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terça-feira, 19 de abril de 2011

Guiné 63/74 – P8137: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (13): Oficina danada



1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 - Binta -, 1964/66, com data de 19 de Abril.
OFICINA DANADA

Dois homens de cabelos brancos passeiam lentamente aproveitando o fresco da noite que se avizinha.

O mais velho fala, gesticula e de olhos brilhantes aponta para um edifício amarelo, degradado, com muitos anos de tempo. De memórias, de sons de martelos e do fogo de bigornas...
- Ali era a “Oficina danada”!
- Espera aí, José Coelho. Vamos falar desses nossos antepassados com mais calma.
E com a magia de que os mais velhos são capazes aproveita-se a esquina mais próxima para se entrar na” máquina do tempo” e viajar muitos anos para trás.
Na casa amarela, trabalhavam quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo”), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, a poucas centenas de metros do Mosteiro. Viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em meados de Janeiro de 1919.
Num livro escrito alguns anos mais tarde é referido «… que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.

"No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.»

Os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estiveram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.
Foi um elemento da GNR que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!


Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça, que passava nas traseiras da oficina.
Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame os quatro irmãos teriam ido mesmo presos.

Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR,  tiveram uma sorte danada!  E em tempos passados ou nos de hoje… a sorte de um homem é escapar!  Digo eu… que não sou de intrigas.
FMI, digo, FIM.

JERO
__________

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Guiné 63/74 – P8104: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (12): Gente jovem e a memória da guerra dos seus avós…

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 - Binta -, 1964/66, com data de 12 de Abril.


Camaradas,


Depois de longa ausência, eis-me a dar provas de vida... Remeto um texto alusivo a uma "conversa" que tive recentemente com 120 alunos de uma Escola de Alcobaça.

Felizmente que os velhotes ex-combatentes já vão sendo convidados pelas direcções de algumas escolas. Aconteceu comigo e não desperdicei a oportunidade de transmitir à gente jovem algo da história recente de Portugal, que teve a ver alguns dos familiares mais velhos... No que me diz respeito foi uma experiência gratificante que gostaria de partilhar com a "Tabanca Grande".


GENTE JOVEM E A MEMÓRIA DA GUERRA DOS SEUS AVÓS…



O Prof. Luís Tavares apresentou-me. «O José Eduardo esteve na Guerra Colonial, já escreveu um “Diário” e um livro sobre os seus tempos da Guiné e aceitou o convite da nossa Escola para falar sobre o assunto," dentro do programa de actividades do “Acontece D. Pedro I”.  Vai, em jeito de conversa, falar uns minutos e depois responderá às vossas perguntas. Ponham os vossos telemóveis em silêncio e… vamos ouvir».

O auditório estava cheio. Olhei para o relógio. Eram 10h05. Comecei a falar para 120 alunos dos 9ºs. A, B, C, D e E, com idades compreendidas entre os 14 e 18.
Ensaiei um “quadrado” entre os jovens que se sentavam na parte central do auditório. Houve risota e alguma confusão mas aceitaram bem a minha proposta.
Disse-lhes que mais tarde iriam perceber o porquê daquela “cena”. Tinha decidido centrar a minha “palestra” em dois temas e em dois tempos baseados na minha experiência de dois anos de Guiné.  Os temas escolhidos: o “baptismo de fogo” e a recuperação de populações. Os dois tempos: o da guerra e o da paz. Mostrei-lhes a capa do meu livro de memórias.
“Golpes de mão’s.”- Uma mão suja de sangue – do tempo da guerra – e uma mão suja de terra - do tempo da paz -. Evocando o trabalho na terra, o regresso das populações e as sementeiras da paz.

Seguiu-se a projecção de um “power point” com especial incidência na primeira operação militar –a do “baptismo de fogo” – que incluiu a “cena” do “quadrado” para perceberam como nos deslocávamos no mato e como poderíamos ripostar ao fogo do inimigo... sem nos matarmos uns aos outros.

E depois o tempo de perguntas e respostas. As habituais deste escalão etário. O medo, a morte, as armas, que língua falávamos com as gentes da Guiné, o correio, as madrinhas de guerra, a saudade, os meninos, o que aconteceu depois da guerra…
Mesmo a acabar a pergunta inesperada:
- Se pudesse voltar atrás iria de novo para a guerra?
Com a sua carga de ingenuidade a pergunta surpreendeu-me. Foi feita por uma jovem de 16 anos.
Para ganhar tempo fui-lhe dizendo que era uma pergunta pouco habitual. Que nunca me tinha sido colocada.
Estava de pé no palco do auditório frente a uma plateia que esgotava os 120 lugares.  Repeti diversas vezes a questão em voz alta e,  olhando para a miúda aproximei-me dela, apetecendo dizer-lhe:
- Que raio de pergunta?
Mas não o fiz.
Ia arrumando as ideias e finalmente respondi-lhe:
- Não se pode voltar atrás no tempo mas... se me tivesse sido possível, não teria ido. Mas se não tivesse ido,  não estaria aqui a partilhar estas memórias.  Nem teria conhecido os meus irmãos da “CCaç.675”…
E pela cabeça iam-me passando imagens e nomes. Em catadupas. Como rajadas de metralhadora. Da “675” revia o Capitão Tomé Pinto, o Tavares, o Santos, o médico, o Moreira, o Mesquita, o Cravino, o Figueiredo, o” Rato”, o “Campo de Ourique” ,o “Caldas”, o “Almeirim”… E da “Tabanca Grande”, o Luís Graça, o Vasco da Gama, o Mexia Alves, o José Belo, o Miguel Pessoa e a Giselda, o Jorge Cabral, o Carlos Vinhal, o M.R., o J.D. e tantos outros.
- Portanto…,  jovem,  a resposta à tua pergunta é que… à distância no tempo tenho mais coisas boas do que más. Tendo em atenção um rápido balanço das memórias que me passaram pela cabeça, vou-te responder que sim.  Valeu a pena ter ido à guerra… porque tive a sorte de voltar. Mas sou um homem de paz. E o que mais me marcou foi o que de bom fizemos depois do regresso das populações. Que nesses tempos longínquos teriam tido mais… do que têm hoje.
Olhei para o relógio. Marcava 11.25. Fiquei espantado. Como o tempo tinha passado depressa!
Ia jurar que tinha começado a falar há 10 minutos! Alguns miúdos vieram ao palco despedir-se de mim. Antes a “malta” tinha aplaudido. Foram simpáticos. Teriam saído dali a saber alguma coisa da”guerra colonial”, como tinha dito o Prof. Luís Tavares, ou da “guerra do ultramar”,  como tinha dito o velhote da barba branca!?
Alguma coisa lhes deve ter ficado. Digo eu. Que sou um optimista e acredito nos jovens. Assim também eles encontram na vida laços, inquebráveis, solidários, mesmo que nascidos de vivências e fadários. Porque esses nos unem… p’ra toda a vida.

Um grande abraço abraço de Alcobaça,

JERO
__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7446: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (11): Os Pequenos Nadas da vida

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 14 de Dezembro de 2010:

Meu Caro Amigo Luís

Com a aproximação do Natal queria dar-te uma prova de respeito e amizade. Ou vice-versa.

Voltar ao "Blogando e andando", que comecei no nosso blogue com o teu "alto patrocínio", é simbolicamente essa prova. É raro o dia em que não me surpreende a força e dinamismo do nosso blogue. É simplesmente notável.

Nos últimos tempos devido ao envolvimento pessoal que tenho no jornal da terra não tenho tido tempo para nada. Depois... estou metido em dois livros. Um está pronto - falta apenas inseriras imagens - e outro se seguirá.

Quando se chega aos "setenta" sentimos que o tempo nos pode faltar e alguma ansiedade nos assalta para "deixar" testemunhos... antes que seja tarde...
Estou nessa fase.

Alguma remorso me acompanha por não ter mais tempo para colaborar no nosso blogue mas espero que o Editor e seus colabores mais próximos me possam perdoar...

Entretanto é tempo de votos. Para ti e para os teus votos de um Feliz e Santo Natal.

Um abraço fraterno de Alcobaça,
JERO

PS-Segue um pequeno texto com o simbolismo dos "pequenos nadas" que fazem a diferença na vida.Digo eu.


BLOGANDO E ANDANDO (11)

OS ”PEQUENOS NADAS” DA VIDA…

O Pedro, um jovem de 13 anos, acompanhava habitualmente o pai nas idas à taberna da aldeia.

Vivia numa zona rural e depois da “escola” ajudava nas tarefas caseiras. Na fazenda, que circundava a casa dos seus pais e avós, pegava na sachola ou no ancinho dia sim, dia sim e ia aprendendo o que a vida custa. Os trabalhos agrícolas eram duros e as idas à taberna com o seu pai eram sempre momentos bem-vindos.

Fascinavam-no as conversas do seu pai com os mais velhos, nomeadamente, quando essas conversas evocavam recordações da guerra do Ultramar. Se tentava meter a sua “colherada” não lhe davam grande atenção. Era ouvir e calar. Quando o seu pai bebia o seu copo de vinho soltava um “ah” de satisfação, que parecia ficar a pairar algum tempo no ambiente acolhedor da taberna. “Ouvia-se” o silêncio entre conversas dos amigos de seu pai.

Aqueles “aaahh” de satisfação eram momentos “únicos”… Pareciam fazer parte de um ritual monástico, salvaguardadas as devidas proporções. Quando o pai esvaziava o copo e batia com ele, já vazio, no balcão o “aaahh”, já tantas vezes ouvido, surpreendia sempre o Pedro que seguia com olhar o momento de prazer do seu pai. Que bom devia ser beber um copo. Quando é que ele teria direito a um “aaahh”!?

O tempo ia passando e o Pedro um dia atreveu-se a pedir ao pai:

- Quando é que eu posso beber um “aaahh”?

O olhar que o seu pai lhe deitou antecipou a resposta que bem lhe custou a ouvir:

- Ainda és muito novo para um “aaahh”.

Passou o Verão, chegou o Outono e o Pedro pensou que já tinha acumulado “créditos” para mais um pedido. E num dia em que tudo tinha corrido especialmente bem nos trabalhos da escola e da fazenda arriscou:

- Oh pai, quando é que eu posso beber um “aaahh”?

Teve direito a mais resposta negativa mas, desta vez, pareceu-lhe que o Pai tinha feito um compasso de espera antes de proferir o “não”. Saiu chateado da taberna e voltou sozinho para casa.

No dia seguinte o Pedro fez mais uma tentativa.

- Oh Pai quando é que eu…

Para sua surpresa o pai disse para o taberneiro.

- Oh Grazina dá lá um copo ao rapaz.

Pareceu-lhe que tinha havido um piscar de olhos entre ambos mas… o seu copo finalmente “aterrou” no balcão.

O Pedro pegou-lhe com o coração a palpitar e com os olhos a brilhar preparou-se para soltar o seu primeiro “aaahh”.

Bebeu o primeiro golo e arrepiou-se todo. Soltou um “iiiihh” prolongado… Tentou um segundo golo e o seu “iiiiiiihhh” foi ainda mais prolongado. Olhou para o copo com asco… e sentiu a mão do pai nas suas costas.

- Como vês ainda não tens idade para um “aaahh”.

O Pedro teve que reconhecer que sim e saiu para a rua para apanhar ar. O pai ficou um pouco trás e, bem disposto, disse ao Grazina:

- Eh pá não poupaste no vinagre. Fico-te a dever uma.

Só muito mais tarde o Pedro soube da “marosca” e... percebeu como o seu Pai tinha sido sábio.

De facto o vinho não deve ser bebido por gente nova… e que há idade para tudo…

Esta história é verdadeira e passou-se numa freguesia perto de Alcobaça.

Infelizmente os pais dos miúdos da cidade nem sempre têm tempo para estar tão presentes nas vidas dos seus filhos. Nomeadamente nas suas saídas nocturnas, quando consomem “aaahh’s” antes de tempo…

Os tais “pequenos nadas” da vida que podem vir a fazer toda a diferença!

É ou não “eeehh”!?
JEROOO…
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7246: (Ex)citações (107): Mininus di praça e “O Fascínio” (José Eduardo Oliveira)

Vd. último poste da série de 26 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6899: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (10): Revisitando o passado de Alcobaça, dos anos 40, na Tabanca de São Martinho do Porto

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6899: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (10): Revisitando o passado de Alcobaça, dos anos 40, na Tabanca de São Martinho do Porto


São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto (*) > 21 de Agosto de 2010> Da esquerda para a direita, a anfitriã, Clara Scharz da Silva, a mãe do Pepito, tenda a seu lado a Sra. Levy Ribeiro (sogra do Pepito, mãe da Isabel) e a Júlia Neto


São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010> Da esquerda para a direita, António Pimentel, Luís Graça, Zé Teixeira e Manuel Reis...


São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010> Momento de alegre convívio à volta da mesa e da cachupa da Isabel...




São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010 >  Manuel Reis, Luís Graça e Xico Allen



São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010 Da esquerda para a direita >  Pimentel, a Alice e a Isabel



São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010> Dois dos netos de que nos falava o Zé Neto, a Leonor e o Afonso... com uma das três filhas da Júlia.... Um ano e poucos meses antes de morrer, o Capitão Zé Neto confiou-me as suas memórias nestes termos: 

8/1/06 > Memórias de Guilege > "Meu caro Luis: Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativa das memórias da minha vida militar.

"São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família...

"Já cedi este modesto trabalho à AD do Pepito e conto não o fazer mais, por enquanto. É, como já te disse, uma perspectiva um tanto diferente dos relatos do blogue, mas é assim que sei contar as minhas angústias e sucessos. Diz qualquer coisa. Até breve. Um abraço do patriarca Zé Neto”.
A Leonor, por sua vez, mandou-me em 30/5/2007, às 7h29, a triste notícia da morte, esperada, do seu avô. Este funesto evento marcou-a muito, até hoje. "Assunto: Notícias tristes. Caros amigos: É com enorme dor que vos escrevo para comunicar o falecimento do meu querido avô, Zé Neto. Ainda não sei grandes pormenores, pois soube ontem por volta das 23.45h e a minha mãe foi de seguida para casa da minha avó e passou lá a noite. Não sei se me será possível comunicar-vos via e-mail outros detalhes como o velório e funeral, sendo assim deixo-vos o meu contacto telefónico que estará à vossa inteira disposição: 937317762. Um abraço, Leonor".


Fotos: ©  Pepito (2010). Todos os direitos reservados.


1. Texto enviado pelo JERO, com a seguinte nota (**):



Caro Comandante Luís: Votos de boa saúde e renovados agrdecimentos pela tarde de 21 de Agosto último na Tabanca de São Martinho do Porto.

Só para conhecimento remeto em anexo a postagem M 289 do meu blog, que acaba de completar um ano.

Cumprimentos a tua mulher e um grande abraço deste teu incondicional amigo de Alcobaça,
JERO



2. Blogando e andando > Regresso ao passado em de São Martinho do Porto … (***)
por JERO 


Absolutamente por acaso estive em passado recente – 21 de Agosto  – na Casa de férias da família Scharwz da Silva .


A meio da tarde desse dia 21 o Luís Graça , a quem me une uma amizade muito especial por termos sido ex-combatentes da Guiné, telefonou-me por se ter lembrado que eu poderia estar de férias em São Martinho. E acertou.


O Luís é o coordenador de um blogues mais visitadas de Portugal. O seu blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) teve até ao dia de hoje (25.Agosto.2010) 1.955.885 páginas visitadas!


Estava em São Martinho do Porto com a sua mulher Alice e com diversos amigos ligados à Guiné. Com a Júlia Neto,  viúva do nosso campanheiro Zé Neto (1929-2007), com uma delegação da Tabanca de Matosinhos (Zé Teixeira, António Pimentel e Xico Allen), com Manuel Reis (coordenador da Campanha Angariação de Fundos para a Reconstrução da Capela de Guileje).


Telefonou-me e ao grupo juntou-se o JERO.


Mais tarde – e continuo a aproveitar a postagem 6882 do Luís Graça no seu blog – apareceu o Teco, acompanhado da esposa .O Teco, natural de Angola, de seu nome Alberto Pires, foi Furriel Miliciano  na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964...


Do lado dos donos da casa , estava a matriarca, Clara Schwarz, a nossa 'tabanqueira' com a bonita idade de 95 anos, o seu filho Carlos (Pepito), a esposa, Isabel Levy Ribeiro, e a mãe desta... A Isabel ofereceu-nos uma deliciosa cachupa...


O Pepito estava à espera de um batalhão, ficou decepcionado ao ver apenas meia dúzia de gatos pingados... que o JERO e o Teco reforçaram já a meio da tarde


Continua o Luís Graça em relação a Clara Schwarz «…Que o diga o JERO, que esteve com ela a lembrar coisas da década de 40, quando Alcobaça (e o resto de Portugal) receberam jovens refugiados austríacos...».


Aqui entro eu.


Para meu espanto,  a Dª.Clara e o seu marido, o advogado Artur Augusto Silva, tinham residido em Alcobaça na década de 1940, antes do casal partir para a Guiné em 1949. Mais exactamente entre 1945 e 1949. A Dª. Clara Schwartz tentou-me explicar onde então moravam em Alcobaça mas não deu para entender.


Mas lembrava-se de muita coisa desses velhos tempos ...


Tinham sido amigos pessoais e visitas de casa do Pintor Luciano Santos, de quem fiquei de lhe arranjar um catálogo. Já o encontrei entretanto (é de 1993) e cabe aqui deixar uma pequena nota para recordar quem foi este extraordinário pintor,  alcobacense por casamento.


Luciano Pereira dos Santos [. foto à esquerda, ] nasceu em Setúbal, a 25 de Março de 1911.  Faleceu em Lisboa com 95 anos em 12 de Dezembro de 2006.


Num texto escrito há mais de 50 anos, António Ferro, Director do Secretariado Nacional de Informação (SNI),  pode ler-se sobre o pintor setubalense:

“Há pintores que são modernos (moderno, para mim, significa a verdade que parece mentira…) por simples temperamento; alguns por fria razão intelectual; outros por moda ou snobismo; outros ainda por deficiência de recursos técnicos que não conseguem mascarar com o seu falso vanguardismo; certos, finalmente (às vezes nem sabem nem querem saber que são modernos), por motivos de ordem poética, porque os seres e as coisas, para eles, têm sempre um halo que as transfigura…Luciano pertence, a meu ver, a esta última categoria de pintores.”


Depois saltámos… para advogados do tempo do seu marido Artur Augusto Silva. Recordava-se do Dr. Pinna Cabral e de uma paixão complicada de uma sua familiar próxima ,que muito agitou a sociedade do seu tempo na então pacata vila de Alcobaça.


Já entretanto o Luís Graça me tinha contado da sua ascendência judaico-polaca e da perda de muitos familiares em campos de concentração nazis.

Saiu de Portugal em finais de 1949 devido a perseguições políticas que o seu marido foi alvo por ter defendido alguns prisioneiros do Tarrafal.


Confirmámos na Net (Irene Pimentel, sobre alguns dados sobre o campo de concentração do Tarrafal) que «…terminada a guerra com a derrota dos nazi-fascistas e o desmantelamento dos campos de concentração e de extermínio nazis, descobertos pela opinião pública, e sob o efeito de fortes pressões internacionais, o governo (português) promulgou uma amnistia, que levou à libertação de 110 presos no Tarrafal, onde permaneceram cerca de 52 detidos políticos, entre os quais se contavam os ex-marinheiros da Revolta de 1936.»


Clara Schwarz tem do seu casamento e dos 25 anos que passou na Guiné as melhores recordações. Em Bissau, a Dra. Clara foi professora no Liceu Honório Barreto.


Mas voltando um bocadinho atrás e ao início da nossa conversa em que recordámos acontecimentos da década de 40, para recupera a sua memória sobre os jovens refugiados austríacos que Alcobaça (e o resto de Portugal) então receberam.


Mal a dona da “Casa do Cruzeiro” [, imagem à esquerda, ] referiu os miúdos austríacos lembrei-me (com emoção) do Hans e do Helmutt com quem tinha brincado numa casa da família Raposo Magalhães, que ficava na esquina da Rua Vasco da Gama com a Rua Afonso de Albuquerque, onde moravam os meus pais e avós.”Vi” à distância no tempo dois miúdos altos, que usavam calções compridos.


Clara Schwarz, que fala alemão, descreveu-me ainda uma menina confiada a uma família dos arredores de Alcobaça (Vestiaria???) ,que vivia com muitas dificuldades devido aos fracos recursos da sua família de acolhimento. Essa menina – de que eu não me recordo – veio mais tarde a ser confiada à família de um médico de Alcobaça – Dr. Nascimento e Sousa.


Para complementar esta memória do passado recuperámos parcialmente um texto de FERNANDO MADAÍL (17 Maio 2008):


«Em 1950, centenas de órfãos que viviam em campos de refugiados na Áustria vinham passar mais uma temporada a Portugal. Aquelas crianças austríacas tinham um 'aspecto miserável'  e a 'saúde abalada'. Até parecia que em Portugal não havia imensos miúdos pobres nas mesmas condições.

" 'Mais uma revoada de crianças estrangeiras, vítimas inocentes da guerra, chegaram ontem ao Tejo, no [barco] Mouzinho, para serem confiadas à protecção e carinho de famílias portuguesas', noticiava o DN de 3 de Maio de 1950. 'São 278 meninas e 894 rapazes, de 5 a 13 anos, com os quais se completa o número de 5 500 crianças que, por turnos, durante três anos e meio, vieram gozar férias no nosso país por iniciativa da Cáritas (...)."
Estão passados cerca de sessenta anos…


Para não alongar mais esta ” memória” salientamos a extraordinária lucidez, cultura e sensibilidade da nossa anfitriã, Clara Schwarz... 95 anos, uma vida, uma memória espantosa...– que o Luís Graça quer homenagear (e muito bem) quando completar os seus 100 anos em 2015!


Até lá… muita saúde e o nosso agradecimento pela inesquecível tarde de 21 de Agosto de 2010, um dos melhores momentos que vivi nas férias de Agosto deste ano.



(**) Auto-apresentação do JERO no seu blogue Histórias & Memórias Pessoais  (que, num espaço de um ano, tem já cerca de 300 postes e 18 páginas visualizadas).


JOSÉ EDUARDO OLIVEIRA

Fui militar e orgulho-me disso. Fiz parte da CCaç 675 – que esteve no Norte da Guiné até fins de Abril de 1966. Fui Enfermeiro e fui louvado e condecorado. Estive em todas ou quase! Fui ainda o “cronista” da CCaç 675 escrevendo um “Diário” de 280 pgs - 250 exemplares.
Escrevi e editei em Maio de 2009 o meu 2º. livro, Golpes de Mãos. 500 exemplares. Apesar de reformado, tento manter-me vivo... Vou a todas (ou quase…)! Na Universidade da Vida cursei “cidadania” e participo activamente nas “coisas” da minha terra. Já estive na direcção de variadas instituições. Profissionalmente estive ligado ao M.J. (1958 a 1962 nos Tribunais da Covilhã e Alcobaça), ao Banco Pinto Sotto Maior de 1966 a 1968) e à SPAL - Porcelanas de Alcobaça ,SA. Na SPAL estive 34 anos, tendo tido a responsabilidade de Director Comercial- M. Local.


(***) Último poste da série  >  16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6749: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (9): Se as peças são para antigos combatentes..., não me deves nada!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6749: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (9): Se as peças são para antigos combatentes..., não me deves nada!



Monte Real > Palace Hotel > V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 26 de Junho de 2010 > O JERO, em segundo plano, em conversa com o António Marques (de costas, meu camarada da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) e com a Alice...Não é rapaz para se deixar apanhar facilmente pela objectiva do fotógrafo... Não foi fácil arranjar-lhe uma chapa com ele, que gosta de cultivar o low profile...

Foto: © Juvenal Amadso (2010). Direitos reservados


1. Texto, com data de 6 do corrente e a assinatura do JERO (acrónimo de José Eduardo Reis Oliveira, ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66):

Ganda Luís

c/c para o Alto-Comissário Joaquim Mexia Alves

Assunto: Uma "cara-nova" no V Encontro Nacional da Tabanca Grande em Monte Real.


1- Desta vez conseguiste surpreender-me e atrapalhar-me com a tua postagem, P6676,  relativa a "caras novas" do V Convívio da Tabanca Grande (13).

Com efeito referir "caras novas" e aparecer um "canastrão" de barba branca não é de todo expectável. Depois como já tinha estado de véspera em Monte Real com o Carlos Vinhal,  ficara a conhecer o "cenário" do V Encontro e, com a minha fácil adaptação às coisas de que gosto, fiquei logo a sentir-me da "casa".

Posto isto,  vamos a agradecimentos. Devido à minha maneira de ser estou mais habituado a dar do que a receber. Mas quando me dão – e ainda por cima sem esperar – fico obviamente muito grato. As tuas palavras calaram-me fundo.

Quando te ofereci a peça de cristal era de facto um reconhecimento que pretendia fazer de forma discreta. A ti e a todos os co-editores. Porque efectivamente a "descoberta" em Agosto do ano passado do "nosso" blogue transformou a minha vida.

Brincaste na altura da entrega da peça "única e personalizada" se foi para melhor. Para mim foi, embora admita que, depois disso, passo tanto tempo ao computador que quem mora comigo em Alcobaça no nº. 17-3º.Dtº da Rua Afonso de Albuquerque não comungue dessa "melhoria" da minha vida. Mas, como dizia um nossa saudoso 1º Ministro… é a vida…e desde há um ano a esta parte tenho uma "família" muito maior. Os tais "irmãos" que cinco minutos depois do primeiro abraço parece que estiveram por ali perto…desde sempre.

2 - A tua referência ao "meu" Diário da CCaç 675 foi muito significativa e importante para mim. Ainda hoje me interrogo como é que fui capaz de escrever 240 páginas, aproveitando o tempo das sestas – de que prescindi – e os intervalos da guerra depois de almoço…. Também me fez recordar o "puto" da Mocidade Portuguesa que havia em mim…Ingénuo como caraças mas... era o que tínhamos ao tempo. E demorei uns bons anos a aprender … a mudar. E neste último ano graças ao "Luís Graça e Camaradas da Guiné" foi um autêntico "mestrado"…

Voltarei a este Diário da CCaç 675 daqui a algum tempo para te contar umas histórias "paralelas" que aconteceram…

3 - Cabe agora a vez ao Alto-Comissário Joaquim Mexia Alves que é de facto a generosidade em pessoa. Ter "participado" nos seu último aniversário em Alcobaça foi um privilégio e gostei muito de conhecer a sua mulher e filhos. Em relação à "sua" prenda vou-lhe hoje contar um "segredo". A garrafa de Ginja de Alcobaça foi arranjada de véspera e à pressa pois nem sempre é fácil conseguir este licor precioso.

Pedi a um amigo que tem uma pastelaria no Centro Comercial de Alcobaça. Não as tinha à venda mas tinha um pequeno stock em casa. Dispensou-me uma garrafa e quando me propunha pagar o seu custo disse-me:
– Se é para uma gajo que esteve na Guiné… não é nada… porque eu também lá estive.

Antes de fazer este apontamento fui confirmar nome, posto, companhia e tempo de serviço do meu "fornecedor": José Fernando de Sousa Santos, Furriel Mil de Infantaria, CCaç 1500 (Jan de 66 a Dez 68), com passagem por Bolama, Cufar, Bafatá, Teixeira Pinto e Saravaca (na fronteira com Senegal).


4 -Volto agora ao Luís para lhe contar como "apareceram" as peças de cristal respeitantes ao V Encontro da Tabanca Grande. Peças únicas e personalizadas…e com "Palanca" em vez de "Tabanca", o que lhe duplica (pelo menos) o seu valor de peças raras…

Foram executadas por um amigo que tem uma pequena oficina de transformação de cristal e vidro, que já conheceu dias melhores. Já teve uns 10 empregados e hoje é o patrão e também o único empregado. Fiz a encomenda dei-lhe os dados que pretendia e no dia aprazado apareci para fazer o levantamento e pagamento das peças. Não perguntei o preço mas sabia que este tipo de peças ronda o preço unitário de 30 euros.
– Fernando,  quanto é que devo?
– Não deve nada.
–Eh pá, és maluco. Quero pagar. Não estás rico e sei que demoraste umas boas horas a fazer estas peças.

O Fernando ficou na sua e rematou:
– Sei que as peças se destinam a ex-combatentes da Guiné e …portanto…não me deve nada!

Dei-lhe um abraço e abalei. Comovido com o seu gesto.

O Fernando Filipe tinha cumprido serviço militar entre 1977 e 79 no  RLL, em Lisboa. No Regimento de Lanceiros onde se "passou" parte do 25 de Novembro, como gosta de recordar.

O Fernando, que desde jovem – devido ao seu "cabedal"  – era conhecido pelo "Tarzan",  foi um Polícia Militar invulgar.  Não gostava de "injustiças" nem de "Chico-espertos". Numa ronda à noite, em Lisboa, apanhou um 1º. Cabo (comandante da sua viatura) que começou a ordenar repetidas paragens para "abordar" militares. A ideia do "nosso" Cabo era mostrar a sua farda de PM e a sua importância .O Fernando não gostou e disse-lhe:
– Eh pá,  ou acabas com essa merda ou levas um chapadão no focinho.

O 1º. Cabo parou com as suas merdas, conta o Fernando com o seu ar tranquilo…

5- Estas duas singelas "estórias" demonstram como é generosa e rica a nossa família de ex-militares. E este património ninguém nos pode tirar …nem aplicar impostos!

Com fraternal estima aceitem um grande abraço do velhote de Alcobaça, "cara-nova" do V Encontro de Monte Real.

JERO


Em tempo:

Para o Manuel Joaquim da CCaç 1419,que deixou um novo comentário na mensagem "Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande ...

"(...) A minha gratidão pelas palavras amigas e pela recordação da sua passagem por Binta em Outubro de 1965. Tenho uma ideia do nosso encontro pois já nessa altura era o "relações públicas" da Companhia. E obviamente que tínhamos que receber bem quem nos trazia o feijão frade e as latas de atum. Se me deres a tua direcção tenho todo o gosto em te enviar esse 'Diário' de 1965 em fotocópias. Portanto,  caro Manuel Joaquim, até breve, se Deus quiser. JERO"
_____________
Nota de L.G.:

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6281: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (8): Parabéns à Giselda Antunes e ao casal Pessoa


O nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 29 de Abril de 2010:

Camaradas,

Tenho andado "velho" e agora também tenho o computador avariado.

Estou em casa de um amigo a enviar este texto, que tem a ver com os parabéns à nossa Camarada Giselda Pessoa, que faz hoje anos.

Peço-te que entre hoje e amanhã,se for possível, me encaixes este pequeno texto.

Parabéns à GISELDA ANTUNES e ao casal Pessoa
...


Tivemos o privilégio de encontrar mais uma vez num almoço da Tabanca do Centro – o 3º, que se realizou em 28 de Abril corrente - o casal da (bonita) fotografia. Assumimos o adjectivo porque a foto foi tirada pelo Belarmino Sardinha com a minha máquina…

Está claro que já sabíamos que a Giselda estava em vésperas de aniversário e tentámos – no meio de grande barulho (não há silêncio possível nestes cozidos à Monte Real) saber alguma coisa menos conhecida a seu respeito.
Para nossa surpresa a Giselda Antunes (nome de solteira) foi registada em 29 de Abril de 1947 mas nasceu efectivamente em 30!!!
Faz portanto anos amanhã… ou hoje!?

Na dúvida vou ver se a minha postagem vai ser publicada perto da meia-noite de hoje…

A Giselda é transmontana – só podia… -e nasceu em São Martinho da Anta, Vila Real. Saltando no tempo - estamos à vontade porque a Giselda foi enfermeira pára-quedista - a menina de 47 começou a sua carreira em 1 de Abril de 1968. No Hospital de São João do Porto.
Andou pelas “Urgências” e em Dezembro de 1970 estava por Moçambique. Foi para a Guiné em 1972 onde esteve 26 meses! Conheceu como poucos (ou poucas…) toda a Guiné. Até esteve na Ilha do Como!
Em relação ao Strella que passou ao lado do “DO” , que voava de Guidage para Bissau, só se assustou depois… quando o piloto perdeu os comandos e quase se despenhou. Aterraram em Bigene. É do tempo dos Alouettes 3.
Parafraseando a feliz “imagem” do Mexia Alves a Giselda “deu vida” a muitos militares que assistiu no mato: «Vá, pá, não tenhas medo, isto não é nada! Mais uns minutos e já estás em Bissau».
A Giselda tem direito a todas as atenções neste dia especial do blogue.

Como diz o Comandante Luís Graça tem direito a estar por umas horas na “montra” do blogue.

E depois faz parte do mais mediático casal de camaradas da Guiné…
Por mérito próprio, mas também porque são... o único casal de camaradas da Guiné com licença de residência na Tabanca Grande.
Ele é o Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74, hoje Cor Pilav Ref). Ela é a Srgt Pára-quedista Giselda Antunes...
O único casal do mundo que nem os mísseis SAM 7 Strela... conseguiram separar… Não vou repetir que… ele é um camarada de peso... Tem apenas o formato próprio dos maiores de sessenta que se alimentam com apetite…
Ela é, de facto, a nossa única camarada de verdade...
As outras bajudas e mulheres grandes só podem ser amigas...
Parabéns à GISELDA ANTUNES e ao casal Pessoa.

Um abraço e… até sempre.
JERO
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 30 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6074: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (7): Primavera de 2010 no Chiado

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 22 de Março de 2010:

Boa noite Caro Carlos Vinhal
Como já cheira a Primavera - e nunca mais chega o V Encontro - lembrei-me de escrever mais uma história da vida.

O "sem abrigo" desta história, que nada tem de ficção, pode ter sido um ex-combatente... Independentemente dessa hipótese é chocante a miséria que faz parte da cosmopolita baixa lisboeta.

Sobem o Chiado jovens vestidas como modelos, de mãos ocupadas com cigarro e telemóvel, flutuando entre luxos e frivolidades sem pousarem os olhos em gente que nada tem. Nem abrigo nem esperança.

Foi esta a Primavera que eu vi no Chiado em 21 de Março de 2010.

Um abraço.
JERO


PRIMAVERA NO CHIADO… em 2010

Vivi em Lisboa durante dois tempos da minha vida.

No primeiro tempo como militar e, depois de ter sido mobilizado e ido à guerra do Ultramar, regressei – em segundo tempo - como empregado bancário. Terão sido, ao todo, cerca de três anos.

Depois fixei-me em Alcobaça… até hoje.
Já lá vão cerca de 40 anos.

As contingências da vida levaram-me cada vez mais a espaçar as visitas à capital, mais propriamente à Baixa lisboeta.

Neste último fim de semana vim a Lisboa e visitei algumas zonas nobres da capital, onde é “obrigatório” vir para quem vive habitualmente na Província.

Fiz questão em ir ao Chiado e estar com o Fernando Pessoa que muito prezo.
Como é sabido esta figura única da cultura portuguesa não teve vida fácil, sendo reconhecido e reverenciado depois de ter partido para o Além, o que, sendo importante, deve ter sabido a pouco e tardio ao principal interessado…
Desde sempre associei o Fernando a uma vida amargurada, que parece permanecer por perto da sua Pessoa!

No dia em que estive nas proximidades dos seus “domínios”, ao Chiado, vi (e fotografei) três cenas dramáticas separadas por distâncias bem curtas.

A poucos metros do Fernando, aos pés da estátua de António Ribeiro Chiado, dormia em pleno dia (eram 16H00) um “sem abrigo”. Entre as Igrejas dos Italianos e a dos Mártires.

A temperatura estava cálida na tarde do primeiro dia de calendário da Primavera de 2010… e o homem dormia a sono solto.
Também podia estar morto mas toda a gente passava com um olhar rápido – ou sem olhar – e seguia a sua vida…

O “sem abrigo” fazia parte da paisagem…

Mais abaixo, perto dos Armazéns do Chiado, um cão dormia a sono solto junto da banca do “patrão”, que, sem grande esforço, vendia – ou tentava vender - numa banca improvisada “souvenirs” que não atraíam ninguém. Atracção era o cão que, mesmo a dormir, fazia pela vida do “patrão”. Muitos passantes paravam e deixavam uma moeda num tigela de plástico. Perto do cão.

Descemos a caminho do elevador de Santa Justa… e se já “íamos em choque”… pior ficámos.

Um casal de idosos cantava o fado… à espera de uma moeda. Ou não estavam no passeio certo ou não era por acaso que os transeuntes optavam por passar do outro lado da rua. Ninguém parava uns segundos para ouvir o fadista e… deixar uma pequena ajuda.

Em relação a estes três locais que descrevo ia jurar que os passantes só olhavam com (particular) simpatia para o cão!

Foi essa a minha visão…

Mal vai o mundo quando um cão parece valer mais ajuda que… seres humanos.

Digo eu… que sou da Província… e até gosto de cães!
JERO

PS - No regresso ao local onde tinha estacionado o carro, na Rua do Alecrim, passei novamente pela estátua de António Ribeiro Chiado. O “sem abrigo” já não estava onde o tinha visto uma hora atrás. Das duas Igrejas dessa zona do Chiado – a dos Italianos e dos Mártires – só a segunda mantinha as suas portas abertas. Desejei que o “sem abrigo” tivesse feito a melhor opção…
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6016: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (6): Na prisão é que está a dar

quinta-feira, 18 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6016: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (6): Na prisão é que está a dar

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 15 de Março de 2010:

Boa noite Carlos Vinhal
Espero que já estejas recuperado dos "desencontros" do V Encontro...

Mando mais uma das minhas "estórias" do blogando e andando, que me aconteceu em passado recente.
A vida não pára de nos surpreender!

Um abraço e até um dia destes. No V Encontro de 2010.
JERO


Na “prisão” é que está a dar!

Começo por declarar que sou um felizardo em termos de amigos. Tenho um “património de afectos” que não é brincadeira.

Sempre que posso dou uma saltada para visitar o meu amigo Moreira. Um amigo especial. Amigo das tropa.
Podemos estar alguns meses sem nos falarmos mas quando o telefone toca não são precisos nomes.
Como estás e onde estás?

Estive com ele na semana passada.
Nesta fase do “campeonato da vida” deu em agricultor.
Levei-lhe uma prenda simbólica e obrigou-me a trazer laranjas e limões. E contou-me uma história da vida… Lindíssima. Pelo menos eu achei. Vou partilhá-la com quem tem a paciência de me ler de quando em quando.



Até ao ano passado tive neste barracão com rede cerca de 150 pássaros. Tinha alguns melros e disseram-me que eram aves protegidas, que não podia ter em cativeiro. Por essa e outras razões chateei-me com tanta passarada e resolvi devolvê-los à liberdade.
Tinha alguns pombos e poucos dias depois apercebi-me que, contra a sua vontade, já tinham feito parte do “petisco” de uns caçadores que moravam por perto
.

O Moreira, que é transmontano, disse seguidamente uns palavrões, que não reproduzo, mas que queriam dizer que mais valia ter estado quieto.
Mas como nem tudo é mau na vida teve recentemente uma boa surpresa.

Num arbusto que tem dentro do seu barracão vedado com rede (mas com uma abertura no cimo) avistou um dos seus antigos melros. Tinha voltado à “prisão” e fazia com afã um ninho. O seu ninho.

O Moreira via-o entrar e sair, trazendo materiais para a sua “habitação”. Sentia-se em casa, desfrutando com à vontade a segurança da sua antiga prisão. Dias depois o ninho estava pronto e tinha 3 bonitos ovos.

Disse ao Moreira:

- Agora é que o teu melro, da tal espécie protegida, está efectivamente protegido. Vais pô-lo fora?

- Nem pensar. Aqui é que ele (ou ela) está bem.

Tirei umas fotos, dei um abraço ao meu amigo da tropa, e regressei a Alcobaça.
Apanhei pouco trânsito e fartei-me de pensar no melro do Moreira.



Um pássaro “diz-nos” que a “prisão” é opção mais segura do que viver em liberdade! Dá que pensar!

Nos dias anteriores serviços noticiosos das televisões e jornais nacionais tinham referido o suicídio de uma criança em idade escolar e a morte de um professor que (eventualmente) não aguentou a pressão da sua profissão e acabou com a vida.

Afinal que tempos são estes em que vivemos?
A segurança para viver está na cadeia?

A opção do melro dava-me que pensar.
Uma espécie protegida pela lei estava bem porque estava em cativeiro…

Segurança para viver… precisa-se!

JERO
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...

terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...

1. Mensagem de José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 4 de Março de 2010:

Boa noite Carlos Vinhal
Segue mais um texto "Em terras com nome de Santo...passado...presente...e futuro...".
Embora tenha a intenção de divulgar um edifício histórico da zona de Benavente tem principalmente a ver com um camarada nosso em fase de grande solidão.
Os mais velhos de nós enfrentam a doença e a solidão. Mais do que esperar pela ajuda de instituições oficiais devemos ser nós -os camaradas e amigos - a dar uma mão.
É o alerta que tento fazer com este texto sem mencionar nomes por razões óbvias.

Um abraço
JERO


Em terras com nome de Santo… passado, presente e… futuro!

Um velho amigo dos tempos da vida militar – um amigo a que quero como a um irmão – está a viver temporariamente na região de Benavente. O meu amigo dos tempos da guerra (Guiné 1964-66) está numa fase complicada da vida. De costas para a família – ou a família de costas para ele – vive muito só. Tem o seu orgulho e não dá parte de fraco. Pelo sim pelo não dois ou três amigos mais chegados andam com olho nele.
Um dia destes visitei-o. Falámos da vida e da morte… O meu amigo contou-me que tinha oferecido o seu corpo a uma Faculdade de Medicina. Olhei-o, sem palavras, e ele explicou-me.

- Quando morrer… não quero nenhum sacana no meu velório a dizer que eu era um gajo porreiro e tal e tal… Que os pariu… Quando eu morrer vou para cima de uma “cama de pedra” na Universidade… para me estudarem… O médico com quem falei começou a tentar animar-me e a levantar algumas dificuldades mas… eu consegui convencê-lo. Disse-lhe que não ia ao médico há mais de vinte anos e que seria portanto um bom caso para estudo. Mas já agora punha umas condições. Só médicas, de preferência jeitosas, é que me podiam mexer no “cabedal”… Esta condição foi aceite e… está tudo tratado.

Perante esta conversa, que não deixou de me surpreender, partimos para outras. Recordações de bons velhos tempos tiraram algum dramatismo à inesperada “confissão” do meu amigo.

Fomos dar uma volta pela região, e com o “desenrascanso” a que sempre me habituou o meu amigo dos tempos da Guiné, levou-me a conhecer um “condomínio fechado” da região de Santo Estêvão. Se era “fechado” mas estava “aberto” podíamos entrar… E entrámos!
Explicou-me o meu amigo que Santo Estêvão, que fica apenas a 50 quilómetros de Lisboa, tem vindo a registar um grande desenvolvimento, o que tem a ver com o loteamento de diversas herdades existentes na zona. O local é lindíssimo razão suficiente para ter sido escolhido por figuras públicas, nomeadamente ligadas ao mundo do futebol. Cristiano Ronaldo é um dos que tem uma vivenda em construção na região.

Passámos por um Campo de Golf – o Santo Estêvão Golf – que viemos depois a saber que tem um lago enorme (14 hectares) implantado num espaço de lazer de cerca de 450 hectares.
Este empreendimento está inserido numa parte da Herdade de Monte dos Condes, chamada Aroeira.

Quando passávamos por estes lados comecei a avistar ao longe um edifício em ruínas com um “traço” muito especial. Pedi ao meu amigo para parar e fui tirar umas fotografias. Nunca tinha visto nada parecido com “aquilo”!




Andámos mais uma centenas de metros e perguntámos a um agricultor que ruínas eram aquelas.

- Ah, isso é do tempo dos Reis. É muito antigo!

Fomos à Junta de Freguesia. Mostrámos as fotografias da nossa máquina digital e a atenciosa funcionária não sabia o que era. Fomos à Câmara de Benavente e aqui sim disseram-nos alguma coisa. O que tanto nos tinha surpreendido era um “ovil”.

- E o que era um ovil?

Era um estábulo para ovelhas. No caso - o da Herdade da Aroeira de Manuel Luís Anastácio - teria tido cerca de 2000 ovelhas. As ovelhas eram guardadas dia e noite por 4 ou 5 “ganhões”…

Para saber mais sobre o assunto teria que encontrar o livro “Santo Estêvão de Benavente – Passado, presente e futuro…”

Não foi fácil mas… como somos teimosos… demos com o livro e (e uns bons 15 dias depois…) fizemos a sua aquisição à Junta de Freguesia de Santo Estêvão(1) ,com a ajuda dos serviços competentes da Câmara Municipal de Benavente.

Mas voltando ao ovil da Herdade da Aroeira…
Afinal não era dos tempos dos Reis…

…No início dos anos 40 o dono da herdade, Manuel Luís Anastácio, mandou construir de raiz, um ovil, com capacidade para abrigar 1000 a 2000 ovelhas. Respeitou a arquitectura regional tendo em conta a defesa do ambiente. Era um projecto preparado ecologicamente, à frente no seu tempo, para permitir uma ventilação natural permanente do estábulo e ainda a recolha, por gravidade, dos dejectos líquidos do gado. Estes seriam aproveitados posteriormente, para enriquecimento dos terrenos circundantes.(2)

Parece que existe a vontade de fazer obras de recuperação deste extraordinário conjunto, o que entretanto nos foi confirmado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Santo Estêvão. Esperemos que sim… antes que o tempo dê cabo do que resta…

A tarde chegava ao fim… O ovil da Aroeira tinha tido o mérito de nos ter feito esquecer, por algum tempo, problemas da vida…
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Foi nesse dia de contrastes um “tempo” de quietude…

Mas pode ser que a paz ainda chegue para os lados do meu “amigo da guerra”… Vamos esperar que sim…

Se isso acontecer teremos que voltar ao ovil da Aroeira para beber um “copo”. À reveria da paz, em honra da vida.

Nessa parte… esta nossa “estória” fica pendente… A aguardar melhores dias…
Que, em nome do passado, Santo Estêvão nos ajude… no presente e no futuro!

(1) Já agora vale a pena referir que Santo Estêvão é uma freguesia do concelho de Benavente, com 62,42 km² de área e 1 381 habitantes (2001), com uma densidade de 22,1 habitantes/km².

(2) “(pg.278 do livro “Santo Estêvão de Benavente – Passado, presente e futuro…, da autoria de Maria Conceição Quintas e Vera Dimas.”

JERO
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau

quarta-feira, 3 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 28 de Fevereiro de 2010:

Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, nasceu em Alcobaça a 08/08/1978 na maternidade de sua casa na Av. Maria e Oliveira, n.º 23/ 1.º, dada a incompatibilidade que sua tinha mãe com a medicina e com os hospitais. Tem portanto 31 anos.

Quando cresceu foi um excelente estudante. Passou pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria e pela Universidade de Economia de Trento-Itália, licenciando-se em Gestão de Empresas, actividade que passou e exercer desde os 24 anos. Depois de diversas experiências de consultoria de gestão por conta de outros… criou a sua própria empresa.

Da actividade de consultoria de gestão surgiu o convite para fazer a reestruturação administrativa e organizacional da Caritas Guiné-Bissau. E é de lá que nos escreve:

- Fui nomeado pelo Bispo de Bafatá, a 03 de Outubro 2009, data em que cá cheguei, como Coordenador Geral de Projectos da Instituição para o território da Guiné-Bissau o que é uma grande responsabilidade uma vez que esta é uma instituição que assegura a maioria dos serviços de acção social no país, estando sob a sua tutela a maioria das instituições de saúde e de apoio à nutrição cá existentes.

Segue-se o primeiro testemunho deste jovem alcobacense com muitas saudades da sua terra mas, nitidamente, já apaixonado pela Guiné.

Vamos ver o que dizem os tertulianos da nossa Tabanca Grande.

Eu, que sou suspeito, gostei muito. E já lhe pedi mais escritos e fotos.

Sem esquecer os velhotes… há que dar lugar aos novos.
JERO


O HOMEM DA RAÍZ NO BOLSO
Emanuel Fernando G. Pereira

Cheguei à Guiné-Bissau a 10 de Outubro do ano passado, com a missão clara de fazer a reestruturação administrativa e organizacional da CARITAS.


Os elevados índices de pobreza fazem com que esta instituição seja um parceiro privilegiado de organizações como as Nações Unidas e a União Europeia, daí que o rigor organizativo terá de ser um dos elementos distintivos da sua acção.
Face a isto, revesti-me de toda a coragem, sentido profissional e pragmatismo para estar à altura do desafio. Pensei que a minha acção seria um contributo importante para a organização institucional do país, uma vez que do meu trabalho, eventualmente, surgiriam activos organizativos aplicáveis a outras instituições.
Cedo percebi que só seria bem sucedido por aqui, se temperasse a frieza inicial que me servia de protecção, por um profundo sentido humano que, na realidade, justificava a decisão que tomei. Deste exercício humano e pessoal, resultou um despertar para uma outra forma de ver o homem no mundo e na vida.


Como há despertares que nos agitam e nos mobilizam os passos, certo dia, rendido, tentei-me na direcção da urbe profunda. Deixei-me levar pelo movimento colectivo de uma cidade que pulsa fervente num caos de trânsito, que pula por estradas outrora asfaltadas, num movimento incessante de gente que tudo oferece, num nevoeiro místico de pó e gasóleo.
Entrei no Bandim, um dos mais emblemáticos mercados tradicionais de Bissau. Atraído ao seu interior, senti o estômago vacilar, mas logo o espanto se encarregou de o encorajar, até se instalar o encanto pelo que se deparava aos meus olhos.
Era incrível! Tudo se vendia. Cores, aromas, soluções e bens… Numa simplicidade alquímica de quem do nada tudo tira e tem.
Recomendo-me ao saber ancestral de um vendedor velho e causticado, que sentado no chão, cheio de poeira e mau trato, me recorda a velha inimizade entre a descendência de Eva e a da serpente, que abunda pelas terras da Guiné. Estendendo para mim a sua mão fechada, convida-me a tomar nas minhas um objecto, segundo ele, sacro.
Descubro na palma da minha mão uma raiz. Uma pequena raiz branca, polida e com um cheiro forte e intenso. Segundo o velho vendedor, aquele objecto seria como que o meu anjo da guarda por aquelas paragens, não havendo assim víbora que me atacasse ou corrompesse.
Desde então descobri na Guiné rostos duros de pedra, mas capazes dos mais belos sorrisos que alguma vez vi. Percebi que também aqui a vida vale a pena, pelo tal sorriso que se faz com pouco mais de nada.
Descobri, por aqui, saudações duplicadas a cada manhã e que são mote para mãos dadas e apertadas num gesto longo e prolongado, num gesto de alguém que, efectivamente, está e deseja estar unido ao outro.


Descobri paisagens…Uauuuuu! De cortar a respiração. Justificando, também, a passividade autóctone ante a monumental espectacularidade com que o criador dotou o horizonte, tirando qualquer réstia de coragem a quem o possa querer conquistar em vez de o contemplar.


Descobri que em tudo na vida o sentido místico da missão tem de imperar. Porém, sou um profissional da economia, dos números e das organizações humanas…Pragmático inveterado, mas confesso que diante de tamanha ciência no saber estar de um povo, rendo-me aos seus conselhos e guardo no meu bolso a raiz que me defende do veneno da víbora e me lembra que aqui o homem é sábio e está mais à frente.

Bissau, 05 de Fevereiro de 2010; 18:32 (Hora local)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5860: O 6º aniversário do nosso Blogue (7): Sempre em frente (José Eduardo Reis de Oliveira – JERO -, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675)

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5785: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (3): O PREC na Baía

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5785: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (3): O PREC na Baía

1. Texo de José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviado ao Blogue em mensagem de 4 de Fevereiro de 2010:


O PREC na Baía

Estava casado há cerca de 5 anos e passava as férias do mês de Agosto em São Martinho do Porto em pleno zona “aristocrática”.
Não por “casta” mas tão só e simplesmente por a minha mulher ter sido criada na vila e ter andado na escola primária com a banheira que alugava as barracas no sítio mais chique do “baía das marquesas”.



A minha barraca era na oitava fila a contar da entrada principal da praia e a primeira da fila dos “paus encarnados”.
Percebia nitidamente que os vizinhos estranhavam que eu tivesse “direito” a estar por ali e aturei muitas faltas de educação dos meninos chamados “ricos” mas “pobres”... no que respeita a educaço. É dos livros que... não se pode ter tudo.

Nas barracas vizinhas da minha discutiam-se longamente as “mãos” dos jogos de bridge da noite anterior.
Eram famílias da zonas do Ribatejo e do Alentejo.
Além do bridge começou-se a falar insistentemente nas ocupações das herdades do Alentejo e algumas famílias começaram a faltar aos banhos.

Regressavam dias depois e falavam em voz alta das ocupações selvagens das suas “coisas”.
Os tempos eram de incerteza e lembra-me da importância que tinha a chegada dos jornais à vila.

O “Jornal Novo”, fundado por Artur Portela Filho, era disputado até ao último exemplar.
A sua leitura transmitia alguma paz aos que sentiam a “onda vermelha” não parava de crescer. Que subia na maré alta... e não descia na maré baixa...
Escreviam no “Jornal Novo” nomes consagrados do jornalismo português, como José Sasportes, Mário Bettencourt Resendes, Luís Paixão Martins, Carlos Pinto Coelho, António Mega Ferreira, Teresa de Sousa, Alexandre Pais, e outros.
Era de facto o momento mais esperado do dia de praia.

Mais que tomar banho nas águas tépidas de São Martinho do Porto havia que “mergulhar” nas páginas do jornal de Artur Portela Filho.

Foi um longo mês de Agosto.

Lembro-me particularmente da noite do dia 18 de Agosto de 1975.
Nessa noite foi transmitido para todo o País o “Discurso de Almada”, de Vasco Gonçalves.
Ouvi uma parte em casa e, antes do seu final, saí para a rua.
Vim arejar ideias... mas os gritos do “Camarada Vasco” continuavam no ar... a perseguir-me.

Passei por alguns carros com pessoas lá dentro que ouviam pela rádio o “discurso de Almada”. Tinham um ar assustado.
A trinta cinco anos de distância não esqueço jamais o silêncio daquela noite de 18 de Agosto de 1975.
Quase que não se via ninguém nas ruas e o silêncio opressivo que se “ouvia” tinha um cheiro que não vinha do mar.
Vinha da terra e cheirava a medo...

Quem me havia de dizer que muitos anos mais tarde iria blogar sobre o PREC da Baía.

Enfim…modernices!
JERO
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(*) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5746: Convívios (178): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro 2 (José Eduardo Oliveira/JERO)

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5054: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (2): Ponte para o regresso

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5054: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (2): Ponte para o regresso

1. Mensagem de José Eduardo Oliveira (JERO) (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), dirigida ao nosso Editor Luís Graça, com data de 30 de Setembro de 2009:

Ganda Luís
Agradavelmente surpreendido pela tua postagem 4943 acerca da Blogoterapia (126) e dos considerandos acerca do periquito de Alcobaça, que se assina JERO.
Fico-te grato pela atenção e, acerca da tua feliz expressão do "Blogando e andando..." tenho que te confessar um pesadelo desta noite... Que, não vais acreditar, mas que eu vou arriscar...

Sou do Benfica desde pecanino e tenho-me habituado ultimamente a ver os jogos dados pela TV com a companhia de um tal "James Martin's", de 20 anos.
Durante o Belenenses-Benfica - o tal de ontem à noite - festejei cada golo com um golinho do 20 years old...

Acabou o jogo e quando ia a rolhar o "James Martin'" pareceu-me ouvir uma voz cavernosa dizer:

- JERO não me voltes a fechar na garrafa onde estou há 20 anos. Agora, que já bebeste tudo, concede-me a liberdade que... eu te concederei um desejo.

Fiquei sem palavras. O que hei-de pedir ao génio da garrafa!?Pensei, pensei e lembrei-me de um trauma dos anos 90!

- Génio posso xingar o Homem Cardoso que uma vez me disse que uma fotografia não deve levar nenhuma legenda!?.

- Podes. Escreve ao Luís Graça, da Lourinhã, que ele põe isso no blogue e toda a malta da tropa te irá razão.

Fui-me deitar às escuras. Esqueci-me de tomar o Xanax 0,5 e dormi que nem uma pedra.

Acordei esquisito. A garrafa da noite anterior estava na bancada da cozinha desarolhada. Comecei a arrumar ideias e procurei por toda a casa o génio. Não o encontrei mas... a janela da cozinha, que dá para as traseiras estava aberta.

Vim para o computador e escrevi-te. Está feito. Agora é contigo.
Já bloguei.
Agora vou andando.
JERO


PONTE PARA O REGRESSO

Contrariando a opinião do Mestre Homem Cardoso (1) que defende que “uma fotografia não tem que ter título”, esta minha fotografia precisa de um título que tentarei defender nas considerações que se seguem.
A fotografia em questão foi tirada em finais de 1964 no Rio Cacheu-Guiné, numa povoação à beira rio chamada Binta. A viagem não tinha sido de recreio e o “Alexandre da Silva”, que tinha navegado de Bissau até aquele local - mais ou menos a oitenta quilómetros acima da foz do Cacheu - levava tropas e não turistas. O navio era de carga e tinham sido precisas cerca de 17 horas de navegação para acostar ao pontão da fotografia, pomposamente apelidado de cais. O nome de cais tinha no entanto alguma lógica pois as tábuas estavam tão desconjuntadas que cair no cais era mais do que certo e seguro para quem não estivesse a pau com as tábuas. Mas… adiante.


Dá para perceber na fotografia que o rio era bastante largo frente a Binta, povoação com alguns grandes armazéns com telhados de zinco. Para lá desta zona urbana havia ainda 4 ou 5 habitações de pedra e cal de madeireiros e um perímetro delimitado por arame farpado apelidado de quartel, com uma forma mais menos rectangular.
Vivemos neste local - cerca de 170 militares da Companhia de Caçadores 675 - durante dois anos. Dois longos anos!... Vezes sem conta nos sentámos nas tábuas deste pontão, habitualmente frequentado por pescadores indígenas, que remendavam as suas redes, enquanto fumavam cachimbo e mascavam cola. (2)
Vezes sem conta olhávamos para lá do pontão sonhando com o regresso, curtindo saudades, relendo cartas dos familiares e das namoradas, chorando lágrimas furtivas, lambendo feridas do corpo e da alma, quando regressávamos das patrulhas das matas do Norte da Guiné.
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1- António Homem Cardoso, nascido em São Pedro do Sul em 11 de Janeiro de 1945, é um dos mais prestigiados e premiados fotógrafos portugueses, sendo ainda escritor com numerosas publicadas. Conheci-o profissionalmente na SPAL- Sociedade de Porcelanas de Alcobaça, SA., numa reunião de trabalho e foi então ,por volta dos anos 90, que tivemos a tal conversa sobre as fotografias terem ou não tem necessidade de legenda. Cabe aqui dizer que fui responsável pela área comercial da SPAL(mercado nacional) cerca de 30 anos.

2- Para os não iniciados nos costumes africanos esclarecemos que esta cola não é das que se usa para colar selos nem para snifar. Estas colas crescem na África tropical, onde estão representadas por uma dúzia de espécies. As sementes da árvore que se parece com os castanheiros, são conhecidas pelo nome de noz de cola e têm um poder excitante superior ao do café e do chá (Dicionário da Lello Universal, Volume I).

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Vezes sem conta pareceu-me ver, esfumadas no horizonte, as Torres do meu Mosteiro, do Mosteiro de Alcobaça.
Deste pontão descobrimos amanheceres cinzentos, carregados de neblina que anunciavam um novo dia a descontar na conta-corrente dos dois anos de comissão.
E ao fim da tarde - quando nos conseguíamos abstrair da guerra desse dia ou da que estava marcada para o dia seguinte – descobríamos o fim do dia avermelhado, o pôr do Sol da África, misterioso, quente, sufocante, agressivo, mas com um cheiro único, envolvente, pesado que nos esmagava os sentidos, entranhando-se na pele e na memória do olfacto.


Havia dias em que este pontão fervilhava de agitação no desembarque de géneros de pequenos barcos a motor que subiam o rio até Farim, onde se situava a sede do Batalhão 490, cerca de 20 quilómetros mais acima. Devido à guerra, o rio era uma via mais segura para as populações se deslocarem e as LDM (lanchas de desembarque do tipo daquelas que se celebrizaram no desembarque da Normandia) partiam apinhadas de mandingas e fulas da região, que em cada viagem transportavam quase todos os seus haveres – galinhas, cabritos, máquinas de costura, bicicletas e crianças, muitas crianças.

De vez quando chegava um navio patrulha o que animava o nosso dia a dia, pois a guerra da Marinha sempre foi melhor do que a dos caçadores - leia-se guerra do ar condicionado, da cerveja fresca para os praças e de alguma garrafa de whisky para as patentes mais elevadas. Há que referir que a chegada da Marinha também resultava para nós, caçadores, numa sessão de cinema com energia fornecida pelos geradores do navio.

Deste pontão arriscava-se de vez em quando uma viagem em piroga para apanhar uns peixes para melhorar o rancho ou, para alguns mais aventureiros, dar um tirinho nalgum crocodilo sonolento que estivesse a apanhar sol nas margens. Para trazer uma pele para uma mala ou para uns sapatos para a namorada, tinha de se levar para essas caçadas furtivas uma “Mauser” porque as balas da ”G3” não furavam a pele dos crocodilos. Quando havia crocodilo para esfolar havia também chatice com os habitantes de Binta que eram protegidos pela tropa mas que não davam baldas no que respeita aos crocodilos do seu rio. Queres levar a pele (a do crocodilo e a própria) para Lisboa pagas...

A vida nocturna do povoação era animadíssima como se calcula e quando não havia guerra para o dia seguinte, vinha-se apanhar o fresco junto ao pontão. Das variedades constava habitualmente tentar descortinar na noite os olhos de alguns crocodilos que vinham até junto da margem comer restos de comida deitados para o rio pelos cozinheiros da Companhia.

Numa noite em que o patrão estava fora – leia-se Comandante da Companhia - quatro malucos pediram emprestado ao cabo-quarteleiro um cartucho de dinamite de 100 gramas e com os restos de um cabrito prepararam uma armadilha mortal junto à margem, encostada como não podia deixar de ser a um dos suportes do pontão. A primeira vítima foi um cão, que lhe cheirou a cabrito e quando deu por si estava a sobrevoar a fronteira com o Senegal, que ficava a cerca de 25 quilómetros. O estoiro foi tão grande que o resto da tropa saiu dos seus quartos para repelir o ataque dos turras.

Muitos tiros depois conseguiu-se alguma calma para o grupo dos quatro explicar à rapaziada que estava em curso uma caça ao crocodilo. Perante a grandeza do estoiro anterior, reduziram a dose para 50 gramas de dinamite, com mais uma dose de cabrito fornecida por uma mandinga, a quem se prometeu a pele do dito crocodilo antes propriamente de... a ter. O risco mais elevado do negócio continuava a ser... para o mandinga e para o crocodilo...

Desta vez o crocodilo vem ao engodo, a dinamite rebentou, o pontão voou, o quartel ia caindo, mas o crocodilo... não ficou por ali! Recuperada a surdez dos caçadores e respectivos mirones alguém se lembrou de que os crocodilos não são parvos de todo e que o bicho deve ter feito detonar a dinamite quando puxou os restos cabrito para comer em local sossegado – o fundo do rio. Conclusão triste – o crocodilo deve ter apanhado um grande cagaço, talvez tivesse ficado surdo ou mesmo gago, mas a pele continuou agarrada ao seu corpo... Lixou-se o mandinga, o cão e o Estado Português, com menos 150 gramas de dinamite nos seus paióis. E o pontão é bem de ver, que teve de ser reparado em horas extraordinárias antes do regresso do Capitão Tomé Pinto, que não era para brincadeiras...

Como estão a perceber pela amostra este pontão do Cacheu dava para escrever um livro, sendo certo que ele ficou para sempre guardado nas nossas memórias
Porque foi ao longo do tempo a nossa... PONTE PARA O REGRESSO.

Ali chegámos em meados de 1964... meninos, de vinte e poucos anos, putos e dali partimos... homens de traços vincados e... almas marcadas pela dureza da guerra. Vimos este pontão pela última vez em Maio de 1966.

O simbolismo da sua imagem, desta fotografia com alma está pendurada na sala de estar da minha casa, em Alcobaça.
A maioria das pessoas que me visita quase não dá por ela.
Para mim, no capital do meu património de recordações, ela diz muito.
Para mim e cento e setenta irmãos esta fotografia do pontão do Cacheu representa a magia de uma época.

Sem palavras... recorda-me os afectos, a minha juventude, a minha generosidade, o meu gosto pela fotografia... e a minha nostalgia pelas Torres do meu Mosteiro.

Vezes sem conta pareceu-me ver, esfumadas no horizonte, as Torres do meu Mosteiro, do Mosteiro de Alcobaça


Continuo a tirar umas fotografias.

Mas... o que me apetece dizer para terminar... é que cada vez me custa mais passar um dia sem ver as Torres do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.

A incurável nostalgia dos anos sessenta... quando nos aproximamos dos setenta!!!

José Eduardo Reis de Oliveira
(Setembro de 2009)

Nota: Tratamento de imagem da responsabilidade do meu amigo Marco Correia, a quem expresso o meu agradecimento pela sua competência e... paciência.
JERO

Estas imagens foram posteriormente editadas pelo Editor do Blogue para efeitos de publicação
CV

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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5048: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (16): Leões na Guiné em 1966!

Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4943: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (1): O gasóleo do Amílcar e a emboscada de Sare Dicó