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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19062: Memória dos lugares (381): Bigene, na fronteira com o Senegal... Foi lá que fomos render a CART 3329, em outubro de 1972, antes de ir parar ao Cantanhez (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar, Nhacra, 1972/74)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > Junto aos brasões das Companhias que por lá tinham passado



Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 >
O descanso do “guerreiro” junto ao posto de rádio

Foto nº 3 > Guiné > Regão de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > Com um amigo de ocasião


Foto nº 4 > Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 4540 > c. out / dez 1972 > De vez em quando dava para tomar banho.


Fotos(e legendas): © Eduardo Campos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Excerto de um texto de memórias do Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio-telegráfico, CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério", Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar. Nhacra, 1972/74) (*)


No dia 28 agosto 1972, teve início no Regimento de Infantaria 15 (RI 15), em Tomar, a concentração do pessoal que constituiria a Companhia de Caçadores 4540 ["Somos Um Caso Sério", 1972-1974]. Na sua grande maioria, os militares eram oriundos do Norte do País, sendo de realçar a presença de alguns que vieram de França, para cumprirem o Serviço Militar.

Foi-nos concedido o gozo de uma licença de 2 semanas, após a qual o pessoal da Companhia se foi apresentando novamente no RI 15, tendo-se procedido à cerimónia de Benção e Entrega do Guião à Companhia no dia 15 de setembro de 1972, seguido de um desfile das tropas, na parada do Regimento.

Às 2h00 do dia 19 desse mesmo mês, a Companhia embarcou em autocarros, em Tomar, dirigindo-se para o aeroporto de Lisboa, onde o pessoal transitou para um avião dos TAM (cerca das 09h00), após o que levantamos voo rumo aos céus da África Ocidental.

Após quatro horas de voo bastante confortável, durante as quais imperou a boa disposição, já que a quase totalidade do pessoal realizava a sua primeira viagem aérea, aterramos no Aeroporto de Bissalanca. Procedeu-se então ao desembarque, perante um calor tórrido e sufocante, próprio das regiões tropicais.

Terminadas as formalidades habituais destas rotinas, procedeu-se ao transporte dos militares e respectivas bagagens, numa coluna de viaturas com destino ao Cumeré onde ficamos instalados. No dia 22 de setembro de 1972, de manhã, fomos chamados para uma formatura geral, a que se seguiu o desfile da Companhia recém-chegada, perante o Brigadeiro Alberto Silva Banazol [, comandante do CTIG, ] que proferiu algumas palavras de boas-vindas. Nesse mesmo dia segui para Bissau, com destino ao Regimento de Transmissões, onde estive cerca de 15 dias a fazer o chamado IAO.

Terminado o IAO, houve lugar a nova formatura geral no dia 17 de outubro de 1972, desta vez frente ao General António Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Força Armadas do CTIG. No dia seguinte, a 18 a Companhia partiu do Cumeré com destino ao porto de Bissau, onde se procedeu ao nosso embarque na LDG Bombarda, rumando à "terra prometida”, Bigene, junto à fronteira com o Senegal.

E assim, lá fomos rio acima (Cacheu), desembarcando numa localidade chamada Ganturé, onde nos esperavam os camaradas da CART 3329, que iríamos substituir. Era notável a alegria com que nos receberam, tendo-nos em seguida transportado para Bigene (cerca de 6 ou 7 km), onde deparamos com vários dísticos e cartazes alusivos à chegada da nova Companhia de periquitos, espalhados pelas paredes e pela rua principal, cheios de humor e ironia......

Bigene era bastante povoada, com gentes de várias etnias, predominando os Fulas e os Balantas, havendo ainda bastantes Mandingas. A população europeia, além dos militares e do administrador de Posto, era praticamente inexistente, havendo apenas 1 português que era proprietário de uma casa comercial. Havia mais 3 casas comerciais, propriedades de 3 libaneses.

No posto sanitário de Bigene acontecia algo que eu considerava surpreendente, que era receber e tratar populares do Senegal, que atravessavam a fronteira para receberem tratamento médico. Ao mesmo tempo, esta gente aproveitava para comercializar os seus produtos no mercado local.

No dia seguinte, começou o treino operacional em conjunto com a CART 3329, cuja finalidade era adaptar e capacitar o pessoal em situações operacionais semelhantes às que iria encontrar nas suas futuras actividades dentro do sector atribuído à Companhia. É de salientar que, ainda no período de treino operacional a 23 de outubro de 1972, se ter verificado o 1º contacto de fogo com o IN, mesmo junto ao marco fronteiriço que separava a Guiné e o Senegal.

Só me apercebi que a palavra guerra fazia aqui todo o sentido, quando saí pela primeira vez para o mato e assisti à implantação de um campo de minas, e algumas armadilhas, na zona Samoge-Sambuía [dv. mapa, abaixo].O primeiro baptismo de fogo aconteceu a 24 de outubro de 1972, próximo de Nenecó, sem consequências. O PAIGC pelas informações que tínhamos, não tinha estruturas dentro do subsector de Bigene, nem se encontrava implantado no mesmo.

Partiam de bases situadas no Senegal, principalmente em Kumbamori, crê-se que utilizando as variantes do corredor de Sambuiá, para “cambar” o rio Cacheu, transportando material e mantimentos até ás margens do rio Cacheu, que procuravam atravessar em canoas e botes de borracha, para o interior do território, sendo, por vezes, surpreendidos pelos fuzileiros que se encontravam em Ganturé.

Terminado o período de sobreposição com a CART 3329, foi transferida por esta Companhia, para a nossa, toda a responsabilidade administrativa e operacional. No dia 15 de novembro de 1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene.

Foi com muita emoção que os vimos partir, após um convívio comum de quase um mês, passado naquela localidade. Passou, desde então, a nossa Companhia a dar cumprimento às missões que lhe foram atribuídas, executando as directivas do COP 3.

Uma semana depois recebemos a noticia que iríamos ser transferidos para Sul, sendo substituídos pela CCAÇ 3 e, de novo, lá fomos na LDG Bombarda...

Estávamos no dia 9 de dezembro de 1972, rio Cacheu abaixo... Destino: Cadique, Cantanhez, região de Tombali... (***)



Planta topográfica de Bigene (parte superior) > Escala aproximada 1:5000. A norte, fronteira do Senegal (Nenecó, Sindina); a nordeste, corredor de Samoge-Sambuiá); a leste da pista de aviação, Binta; a oeste,  Barro (a 13 km); a sudeste, Ganturé (e rio Cacheu) (a 6/7 km). Havia 3 obuses 14 (140 mm) e 4 ou 5 morteiros 81 (mm). (***)

Legendas:

6 - Estação dos Correios
7 - Chefe de posto
8 - 3º Gr Comb
9 - Espaldão da metralhadora Breda
10 - 1º Gr Comb
11 - Espaldão da metralhadora Breda
12 - Capela [, ao lado esquerdo, o campo de futebol]
13 - Enfermaria civil
14 - Quartos de sargentos
15 - Secretaria
16 - Arrecadação da Casa Gouveia
17 - Casa Gouveia
17A - Quarto do major e capitão do COP3
18 - Casa Issufo (?) [nome ilegível; provável aportuguesamento de Youssouf]
19 - Arrecadação de material de guerra
20 - 2º Gr Comb
21 - Escola missionária
22 - COP 3
23 - Casa Rei (?) Mané [, nome ilegível]
24 - Casa Hilário
25 - Padaria
26 - Casa Assad
27 - Quartos de oficiais
28 - Depósito de géneros, enfermaria e cozinha.




Planta topográfica de Bigene (parte inferior) > Escala aproximada 1:5000

Legendas:

1 - Central elétrica
2 - Vacaria
3 - 4º Gr Comb
4 - Arrecadação
5 - Oficinas
29 - Escola civil
30 - Mercado civil



Mapa topográfico de Bigene > Escala 1:5000.  S/d. Cópia do documento original, cortesia do nosso camarada Eduardo Campos. O original será da autoria do major Vinhas, do COP 3, na altura sob o comando do ten cor cav Correia de Campos.
_______________




domingo, 30 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19058 (Ex)citações (344): os canhões... de Bigene!... No tempo da CART 3329 (1970-1972) e depois no meu tempo, de outubro a dezembro de 1972, havia 3 obuses 14 (140 mm) e 5 morteiros 81 (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)

1. Mensgem de Eduardo Campos, Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio.telegráfico,  CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério", Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar. Nhacra, 1072/74)


Date: sexta, 28/09/2018 à(s) 17:49

Subject: Os canhões... de Bigene!


Boa tarde Luís:

Respondendo ao teu pedido sobre os "canhões de...Bigene" (*),,,

Depois de vários contactos com camaradas da Cart 3329 ], a quem fomos substituir, em 18/10/1972,] e o responsável do Pelotão de Artilharia à época,   constatei o seguinte.

(i) A Cart 3329 durante a sua permanência em Bigene teve 16 ataques ao aquartelamento, um dos quais provocou destruição de algumas infrasturas militares e feridos (ligeiros) entre  civis e militares.

(ii) Nesse ataque foi danificado e ficou inoperacional um obus 14 durante cerca de 30 dias;

(iii) Nada há mais a registar sobre o assunto, no período de 1970 a 12 de Dezembro de 1972, data em que saí de Bigene com destino a Cadique, noCantanhez;

(iv) Entretanto nas buscas efectuadas ao meu arquivo, poderei informar que existiam três Obuses 14  [140 mm} e 5 Morteiros 81 (em anexo, envio mapa, muito rudimentar).(**)


Mais alguma dúvida, como sempre fico ao teu dispor.

Um abraço. 

Eduardo Campos



Planta topográfica de Bigene. Cortesia de Eduardo Campos


 2. Também o A. Marques Lopes acrescentou o seguinte, com data de 27 do corrente:

Caro Luís

Sobre 1972 e 1973 não posso dizer nada. Não estava lá, a minha guerra já era outra. Mas o que posso dizer é que nunca ouvi falar desses canhões quando estive em Barro, de Maio de 1968 a princípios de 1969, mesmo quando me deslocava até Bigene para participar nas operações do COP3, até nas conversas que tinha com o Major Correia de Campos. E não creio que houvesse lá disso, pelo menos naquele tempo, pois quando Barro era atacado era natural que dessem uma ajuda dado que fica a pouco mais de 15 kms de Bigene e, segundo os especialistas que escreveram no blogue, as suas “bujardas” chegariam lá.

Abraço
Marques Lopes

________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19046: (D)o outro lado do combate (36): Bigene, agosto de 1972, «Operação Silenciosa"... (Jorge Araújo)

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19046: (D)o outro lado do combate (36): Bigene, agosto de 1972, «Operação Silenciosa"... (Jorge Araújo)


Bigene, a oeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

BIGENE, AGO'1972: «OPERAÇÃO SILENCIOSA»: A NEUTRALIZAÇÃO DA ARTILHARIA PESADA COLONIAL  [AO TEMPO DA CART 3329]


MEMÓRIAS DO BRIGADEIRO-GENERAL DAS FARP ALBERTINHO ANTÓNIO CUMA (EX-COMBATENTE)


Entrevista publicada em «O Defensor», órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição n.º 22, dezembro de 2015, p.10.- "Grupo de guerrilheiros neutraliza artilharia colonial"

(Parte I)

1. INTRODUÇÃO

Já aqui foi referida a existência da revista «O Defensor», órgão de Informação Geral do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, por iniciativa do camarada José Teixeira, 1.º cabo aux enf da CCAÇ 2381 (1968/70), ao partilhar/divulgar a entrevista dada em 2001 por Arafam Mané (1945-2004), aquele que historicamente é referido como tendo sido o principal líder do ataque ao quartel de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, data que marcou o início do conflito armado no CTIGuiné [P16794].


Com a presente narrativa, a segunda elaborada tendo por base a mesma revista, a n.º 22, de Dezembro de 2015, seleccionámos uma outra entrevista dada por outro combatente – Albertinho António Cuma [hoje, Brigadeiro-General das FARP] – que em Agosto de 1972 chefiou o grupo de bazucas que assaltou o quartel de Bigene com o objectivo de neutralizar as peças de artilharia aí existentes: dois canhões de 130 mm, cuja missão foi designada por «Operação Silenciosa».

Pela sua importância histórica, pelo interesse colectivo que certamente despertará em cada um de nós, em particular do contingente das NT que naquela data passou por aquela experiência, tomámos a iniciativa de a divulgar, com a devida vénia.

Ainda que não tenhamos registos oficiais em relação à unidade que aí estava instalada naquela data (ou período), acreditamos tratar-se da CART 3329, uma Companhia Independente mobilizada pelo Regimento de Artilharia Ligeira n.º 3, de Évora.

De acordo com a investigação realizada, e embora esta unidade não tenha qualquer membro registado na nossa «Tabanca» ou aqui divulgadas quaisquer acções da sua actividade operacional (1970/72), conseguimos apurar que a sua comissão decorreu entre 19 de Dezembro de 1970 (chegada a Bissau) e regresso a Lisboa em Dezembro de 1972.

Para além destes elementos cronológicos, localizámos mais dois fragmentos históricos retirados do vasto espólio do blogue da «Tabanca», a saber:

● P2416 – A CART 3329 rendeu em 3 de Março de 1971 a CCAÇ 2527 (1969/71) no subsector de Bigene (A. Marques Lopes, ex-Alf Mil, 1968/69).

● P5534 – A CCAÇ 4540 (1972/74), após ter terminado o período de sobreposição com a CART 3329, assumiu toda a responsabilidade administrativa e operacional desse subsector. No dia 15 de Novembro de 1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene (Eduardo Campos, ex-1.º cabo trms, 1972/74).

Por outro lado, seria interessante que a esta história pudessem adicionar-se outros depoimentos elaborados por quem tivesse vivido este acontecimento.

Aguardemos!


2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS - FRENTE NORTE

"Para desencravar a Zona Norte – criar um corredor livre e seguro entre Farim e Barro – com vista a facilitar a movimentação da guerrilha e a população que apoiava a luta, o PAIGC tomou a decisão de assaltar o quartel colonial de Bigene, principal obstáculo ao avanço da luta armada naquela área, que tinha duas peças de canhões de 130 mm cujos disparos causavam perdas humanas e danos materiais e morais entre os combatentes da área e dificultavam as movimentações tanto no Norte como no sentido Leste – Norte.

O aumento no seio dos combatentes, de novos quadros militares formados nos países amigos, e a formação de novos Corpos do Exército Regular nas fileiras da guerrilha [CE 199-X-70] revolucionou a sua capacidade táctica e combativa. Assim, estavam criadas as premissas de mudar a forma de luta para derrotar o inimigo [NT] e expulsá-lo dos territórios ocupados. Intensificaram-se as operações contra os quartéis e contra as colunas militares coloniais que faziam a ligação entre eles, desse modo, viam as suas manobras cada vez mais limitadas.

Graças a essa evolução, positiva, a Direcção Superior do Partido decidiu, sob as orientações do Secretário-Geral, Amílcar Lopes Cabral [1924-1973], criar entre Farim e Barro, além da fronteira com o Senegal, corredores livres para facilitar as movimentações dos guerrilheiros ao longo daquele espaço norte".

[Oito meses após a «Operação Silenciosa», que serviu de ensaio para uma nova forma de agir no terreno, o PAIGC inicia em Abril de 1973 uma nova estratégia, levando à prática o isolamento de Guidaje (um pouco mais a norte de Bigene) que culminou com a «Batalha de Kumbamory». Concluído este confronto bélico de grande envergadura, facto gravado para sempre na História da Guiné como «Operação Ametista Real», realizada em 19 de Maio de 1973, as NT contabilizaram uma das maiores capturas e destruições de material da Guerra de África].


3.  O CASO DA «OPERAÇÃO SILENCIOSA» EM AGOSTO'1972

Considerando a importância histórica da «Operação Silenciosa», o Brigadeiro-General Albertinho António Cuma, Chefe de Divisão da Educação Cívica, Assuntos Sociais e Relações Públicas do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, que esteve presente no teatro das operações [imagem ao lado, à data com a patente de Coronel], dá conta dos principais factos da sua missão.

[É de referir, neste contexto, que a primeira parte da entrevista é assinada pelo Major Ussumane Conaté, director do jornal «O Defensor», órgão das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, publicada na Edição n.º 22, de dezembro de 2015, p. 10 (primeira versão em http://www.farp.gw/?p22 ).

Existe uma outra versão, disponível no sítio das FARP, marcador "notícias",  http://www.farp.gw/?news09, com data de 25.07.2017).  Quanto à existência de uma segunda ou mais partes da entrevista, ainda não nos foi possível localizá-la (s)].


3.1 - ENTEVISTA [PARTE 1] COM 3 QUESTÕES:


i - A Direcção Superior do Partido tomou a decisão de assaltar o quartel colonial de Bigene e neutralizar os canhões de 130 mm que não davam tréguas aos guerrilheiros da zona. Com que forças contava o Partido para o sucesso da operação?


BGAC – Tudo tornou-se possível a partir do momento em que se mudou a estratégia e o sistema de combate com a chegada, às fileiras da guerrilha, de novos quadros militares formados nos países amigos do PAIGC. Nesta óptica, um grupo de guerrilheiros da Frente Norte recebeu instruções do Partido para neutralizar, por completo, o quartel colonial de Bigene, nomeadamente, as duas peças de artilharia terrestre (canhões de 130 mm) que impediam as movimentações dos combatentes.

É bom sublinhar que a tabanca de Bigene, que se encontra situada a cerca de 16 quilómetros da fronteira com o Senegal, tinha um quartel fortificado equipado com dois canhões de 130 milímetros, que não davam tréguas. Deste modo, a Direcção Superior do Partido tomou a iniciativa de destacar um grupo de guerrilheiros corajosos, bem treinados, equipados, que tinha como missão fundamental assaltar, em plena luz do dia, o quartel de Bigene e destruir os dois canhões.

A perigosa e complexa missão dirigida pelo valente Comandante Joaquim Mantam Biagué foi cumprida com êxito, no período indicado por Amílcar Cabral. Para realizar com êxito a missão, os guerrilheiros aproveitaram o momento em que o grosso da força colonial saiu para uma patrulha na estrada que liga Bigene – Barro. Conseguiram penetrar no interior do quartel colonial, destruir as duas peças de artilharia pesada bem como o arsenal, incluindo as munições, incendiar o depósito de combustível e dar à população a oportunidade de saquear algumas lojas.

O assalto que ocorreu na época das chuvas, no mês de Agosto de 1972 [?], surpreendeu toda a força colonial que não conseguiu disparar nem um tiro. Não houve perdas humanas nem material do lado dos guerrilheiros.

O reduzido número de tropas coloniais que na altura se encontrava no quartel não teve outra solução senão abandonar o local para se salvar.

ii - Como foi preparada a "Operação Silenciosa"?

BGAC – A operação foi preparada e planeada a partir de Conacri pelos dirigentes do Partido e depois comunicada ao comando da Frente Norte em Sambuia [Osvaldo Vieira; 1938-1974] o qual enviou, mais tarde, um lote de fardamento (camuflado português), incluindo armas, lança roquetes, AKM novas, cintilas cubanas e mantimentos para os homens alinhados para a missão. Na Frente Norte foram destacados um total de 25 guerrilheiros, sendo 19 da base de Ermon Kono e 6 da base de Cumbanghor [Kumbamori].

Depois da distribuição dos equipamentos, os guerrilheiros receberam durante três dias, as instruções sobre a realização da missão incumbida pelos órgãos superiores do Partido. [Quando terminou o período de instrução, os 25 guerrilheiros, bem equipados, deixaram Ermon Kono de carro para o acampamento de Fayar e depois para Cumbanghor [Kumbamori] onde permaneceram durante 5 (cinco) dias antes de passarem para o local a partir do qual devia ser lançada a operação.

Como base central, para a realização da operação, foram escolhidos os acampamentos de Sindina e Pabedjal. Tínhamos como guias os camaradas Ansu Bercko, Comandante de um dos acampamentos da área, Issufo Bodjam e Adjal Manga. Os acampamentos de Sindina e de Pabedjal estavam situados entre 9 e 12 quilómetros da tabanca de Bigene.


Citação: (s.d.), "Mapa da zona Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40225 (2018-9-2)

Mapa (croqui) com as localidades de Barro, Bigene e Farim (Guiné) e Ziguinchor, Samine e Sidju (Senegal) no arquivo de Amílcar Cabral (Pasta: 07063.036.001)

O nosso destacamento [acampamento] estava instalado nessa área vigiando as movimentações das tropas coloniais e procurando buracos (oportunidade) para realizar em plena luz do dia, o assalto relâmpago contra o quartel e destruir as duas peças de canhões 130. Para se ocupar das nossas refeições diárias, o Comando da missão atribuiu-nos dois rapazes. Tínhamos igualmente connosco alguns bolos tradicionais preparados à base de farinha de milho preto pelas mulheres da aldeia de Samanancunda Kolda [Senegal].

iii - Qual era o objectivo da vossa presença nesse local?

BGAC – Era permanecer e estudar as possibilidades de chegar a Bigene, entrar na tabanca e dar um golpe duro ao quartel. Tínhamos como Comandante da missão, Joaquim Mantam Biagué. No grupo estavam eu, enquanto chefe do grupo de atiradores de bazooka, e os camaradas Gabriel Iabna Kundock, Alupa Manga e Adjal Manga.

Fazíamos pequenas incursões secretas até perto dos lugares onde a população cultivava a mancarra, um espaço livre que nos permitia ver o quartel e depois voltar ao nosso esconderijo. Os apoios da população ajudavam de facto na observação dos movimentos dos tugas e segui-los atentamente. O que sempre nos interessava, não obstante os riscos, era procurar uma posição favorável para realizar o assalto planeado contra o quartel, o que devia acontecer somente no momento em que chovia porque era o único período propício que se podia aproveitar para avançar até ao quartel atravessando os vastos campos lavrados, sem ser vistos ou sem que ninguém desse conta.

Era a altura em que os lavradores ficavam mais ocupados nas suas actividades e as tropas coloniais também iam à patrulha. Era o momento favorável para avançarmos sem despertar a atenção da população porque nós vestíamos uniformes camuflados do tipo usado pelas tropas coloniais. Tudo o que fazíamos eram instruções dadas pelo Secretário-Geral do Partido, camarada Amílcar Cabral.

O grupo ficou no mato nos arredores de Bigene vigiando as movimentações das tropas portuguesas e, também, aguardando a queda oportuna da chuva para poder atravessar os grandes espaços de mancarra antes de penetrar no quartel.

Por esta razão, fomos obrigados a permanecer nos arredores de Bigene durante uma semana fazendo constantes vaivém entre o acampamento e as proximidades do quartel. Todos os dias deixávamos o acampamento de manhã e voltávamos à noite. Era preciso ter paciência, persistência e espírito de patriotismo.


A principal rua de Bigene – foto de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), in https://aventar.eu/2011/01/07/guerra-da-guine-pequenas-memorias-3/ (com a devida vénia).


3.2 - As acções militares do mês de Agosto de 1972 divulgadas em comunicado do PAIGC assinado por Amílcar Cabral.

Considerando que o entrevistado omitiu na sua narrativa a data completa da acção, procurámos encontrar resposta a esta interrogação nos arquivos de Amílcar Cabral existentes na Casa Comum – Fundação Mário Soares, tendo encontrado o comunicado em título, escrito em francês, do qual faremos referência abaixo.


Tradução do comunicado escrito em francês, da nossa responsabilidade (,só os três primeiros parágrafos colocados no interior da caixa).

"Durante o mês de Agosto [1972], os nossos combatentes realizaram 77 acções importantes, das quais 51 ataques contra os campos fortificados portugueses, 19 emboscadas e outros encontros [contactos]. Foram atacadas as cidades de Catió (no sul do país, no dia 18) e Bafatá (no centro-leste, no dia 24).

No período de 1 a 10 de Agosto efectuámos 20 ataques contra as posições fortificadas inimigas, acções realizadas em memória dos mártires do massacre de Pidjiguiti (3 de Agosto de 1959).

Foram também realizados ataques a guarnições [aquartelamentos] importantes particularmente: Enxeia, Ingoré, Mansabá, Bigene, Olossato, S. Domingos e Cuntima (no Norte do País), Kebo (duas vezes), Cabedu, Guileje, Bedanda, Empada e Fulacunda (no Sul); Bambadinca (duas vezes), Xitole, Pirada e no porto fluvial do Xime (a Leste)"

 [neste último caso, foi uma flagelação ao quartel do Xime. em 03.08.1972, 5.ª feira, às 05h18, durante 20 minutos, e com RPG… eu estava lá…].



25 de Setembro de 1972, [ou seja, há quarenta e seis anos].

Amílcar Cabral, Secretário-Geral



Citação: (1972), "Comunicado do PAIGC sobre as acções militares do mês de Agosto", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42413 (2018-9-2)

Para que esta história fique completa, para memória futura, falta a versão dos camaradas da CART 3329 (1970/72). Ficamos a aguardar esse importante contributo histórico.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
14SET2018
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de julho de  2018 >  Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5534: Histórias do Eduardo Campos (1): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 1): Do Cacheu ao Cantanhez


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos em 22 de Dezembro, a primeira da sua série de histórias que nos prometeu ir enviando nos próximas dias.

Camaradas,

Depois de ler com muita assiduidade as histórias que diariamente são publicadas no Blogue e tendo eu também algo para contar, sob a minha passagem pela Guiné, chegou a hora de compartilhar convosco algum do material guardado no “disco duro” da minha memória:


CCAÇ 4540 – 1972/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO

PARTE 1

No dia 28 Agosto 1972, teve início no Regimento de Infantaria 15 (RI 15), em Tomar, a concentração do pessoal que constituiria a Companhia de Caçadores 4540. Na sua grande maioria, os militares eram oriundos do Norte do País, sendo de realçar a presença de alguns que vieram de França, para cumprirem o Serviço Militar.

Foi-nos concedido o gozo de uma licença de 2 semanas, após a qual o pessoal da Companhia, se foi apresentando novamente no RI 15, tendo-se procedido á Cerimónia de Bênção e Entrega do Guião à Companhia no dia 15SET1972, seguido de um desfile das tropas, na parada do Regimento.

Às 02h00 do dia 19 desse mesmo mês, a Companhia embarcou em autocarros, em Tomar, dirigindo-se para o aeroporto de Lisboa, onde o pessoal transitou para um avião dos TAM (cerca das 09h00), após o que levantamos voo rumo aos céus da África Ocidental.

Após quatro horas de voo bastante confortável, durante as quais imperou a boa disposição, já que a quase totalidade do pessoal realizava a sua primeira viagem aérea, aterramos no Aeroporto de Bissalanca. Procedeu-se então ao desembarque, perante um calor tórrido e sufocante,  próprio das regiões equatoriais.

Terminadas as formalidades habituais destas rotinas, procedeu-se ao transporte dos militares e respectivas bagagens, numa coluna de viaturas com destino ao Cumeré onde ficamos instalados. No dia 22SET1972, de manhã, fomos chamados para uma formatura geral, a que se seguiu o desfile da Companhia recém-chegada, perante o Brigadeiro Silva Banazol que proferiu algumas palavras de boas-vindas. Nesse mesmo dia segui para Bissau, com destino ao Regimento de Transmissões, onde estive cerca de 15 dias a fazer o chamado IAO.

Terminado o IAO, houve lugar a nova formatura geral no dia 17OUT1972, desta vez frente ao General António Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Força Armadas do CTIG. A 18OUT1972, a Companhia partiu do Cumeré com destino ao porto de Bissau, onde se procedeu ao nosso embarque na LDG BOMBARDA, rumando á terra “prometida”, Bigene. 

E assim, lá fomos rio acima (Cacheu) desembarcando numa localidade chamada Ganturé, onde nos esperavam os camaradas da CART 3329, que iríamos substituir. Era notável a alegria com que nos receberam, tendo-nos em seguida transportado para Bigene (cerca de 6 ou 7 km), onde deparamos com vários dísticos e cartazes alusivos à chegada da nova Companhia de periquitos, espalhados pelas paredes e pela rua principal, cheios de humor e ironia.


Foto 1 – Bigene: Junto aos brasões das Companhias que por lá tinham passado





Foto 2 – Bigene: O descanso do “guerreiro” junto ao posto de rádio



Foto 3 – Bigene: Com um amigo de ocasião



Foto 4 – Bigene: De vez em quando dava para tomar banho



Bigene era bastante povoada, com gentes de várias etnias,  predominando os Fulas e os Balantas, havendo ainda bastantes Mandingas. A população europeia, além dos militares e do administrador de Posto, era praticamente inexistente, havendo apenas 1 português que era proprietário de uma casa comercial. Haviam mais 3 casas comerciais, propriedades de 3 libaneses.


No posto sanitário de Bigene acontecia algo que eu considerava surpreendente, que era receber e tratar populares do Senegal, que atravessavam a fronteira para receberem tratamento médico. Ao mesmo tempo, esta gente aproveitava para comercializar os seus produtos no mercado local.

No dia seguinte, começou o treino operacional em conjunto com a CART 3329, cuja finalidade era adaptar e capacitar o pessoal em situações operacionais semelhantes às que iria encontrar nas suas futuras actividades dentro do sector atribuído à Companhia. É de salientar que ainda no período de treino operacional a 23OUT1972, se ter verificado o 1º contacto de fogo com o IN, mesmo junto ao marco fronteiriço que separava a Guiné/Senegal.

Só me apercebi que a palavra guerra fazia aqui todo o sentido, quando saí pela primeira vez para o mato e assisti à implantação de um campo de minas, e algumas armadilhas, na zona Samoge-Sambuía.O primeiro baptismo de fogo aconteceu a 24OUT1972, próximo de Nenecó, sem consequências. O PAIGC pelas informações que tínhamos, não tinha estruturas dentro do subsector de Bigene, nem se encontrava implantado no mesmo.

Partiam de bases situadas no Senegal, principalmente em Kumbamori, crê-se que utilizando as variantes do corredor de Sambuiá, para “cambar” o rio Cacheu, transportando material e mantimentos até ás margens do rio Cacheu, que procuravam atravessar em canoas e botes de borracha, para o interior do território, sendo, por vezes, surpreendidos pelos fuzileiros que se encontravam em Ganturé.

Terminado o período de sobreposição com a CART 3329, foi transferida por esta Companhia, para a nossa, toda a responsabilidade administrativa e operacional. No dia 15NOV1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene.

Foi com muita emoção que os vimos partir, após um convívio comum de quase um mês, passado naquela localidade. Passou, desde então, a nossa Companhia a dar cumprimento às missões que lhe foram atribuídas, executando as directivas do COP 3. Uma semana depois recebemos a noticia que iríamos ser transferidos para Sul, sendo substituídos pela CCAÇ 3 e, de novo, lá fomos na LDG BOMBARDA.

Estávamos no dia 09DEZ1972, rio Cacheu abaixo, destino: Cadique/Cantanhez.


Foto 5 – A bordo da LDG “Bombarda”, com o João Pinto – Enfermeiro -, a caminho do Cantanhez


No dia 12DEZ1972, cerca das 08h00, avistamos pela primeira vez, terras do Cantanhez. Lugar onde parecia haver calma e paz, coisa que, ali, jamais encontraríamos.

Navegava-se lenta e demoradamente, connosco atentos a qualquer coisa suspeita, como se adivinhássemos a todo e qualquer momento o… imprevisto.

Posso afirmar que todo o pessoal, que até então tinha mantido um aparente estado de serenidade e bom equilíbrio psíquico, que evidentemente estava muito longe de existir na realidade, em cada um de nós, começava a exteriorizar-se através dos primeiros sintomas de medo, angústia e desespero, que se denotavam, nitidamente, nos nossos rostos. Tais sinais iam-se agravando, conforme se avançava no rio, e mais nos aproximávamos da zona que sabíamos de alto perigo.

A tomada de consciência desta crua realidade, que era “A EXISTÊNCIA IMINENTE DE PERIGO REAL DE MORTE”, despoletou em nós, instintivamente, a exigência da máxima vigilância a eventuais movimentos estranhos nas margens, que nos rodeavam, e a necessária manutenção do silêncio.

Chegados ao porto, onde se previa o desembarque, e mal a lancha alcançou terra firme, “A NOSSA TERRA PROMETIDA”, sem perda de tempo começaram a sair vários grupos de combate, para manter as seguranças, afastada e próxima, a fim de que o desembarque se fizesse sem grandes receios.

Logo que nos sentimos em terra do Cantanhez e nos familiarizamos com o lugar, onde iríamos “vegetar” durante quase uma dezena de longos e difíceis meses, tudo em nós se voltou a suavizar e a aparentar a habitual e perdida serenidade.

Finalizamos o desembarque sem percalços de maior, eram cerca de 09h00, (com o apoio da Força Aérea e dum bi-grupo da CCP 121), começando-se logo a trabalhar para instalarmos de imediato o pessoal, numa área que reunia as condições mais apropriadas á futura construção do aquartelamento.

Os primeiros dias da instalação do pessoal da Companhia foram penosos, em virtude de não existir nenhuma estrutura de que a tropa pudesse tirar partido, para implementar o seu futuro estacionamento.

Apenas existia uma mata exuberante, compacta e de difícil penetração, e algumas tabancas dispersas e ocupadas por população da área, predominando os velhos e as crianças. A pouco e pouco foi-se desbravando a mata e procedendo-se à colacação estratégica de todas as secções do Comando da Companhia e dos Grupos de Combate.

É de salientar o trabalho efectuado pela Força Aérea, Marinha, Pára-quedistas e outras forças, que dias antes do desembarque “limparam a zona” e acredito que só assim não tivemos problemas durante o desembarque, já que a região era considerada zona libertada pelo PAIGC.

A Companhia acabou por ter uma adaptação bastante boa e depressa se conformou com a sua sorte existencial “SITUAÇÃO DE TOTAL CARÊNCIA”. Todas estas operações tiveram o nome “GRANDE EMPRESA”, visando a recuperação do Cantanhez e, na hora do desembarque, compareceu o General Spínola, que acompanhou de perto o desenrolar das actividades no terreno.

Foto 6 – Cadique: Tratando da higiene das mãos


Foto 7 – Cadique: A mata começou a ser desbravada



Foto 8 – Cadique: A Bandeira já havia, vendo-se ao fundo os chalés “com ar condicionado”



Foto 9 – Cadique: Um abrigo também já havia



Foto 10 – Cadique: O que será feito destes jovens?


Após os primeiros dias de porfiado esforço,  dispendido na montagem do estacionamento, começaram os nossos Grupos de Combate a tomar contacto com o terreno, acompanhados por Grupos da CCP 121. Foi de grande utilidade para os nossos militares a observação do modo como se comportavam, e da preparação com que a tropa especial pára-quedista foi dotada para este tipo de guerra. Muito se aprendeu realmente no convívio estabelecido, dentro e fora do aquartelamento, entre os militares de ambas as  Companhias.

Os primeiros contactos com o IN foram obra da CCP 121, a qual nos transmitiu teoricamente os modos de actuação e as estratégias utilizadas pelo IN, e a sua estrutura de carácter militar, naquela zona operacional.

A situação sanitária era razoável, mesmo considerando as precárias as condições de higiene que se viveram nos primeiros tempos do baseamento da Companhia.

As condições climáticas eram as mais adversas.  A situação logística foi muito precária nos primeiros meses de vida no Cantanhez.  As nossas condições de adaptação foram melhorando, à medida que se foi desmatando a floresta, com a abertura de poços, a construção de um heliporto e de um cais.

À medida que o reordenamento foi evoluindo, começou Cadique a tornar-se uma povoação de fisionomia completamente diferente, permitindo assim beneficiar, em muitos aspectos, a população local e a tropa, nomeadamente, no que respeita a melhoria das instalações.

O agrupamento de Cadique ficava situado na península formada pelos rios Cumbijã e Cacine, no Sul da Guiné, o terreno é plano, dividindo-se em dois planos de carácter bem distintos: por um lado a bolanha e, por outro, a mata densamente arborizada.

A configuração do sector apresentava-se do seguinte modo: a Norte era delimitado pelo Rio Bixanque, que desagua no Cumbijã, a Sul pelo rio Macobum, a leste pela mata do Cantanhez até ao entroncamento de Jemberem, e, a Oeste, pelo rio Cumbijã.

Os dois mais importantes itinerários eram, na época, a via fluvial do Cumbijã e a via terrestre, que ia de Cadique a Jemberem (que quando lá chegamos era uma picada secundária), e, quando de lá saímos, era uma estrada principal e que ia entroncar na picada principal que vinha de Cabedu.

O principal aglomerado populacional era Cadique Nalú, existindo ainda, além dele, outro de menos importância que se chamava Cadique Imbitina (a cerca de 2,5 Km). Mais para Norte, existia um outro importante aglomerado populacional,  Cadique Iala. O quartel acabou por se construído em Cadique Imbitina.

Na época, o principal recurso desta zona era, sem dúvida, o arroz em virtude das enormes bolanhas, que existiam ao longo de todo o rio Cumbijã. Outro recurso que não era explorado, era a pesca no rio Cumbijã, que me pareceu ser rico em variedades de peixe e de crustáceos.

A população civil era quase toda de etnia Balanta, encontrando-se também alguns (poucos) Nalus. Mostrou-se a princípio muito pouco receptiva à presença da tropa e bastante temerosa.

À data, não existia população europeia além dos militares, mas, segundo informações colhidas na zona, teria existido alguma antes do início das hostilidades, que se sentiu obrigada a abandonar a localidade em virtude do agravamento da instabilidade.

Nesta zona iríamos sofrer bastante. Parecia-nos mais um lugar paradisíaco do que um campo de batalha, mas, dias mais tarde, iríamos ter a oportunidade de ver e sentir a triste e fatal realidade.

O pior estava para vir: o inferno da construção da estrada Cadique/Jemberem.

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Trms da CCAÇ 4540



Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.

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Notas de M.R.:

Este é o primeiro poste desta série "Estórias do Eduardo Campos".