Mostrar mensagens com a etiqueta Bricama. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Bricama. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...


Cabeçalho do jornal "O Democrata", Guiné-Bissau, edição de 13 de novembro de 2014




Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Farim, Nema e Morocunda, bairros de Farim, e Bricama.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1.  Reproduzimos, agora em texto,  excertos  da História da Unidade - BART 733 (Farim,  1964/66), págs. 116/118, relativos ao massacre da noite do dia 1 de novembro de 1965, em Morocunda, à evacuação imediata dos feridos graves, por um Dakota (que aterrou em Farim em plena noite, à luz de archotes e de faróis de viaturas automóveis,  facto então inédito no CTIG), bem como à subsequente detenção e interrogatório pela PIDE e pelos militares de mais de 60 indivíduos da população local, suspeitos de envolvimento no atentado, representando o grosso da "elite económica" de Farim, na época: nada menos do que 8 comerciantes,  4 industriais,  4 escriturários da administração local,   3 enfermeiros, 2 gerentes,  2 empregados comerciais e 2 empregados dos CTT, entre outros (*)

(...) Período de 1 a 30 de novembro [de 1965}:

Secções da CART 731 [mais]  secções da CCS do BART 733] transportaram feridos e mortos devido ao rebentamento de um engenho explosivo lançado por elementos subversivos durante um batuque, que se realizava no bairro da Morocunda [, no original, Morucunda,] pelas 21h30

O rebentamento do engenho causou a morte de 27 indivíduos, 70 feridos graves e vários feridos ligeiros, todos civis.

As NT sofreram um ferido grave que assistia ao evento, o qual foi evacuado com os civis mais graves num Dakota no dia [ seguinte,] 2 [ de novembro,] pelas 1h30 para Bissau e 3 feridos ligeiros, sendo dois da CART 731 e um da CCS.

Em virtude deste atentado, foram logo detidos pelas NT 12 indivíduos considerados suspeitos.

(…) O atentado no bairro de Morocunda [, no original, Murucunda,] em Farim, de características inéditas na Província, foi puro acto de terrorismo visando a população civil a fim de suster o regresso da população refugiada no Senegal e fazendo debandar a já existente, ferindo a economia da Província e tornando difícil a vida às NT nas quais se espelharia um estado de confusão que, convenientemente explorado, espalharia o ódio e a desconfiança entre a população que permanecesse em Farim e as NT.

A pequena percentagem de baixas sofridas pelas NT reside no facto de, [na véspera,] no dia 31 de outubro [ de 1965,] se ter realizado a “Operação Canhão” e a maioria do pessoal já estar recolhido na hora do atentado.

Das primeiras averiguações efectuadas pode concluir-se o seguinte: foram lançadas duas granadas de mão, acopladas com duas cargas explosivas, constituindo um único bloco ao qual tinha[m] sido adicionado[s] pregos e lâminas.

O engenho foi fabricado com o fim de ser lançado num batuque ou ajuntamento festivo por um nativo que prestava serviço na Companhia de Milícias [nº 5] [, o soldado Issufe Mané], e que se prontificou a fazer tal trabalho a troco de 14.000$00 [,o equivalente hoje a 5.485,20 €, ou tratando-se de escudos da Guiné, 4936,68 €, dado a diferença cambial real de 10% entre o escudo da metrópole e o "peso" local].

O planeamento para o lançamento do engenho teve lugar na primeira quinzena de setembro [de 1965], quando esteve em Farim, vindo de Conacri, um emissário do Partido, transmitindo então ao Júlio Lopes Pereira, gerente da sucursal da Casa Ultramarina em Farim, instruções para o seu lançamento.

Duas granadas vieram de Conacri, na segunda quinzena de outubro [de 1965], com destino a Bricama, e trouxe-as Paulo Cabral, preso a 28 de outubro na sua canoa com um carregamento de coconote. O mesmo Paulo Cabral deveria trazer, mais tarde, outras duas, para continuar a série de atentados.

O autor da manufatura e composição do engenho foi [o] Júlio Lopes Pereira, chefe na zona, que, juntamente com Jorge João Campos Duarte, dirigia e concentrava as atividades do PAIGC, re que se encontrava diretamente dependente do diretório do PAIGC em Conacri, donde recebia instruções e para onde enviava os seus relatórios.

Foram apreendidos pela PIDE 18500$00, destinados ao PAIGC, donde sairiam os 14000$00 para o autor do lançamento que não [os] chegou a receber porque após o incidente [sic] foram as prisões dos indivíduos suspeitos.

Há muito que o Comando do Batalhão vinha insistindo superiormente para a substituição, a casa Ultramarina, do autor moral do crime, Júlio Lopes Pereira, em virtude de factos ocorridos e relatados que o tornavam fortemente suspeito. Os factos presentes vieram confirmar que a opinão , várias vezes expressa pelo Comando, a respeito do indivíduo referido, não era produto de facciosismo ou animosidade injustificada para com este.

No dia 2(…), um 1 Gr Comb da CART 731 patrulhou a vila de Farim. Na manhã deste dia encontravam-se já detidos 60 indivíduos [, no aquartelamento de Nema] , na sua maioria já de há muito referenciados como colaboradores do IN. Na prisão dos referidos indivíduos colaborou com as NT o agente da PIDE [, de apelido Prosídio (?), e que não era "bafa meigo", segundo o nosso camarada António Bastos, do Pelotão de Caçadores 953, que o conheceu, e que estava em Farim nessa noite, em trânsito para Canjambari], numa atuação rápida e eficiente digna de registo. 

De salientar o facto de a maioria dos presos serem civilizados (sic: leia-se, gente de origem europeia e cabo-verdiana), servindo-se das suas atividades normais para propagar a subversão do meio da população nativa (sic). (...)


2. Nas páginas 117/118, vem a lista dos indivíduos detidos, por nome e profissão… Não era "normal" as histórias de unidade, no CTIG, trazerem listas nominais de civis, "suspeitos de atividades subversivas" (**)...

Do total dos 64 detidos, listados, apuramos o seguinte, por  profissão e género: 

(i) A grande maioria eram homens (91%), mas havia 6 mulheres, 4 domésticas, 1 costureira, e uma Maria da Conceição dos Reis Cabral (, pelo apelido, seria eventualmente esposa de Paulo Cabral, já preso dias antes, em 28 e outubro de 1965);

(ii) a maioria dos detidos eram lavradores (14), comerciantes (8), industriais (4), escriturários da administração de Farim (4) enfermeiros (3), gerentes (2), empregados comerciais (2), empregados dos CTT (2), gente "civilizada" (sic), uma boa parte talvez de origem metropolitana ou cabo-verdiano, como o José Maria Jonet, com exceção dos "lavradores", que tinham nomes "nativos"… [os gerentes eram de duas das casas comerciais mais importantes do território: a Casa Ultramarina, o Júlio  Lopes Pereira, e a Casa Gouveia, o Henrique Morais Silva Lopes Ribeiro];

(iii) mas também havia nativos, maioritariamente de etnia mandinga, a avaliar pelos nomes: além dos lavradores (14), foram detidos gilas (4), furadores (2), sapateiros (2) e carpinteiros (2);

(iv) e ainda outros, de diversas profissões: além do soldado milícia (, de seu nome Issufe Mané, acusado de ser o autor material do atentado), um tingidor de panos, um auxiliar de mecânico, um ajudante de motorista, um pintor, um bailarino, um pescador, e ainda um cidadão estrangeiro, senegalês, ou residente em território do Senegal, de nome Iussufe Sané.

Tudo indica que, para estes civis, o dia seguinte, 2 de novembro de 1965 também terá sido de pesadelo. A vida económica de Farim deve trer ficado seriamente afetada por uns tempos. E, muito provavelmente, as  vidas destes homens e mulheres não terão sido  mais as mesmas. Conseguimos apurar alguns elementos informativos sobre alguns destes detidos... Alguns seriam nacionalistas, simpatizantes ou até militantes, de 2ª ou 3ª linha,  do PAIGC. Mas a maioria terá sido a "apanhada a jeito e a eito"... Qual terá sido o seu destino ? Há rumores de que alguns terão sido torturados até à morte ou simplesmente executados pela tropa ou pela PIDE:

(i) José Maria Jonet,  comerciante: 

Nascido em São João Baptista, Ilha Brava, Cabo Verde, em 26 de dezembro de 1906: falecido em outubro de 1966, em Bissau, com 59 anos de idade [, repare-se: menos de um ano depois da sua prisão, em Farim]: era casado com Georgina do Livramento Quejas, deste 1937. 

Fonte: página de Barros Brito, "Genealogia dos cabo-verdianos com ligações de parentesco a Jorge e Garda Brito, a seus familiares e às famílias dos seus descendentes"

(ii) Dionísio Dias Monteiro, comerciante:

(...) "Amílcar Cabral nos dizia que devíamos trabalhar como uma pirâmide. Isto é, o núcleo principal e de contactos permanentes seria pequeno, mas cada um devia ter a sua "Célula". Eu, por exemplo, tendo como Célula a Zona Velha da Cidade de Bissau (pois morava nessa zona), nunca tive contacto com Rafael Barbosa. Só mais tarde vim a saber dele, como sendo um dos principais activistas políticos desde anos 40 e um dos mentores da criação do Partido.

Para além das Células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva" (...)

Fonte: Depoimento de Elisée Turpin, cofundador do PAIG.

  
(iii) Pedro Tertuliano Ramos Salomão, comerciante: encontrámos um nome igual, a única informação disponível é de que terá morrido na Amadora, por volta de 2009; em 2014, constava, em aviso da CM da Amadora, o seu nome, indo-se proceder à exumação dos seus mortais, uma vez ultrapassado o prazo legal da inumação. Fonte: CM da Amadora

(iv) Júlio Lopes Pereira, gerente da Casa Ultramarina, sucursal de Farim, considerado o "autor moral" do atentado, e que terá morrido em novembro de 1965, às mãos da PIDE de Farim:

(...) "Desaparece uma jornalista em Angola, desde Junho de 2012, chamada Milocas Pereira e até hoje, ninguém sabe do seu paradeiro. Tudo indica que o seu desaparecimento esteja estritamente ligada a questões políticas e ligações entre o governo de Angola e governo então deposto na Guiné-Bissau. Desde o seu desaparecimento existiu, um silêncio total por parte das duas entidades, e nunca nenhum deles se pronunciou sobre o desaparecimento desta figura, docente numa Universidade em Luanda, analista de assuntos políticos e filha de um activo militante da luta contra o regime colonial português, morto em Farim nas celas da DGS/PIDE em Novembro de 1965. Os dados sobre a morte de Júlio Lopes Pereira, seu combate e desaparecimento, constam dos arquivos da Torre do Tombo em Portugal" (...). 

Fonte: blogue de Paté Cabral Djob, "Conosaba do Porto" > 22 de maio de 2014 > Celina Tavares: "Onde está adra. Milocas Pereira?"]

3. Este será um dos mais tristes e negros episódios da história da guerra do ultramar, da guerra colonial, ou da "guerra de libertação" , como se queira (conforme o  "lado da barricada"). Não nos honra como seres humanos, não honra ninguém que tenha estado envolvido nos acontecimentos. Passados mais de 50 anos, ainda é um acontecimento que ninguém quer lembrar. Raramente é referido pelas "cronologias" da guerra, e pelos historiógrafos, de um lado e do outro. Do lado do PAIGC, há um estranho silêncio sobre esse episódio. Do lado do exército português, também há pudor em evocá-lo. O horror ficou, indelevelmente marcado na memória das vítimas, na altura crianças, que lhe sobreviveram. "Mártires do terrorismo": há um monumento e um largo, hoje em Farim, que nos deixam apagar a memória...

Cite-se, por exemplo, o testemunho do sobrevivente e vítima do "ataque terrorista" (sic), Carlos Malam Sani [ou Sané ?], recolhido ainda há três anos atrás pelo jornal de Bissau, 'O Democrata':

(..:) "Um dos momentos marcantes da referida sessão foi quando o velho Carlos Malam Sani, um dos sobreviventes e vítima “do ataque terrorista” de Morkunda de 1 de Novembro de 1965, na altura com doze anos de idade, com uma voz trémula e emocionado, começou a narrar para os estudantes [da Universidade Lusófona de Bissau], na primeira pessoa, como tudo acontecera há 51 anos durante uma manifestação cultural da etnia mandinga “festa de Djambadon”, que decorria no coração de Farim, provocando mais de trinta mortos e vários feridos 
graves. (...). 

Fonte: O Democrata, Guiné-Bissau > Sene Camará > 2/5/2016 > Universidade Lusófona da Guiné resgata história de Farim.

Algo misterioso (mas abrindo pistas para outras leituras do que se  terá passado nessa trágica noite de 1 de novembro de 1965, em Farim), é o comentário, em crioulo, o único de resto até agora,  deixado por um tal  Romaru, em 16/11/2014 às 00:05, na caixa de comentários à supracitada reportagem de Filomeno Sambú, em 'O Democrata', de 13/11/2014: 

(...) lamento, e foi bom para relembrar d mumentos d trestes, ataque saiu d farim bedju a 3 a 4 klrs de morucunda para kem conhese farim sabe aonde fika farim bedju, ataki foi grande inganu, i ponto final cabu aqui ponto final. storia verdadeira; homem sorou quando splicou me mais sorou mesmo foi unico e grande ero que ele cometeu e nunca vai squeser, diz o homem com plavra dele que ele sorou mais e criancas e irmaos civils que tva n este tarde d disgaca" (...)

Este "Romaru" [, pseudónimo de alguém que, cinquenta anos depois (!) ainda não quis dar a  cara...] insinua que o autor material do crime (, o soldado milícia da Companhia de Milícia nº 5, um tal Issufe Mané, a crer na versão das autoridades militares, o comando do BART 733), terá agido por engano, ou ter-se-á precipitado, que o alvo não era a população civil mas os militares portugueses, de acordo com as instruções do(s) mandante(s) do crime: "o homem chorou quando me explicou, mas chorou mesmo, foi o único e grande erro que ele cometeu, e que nunca vai esquecer, disse o  homem com palavras dele, o que ele chorou mais foram as crianças e os irmãos civis que estavam lá nessa tarde [noite] de desgraça"...

Estranha-se, em todo o caso, que este antigo milícia (, que terá "confessado tudo" à PIDE e aos militares) tenha "sobrevivido aos acontecimentos", admitindo-se que o clima em Farim,  de dor, revolta e luto, nessa altura, fosse mais propício ao linchamento do que à justiça...

Enfim, não podemos também ignorar o comentário (, ao poste P 20130),  do nosso camarada Manuel Luís Lomba, contemporâneo dos acontecimentos (ex-fur mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66).

(...) "Na altura encontrava-me em Nova Lamego em 'consulta externa' e na messe dizia-se que os dois fornilhos foram mandados lançar por dois comerciantes brancos, que a tropa os liquidou e até se dizia o nome dum sargento do QP que rachou um deles com o machado da sua loja. "
____________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de setembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20135: Controvérsias (134): os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, em 1 de novembro de 1965: a memória das vítimas e o risco de falsificação da história... Excertos de reportagem do jornal "O Democrata", Bissau, 13/11/2014

(**) Vd. também postes de:

7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16695: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (20): Mais um caso "atípico" ? A deserção do soldado escriturário nº mec 2055276, Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari e Dugal, 1971/73), em 17/8/1972, e cujo rasto se perdeu desde então...


 Guiné > Região do Oio > Farim > Canjambari >  CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari", Canjambari e Dugal, 1971/73)  > Memoprial (foto do álbum do ex.-fur mil Manuel Lima Santos, nosso grã-tabanqueiro)

Foto: © Mamuel Lima Santos (2013). Todos ops direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue ;Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 Guiné > Região do Oio > Farim > Carta de Farim (1/25 mil) (1954) > Posição relativa de Farim, Bricama e Canjambari.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)

1. Mensagens do nosso leitor (e camarada) 
Guião da CCAÇ 3478.
Cortesia do nosso camarada
  Carlos Silva
Jaime Vieira, açoriano, que vive nos EUA (*), com data de 2 de julho de 2012, com a seguinte informação, que resumimos:

(i)  "sou emigrante nos Estados Unidos da América já há 38 anos";

(ii) "vim para Casement,  em 16 dezembro de 1973";

(iii) "fui soldado na CCAÇ 3476, estive em Canjambari, sector de Farim, nos anos de 1971 e 72 e depois estive no Chugué, antes de Mansoa";

(iv) "a minha companhia era dos Açores";

(v) "como a metade da companhia era de voluntários com menos de 20 anos de idade, 
deram-nos o nome de Bebés de Canjambari"; 
éramos uma companhia muito jovem ou a mais jovem de todas";

(vi) "o meu capitão era chinês de Macau, muito conhecido hoje pela televisão, o nome dele era Jorge Rangel":

 Eis a razão principal por que nos escreveu o Jaime Vieira:

"Tenho uma curiosidade: no ano de 1972 desapareceu um soldado que era escriturário, com o nome de Carlos. penso que era de Trás os Montes. Sempre penso nele, era meu amigo, e sempre me preocupei em saber o que lhe aconteceu. (...)  

Fomos para Canjambari em 1971. O Carlos chegou mais tarde . Um pouco tinha sido cabo e foi despromovido,  mas antes de chegar à nossa companhia. Ele era um pouco contra o regime e tinha problemas com o capitão,  como eu também tinha. Ele desapareceu em Canjambari no ano de 1972 e nunca vi muito interesse por parte das autoridades em saber de ele. Por este motivo fiquei sempre preocupado e com ansiedade para saber o que aconteceu."


2. O que nós apurámos, na altura, foi o seguinte, com a preciosa ajuda do nosso grã-tabanqueiro Carlos Silva [x-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71; e um histórico da cooperação e da ajuda humanitária à Guiné-Bissau];

(i) o nome completo do militar em causa era Carlos Alberto Sousa Emídio;

(ii) tinha o posto de soldado escriturário:

(iii) desapareceu no dia 17 de agosto de 1972 e foi dado, mais tarde como desertor, de acordo com a história da unidade;

(iv) não conseguimos, em 2012, saber do seu paradeiro.


Caso de deserção do soldado escriturário nº 2055276 Carlos Alberto Sousa Emídio

17-08-1972 – Ao fim da tarde deste dia ausentou-se ilegitimamente o Sold Escriturário Carlos Alberto Sousa Emídio, constituindo-se mais tarde em desertor. Fora colocado nesta Companhia por motivo disciplinar, vindo da Sucursal do Laboratório Militar de Bissau.

18-08-1972 – Por todo este dia foram efectuadas buscas, e pelas 17h00 foram encontradas pegadas do Soldado ausente que seguiam na direcção da área da Bricama. 

O mesmo já fora desertor na Metrópole e o seu desaparecimento seria premeditado, em virtude de problemas de ordem pessoal e militares ainda pendentes, motivados pela sua deserção anterior.

Fonte: HU - História da Unidade, Cap II, pág 19 [Elementos fornecidos por Carlos Silva]


 4. Ficha da unidade:

(i) A CCAÇ  3476 foi mobilizada no Batalhão Independente de Infantaria nº 18, em Ponta Delgada; 

(ii) tnha como divisa “Os Bebés de Camjabari”;

(iii) embarque em 25 de setembro de 1971; chegada a Bissau no dia 30 desse mês;

(iv) cmtd: cap mil inf  Jorge Alberto da Conceição Hagedorn Rangel, substituído em data não referida pelo alf mil inf  António Augusto Pires e Castro;

(v) realizou no CMI – Centro Militar de Instrução, no Cumeré, a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no período de 2 a 30 de outubro de 1971:

(vi) é colocada em Canjambari, sector de Farim, a 2 de novembro de 1971 para, em sobreposição com a CCAÇ  nº 2681, efectuar o treino operacional, assumindo a responsabilidade do subsector de Canjabari, em 28 de novembro de 1971, integrando o sector à responsabilidade do BART 3844;

(vii) a missão prioritária desta esta subunidade era proceder pressão sobre a linha de infiltração de Sitató; 

(viii) substituída pela CCAÇ 4143/72 a 14 de novembro de 1972, segue para Dugal a 16, para sobrepor e render a CART 3332, assumindo a responsabilidade do subsector, com destacamentos em Fatim, Chugué e Fanhe, e para missões de segurança de instalações e populações da área, integrada no dispositivo do Comando Operacional nº 8;

(ix) é  transferida para o COMBIS (Comando de Bissau) em 30 de setembro de 1973), sendo rendida em Dugal pela 2ª C/BCAÇ  nº 4610/72 e, em 3 de outubro de 1973 rende, em Bissau, a  CCAV 3420;

(x) dois meses depois, a 6 de dezembro é rendida no COMBIS pela CCAÇ  3565 e embarca de regresso em 13 desse mês.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11689: Op Cacau, em 4/6/1967, em que morreu o cap inf José Jerónimo da Silva Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585, na região de Bricama (Farim), no dia em que fazia 25 anos


Guiné > região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil > Detalhes: Região de Bricama, onde o cap inf J.J. Silva Cravidão encontrou a morte, em combate, em 4/6/1967.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

1.  Reproduzido, com a devida vénia, do sítio do Carlos Silva, nosso querido amigo e camarada [, Guerra na Guiné 63/74]


Operação Cacau, 4/6/1967
por Carlos Silva

Tinha por finalidade actuar de forma profunda e em acções simultâneas na região de Bricama, Ponta Sinói e Maninhã. [Toda esta zona fica a Sul de Farim, na margem esquerda do Rio e encostada ao rio Canjambari].

As forças constituíram-se da seguinte forma:

Destacamento A – 2 Gr Comb da CCaç 1585, reforçada com o 1 secção Comp  Mil 5
Destacamento B – 1 Gr Comb CCaç.1585 reforçada com o Gr Comds Os Roncos. [O grupo foi comandado pelo Alf Falcão, em virtude do Alf Ribeiro se encontrar de férias na Metrópole ]
Destacamento C – CCaç 1565 (-)

O Dest A e o Dest B, embarcaram neste dia pelas 0 horas em Lanchas de Desembarque Médio (LDM) no cais de Farim, sendo colocados no ponto, Farim 3 B7 72, primeiro o Dest B que se internara na mata montando a segurança ao desembarque do resto das forças.

Feito o desembarque, a força iniciou a progressão em direcção à antiga tabanca da Bricama, sendo desde logo detectados trilhos utilizados pelo IN. Atingida a Bricama, as forças continuaram a progressão para Sul atingindo o objectivo sem ser detectadas, tendo o Dest A lançado o assalto, provocando ao IN 3 mortos confirmados e outros prováveis.

O IN reagiu com PMet,  LGFog e Mort 60. Foram destruídos meios de vida e capturados documentos e material diverso.

De seguida foi lançado o assalto ao segundo objectivo situado em Farim 6 B5 62, [ Ponta Sinói ],  tendo também aqui o IN reagido com PMet,  LGFog. e Mort 60, causando a morte do Cap Cravidão [, foto à esquerda,], Comandante da CCaç 1585 e dois feridos ligeiros.

Pedida a evacuação ao PCV, o Dest A, regressou ao ponto de embarque. O Dest B continuou a sua progressão em direcção Tencó. Contudo foi atingida a antiga tabanca de Farandito, situada mais a Sul, em virtude do guia confundir Tencó com Talicó, atitude que se tornou suspeita, o que levou à orientação pela bússola por parte do Comandnate do Dest B.

Em Farandito foram notados bastantes indícios de vida, mas não foram vistas moranças. Foi avistado 1 elemento IN que foi feito prisioneiro.

As NT continuaram a progressão em direcção a Talicó sem encontrar moranças, avistando numerosos rebanhos de ovelhas e manadas de vacas.

Daqui regressaram não seguiram para o outro objectivo em Maninhã, tabanca situada mais a Norte [“chão” dos meus amigos mandingas Dabó Dafé e Alaco “ Rosalina”],  ao longo do rio Canjambari para o ponto de embarque e antes de atingir Tencó, foram avistados 4 elementos IN que tentaram cambar o rio, sendo abatidos.

Em Tencó foi detectado um acampamento com cerca de 10 moranças, sendo destruído e capturado documentos de interesse.

Continuando a progressão em direcção à Ponta Sinói foram avistados 2 elementos IN que foram abatidos. Na bolanha de Ponta Sinói as NT sofreram uma emboscada, sem consequências, por um Gr. IN de cerca de 6 a 8 elementos armados com PMet.

Até à Ponta Furtado as NT sofreram mais duas emboscadas, sem consequências, tendo sido causado ao IN feridos prováveis. As NT atingiram o ponto de embarque onde foram recolhidas no mesmo dia 4 às 13 horas.

Nesta operação, foram provocadas as seguintes baixas ao IN:

9 mortos
1 prisioneiro
Vários feridos confirmados

Foi capturado ainda o seguinte material:

5 longas
10 cartuchos 7,9
Medicamentos
Documentos Material diverso

Foi morto em combate o Cap Inf  José Jerónimo da Silva Cravidão. A sua morte teve reflexos desfavoráveis na moral de todo o pessoal da sua companhia, pelo qual era muito estimado e respeitado. As cerimónias fúnebres,  realizadas no dia 5-06-1967,  em Farim,  constituíram sentida manifestação de pesar. O Cap Cravidão era natural de Arraiolos e ficou sepultado no cemitério de Elvas. (*)

Ficaram feridos:

1º cabo 76962/66 Manuel da Silva Santos
Sold nº 21952/66 António Monteiro Boavista

Distinguiu-se nesta acção o 1º cabo 90273/66 Manuel Genrinho dos Santos,  da CCaç 1585, pelo desembaraço revelado.

Fonte: História da CCaç 1585, pp. 64-65.



Cemitério de Elvas: Lápide funerária de José Jerónim da Silva Cravidão  (4-6-1942 / 4-6-1967). Cortesia do portal  Linhas de Elvas
______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 10 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11688: In Memoriam (152): Cap inf José Jerónimo Manuel Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585 (Nema e Farim, 1966/68), morto em combate há 46 anos, em 4 de junho de 1967; natural de Arraiolos, os seus restos mortais repousam em Elvas; nunca foi condecorado (Claudina Cravidão / Jaime B. Marques da Silva)