problemas, veio fogo de morteiros, o capitão foi ferido, o radiotelegrafista atingido mortalmente, sem que fosse avistado pelos camaradas, ficando no terreno com o rádio e os códigos; o autor foi ferido por um estilhaço de rocket, o enfermeiro dava-o como morto, respondeu-lhe com um palavrão. Lá se pediu ajuda à aviação. E remata a sua recordação dizendo que voltaram a Cã Quebo mais duas vezes, de lá saiu com estilhaços num braço e nas costas.

Augusto Silva, que foi alferes miliciano, vem contar o que passou com as formigas, não ficamos a saber em que lugar se deu a ocorrência, o que interessa é que houve uma emboscada durante um patrulhamento e o comandante do pelotão, o alferes Saldanha Antunes, ordenou que se abrigassem atrás de ninhos das formigas bagabaga; finda a emboscada, por ali andava o alferes Antunes aos berros com as ferroadas dolorosas das formigas nas partes íntimas…

A história seguinte remete-nos para a CCAV 5398, assina um tenente-coronel com as letras A. A., a unidade militar estava sediada entre Bafatá e Gabu, o comandante, capitão Crispim Malaquias acompanha uma força que vai fazer um patrulhamento ofensivo, perto do Senegal, começam a chover as morteiradas, quem abriu fogo está bem municiado, foi necessário pedir apoio aéreo, quando surge o Fiat, o piloto pede referências pois diz só haver dezenas de gazelas em fuga, há um soldado que solta um palavrão, é nisto que o piloto viu a saída do morteiro da força do PAIGC e foi até lá largar umas bombas, antes de se retirar para Bissau quis saber quem é que lhe tinha chamado uma certa insolência, semanas mais tarde haverá um encontro e o piloto dirá a quem o imprecou: “Deixa lá, a tua sorte é que eu não sou casado”.

Segue-se uma história intitulada A mão de vaca, tem a ver com uma unidade estacionada no Boé, aquela gente andava tão faminta de uma comida caseira quando um grupo veio de férias logo se lançou em busca de almoço, a ementa era escassa mas todos se sentiram feliz a pedir mão de vaca, e assim se conta:
“O odor da comida quase pronta já chegava ao nosso olfato e passados momentos a única empregada de mesa do restaurante depositava os três pratos pedidos de mão de vaca, e que era como descrevo: uma mão de vaca inteira em tamanho natural com os dois dedos do animal voltados para nós e que ultrapassava os limites da travessa-prato, tendo como acompanhamento uma pequena mão cheia de feijão branco. A surpresa foi tal que boquiabertos ficámos, sem palavras, mas passados minutos lá nos atirámos ao petisco que acabou por nos saber muito bem.”

Entra em cena agora o nosso confrade Belmiro Tavares, estamos em finais de abril de 1966, uma companhia é enviada de Bissau para Farim totalmente desarmada, ir-se-á recordar com bom humor do uso do capacete em toda a atividade operacional, alguém será salvo pelo seu uso e fala-se na madrugada de 3 de dezembro de 1965, a missão era na zona de Sanjalo, alguém se apresentou sem capacete, o alferes reponta, o cabo radiotelegrafista regressa devidamente equipado, há tiroteio pelo caminho, resultam três feridos que serão recambiados para Bissau de helicóptero, é no regresso que o cabo radiotelegrafista mostra ao alferes o capacete com um sulco com certa de quatro centímetros de comprimento e um milímetro de fundo, afinal o capacete salvava vidas.

Não falta uma história de amor, quem assina é J. Monteiro, furriel miliciano. Houve para ali uma patrulha acidentada, ao atravessar uma zona de palmeiral e bananal, uns babuínos faziam grande algraviada, atirava todo o tipo de projetos, não faltavam dejetos. Lá chegaram a uma tabanca e pediram água para se lavarem. Entra em cena uma menina de vinte anos, apresentada como uma beleza serena e africana, de pele castanha e com uns olhos enormes, vivos e muito pretos. A menina deu-lhe para a paixão e disse ao furriel que ele tinha que ir lá mais vezes pelo caminho dos macacos para ela o lavar. Paixão correspondida, passaram a viver juntos com discrição. Houve despedida sem rancores, despeitos ou mágoas:
“Dei-lhe o meu fio de ouro com um crucifixo de pendente, para que sempre se recordasse de mim. Coloquei-lhe no anelar da mão esquerda uma aliança de ouro que comprei em Bissau. Passados estes anos todos, continua viva dentro do meu coração, e quando faço oração peço a Deus que esteja feliz na sua Guiné.”

Belmiro Tavares foi engenheiro de pontes improvisado, o Capitão Tomé Pinto mandou reconstruir a ponte de Genicó, antes de partir para cumprir a missão andou a fazer uns gatafunhos, fizeram-se duas “cavas” de cerca de vinte centímetros de profundidade, derrubaram-se umas palmeiras, cujos troncos foram cortados à medida da largura do ribeiro, feita a ponte arranjou-se uma “placa de sinalização” a avisar que havia perigos de morte, ora colocaram-se ali umas granadas para fazer estragos, explosão houve, nunca mais os guerrilheiros, até ao fim da comissão da CCAÇ 675 procurou destruir a dita ponte de Genicó.

Esta antologia de narrativas alheias tão ternamente recolhidas termina com um conjunto de poemas de Carlos Miranda Henriques e de Augusto Silva. Uma bonita ideia, recolher depoimentos e fazer-nos recordar.


Belmiro Tavares
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Noita do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24105: Notas de leitura (1559): Histórias Coloniais, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus; A Esfera dos Livros, 2013 - Pidjiquiti, 3 de agosto de 1959: para cada um a sua verdade (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22657: (De) Caras (180): 55 anos depois, o reencontro ao vivo, em São da João da Madeira, com o ex-alf mil médico Francisco Pinho da Costa (BCAÇ 1888, Fá Mandinga e Bambadinca, 1966/68) (João Crisóstomo, Nova Iorque, de visita a Portugal)


São João da Madeira > 23 de outubro de 2021 > Dois velhos camaradas do tempo de Porto Gole: o alf mil at inf João Crisóstomo, da CCAÇ 1439 (1965/67) e o alf mil médico Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888 (Fá Mandinga e Bambadinca, 1966/68).


São João da Madeira > 23 de outubro de 2021 > À esquerda, o ex-alf mil médico António Azevedo Praia de Vasconcelos, do BCAV 1897 (Mansoa e Mansabá, 1966/68).


Fotos (e legendas): © Vilma / João Crisóstomo (2021).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do João Crisóstomo, com data  de hoje, dia 24, às 10:14:, antes do encontro marcado para hoje, domingo, com missa às 12h30, no Mosteiro  do Varatojo, Torres Vedras, das famílias Crispim & Crisóstomo (*):


Caro Luís Graça,
   
Acabo de chegar a casa (, em Torres Vedras, depois da Vilma ter regressado a bordo, no passado, dia 20, vinda da Eslovénia) . Gostas que partilhemos experiências relacionadas com a Guiné … aqui vai o que se passou ontem comigo:

Fui a Coimbra onde tinha deixado para encadernar um calhamaço que comprei um dia numa feira em Nova Iorque. Reencaderná-lo lá era proibitivo mas lembrei-me de o fazer em Portugal. E foi em Coimbra que encontrei quem o fizesse. 

Aí lembrei-me de vários amigos e camaradas que tenho encontrado em anos anteriores e que gostaria de encontrar outra vez. Tenho pena de o não poder fazer, que o tempo e outras razões não permitem tudo. Mas há um indivíduo, camarada da Guiné,  que, graças ao António Figueiredo,   da minha CCaç 1439,   eu consegui reencontrar há cerca de dez anos e com quem tenho falado desde então pelo telefone, mas cuja oportunidade de encontrar pessoalmente tem sido elusiva. 

 Sabia que ele morava perto dali e telefonei-lhe. Estava em casa e ficou satisfeito de saber que eu estava em Portugal. Imediatamente combinamos um encontro/almoço num restaurante local, o "Katekero", mesmo em frente da câmara municiipal e lá fomos, eu e a Vilma a conduzir como de costume, até S. João da Madeira.

Não te preciso dizer o que senti, que em circunstâncias é experiência muito repetida , mas que não deixa de ser menos sentida sempre que um de nós reencontra um camarada.

Dentro em pouco falávamos da Guiné: 

"Olha, João    − disse- me ele logo ao começar   −, estive lá só quatro meses,  mas fiquei a gostar daquilo e hoje tenho saudades.” 

E logo lembrou a emoção que sentiu um dia quando numa visita ao Porto, em frente ao centro comercial de Brasília,  deparou com o capitão Amândio Pires, comandante da CCaç 1439…
 
Trata-se do alferes médico Francisco Pinho da Costa, do BCaç 1888,  sediado em Bambadinca,  em 1965 /66. Tem agora 84 anos, com uma memória ainda muito boa, lembrando coisas nos seus pormenores, capacidade que eu há muito perdi substancialmente. 

Perante a minha surpresa, uma vez que estivemos na Guiné na mesma altura e ele ter mais sete anos que eu, explicou que isso se deve ao facto de ter adiado o serviço militar várias vezes para que ele pudesse acabar o seu curso de medicina. Pensei que ele tinha feito o curso de oficial miliciano em Mafra, mas esclareceu-me me "ter sido preparado" em Santarém, uma preparação rápida "ad hoc" (disse ter sido apenas cerca de um mês, se me não engano) ao fim da qual, mesmo sem saber ainda bem o que era e como funcionava uma G3, foi enviado em rendição individual para a Guiné.



Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento Nacional Feminino, na sua 1ª visita à Guiné, então já com 44 anos (ia fazer 45 em 30 de maio de 1966). De pé à esquerda, na primeira fila, de óculos,  o alf mil médico Francisco  Pinho da Costa, hoje, com 84 anos, a residir em São João da Madeira.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Apesar das poucas vezes que estive com ele (ele apenas esteve na Guiné quero meses e apenas apareceu algumas vezes na CCaç 1439), lembro-me bem dele, como um indivíduo afável, bem disposto e sempre a querer ajudar no que quer que fosse: mostrei-lhe,  no computador que propositadamente tinha trazido,  vários postes do nosso blogue, nomeadamente os postes P22258 e P22478. Ele aparece numa foto (vd, acima),  a do primeiro poste, o P22258 ( da esquerda é o segundo, de óculos, ) por ocasião da visita da Supico Pinto a Porto Gole e reconheceu , parece mais e melhor que eu, a maioria dos que aparecem nessa foto. Outras fotos que lhe mostrei foram para ele momentos de emotiva saudade. 
 
Mas foi a leitura do relatório sobre a operação Gorro que lhe ocasionou ume enxurrada de comentários e detalhes, alguns deles a meu respeito que eu tinha já completamente esquecido mas que me vieram à memória então.

Lembrou que o Capitão Pires o havia mandado para ir nessa "saída ao mato”. Mas,  quando ele se preparava para o fazer,   alguns elementos da tabanca vieram ter com ele, avisando-o que não fosse. Mas ele não lhes deu ouvidos: o capitão tinha-o mandado ir e portanto ia. Mas que mais tarde os mesmos membros da tabanca que o haviam aconselhado a não sair, voltaram e desta vez com mais insistência o avisavam de que não devia ir pois que iam ser atacados. Que não lhes deu atencão, mas que,  perante a insistência deles de que iam ser atacados,  resolveu então levar uma G3, como todos os outros.

Lembra-se de ir em pé em cima do “granadeiro”,  agarrado à “parede da frente "por trás do condutor António Figueiredo, quando a mina explodiu e foi pelos ares. "Foram os maiores minutos da minha vida”… sentiu e ficou consciente do sopro da explosão que o fez ir pelos ares mas que depois "parecia nunca mais chegar ao chão”… 

 E quando de pernas direitas atingiu o chão, percebeu logo que tinha partido uma das pernas, para logo verificar que tinha o calcanhar e tornozelo da outra também estavam partidos. Mas que haviam vários feridos (pensa ele que eram cerca de oito) , os que foram com ele pelos ares e as dores eram sofríveis. 

Com um bocado duma tábua e alguma ajuda que lhe deram ele próprio endireitou e imobilizou a  perna partida e começou a ajudar aqueles que precisavam da sua ajuda; lembra-se de ter instruido um indivíduo — pensa ele que era um cabo enfermeiro que estava ferido — a tapar e fechar com os próprios dedos a veia junto ao ouvido, pois este estava a sangrar pelos ouvidos e tinha de ser evacuado imediatamente. Depois de evacuado nunca soube mais dele.

E lembra-se bem de mim: que eu ia ao lado do condutor e que eu ia a dormitar quando a mina rebentou. A mim e ao condutor não nos sucedeu nada, apesar de termos sido lançados pelos ares. Lembra-se que eu o abracei quando vi que ele estava vivo; e lembrou-me dum facto que de todo tinha esquecido até hoje: que lhe disse que eu estava ferido, mas que não sentia dores, mas que — dizia eu— o sangue me corria pelas pernas. E logo verificou que o que eu pensava ser sangue a escorrer na perna era apenas o azeite de uma lata de sardinhas… Sucede que eu tinha comigo a ração de combate e um estilhaço qualquer atingiu o meu saco da ração de combate mas a lata de sardinhas salvou-me do pior. E a verdade é que quando ele mencionou isto eu lembrei-me imediata e vivamente de tudo isso. 

O raça da idade faz destas coisas… . Como me lembrei também da troça de que fui alvo depois muitas vezes … o que me admira é ter completamente esquecido isto; um facto que se não fosse o médico a lembrar-me agora, provavelmente nunca mais me viria à memória…

E foram umas atrás das outras, as histórias e memórias que relembramos, umas boas, outras menos boas: a historia dum alferes, Alves Moreira, conhecido como "o Grilo” que era comandante do Xime: havia no Xime um cão de guerra ( devo dizer que nunca ouvi isto antes) que,  embora não atacasse ninguém sem razão, só respeitava mesmo o soldado que o havia treinado. O alferes porém pensava que, porque alferes, sabia melhor que os outros, e gostava de mostrar as suas capacidades e conhecimentos no manejo de cães de guerra; mas o cão parecia não concordar e não reconhecia autoridades; e um dia atirou-se ao alferes que apenas se salvou de pior porque o treinador presente controlou imediatamente “ aquela falta de respeito” a um oficial . 

Um dia perguntou o que é que seria feito do cão quando o treinador deixasse de o ser por qualquer motivo. Para seu desmaio foi informado que muito provavelmente nessa altura o pobre bicho teria de ser abatido… O mesmo alferes estava um dia em cima duma ponte (que identificou mas cujo nome não lembro,) e estava de queixo e braço apoiados na proteção/berma da ponte, quando dele se aproximou um indivíduo que havia acabado de chegar ao Xime. E, ainda periquito, não sabendo de quem se tratava mas procurando informação ou conselho, aproximou-se dele e perguntou: 

"Olha lá, tu conheces o comandante aqui do Xime? dizem-me que é um grande filho da puta”… Ao que o alferes, sem uma nem duas, espetou-lhe uma grande murraça enviando o inocente desgraçado para o meio do rio…

Do Enxalé lembrou ainda que quando aí esteve havia uma grafonola; mas o problema é que só havia um disco e ele depressa se cansou da variedade musical que isso oferecia… Foi neste momento que eu compreendi que deve ter sido então no Enxalé que nasceu o popular dito "vira o disco e toca o mesmo"…

E quando estávamos nós neste desfilar de recordações apareceu um indivíduo que conhecia bem o nosso Francisco Pinho da Costa. Depois das devidas apresentações, vim a saber que se tratava de um outro veterano da Guiné, de nome António Azevedo Praia de Vasconcelos. Também ele foi alferes miliciano médico nos anos 1966/68 do BCAV 1897, cujo comandante era o tenente coronel Vasconcelos Porto, e lembrava as companhias desse batalhão : CCav 1615, 1616 e 1617 . Esteve em Canquelifá, Nova Lamego, Madina do Boé, Mansabá, e Bissorã (se bem percebi estes últimos dois nomes). 

Tivmos pena do encontro ter acontecido tão "em cima da hora"; o Francisco Pinho da Costa (e parece-me que o recém-chegado António Vasconcelos também) conhecem o Adão Cruz , membro da nossa Tabanca Grande, e teria sido um encontro ainda mais interessante. Mas "como não pode ser desta vez, ficará para outra ocasião".. Oxalá as distâncias e idades o permitam. (**)

João Crisóstomo

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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22645: (De)Caras (144): O que é que o José Manuel Matos Dinis (1948-2021) pensava do nosso blogue, em abril de 2013

sábado, 21 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22474: In Memoriam (404): Gen Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-2021), falecido na cidade do Porto no passado dia 19 de Agosto de 2021... Entra para a Tabanca Grande, a título póstumo, sob o lugar nº 848

IN MEMORIAM

Gen Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme
(Marco de Canaveses, 4 de Outubro de 1930 - Porto, 19 de Agosto de 2021)


Doente há já alguns anos, faleceu na passada quinta-feira, na cidade do Porto, o senhor General Carlos Azeredo.

Figura importante do 25 de Abril porque lhe foi incumbida a coordenação do Movimento no Norte do Pais, foi desde o tempo em que esteve prisioneiro na Índia, um militar ímpar e um exemplo para os seus superiores e subordinados. (*)

A propósito, lembro o P4043 - Falando do General Carlos Azeredo, de 17 de Março de 2009, onde o nosso camarada José Belo fala das qualidades, como militar, do então Capitão Carlos Azeredo que comandou na Guiné a CCAV 1616 / BCAV 1897 (Mansoa, Cutia, Mansabá e Olossato, 1966/68) e o COP 1, sediado em Aldeia Formosa, de 12 de Junho de 1968 até à sua extinção em 15 de Janeiro de 1969.

No mesmo Poste podemos também ler uma entrevista feita pelo Jornal Matosinhos Hoje Online ao senhor General Carlos Azeredo, aproveitando a sua presença no Convívio dos Combatentes do Concelho de Matosinhos, do mesmo ano.


Entre outras funções, foi depois do 25 de Abril Comandante-Chefe e Governador Militar da Madeira, Governador Civil do Distrito Autónomo do Funchal, 2.º Comandante da Região Militar do Norte e Chefe da Casa Civil do Presidente da República Mário Soares.

Escreveu o livro "Invasão do Norte - 1809 - A Campanha do General Silveira Contra o Marechal Soult" e uma autobiografia a que deu o título "Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império", que mereceu uma recenção do nosso camarada Mário Beja Santos.


Das presenças do senhor General Carlos Azevedo nos convívios dos Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos ficam aqui estes instantâneos:
Apesar de estar sempre presente na qualidade de convidado de honra, nada o demovia de pagar o seu almoço.
Fotografia de Família com o senhor Presdidente da Câmara, Dr Guilherme Pinto e alguns dos organizadores do Convívio
Momento de troca de algumas palavras com um Antigo Combatente
O senhor General Carlos Azeredo e o Dr. Guilherme Pinto, os nossos Convidados de Honra em 2009
O senhor General Carlos Azeredo durante a entrevista ao Jornal Matosinhos Hoje Online
Momento do corte do Bolo Comemorativo do III Convívio de 2009
António Maria, Fernando Silva e Gen Carlos Azeredo, três Antigos Combatentes da Guiné
Estará o senhor Gen Carlos Azeredo a dirigir-se às "Tropas em Parada", despedindo-se e prometendo voltar. Ele e o Dr. Guilherme Pinto fazem já parte dos amigos que da lei da morte se libertaram.

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À família do senhor General Carlos Azeredo, especialmente a sua esposa, filhos e netos, os Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos, a Tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, assim como o editores deste Blogue, endereçam as suas mais sentidas condolências pela perda do seu ente querido.  (**)

Por sugestão dos nossos editores Carlos Vinhal e Luís Graça, o Gen Carlos Azeredo, que tem 10 referências no nosso blogue e uma forte ligação à Guiné, passa a integrar a nossa Tabanca Grande, a título póstumo, sob o lugar nº 848. (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

17 DE MARÇO DE 2009 > Guiné 63/74 - P4043: Falando do General Carlos Azeredo (José Belo / Joaquim Queirós)

17 DE DEZEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (80): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)

1 DE FEVEREIRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

5 DE FEVEREIRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P15708: Notas de leitura (805): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22448: In Memoriam (403): João Dinis (1941-2021), ex-sold cond auto, CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65), e empresário em Bafatá, há mais de meio século... Morreu ontem de Covid-19, em Bissau (Patrício Ribeiro)

domingo, 18 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17484: Tabanca Grande (439): João Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, passou à disponibilidade em 1972 como Segundo-Sargento Miliciano, vive na Guiné-Bissau e é o 746.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

1. Mensagem do nosso camarada João Correia Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, Olossato, 1967/68, com data de 4 de Fevereiro de 2017:

Sou João Correia Cerina, ex-furriel miliciano da CCAV 1615 - BCAV 1897 (Olossato) chegado à Guiné em 25.07.1967 (rendição individual).
Após regresso do batalhão a Portugal fiquei em Bissau na Chefia de Intendência.

Por razões de ordem sentimental (falecimento da minha mãe em Janeiro de 1969) continuei no serviço militar até Dezembro de 1972, data em que passei à disponibilidade com o posto de segundo-sargento.

Até á presente data encontro-me na Guiné-Bissau.

Envio algumas fotografias que consegui guardar pois a minha companheira, aquando do 25 de Abril, queimou tudo que eu tinha, fardas militares, fotos etc., com receio de represálias por parte do PAIGC.
João Cerina

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2. Mensagem do co-editor CV enviada ao camarada Cerina em 19 de Fevereiro

Caro camarada e amigo João

Desculpa só agora estar a responder.

Julgo ser tua intenção aderires à tertúlia do nosso Blogue. Para seres apresentado devidamente, precisava que me enviasses uma foto actual. Pode ser?

As tuas fotos estão uma lástima. Vou tentar recuperar minimamente algumas delas, mas outras nem as publicarei. Queria que na 30004, onde estais à mesa com a farda número 2, me dissesses qual deles és tu.

Aquela viatura (foto 239) quase destruída, em que situação ficou assim e em que estrada?

Se puderes acrescentar algo mais ao facto de teres ficado em Bissau, seria bom para satisfazeres a nossa curiosidade. Que fazes (ou fizeste aí) e se tencionas voltar a Portugal.

Ficamos a aguardar ansiosamente as tuas notícias mais pormenorizadas.

Abraço em nome dos editores e da tertúlia do nosso Blogue.

O amigo e camarada
Carlos Vinhal

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3. Mensagem  de João Cerina com data de 5 de Junho de 2017:

- Foto 30004 - eu sou o primeiro à esquerda.

- Foto 239 - a viatura sofreu o impacto do rebentamento (fornilho) à frente do lado directo. O pessoal que seguia em cima do carregamento (géneros) foi projectado havendo a registar um soldado morto por esmagamento (roda da frente do lado esquerdo). Eu seguia na primeira viatura Unimog com a minha secção. A viatura atingida foi a segunda.

A coluna seguia de Bissau para o Olossato, e o rebentamento deu-se a seguir ao aquartelamento de Nhacra, a caminho de Mansoa.

Após falecimento da minha mãe, decidi ficar em Bissau, só passei à disponibilidade em Dezembro de 1972. Em 1973 arranjei colocação na sucursal das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, em Bissau, onde trabalhei até Abril 1974 (fui pago até Outubro), data em que procurei novo emprego, tendo começado a trabalhar no Grande Hotel em Bissau, no dia 01 de Novembro de 1974, até 31 de Maio de 1979.

No dia 01 de Junho de 1979 comecei a trabalhar na TAP (Aeroporto) até Maio de 2006 (data em que fui despedido com a invocação de justa causa, acusado dum crime que não cometi, tendo posteriormente ganho a questão em tribunal local e recebido indemnização, que não cobriu os danos morais a que fui sujeito.)

Em principio, não tenciono voltar em Portugal pois nada tenho (nem família próxima, nem bens de qualquer espécie).´

Tinha uma hipótese remota de partilhas em Vila Real de Santo António, de onde sou natural, mas por falta de acordo duma cunhada, tudo foi por água abaixo! Azares da vida!

Abraco para a tertúlia
João Cerina.

P.S.- Não sei se será possível obter contacto do General na Reserva Carlos Azeredo - ex. CMDT da CCAV 1616?!

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4. Comentário do editor

Caríssimo João

Muito obrigado por te juntares a nós, és o primeiro camarada da CCAV 1615 a apresentar-se à tertúlia.

Vê se gostas das fotos, tive que rejeitar duas delas que estavam mesmo em mau estado, o que não admira pela idade delas e por estarem sujeitas a esse clima húmido.

Pelo que nos dizes, és um dos resistentes que ficaram na Guiné-Bissau e apostam em ajudar o país que já é vosso. As tuas raízes aqui serão já ténues, aí terás a tua vida familiar e profissional organizadas pelo que não é de estranhar a tua opção. Com certeza conhecerás imensos portugueses que fizeram da Guiné-Bissau a sua primeira pátria.

Poderás, se quiseres, falar-nos das tuas memórias enquanto militar e da tua actividade enquanto civil, experiências únicas, tanto mais que até prolongaste a tua vida militar até Dezembro de 1972. Acabei por ser teu contemporâneo, já que estive na Guiné entre Abril de 1970 e Março de 1972, 23 meses portanto, dos quais 22 passados em Mansabá, que conhecerás muito bem.

Foste tu e muitos camaradas do teu tempo que fizeram segurança aos trabalhos de asfaltagem do troço final da estrada Mansoa-Mansabá, que mesmo assim não evitou que se continuasse a morrer por ali, principalmente na zona de Mamboncó.

Quanto ao contacto do senhor General Carlos Azeredo, não acho que o devas contactar porque ele está com muita idade e já bastante debilitado. Costumava aparecer aos convívios dos Combatentes do Concelho de Matosinhos, mas há muito declinou os nossos convites. [Tem meia dúzia de referências no nosso blogue; nascido em Marco de Canaveses, vai fazer,  em outubro,  87 anos; não temos o seu contacto].

João, fico ao teu dispor para qualquer esclarecimento. Vai dando notícias e envia-nos material escrito ou outras fotos para publicação. Por falar em fotos, se quiseres acrescentar legendas às agora publicadas manda que eu acrescento. Podes identificar os camaradas, os locais, datas, etc.

Por agora deixo-te o abraço de boas-vindas em meu nome pessoal, dos restantes editores e da tertúlia.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17432: Tabanca Grande (438): Ernesto Marques, leiriense de Ancião, vive no Cartaxo, foi Soldado TRMS Inf, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)... Novo grã-tabanqueiro n.º 745

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16620: (Ex)citações (320): Fiquei triste e revoltado com a imagem da piscina do QG de Bissau, parecia um SPA!... Era uma afronta para estava no mato (Armandino Oliveira, ex-fur mil, CCS / BCAV 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato (1966/68; vive no Brasil há 40 anos)


Guiné > Bissau > Anos 70 > Quartel General em Sta. Luzia > Piscina, a que tinham acesso os oficiais do QP e milicianos, e seus familiares.

Foto do álbum do nosso saudoso António [Henriques Campos] Teixeira, o "Tony" (1948-2013), ex-alf mil da CCAÇ 3459 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda, 1971/73).

Depois da independência, as instalações hoteleiras (messe e quartos de oficiais) do QG foram transformadas em hotel, o Hotel 24 de Setembro (hoje Hotel Azalai 24 de Setembro, 4 estrelas, sito na Av Pansau na Isna, Santa Luzia, 285 Bissau, Guiné-Bissau).

Foto (e legenda): © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2016). Todos os direitos reservados.  

1. Comentário,  com data de 18 do corrente (*), de Armandino 
[José de Jesus] Oliveira, ex-fur mil da CCS / BCAV 1897,  Mansoa,  Mansabá e Olossato (1966/68); vive no Brasil há 40 anos, e é membro da nossa Tabanca Grande desde 8 de maio de 2011:


Boa tarde,  meu amigo Luís Graça:

Fiquei muito triste, para não dizer revoltado, com as imagens da piscina do QG de Bissau, parece um SPA .

Enquanto milhares estavamos na selva, combatendo, morrendo, vendo colegas e amigos sendo destroçados e outros se suicidando, pegando malária, em condições bem degradantes, psicologicamente .

Não posso gostar desse artigo, é uma afronta a todos que foram para a GUERRA !

Só louco ou insano levaria a família para o campo de batalha, só no QG de Bissau.

Era furriel miliciano do BCAV 1897, estive em Mansoa , Mansabá e Olossato (1966/1968 ).

Creio que entendes a minha revolta . (**)

Abraços
Armandino
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Notas do editor:
(*) Vd,. poste de 17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16609: Inquérito 'on line' (75): as primeiras 66 respostas, a três dias do fim do prazo (5ª feira, dia 20): só em 28 casos havia famílias de militares, não guineenseses, no mato... "Lembremos que o maior número de militares do quadro não estavam longe de belas cidades como Luanda, Benguela, Uíge, Malange, Lourenço Marques, Beira, Nova Lisboa e Bissau, por exemplo, onde não faltava nada (comentário de Antº Rosinha)

(**) Último poste da série > 10 de outubro de 2016 >  Guiné 63/74 - P16585: (Ex)citações (319): O cap inf José Abílio Lomba Martins que eu conheci, no Enxalé, em novembro de 1963, antigo professor da Academia Militar, cmdt da CCAÇ 556 (Bissau, Enxalé, Bambadinca, 1963/65) (Alcídio Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65) (*)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Foi prisioneiro após a invasão do Estado português da Índia, seguir-se-ão três comissões, das duas na Guiné, por onde andou no Olossato, Aldeia Formosa e Bolama, regressará meses depois, a pedido de Spínola, para acompanhar os reordenamentos, envolveu-se no 25 de Abril, foi governante na Madeira, onde recebeu o Presidente da República e Presidente do Conselho depostos; será assessor militar de Sá Carneiro, Comandante da Região Militar Norte e Chefe da Casa Militar de Mário Soares.
É intenso livro de memórias, o General Carlos de Azeredo é conhecido pela resposta pronta, pela língua afiada e pelo destemor. Vale a pena lê-lo do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário


Trabalhos e Dias de um Soldado do Império (1)

Beja Santos

“Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004, é um livro de memórias de alguém que cumpriu 5 comissões na Índia, Angola e Guiné, dirigiu o planeamento e comandou a execução do movimento militar do 25 de Abril para o Norte de Portugal, foi o último Governador Civil do Funchal, Presidente da Junta Governativa da Madeira, Assessor Militar de Sá Carneiro e Chefe da Casa Militar de Mário Soares. Neste volume de quase 500 páginas, extraímos as considerações produzidas às suas duas comissões na Guiné.

Chegou à Guiné em finais de Agosto de 1967, vai comandar a CCAV 1616, no Olossato. Esta Companhia bem como a CCAV 1615 pertenciam ao BCAV 1897, sediado em Mansabá. Encontrou o pessoal moralizado. “A minha primeira preocupação foi a de incutir no espírito dos meus homens que não éramos terroristas mas militares e que o inimigo, uma vez vencido, seria respeitado como uma pessoa humana. Sevícias ou maus tratos seriam severamente punidos". O que nos relata sobre o assalto a Iracunda, no Oio, prende a atenção. Não era a primeira vez que se procurava assaltar esta base a cerca de mil metros a poente do Morés. Repetiam-se sempre os mesmos erros, aparecia sempre o DO cerca das 9h30, seguiam-se sempre os mesmos itinerários. Decidiu quebrar a rotina, deteve-se atentamente na carta militar e decidiu que ali chegariam por terra firme que percorria o Istmo a Sul. Mandou formar a tropa ao fim da tarde e saíram pelas 22 horas. Afastados da povoação, expôs a operação, definiu missões aos grupos de combate, determinou absoluto silêncio rádio. Perto das 5 horas atingiram o extremo sul do Istmo e no carreiro que vinha do Morés deixou um grupo de combate emboscado, bem como outro a umas centenas de metros à frente, de reserva nas imediações da base. Aproximaram-se do objetivo, uma sentinela inimiga detetou-os, lançaram-se ao assalto, ninguém reagiu, abandonaram precipitadamente a base. Nas moranças encontraram armas, munições e documentos. Após algumas buscas encontraram um depósito de material. Apanharam cerca de seis toneladas de armamento pesado e ligeiro. Da direção do Morés, começaram a ser alvejados com fogo morteiro, retiraram e é na retirada que lhes infligem uma emboscada, ripostaram e minutos depois o inimigo levantou emboscada. Carlos de Azeredo é bem conhecido por ser intempestivo e cortante nas suas respostas. Quando o Dornier apareceu pelas 9h30, respondeu que marchavam de regresso ao Olossato. O comandante quis saber o que se passava com o cumprimento da missão e ele respondeu: “A base de Iracunda foi tomada e destruída e deve estar ainda a arder”. Pediu ao comandante que chamasse helicópteros para levar os feridos e parte do material.

Como bom oficial de Cavalaria, detesta os burocratas e oficiais do Estado-Maior e conta-nos uma história macabra. Em resposta a um ataque noturno ao Olossato, uma granada de morteiro caíra numa posição dos atacantes. Feito o reconhecimento encontraram vários restos de corpos humanos (dedos de mãos, miolos, um maxilar inferior, etc) foi tudo guardado num grande frasco com álcool. Semanas depois, anunciou-se a visita, com almoço, do Brigadeiro Comandante-Militar ao Olossato, oficial que nas reuniões dava sempre conselho sobre o modo de fazer a guerra. Para esse dia, Carlos de Azeredo escolheu uma ementa com carne de vaca. “Chegado o dia da visita, mandei colocar num tabuleiro um frasco com os restos dos pobres guerrilheiros, nadando num álcool já acastanhado, e cobrir tudo com um pano. Ao almoço, falou-se das atividades operacionais e eu levantei a questão da feracidade dos dados incluídos nos relatórios sobre as baixas causadas ao inimigo e que, para evitar dúvidas sobre a sua veracidade, eu procurava sempre que possível testemunhos fotográficos ou provas das baixas do adversário. Perguntou-me o Comandante Militar que provas eram essas. Fiz o sinal combinado ao soldado impedido na messe que se aproximou com o tabuleiro e, retirado o pano, descobriu os frascos com as provas. O Brigadeiro perdeu a cor e o apetite e nós vimo-nos assim libertos de mais perorações eruditas sobre o modo de fazer a guerra”. Recorda com saudade gente do Olossato, caso do Balanta Nhinté, o Fula Fogá e o Mandinga Braima.

Chega Spínola à Guiné e nomeia-o para comandar um setor operacional com base em Aldeia Formosa. Logo descobriu que o moral dos homens era muito baixo, pôs em marcha um plano urgente em obras de defesa, fala detalhadamente dos Cherno Rachid Djaló, com quem estabeleceu uma excelente relação. Elaborou um plano de concentração das povoações dos povos do Forriá. Os ataques mais poderosos vinham da povoação de Kansembel, na Guiné Conacri, as unidades do PAIGC traziam o armamento e a cerca de 600 metros tinham Aldeia Formosa ao seu alcance. Como estes ataques se iam multiplicando, Carlos de Azeredo pediu ao oficial artilheiro que introduzisse nos obuses os elementos de tiro para bombardear Kansembel. Aldeia Formosa fora bombardeada pelas 20 horas, pelas 22 mandou fazer fogo com os três obuses de campanha, despachou para cima de Kansembel nove granadas de 14. Preveniram o Comandante-Chefe da ocorrência, Spínola apresentou-se pelas 8 horas, vinha de má catadura. Percorreu a povoação onde ainda fumegavam restos de algumas casas, visitaram um cemitério onde se enterravam os mortos deitados de lado e virados para Meca. À despedida, disse ao Comandante Azeredo: “Lixe-os!”. Três dias depois, novo ataque violento, mandou responder com os obuses, foram disparadas 60 granadas sobre Kansembel. Veio a ser informado que a população de Kansembel já ameaçava o PAIGC de os expulsar da área. Cerca de um mês depois, nova flagelação sobre Aldeia Formosa. Duas noites depois, os obuses funcionaram entre as 4 e as 8 horas, sobre Kansembel. Nunca mais houve flagelações, as autoridades de Kansembel tinham proibido aos guerrilheiros um novo ataque à Aldeia Formosa.

Refere-nos as colunas logísticas para Ponte Balana e Gandembel, um verdadeiro Inferno. Em Fevereiro de 1969 assumiu o comando do CIME em Bolama.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15692: Notas de leitura (803): "Cartas de Amor de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem" (António Graça de Abreu / Márcia Souto, da editora Rosa de Porcelana)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8355: Memória dos lugares (156): Cutia em 1966, aquando do alcatroamento da estrada Mansoa-Mansabá (José Barros)

1. Mensagem de José Ferreira de Barros* (ex-Fur Mil At Cav, CCav 1617/BCav 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/68), com data de 26 de Maio de 2011:

Caro amigo Carlos:
A Vida em Cutia não foi fácil.
A construção da estrada Mansoa-Mansabá deu-nos o suor pela testa.
O IN não nos largava.
As condições de habitabilidade também foram bastante difíceis.

Envio algumas fotografias de Cutia que farás com elas o que muito bem entenderes

Um grande abraço
José Barros


CUTIA, 1966 - ALCATROAMENTO DA ESTRADA MANSOA-MANSABÁ

Cutia, 1966 > Barreira de Controle de passagem de colunas de Mansabá-Mansoa, com vista do aquartelamento.

Cutia, 1966 > Cozinha de campanha

Cutia, 1966 > Forno onde se cozia o pão para a Companhia ali instalada

Cutia, 1966 > Lado da estrada para o abrigo

Cutia, 1966 > Visita do Comandante Chefe e Governador da Guiné ao aquartelamento. General Arnaldo Schulz acompanhado pelo Capitão Torres Mendes, CMDT da CCAV 1617

Cutia, 1966 > Traseiras do abrigo

Cutia, 1966 > Pavilhão do Refeitório. Ceia de Natal. O Comandante da CCAV 1697, Capitão Torres Mendes a dirigir algumas palavras de ocasião

Cutia, 1966 > Hora da refeição. Bicha de pirilau para ir à cozinha de campo buscar a paparoca porque ainda não tínhamos barracão para refeitório

Cutia, 1966 > Vista parcial da tabanca de Cutia. Do lado contrário ficava o aquartelamento. O alcatrão ainda aqui não tinha chegado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8148: Convite (9): Amigo Frade junta-te a nós para partilhares, lembrares e reviveres histórias por que passamos naquela saudosa terra (José Barros)

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8243: Memória dos lugares (155): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2) (António Teixeira)

domingo, 8 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8244: Tabanca Grande (280): Armandino José de Jesus Oliveira, ex-Fur Mil da CCS/BCAV 1897 (Mansoa, Mansabá, Olossato, 1966/68)

1. Mensagem de Armandino José de Jesus Oliveira, ex-Fur Mil da CCS/BCAV 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/68, com data de 6 de Maio de 2011:

Luís Graça
Foi com muita alegria que encontrei o vosso blogue, graças à ajuda do pessoal do CART 3494.

Sou Armandino José de Jesus Oliveira, ex-Furriel Miliciano da CCS/BCAV 1897 e estive na Guiné entre 1966 e 1968.

Estive em Mansoa, Mansabá e um pouco no Olossato, dando apoio de manutenção aos rádios-transmissores.

Hoje moro no Brasil, onde formei família há 35 anos, mas jamais esqueci os momentos passados junto com meus companheiros, lá na Guiné.

Aqui, por vezes, conto aos amigos algumas histórias e os brasileiros ficam admirados com aquilo que todos nós passámos.
Conto as boas e as menos boas, porque tivemos também muitos bons momentos, de amizade, camaradagem e apoio.

Hoje já não lembro muito dos nomes dos colegas, mas pelas fotos que vi, recordei o Frade, o José Barros, aparecendo outros me lembrarei.

Tenho muitas fotos da época, que pretendo enviar, se assim o desejarem.

Hoje estou enviando uma foto minha da época e outra atual.
Mais duas, uma da entrada do acampamento de Mansabá e outra de momentos após os "turras" terem destruído um pontão na estrada Cutia - Mansabá e nos terem emboscado
(acho ser o mesmo local da foto colocada no blogue, mas já com um pequeno pontão.

Se alguns dos ex-companheiros quiserem comunicar comigo será com muita alegria que receberei esse contacto.

Abraços
Armandino Oliveira
armandinol@hotmail.com

Mansoa, 1967 > Armandino Oliveira

Mansabá, 1967 > Parada do quartel

Mansabá, 1967 > Estrada Mansabá - Cutia


2. Comentário de CV:

Caro Armandino,
Bem aparecido na nossa Tabanca, caserna virtual onde se reúnem mais de 400 ex-combatentes da Guiné, de todos os anos da guerra, de todas as Armas e de todas as Unidades. Aqui convivem elementos do Exército, Força Aérea e Marinha, de todas as idades, patentes e Especialidades.

É um especial prazer receber um camarada, que estando mais longe, na diáspora, nos lê e se quer juntar a nós. Tu, estás do outro lado do Atlântico na terra quente do Brasil, mas graças a este meio de comunicação é como se estivesses fisicamente junto de nós.

Esperamos a melhor colaboração da tua parte na feitura destas memórias, cujo espólio é já apreciável. Manda as tuas fotos e as tuas histórias para publicarmos.

Lê o lado esquerdo da nossa página, onde entre uma quantidade enorme de informação, encontrarás a descrição dos nossos objectivos e das nossas normas de conduta. Tens palavras designadas marcadores/descritores, a partir das quais poderás pesquisar os diversos assunto já aqui tratados.

Se precisares de algum esclarecimento adicional, os editores estão sempre ao serviço e ao teu dispor.

Já agora, porque Mansabá me diz muito, a minha Companhia esteve lá 22 meses, se tiveres fotos para eu publicar na página da CART 2732, manda-mas por favor que eu farei menção que são tuas. Vai a http://cart2732.blogspot.com/ e mata saudades vendo as fotos lá publicadas.

Para terminar, deixo-te o tradicional e indispensável abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8238: Tabanca Grande (279): Manuel Domingos Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 1684/BCAÇ 1912 (Susana e Varela - 1967/69)