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terça-feira, 25 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24503: Facebook...ando (32): Vítimas de "fogo amigo", quando, à noite, em emboscadas das NT saíam do grupo para "satisfazer as necessidades sem avisar ninguém"

1. Quantos camaradas nossos não terão morrido, "vítimas de fogo amigo", no TO da Guiné  ? E, nomeadamente à noite, quando saíam do seu grupo de combate, emboscado no mato, para "satifazer as necessidades", e sem avisar ninguém ?!... 

Recordemos alguns casos... Felizmente não terão sido muitos, mas aconteceram... Não há registos, públicos e notórios.. Estes casos eram classificados como "acidentes com arma de fogo", tais como os homicídios, os suicídios, as automutilações, e os acidentes propriamente ditos, por "falha técnica" ou "erro humano",,, 

Parafraseando o nosso camarada, hoje ten gen pilav ref, António Martins de Matos, infelizmente à noite todos os gatos são pardos...

"Blue on blue" é uma expressão eufemística, inglesa,  para descrever um caso de "fogo amigo",   quando um militar, no teatro de operações,  é acidentamente alvejado,  e morto ou ferido, pelos seus camaradas (*).


(i) Luís Graça:

(...) O Neves ainda voltou a um um outro convívio da companhia, já no virar do milénio... E num deles reencontrou o capitão, então já coronel, na situação de reforma. Ter-se-á emocionado, o antigo capitão, quando evocou as trágicas circunstàncias em que foi morto o primeiro homem da Companhia, logo nos dois primeiros meses de Guiné... 

Estavam emboscados, de noite, quando há um militar que sai da sua secção para ir "arriar o calhau" (sic), sem dizer nada a ninguém e quebrando a rigorosa disciplina imposta... No regresso, ao ouvir restolhar o capim, o capitão instintivamente disparou uma rajada... Teve uma agonia horrorosa, o pobre soldado, durante quase uma hora, sem possibilidades de ser helievacuado...(...) (**)

(ii) José Gouveia / Tabanca Grande Luís Graça, 23 de julho de 2023, 13;01

(...) Será que ninguém o viu sair? Esquisito.


(iii) Tabanca Grande Luís Graça

(...) Infelizmente, não terá sido caso único. Aconteceu, por exemplo, com a CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), quando era comandada pelo então cap inf José Curto... (Segunda a versão de um dos seus graduados, nada disto vem na história das unidades.) (...)


(iv) Tabanca Grande Luís Graça

Um outro caso, vítima de "fogo amigo", foi passado com a 1ª CCmds Africanos, em meados de 1970, no subsetor de Bajocunda, conforme relatado pelo nosso saudoso Amadu Djaló (1940-2015) 
(***):

(...) "Numa das primeiras saídas, entre 25 e 26 de junho de 1970, numa emboscada em Sare Aliu, junto à linha da fronteira na área de Bajocunda, o soldado Nicolau (...) foi satisfazer as necessidades e não avisou ninguém. Era uma noite escura e quando regressava para junto do grupo perdeu a orientação e entrou pelo outro lado da emboscada. Ninguém o reconheceu, nem deu tempo para fazer perguntas." (...)  (****)
________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14215: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (30): "Blue on Blue" - Querem ver que acertei nos nossos? (António Marins de Matos, TGen Pilav Ref)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23988: Casos: a verdade sobre... (33): Vitorino Costa, o primeiro comandante da guerrilha, formado em Pequim em 1961, a ser morto pelas NT em meados de 1962

 

Grupo de quadros do PAIGC recebidos por Mao Tse-Tung na República Popular da China, em 1961 |

Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05360.000.084 | Assunto: Grupo de quadros do PAIGC recebidos por Mao Tse-Tung na República Popular da China, para iniciarem treino militar na Academia Militar de Nanquim: João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes. | Data: 1961 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Fotografias


(1961), "Grupo de quadros do PAIGC recebidos por Mao Tse-Tung na República Popular da China", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43247 (2023-1-16)



(Detalhe: Reproduzido com a devida vénia... Legenda segundo o nosso colaborador permanente Cherno Baldé: "Na foto do grupo de Nanquim (China, 1961) estão presentes, a contar da esquerda, na fila da frente: Nino Vieira, um diplomata que não identifico, uma mulher que deve ser a companheira do diplomata (ou a tradutora, acrescentamos nós), o Presidente Mao Tse-Tung, Francisco Mendes (Tchico Té), Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi. Na segunda fila: Pedro Ramos, um diplomata Chinés, Vitorino Costa, Hilário Gomes, Constantino Teixeira (Tchutcho) e o Manuel Saturnino Costa".


1. Já aqui falámos de Vitorino Costa, Tem meia dúzia de referências no nosso blogue. De seu nome completo, Vitorino Domingos Costa, irmão de Manuel Saturnino da Costa (futuro primeiro ministro da República da Guiné-Bissau), foi morto, em 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto, na região de Quínara (nas proximidades de Darsalame ou perto de São João, não sabemos ao certo).

Sobre esta época, de 1962, em que o PAIGC começou a fazer trabalho de formação político-militar e a recrutar gente nas tabancas,  sobretudo nas regiões de Quínara e de Tombali, continuamos ainda a saber muito pouco. Faltam os testemunhos, orais e escritos, de um lado e do outro. Faltam os relatórios. Faltam as fotos.  

Mas sabe-se que  o ano de 1962 não começou bem para o PAIGC que viu, por exemplo, em Bissau (a "zona zero")  ser descoberto e preso o seu presidente (do Comité Central, nomeado já na prisão, pelo Partido), que vivia na clandestinidade, o Rafael Barbosa, de etnia papel, e com ele centenas de militantes e simpatizantes (100 dos quais serão depois deportados para o Campo de Chão-Bom, Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde)

De resto, era ainda escassa a presença do exército português no território. E a PIDE tinha acabado de se instalar. Por tudo isso, é um período que se presta a muita especulação. O filme do George/Jorge Freire ainda mostra uma Guiné relativamente idílica, calma, tranquila, onde se pode viver e viajar, em segurança, nomeadamente no leste, no chão fula. Mas por quanto tempo ? Quando deixa Nova Lamego, no leste,  e é colocado em Bedanda, no sul, em novembro de 1962, com a sua 4ª CCAÇ, o cap Jorge Freire ainda leva consigo a esposa. Mas em dezembro ela é obrigada a regressar a Portugal, por razões de segurança. 

2. Tudo indica que o 'comandante' Vitorino Costa terá morrido  na sequência de uma "ação punitiva" do nosso exército, depois de um conhecido comerciante de Empada ter sido assassinado barbaramente na estrada, no regresso de Darsalame para Empada. Mas não sabemos, ao certo, se há uma relação entre os dois acontecimentos.

Vitorino Costa e Manuel Saturnino Costa, além de irmãos,   eram dois dos históricos militantes enviados para a China para receber treino político-militar,  tendo sido inclusive  recebidos pelo então "grande timoneiro", Mao Zedong, em 1961 (Vd. foto acima). Eis a lista completa, por ordem alfabética,  do grupo dos "primeiros comandantes da guerrilha", formados na Academia Militar de Pequim (nenhum deles hoje vivo, o último a morrer foi o Saturnino Costa, em 2021):
  • Constantino Teixeira
  • Domingos Ramos
  • Francisco Mendes
  • Hilário Gomes,
  • João Bernardo Vieira (Nino)
  • Manuel Saturnino da Costa
  • Osvaldo Vieira
  • Pedro Ramos
  • Rui Djassi
  • Vitorino Costa

Sabemos que Vitorino Costa era um homem próximo de Amílcar Cabral (e de Luís Cabral) e que a sua morte foi sentida como um sério revés para a guerrilha, em preparação. Também Bobo Keita (ou Queita)  se refere ao seu nome, na sua biografia "De campo em campo", escrita por Norberto Tavares de Carvalho, (ed. autor, 2011).  É um dos seus vinte guerrilheiro do PAIGC  que morreram de morte violenta, e que ele evoca, no final do seu livro (p. 237):

(...) "Vitorino [o autor escreve Victorino ] Costa era responsável pela mobilização da zona de Quínara, Fulacunda, Tite, S. João [ correspondente então à Zona 8 do PAIGC - Bolama - Tite - Fulacunda - Buba - Empada - Darsalame.] .  

"Em plena campanha de recrutamento, foi pernoitar numa tabanca cujo chefe colaborava com os portugueses. Vitorino Costa foi denunciado.  Era no tempo daquele  que era conhecido como 'capitão Curto', um militar português muito temido pela população. O seu ultimato era conhecido: 'Fogo ou chapa'. O fogo significava um tiro na cabeça  e chapa referia-se ao emblema do Partido.  Quem era suspeito de pertencer ou de colaborar com o PAIGC, ou entregava o emblema ou era morto. 

"O capitão Curto, uma vez alertado  da presença de militantes do Partido na região, invadiu a tabanca com os seus homens.  Vitorino Costa viu-se  cercado e tentou defender-se com a única pistola que possuía. Naquele tempo , no princípio da luta, o Partido não dispunha ainda de armas. O combate era desigual. Depois de ter sido morto a tiro, foi decapitado e a sua cabeça enfiada num grosso ramo com o qual os portugueses exibiram a cabeça do nosso camarada, fazendo-a circular por toda a tabanca, ameaçando e intimidando a população a não colaborar com os 'turras' (...). Esta cena ocorreu antes do início da guerra. Foi em 1962". 

3. Luís Cabral, na suas memórias ( "Crónica da Libertação", Lisboa, O Jornal, 1984), tem uma versão ligeiramente diferente deste episódio (pp. 127/128);

(...) "No Centro-Sul, na região de Quínara, a situação também se tornava difícil. Depois da sua saída precipitada do Gabu  [onde foi cercado em Canquelifá, escapando por pouco às autoridades alertadas pelo chefe da tabanca, vd. pp. 115/117 ], Vitorino Costa tinha sido enviado a esta região para reforçar a equipa que já lá se encontrava . Instalou-se na área de Tite (...). 

"Vitorino era um jovem com muito orgulho e estava entre os quadros do Partido que tinham mais habilitações literárias. (...) Apercebia-se facilmente nele o desejo de fazer tudo para cumprir o melhor possível a sua missão em Quínara.

"Vitorino dormia com os seus homens na tabanca de S. Joana , na área de S. João  [gralha ?  seria Santa Maria ? não localizámos este topónimo, S. Joana,  na carta e São João, 1955, escala 1/50 mil], quando a casa foi cercada pelas tropas coloniais. O inimigo tinha conhecimento das nossas fracas possibilidades de defesa (...).

"No seu grupo, só o Vitorino tinha uma pistola e foi com ela  que conseguiu chamar a atenção das forças inimigas, às quais ainda resistiu corajosamente o tempo necessário para a retirada dos  seus companheiros.

"Gravemente ferido, (...) morria pouco depois,  O seu corpo, transportado num veículo,  foi levado pelas tropas coloniais a várias tabancas de Quínara. Ao seu companheiro  Seni Sambu,  cortaram-lhe a cabeça, que  foi exposta em Fulacunda, sua terra natal, em presença da sua própria mãe (...).


4. Não encontrámos uma única foto individual de Vitorino Costa no Arquivo Amilcar Cabral que, em boa hora, passou a estar disponível, para consulta, a partir de 20 de janeiro de 2013.  Na foto em grupo, tirada em Pequim, em 1961, e acima reproduzida, não temos a certeza de quem é o Vitorino Costa (nem a maior parte dos outros elementos do PAIGC).

De qualquer modo, sabemos que o capitão Curto e a sua CCAÇ 153 foram inimigos mortais do PAIGC. O Vitorino Costa (e mais alguns dos seus homens) terá sido  morto em meados de 1962 (talvez julho ou junho). 

A versão que sabíamos é que a tabanca onde foi abatido o Vitorino Costa seria em Darsalame, e a sua "cabeça" terá sido trazida para Tite, sede do BCAÇ 237.  Tratava-se de um "grande ronco" para as autoridades portuguesas em luta contra "o início da subversão", e foi seguramente um grande revés para o PAIGC (*) que, oficialmente, só vai começar a luta armada em 23/1/1963, com o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite.

Falámos ao telefone, em tempos, em 2010,  com dois camaradas contemporâneos dos acontecimentos: o fur mil Octávio do Couto Sousa, da CCAÇ 153, de Ponta Delgada, e o José Pinto Ferreira, ex-1.º cabo radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, 1961/63), do Marco de Canaveses.   Infelizmente nenhum deles integra,  ainda hoje,  a nossa Tabanca Grande, apesar do nosso convite, e de já  termos publicado postes com o seu nome (**). Dada a delicadeza do assunto, o Octávio do Couto Sousa não nos autorizou, na altura, a publicação do seu depoimento; ele integrava o grupo do cap Curto que cercou, "em Darsalame" (sic),  o Vitorino Costa (menos de 30 homens).

Seria importante o testemunho de mais camaradas sobre estes acontecimentos do início (mal conhecido) da guerra. De qualquer modo, tanto o Octávio do Couto Sousa como o José Pinto Ferreira  reforçaram a ideia de que o  capitão Curto, pese embora a lenda a que está associada o seu nome na Guiné (mesmo ao fim de mais de meio século!), foi um militar destemido, corajoso e competente. (Temos 13 referências sobre este oficial, que infelizmente já faleceu em  18/11/2018, com o posto de ten gen ref.) 

No livro da CECA, não encontrámos qualquer referência a este episódio (Vd. Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6.º volume:  Aspectos da actividade operacional. Tomo II: Guiné. Livro 1. Lisboa: 2014,  538 pp).

De qualquer modo, nunca é demais recordar que ao nosso blogue interessa apenas a verdade dos factos. E, como é nossa norma, não fazemos juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão). (***)

 Sobre a CCAÇ 153, escreveu o nosso camarada Octávio do Couto Sousa [Mafra, 1959, Tavira em 1959/60; furriel miliciano em 1960/61; sargento miliciano em 1962/63], em comentário ao blogue Rumo a Fulacunda, em 2/10/2008:

    (...) A Companhia 153 proveio do RI 13, de Vila Real, com cabos e praças daquelas redondezas, alguns com nomes das suas terras, o Vila Amiens, o Chaves, etc. Como disse no primeiro escrito, foi uma pena termo-nos separado em Vila Real, terminada a comissão, desejosos todos de partir para as nossas famílias, sem o cuidado de trocar endereços que nestes anos seriam preciosos para nos reencontrarmos. A maioria dos oficiais e sargentos foram mobilizados de outras zonas. No nosso caso e do João M. C. Baptista, estávamos já na disponibilidade e a viver nos Açores.

    O nosso Comandante de Companhia foi o Capitão, hoje General, José dos Santos Carreto Curto.

    Fomos a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Tivemos depois um pelotão em Cacine. Estivemos também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, assim como em Catió, até que tudo se agudizou em termos operacionais. Para Buba chegou uma companhia, a 154, outra para Cacine e por muitas outras localidades foram chegando mais unidades consoante a guerra se intensificava.

    As fotos mostram o quartel de Tite onde se instalou o primeiro Batalhão, o 237, ao qual passámos a pertencer como tropa operacional e por questões de organização.

    Acompanhámos o primeiro ataque a Tite [em 23 de Janeiro de 1963], de Fulacunda saíram reforços nos quais estivemos integrados, visto que o Batalhão, como sede, não estava ainda operacional.

    A nossa companhia, a 153, acabou por ficar toda junta e em várias missões percorremos todo Sul na busca e destruição das casas de mato que o PAIGC proliferava por tudo quanto eram zonas mais ou menos isoladas. (...)


    5. Há uns largos anos atrás (mais de doze!), recebemos uma mensagem de um leitor nosso, guineense, que nunca chegámos a publicar... (Na altura, trabalhava localmente para as Nações Unidas.) Achamos oportuno fazê-lo agora, até na esperança de haver mais elementos informativos sobre este caso.

    De: Augusto Domingos  Costa <costa4@un.org>

    Data - quarta, 8/06/2011, 16:48

    Assunto -  Em busca de informações

    Caro Luís Graça!

    Saudações de uma longa vida a juntar e reconstruir memórias de um período agridoce e extremamente rico em termos de relacionamento humano entre nossos dois povos.

    Sou um cidadão guineense que vai lendo, sempre que possa, memórias plasmadas no vosso blogue. Mas interesso-me, neste momento, da história da CCAÇ 153, do lendário Cap Curto, Fulacunda, 1961/63. Já li o depoimento de José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, acerca do Cap Curto não ter mandado cortar a cabeça do Victorino Domingos da Costa, e ter sido injustamente diabolizado com esse cunho. 

    Interesso-me também em saber a verdade, sem rancores nem mágoas, por esse Senhor que foi decapitado ser o primogénito da nossa família. Aguardo com serenidade o depoimento do ex-Fur Mil Octávio do Couto Sousa porque temos o objecto de encontrar as ossadas e trazê-las para Bissau.

    Um abraço,
    Augusto A. Domingos da Costa
    _______

    Notas do editor:


    (...)  Carta do futuro diplomata do PAIGC e da República da Guiné-Bissau, Gil Fernandes, a estudar em Boston, EUA, datada de 1/12/1962, dirigida a Amílcar Cabral. Começa nestes termos:

    "Caro Amílcar: Foi com grande consternação que recebi a sua última carta relatando a morte de Vitorino Costa. Eu e ele fomos grandes amigos e fui por algum tempo seu explicador. A sensação de choque  que se recebe perante acontecimentos desta natureza é absolutamente  indescritível, este é mais um crime que mais tarde os portugueses terão que dar conta. Imagino em que estado é que o Amílcar se deve encontrar, mas confio inteiramente na sua perseverança, agora é que é preciso mais coragem"  (...)"


    (...) "Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:

    (...) "O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. Actos repelentes, sem confirmação, não devem ser credibilizados." (...)

    Vd. também poste de 5 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)

    (***) Último poste da série > 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

    quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19335: (D)outro lado do combate (41): Carta de Aristides Pereira a 'Nino' Vieira, escrita em Cassacá, em 22 de janeiro de 1964 (Jorge Araújo)


    Cassacá em 2018. Foto do camarada Patrício Ribeiro, com a devida vénia [P18697].


    Mapa de Cacine, Sector de Quitafine (Frente Sul). Cassacá, local onde foi manuscrita a carta de Aristides Pereira, em 22 de janeiro, e, também, o da realização do I Congresso do PAIGC, organizado entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964, estava situada a quinze quilómetros a sul de Cacine e a trinta da fronteira com a Guiné-Conacri.



    Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
    (Xime-Mansambo, 1972/1974): coeditor do nosso blogue


    GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE  

    CARTA DE ARISTIDES PEREIRA A 'NINO' VIEIRA, ESCRITA EM CASSACÁ EM 22 DE JANEIRO DE 1964, UM ANO DEPOIS DO ATAQUE A TITE
      
    - AS ORIGENS DO PRIMEIRO CORPO DO EXÉRCITO DO PAIGC - 

    Os relatos publicados nos P19254 e P19259 suscitaram-me particular interesse, do ponto de vista histórico, por recuperarem mais alguns dos episódios do período que antecedeu o início do conflito armado no CTIG, nomeadamente durante o ano de 1962, por permitirem identificar os principais actores de cada um deles. 

    Estes e muitos outros que, na fita do tempo, se foram sucedendo acabariam por influenciar, para o bem ou para o mal, os comportamentos sociopolíticos em cada um dos lados em confronto, que culminaram com o ataque ao aquartelamento de Tite, localizado na região de Quinara, facto ocorrido em 23 de Janeiro de 1963.

    No primeiro caso [P19259], o depoimento do ancião autóctone que surge no vídeo a falar da sua experiência e das suas memórias, e que se considera ser um dos primeiros sete ex-combatentes que tomaram a decisão de aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista, dá conta que uma das primeiras "barracas" [acampamentos] criada no Cantanhez, região de Tombali, foi em Caboxanque.

    No segundo caso [P19254], é relevante o facto de ser reduzido o número de efectivos militares na Guiné, uma vez que a CCAÇ 153, comandada pelo, então, capitão e infantaria José dos Santos Carreto Curto, era a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Mais tarde fez deslocar um Gr Comb para Cacine. Estiveram também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, bem como em Catió, até que a situação se agravou em termos operacionais [Vd. P19264 e P19291; notas de leitura do camarada Beja Santos].

    Em função do vasto território em que se movimentou, particularmente nas Regiões de Tombali e Quínara, o capitão Carreto Curto, que no passado dia 30 de Novembro nos deixou, e a sua CCAÇ 153, viveu/viveram momentos difíceis e dramáticos, pois ficaram associados ao começo [oficial] da guerra no CTIG.


    Entretanto, em 26 de dezembro de 1962, como reconhecimento da sua acção/ intervenção psicossocial, o capitão Carreto Curto foi agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com palma [imagem ao lado], devido ao facto de "como comandante de companhia no Comando Territorial Independente da Guiné, desde Junho de 1961, ali vem exercendo, por meio de acções de reconhecimento e de objectivo psicossocial, uma actividade altamente meritória de que tem beneficiado todo o sector do batalhão [BCaç 237], revelando, a par de notáveis qualidades de organização e disciplina, excepcionais dotes de comando, de iniciativa e de audácia, transmitindo a todos os subordinados uma confiança ilimitada, o que permitiu criar e desenvolver na sua unidade [CCAÇ 153] um espírito de corpo tal, que a mesma pode ser apontada como exemplo de disciplina, de eficiência e de sacrifício no cumprimento do dever. Os serviços prestados por este oficial ao Exército e à Nação, na presente conjuntura da Guiné, devem ser considerados relevantes e distintos".

    Quanto ao ataque ao aquartelamento de Tite acima referenciado, o nosso blogue tem um vasto espólio de narrativas que pode (e deve) ser consultado. Em cada leitura que se faça, descobre-se, por vezes, novos detalhes que suscitam outros pontos de interesse e investigação, que merecem ser aprofundados. É isso que vamos tentar fazer numa próxima oportunidade, triangulando conteúdos e adicionando-lhe novas informações contraditórias.

    Recupero, a esse propósito, entre outras, a entrevista dada em 2001 por Arafam ["N'djamba" Mané; Bissau, 1945.09.29 / Madrid, 2004.09.04] ao jornal "O Defensor", órgão de Informação das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo da Guiné-Bissau e reproduzida em 2015 no sítio das FARP, por iniciativa do major Ussumane Conaté. Esta entrevista foi/está dividida em quatro partes, por diligência do camarada José Teixeira, 1.º cabo aux enf CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada; 1968/1970 – P16794; P16812; P16823 e P16851.

    O testemunho do camarada Gabriel Moura [falecido em 2006], do Pel Mort 19, escrito em «Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra», pp 83/88, é outra leitura obrigatória, uma vez que ele foi o primeiro militar português a responder ao fogo da força que atacou o aquartelamento de Tite, pois encontrava-se de guarda naquela ocasião [P17649].

    Com o objectivo de fazer a ponte ligando duas peças da historiografia da guerra: o ataque a Tite (23Jan1963) e o I Congresso do PAIGC (Cassacá; 13/17Fev1964), enquanto processo na organização e desenvolvimento da luta armada durante o ano de 1963, tomei a iniciativa de partilhar convosco uma carta manuscrita por Aristides Pereira, em Cassacá, e enviada a 'Nino' Vieira, a 22 de janeiro de 1964, ou seja, um ano após o primeiro evento.

    A elaboração deste escrito do dirigente Aristides Pereira [Boavista, Cabo Verde; 1923.11.17 / Coimbra; 2011.09.22] dirigido ao principal Cmdt da guerrilha 'Nino' Vieira [Bissau; 1939.04.27 / Bissau; 2009.03.02 (assassinado)] surge na sequência de alguns acontecimentos que estão na génese da reunião magna [congresso]. 

    Recorda-se, pela sua pertinência, por um lado, a visita de Luís Cabral [Bissau; 1931.04.11 / Torres Vedras; 2009.05.30] à zona de Quitafine e tabanca de Cassacá em finais de 1963, por outro, as informações recolhidas em todos os contactos estabelecidos com os combatentes e aquelas que lhe chegavam das frentes. 

    Estes factos levaram a que o irmão [Amílcar Cabral (Bafatá; 1924.09.12 / Conacri; 1973.01.20, assassinado dez anos depois de Tite)] aceitasse, como necessária, a realização de uma reunião geral dos responsáveis pelo PAIGC, no sentido de se poder discutir e aprofundar estas questões, de maneira a tirar delas todas as lições para o futuro, numa altura que estava concluído o primeiro ano da luta armada.


    Citação: (1965), "Desfile de combatentes do Exército Popular comandados por Nino Vieira", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43728 (2018-12-9)

    A operacionalização de cada uma das diferentes acções projectadas para antes, durante e depois do I Congresso podem (devem) ser consultadas no livro de memórias de Luís Cabral: «Crónica da Libertação», (1984), Lisboa, Edições 'O Jornal', Publicações Projornal [Vd. trabalho de recensão realizado pelo camarada Beja Santos – P7216; P7223; P7232; P7241 e P7259].

    Como dimensão histórica, cito uma passagem [P7232] onde é referido o seguinte:

     "Em finais de 1963, Luís Cabral faz a sua primeira visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base de Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino [da Costa; n-1942-]. Em Cacine estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas [CART 496], a que se seguiu Gadamael [CART 640]. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine".

    Para um melhor conhecimento da evolução do contexto operacional desenvolvido pelas NT - unidades militares -, sedeadas naquela região, sugere-se a leitura do importante trabalho de investigação historiográfica elaborado pelo nosso camarada Manuel Vaz, ex-Alf. Mil da CCAÇ 798, iniciado no P19261, que saudamos.


    2. A CARTA DE ARISTIDES PEREIRA A 'NINO' VIEIRA, ESCRITA EM CASSACÁ, EM 22 DE JANEIRO DE 1964

    Neste segundo ponto apresentamos, de acordo com o acima exposto, a transcrição da carta, de quatro folhas, manuscrita em Cassacá, por Aristides Pereira, e enviada a 'Nino' Vieira, em 22 de janeiro de 1964.

    Eis o seu conteúdo:

    "Cassacá, 22 de Janeiro de 1964

    "Meu caro Nino,

    "É com imenso prazer que te saúdo, bem como a todos os camaradas, daqui deste ponto livre da nossa terra.

    "Como sabes, devia encontrar-me contigo e com o Arafam ["N'djamba"] Mané, a 20 [Fev'1964], aqui na Zona. Com efeito, no dia 20 estava no interior, mas não foi possível fazer a reunião, dadas as novas condições que se apresentaram na tua [zona], grandemente atacada pelo inimigo [NT], e também porque o Arafam certamente se atrasou na missão.

    "Entretanto, nós, em Conacri, em especial o Amílcar [Cabral], temos tudo preparado e desejamos que o encontro da missão do Arafam se faça o mais breve possível, não sendo possível neste mês, nos primeiros dias do mês de Fevereiro [1964].

    "Seria bom se o encontro se pudesse realizar na tua barraca [acampamento], mas as condições não o permitem. Temos, pois, que nos contentar com um local mais próximo da fronteira [Sul], onde as condições de segurança dos presentes são maiores. Sugiro-te Cassacá, que já conheço. Entretanto, espero a tua resposta. Devo dizer-te que consideramos este encontro dos acontecimentos mais importantes na história da nossa luta e ele vai marcar uma nova etapa do nosso combate."


    [Este encontro… é (foi) o I Congresso do PAIGC realizado em Cassacá, entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964].


    Citação: (1964), "I Congresso do PAIGC em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_85098 (2018-12-9)

    Fonte: CasaComum; Fundação Mário Soares. Pasta: 07223.002.046. Título: I Congresso do PAIGC em Cassacá. Assunto: Amílcar Cabral e grupo de (dezanove) milicianos em Cassacá [região libertada do sul da Guiné-Bissau], por ocasião do I Congresso do PAIGC. Data: Fevereiro de 1964. Opaco/Transparente: Opaco Negativo/Positivo: Positivo. PB/Cor: Preto e Branco. Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade. Tipo Documental: Fotografias.

    "Esperamos fazer vir para assistir no último dia da reunião [I Congresso; 17Fev1964], alguns jornalistas estrangeiros, aos quais seria distribuído um documento sobre os problemas tratados na reunião. Queremos ainda que no fim dos trabalhos e diante dos jornalistas, o Secretário-Geral do Partido faça o "baptismo" do primeiro destacamento do nosso Exército. Esse corpo teria cerca de 150 homens cujas fardas viriam ainda de Conacri.

    "Estou certo que compreendes bem o interesse que esta reunião tem para a fase nova da luta que estamos vivendo, no plano interior, e no plano exterior, o que isso pode representar como reforço da nossa posição no plano internacional e sobretudo, junto dos países vizinhos, em especial o Senegal.

    Tinha muito interesse em ver-te também para discutirmos o problema do material que te falta. Autorizei que fosse tirado do material do Norte, 10 carabinas e 10 cxs de balas 7,62 mm PM para te mandar. Não compreendo com o que se teria passado com as balas 7,62 mm. No barco em que vieste estavam 30 cxs para a Zona 11. Houve engano com certeza. Estão no barco 2 morteiros para a tua Zona, assim como algumas minas antitanque e antipessoal.

    Continuo aqui na barraca do Manuel [Saturnino da Costa?], aguardando a tua resposta amanhã, para poder regressar depois de amanhã. O Embaná vai comigo para trazer as coisas [será que se trata do Fiere Embaná, que desertou do PAIGC e se apresentou no quartel de Tite, em Maio'1971, ao tempo do BART 2924 (P18746)?].


    "O Zé traz uma grande barraca e 3 macas para doentes.

    "Devo dizer-te que o Comité dos 9 soube reconhecer e avaliar os trabalhos do nosso Partido. Esperamos, no entanto, ainda, qualquer coisa de mais concreto.

    "O segundo assunto importante que queria tratar contigo é o da vinda dos dois amigos que deviam vir ver e filmar coisas no interior. Eles chegam a Conacri a 29 [Jan de 1964] e devem vir, como combinámos, a 1 ou 2 de Fevereiro. Dá-me a tua opinião sobre o caminho que devem seguir. 

    "Entretanto, sugiro que estejas em Sangonhá, que visitem Bricama para ver gente do povo no mato, sem casa. Vêm depois a Cassacá, onde fariam o resto do filme (combatentes, casas destruídas, etc.). Seria decerto mais interessante se lhes fosse possível ver a base central, mas não creio que isso seja possível. Diz o que pensas sobre o assunto. Eles regressariam de barco à República da Guiné."







    Reprodução do original da carta de Aristides Pereira

    Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_39103 (2018-12-9).

    Fonte: CasaComum; Fundação Mário Soares. Pasta: 07062.034.025. Assunto: Constituição do primeiro destacamento do Exército [Popular]. Visita do Comité dos 9 [OUA]. Vinda de "dois amigos" para filmar no interior. Remetente: [Aristides Pereira]. Destinatário: Nino Vieira. Data: 22 de Janeiro de 1964. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.

    Termino, agradecendo a atenção dispensada.

    Com um forte abraço de amizade e votos de BOAS FESTAS.

    Jorge Araújo.

    15DEZ2018.
    ______________

    quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)



    Guiné-Bissau > Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008 > Visita, no dia 2, ao Cantanhez, na região de Tombali. Reconstituição do antigo acampamento ("barraca") Osvaldo Vieira. O nosso saudoso Pepito (1949-2014) fala com um antigo guerrilheiro do PAIGC, sentado à sua esquerda,  sobre o início da luta aramada em 1962.

    Vídeo Guné. Cantanhez. Acampamento Osvaldo Vieira5. Alojado no You Tube > Nhabijoes (*)

    Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guné]


    1. Guiné-Bissau, Região de Tombali,  Mata do Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, domingo, de manhã, 2 de março de 2008... Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, à Baraca  (acampamento) Osvaldo Vieira, outro dos momentos surpreendentes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

    Neste vídeo (**), um dos homens grandes da região conta como foram os primórdios da luta aramda... Trata-se de um excerto, há informação que perdi...  Infelizmente não consegui fixar o nome do entrevistado. Creio que é nalu. 

    "Entrou no mato", como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir a (ou ser aliciado por) o PAIGC, ainda antes do início das hostilidades... Recorde-se que, para o PAICC e para a historiografia portuguesa, a guerra começa oficialmente com o ataque  Tite a 23 de janeiro de 1963.

    A designação deste acampamento corresponde à verdade fática, histórica, não é  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (, de resto, controversos...) do PAIGC, o Osvaldo Vieira  (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional)... Ao que parece, o Osvaldo Vieira não actuou só na região do Óio (Frente Norte), também terá andado pelo Cantanhez (Frente Sul).

    "Quando começou a mobilização, quando entre no mato, foi em 1962. Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...

    O entrevistado fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o que diz ou quer dizer o entrevistado...

    E a narrativa continua: 

    "Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto".  (Aqui o  Pepito acaba por baralhar a audiência, maioritariamente estrangeira, ao falar em dois capitães Curto,  um dos quais teria andado a espelhar o terror no chão manjaco; ora, o capitão a que o antigo guerrilheiro se referia era o cap inf José Curto, comandante da CCAÇ 153, com sede em Fulacunda, e reportando ao BCAÇ 236, que estava em Tite.)

    Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça, ninguém podia dar um passo… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Alguns mais novos conseguiram-se escapar e pedir socorro ao grupo do Nino, que estava na "barraca".

    O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. "Tu não vais. Vão lá saber o que se passa com a populaçãi"...

    Quando os camaradas lá chegaram, o cap Curto já não estava lá. Foram informar o Nino. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Cantanhez)…

    2. O vídeo, ou pelo menos este excerto, é omisso sobre a data em que acorreu o cerco de Darsalame, e suas consequências em termos de baixas (mortos, feridos ou prisioneiros). Mas tudo indica que tenha sido em julho de 1962 e que foi na mesma ocasião em que, às tantas da madrugada, houve mortos entre um grupo de alegados simpatizantes e militantes do PAIGC, entre eles o 'comandante' Victorino Costa (1937-1962). (Já cadáver,  terá sido reconhecido por um cipaio ou guia que acompanhava o grupo de combate do cap Curto.)

    Enfim, não tive, no Cantanhez, e em Bissau, em 2008, oportunidade de confirmar esta história  dos "anos de chumbo", em que se cometerem muitas arbitrariedades e ações de terror de um lado e do outro... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, entre homens que tinham combatido de um lado e do outro, para aprofundar a história (macabra) da cabeça do Vitorino Costa que terá sido levada para Tite.

    Por outro lado, tanto o Nuno Rubim como o José Martins me confirmaram, na altura, em 2008, que no TO da Guiné, em 1961/63,  só havia um oficial com o apelido Curto....

    Escreveu-me então o Nuno Rubim:

     "Só há dois [ com esse apelido,] que poderão ter comandado companhias: (i) José dos Santos Carreto Curto, oriundo de Infantaria, mais tarde com o curso de EM [Estado Maior,], promovido a Major em Jul 1966; e (ii) Luís Manuel Curto, Cap de Artilharia, promovido a este posto em Ago 1969. (...) 

    Quanto à "companhia manjaca do Bachile", o José Martins esclareceu o seguinte:

    (...) "A unidade que esteve em Bachile foi a CCAÇ 16, criada em 04Fev70 com elementos Manjacos enquadrados por graduados e praças especialistas metropolitanas. Em Bachile colocou 2 pelotões em substituição da CCAÇ 2658 em 04Mar70. Em 30Abr70 assumiu e responsabilidade do subsector, então criado. Em 26Ago74 entregou o quartel de Bachile ao PAIGC recolhendo a Teixeira Pinto, sendo extinta a 31 desse mês. Não consta nenhum Capitão de nome Curto, no seu historial." (...).

    Sobre o cap Curto, falecido há dias (com o posto de ten gen reformado), escreveu  ainda o seu camarada George Freire (radicado na América há 5 décadas e meia, e membro da nossa Tabanca Grande desde 29/12/2008):

    (...)  Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Servi na Guiné de 26 de maio de 1961 a 26 de maio de 1963 (...) A companhia de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante, e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia.

    (…) Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 [, deve ser  153, e não 164], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç  [, Indígena, mais tarde, CCAÇ 6].  Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...)
    _____________


    (...) De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (...), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).(...)


    (***) Vd. postes de:

    11 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

    10 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

    29 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

    12 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1962

    segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19254: Recortes de imprensa (99) O capitão José Manuel Carreto Curto, dado como morto pela propaganda do PAIGC, em entrevista à ANI, Bissau, 20 de março de 1963 (Diário de Lisboa, edição de 20/3/1963, pp. 1 e 9)




    Diário de Lisboa, 20 de março de 1963.

    Citação:

    (1963), "Diário de Lisboa", nº 14462, Ano 42, Quarta, 20 de Março de 1963, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_15229 (2018-12-2)

    Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soares > Pasta: 06548.086.18229 > Título: Diário de Lisboa. Número: 14462 > Ano: 42 > Data: Quarta, 20 de Março de 1963 > Directores: Director: Norberto Lopes; Director Adjunto: Mário Neves > Edição: 1ª edição > Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: IMPRENSA > Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora. > Diário de Lisboa/Ruella Ramos > 1963. (Reproduzido com a devida vénia...)


    O ten gen inf J. S. Carreto Curto,
    natural de Castelo Branco, morreu
    em 30/11/2018.
    Foi cmdt da CCÇ 153
    (Fulacunda, 1961/63) (*)
    1. Reproduz-se acima uma peça da ANI - Agência de Notícias e Informações, a agência noticiosa do Estado Novo, criada em 1947 (e extinta em 24 de setembro de 1975),  dando conta das peripécias em que andou envolvido o nome do capitão [José dos Santos  ] Carreto Curto (*), seguramente o nome do oficial do exército português que ficou, até hoje, melhor gravado  na memória das gentes da Guiné, associado ao começo da guerra colonial, nomeadamente na regiões de Quínara e de Tombali. 

    O capitão Curto a sua CCAÇ 153 foram inimigos mortais do PAIGC. O comandante Vitorino Costa foi morto em meados de 1962 (talvez julho ou junho) pelos homens do Capitão Curto, em Darsalame, e a sua cabeça terá sido trazida para Tite, sede do BCAÇ 237.  Tratava-se de um "grande ronco" para as autoridades portuguesas em luta contra "o início da subversão", e foi seguramente um grande revés para o PAIGC (**) que, oficialmente, só vai começar a luta armada em 23/1/1963, com o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite.

    Falámos ao telefone, em tempos, em 2010,  com dois camaradas contemporâneos dos acontecimentos: o fur mil Octávio do Couto Sousa, da CCAÇ 153, e o José Pinto Ferreira, ex-1.º cabo radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, 1961/63).  Infelizmente nenhum deles integra ainda a nossa Tabanca Grande, apesar do nosso convite, e de já  termos publicados postes com o seu nome (***).

    Seria importante o seu testemunho mais detalhado sobre estes acontecimentos do início (mal conhecido) da guerra. Um e outro reforçaram a ideia de que o  Capitão Curto, pese embora a lenda a que está associada o seu nome na Guiné, foi um militar destemido, corajoso e competente. Não conhecemos outros detalhes biográficos. Sabemos que nasceu em Castelo  Branco, frequentou o respetivo liceu no início dos anos 50. E em 1989 deixou o cargo de comandante da 1.ª Brigada Mista Independente (Decreto nº 40/89 publicado no D.R. nº 140 - I Série de 1989). Era então Brigadeiro. Entre outras condecorações, recebeu a Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar (21 de julho de 1993), atribuída pelo então presidente da República Mário Soares. (****)

    Sobre a CCAÇ 153, escreveu o nosso camarada Octávio do Couto Sousa [Mafra, 1959, Tavira em 1959/60; Furriel Miliciano em 1960/61; Sargento Miliciano em 1962/63], em comentário ao blogue Rumo a Fulacunda, em 2/10/2008:

    (...) A Companhia 153 proveio do RI 13, de Vila Real, com cabos e praças daquelas redondezas, alguns com nomes das suas terras, o Vila Amiens, o Chaves, etc. Como disse no primeiro escrito, foi uma pena termo-nos separado em Vila Real, terminada a comissão, desejosos todos de partir para as nossas famílias, sem o cuidado de trocar endereços que nestes anos seriam preciosos para nos reencontrarmos. A maioria dos oficiais e sargentos foram mobilizados de outras zonas. No nosso caso e do João M. C. Baptista, estávamos já na disponibilidade e a viver nos Açores.

    O nosso Comandante de Companhia foi o Capitão, hoje General, José dos Santos Carreto Curto.

    Fomos a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Tivemos depois um pelotão em Cacine. Estivemos também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, assim como em Catió, até que tudo se agudizou em termos operacionais. Para Buba chegou uma companhia, a 154, outra para Cacine e por muitas outras localidades foram chegando mais unidades consoante a guerra se intensificava.

    As fotos mostram o quartel de Tite onde se instalou o primeiro Batalhão, o 237, ao qual passámos a pertencer como tropa operacional e por questões de organização.

    Acompanhámos o primeiro ataque a Tite [, em 23 de Janeiro de 1963,], de Fulacunda saíram reforços nos quais estivemos integrados, visto que o Batalhão, como sede, não estava ainda operacional.

    A nossa companhia, a 153, acabou por ficar toda junta e em várias missões percorremos todo Sul na busca e destruição das casas de mato que o PAIGC proliferava por tudo quanto eram zonas mais ou menos isoladas. (...)

    ______________

    Notas do editor:

    (*) Vd. poste de 30 de novembr0 de 2018 > Guiné 61/74 - P19247: In Memoriam (331): O Tenente-General de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, ex-Comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), faleceu hoje, 30 de Novembro de 2018, no Hospital das Forças Armadas de Lisboa

    (**) Vd. poste de 25 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11005: Efemérides (119): A morte do comandante Vitorino Costa, um revés para o partido de Amílcar Cabral, em 1962, ainda antes do início oficial da guerra

    (***) Vd. postes de:

    18 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

    (...) Fui militar, classe de 1959. Pertenci à Arma de Engenharia, Batalhão de Transmissões , tendo sido telegrafista no RE 2,e posteriormente no Centro de Transmissões do Quartel General da 1.ª RM, nos anos 60/61. Neste Centro de Transmissões fui escravo da especialidade que tinha, trabalhando de noite e dia, com prevenções sucessivas como quando do assalto ao Santa Maria.
    Em Julho de 61 fui para a Guiné integrado no Comando do BCAÇ 237, aquartelado em Tite até Outubro de 63.
    Depois do que acima fica dito, quero dizer-lhes que a Guerra da Guiné merece ser contada sem paixões nem vaidades. Quase diariamente corro a persiana e espreito a janela do Vosso Blogue, o que me permite dizer ter a opinião de alguma crítica ao que é dito nos Postes referenciados.
    Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:
    (i) O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. Actos repelentes, sem confirmação,  não devem ser credibilizados. (...)
    (...) Comentário de L.G.:

    Já em tempos, mais exactamente em 23 de Abril deste ano, fui contactado, por telefone, pelo José Pinto Ferreira, natural de (e residente em) Marco de Canaveses, concelho com o qual de resto tenho afinidades, pelo casamento e pela amizade. No essencial, o José Pinto quis dar-me alguns esclarecimentos sobre o Cap Inf José Curto, Comandante da CCAÇ 153/BCAÇ 237, subunidade que estava sediada em Fulacunda, aquando do ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963, data tradicionalmente tida como a do início da guerra na Guiné.

    Sobre a lenda do então Cap Inf José Curto (de que eu próprio me dei conta na visita que fiz ao Cantanhez, no início de março de 2008, aquando realização do Simpósio Internacional de Guiledje, Bissau, 1-7 de março de 2008), o ex-1.º cabo radiotelegrafista contou-me o que sabia, nestes termos: houve um guerrilheiro que foi morto, já lá para as bandas do Cantanhez, num ataque de surpresa a uma das barracas do PAIGC. Ao que parece, era um tipo importante da guerrilha, que estava no início da sua organização, e que foi reconhecido pelo guia ou por um cipaio. Estávamos no início da guerra, com todo o sul já polvorosa. Um militar da companhia terá, à revelia, do seu comandante, decepado o cadáver, para trazer, para Fulacunda, uma prova da sua eliminação física.

    Este terá sido o princípio da lenda... O Capitão passou a ser o diabo, o terror do sul da Guiné, segundo a Rádio Conacry. Para o José Pinto, o Capitão José Curto era um militar corajoso que foi apanhado pelo eclodir da guerra de guerrilha no sul (Regiões de Quínara e Tombali), e para a qual as NT estavam muito pouco ou nada preparadas, em termos humanos, psicológicos e militares... O raio de acção da sua companhia ia de Fulacunda a Cacine (onde tinha um Grupo de Combate!).

    Atenção: ele, José Pinto, não presenciou este acto, "ouviu contar" à malta da companhia (que pertencia ao mesmo batalhão, o BCAÇ 237)... Fiquei de voltar a falar com ele, desta vez pessoalmente, em Ariz, o que até agora ainda não se proporcionou... Recebo agora este mail em que ele volta a reabilitar a memória do Cap José Curto (hoje General reformado, ao que ele me diz).

    (...) Ao nosso blogue interessa apenas a verdade dos factos. Como é nossa norma, não fazemos juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão).

    Sobre o episódio acima narrado, tenho uma outra versão, mais consistente e válida, de um graduado da própria CCAÇ 153, e que estava com o seu comandante, o Cap Inf José Curto, nesse dia e local, e que portanto é uma testemunha privilegiada. Sei que, depois do regresso à metrópole, em meados de 1963, o pessoal da CCAÇ 153 nunca conseguiu reunir-se e muito menos com o seu Comandante, sobre o qual de resto esse graduado confirma a opinião do José Pinto de ser um "oficial corajoso".

    (...) Este camarada poderá (...) vir a integrar a nossa Tabanca Grande, no caso de aceitar o meu convite. Até à data só tínhamos notícia do João Baptista, fur mil da CCAÇ 153, e açoriano, autor do blogue Fulacunda, mas infelizmente já falecido há um ou dois anos. (...)


    10 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 - P6965: In Memoriam (50): João Baptista (1938-2010), um camarada, um amigo, um irmão (Octávio do Couto Sousa)

    (****) Último poste da série > 2 de novembro de 2018 >Guiné 61/74 - P19160: Recortes de imprensa (98): In Memoriam - Professor Doutor Carlos Cordeiro - Homenagem no Jornal Correio dos Açores (3) - Biografia por Carlos E. Pacheco Amaral

    sexta-feira, 30 de novembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19247: In Memoriam (331): O Tenente-General de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, ex-Comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), faleceu hoje, 30 de Novembro de 2018, no Hospital das Forças Armadas de Lisboa

    IN MEMORIAM


    Tenente-General José dos Santos Carreto Curto
    Ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63)


    1. Mensagem de Ana Filipa Curto, filha do Tenente-General José dos Santos Carreto Curto, com data de hoje, 30 de Novembro:

    Olá, muito boa noite,

    O meu nome é Ana Filipa Curto e sou a filha mais velha do Tenente-General José dos Santos Carreto Curto. Encontrei os vossos endereços de email no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné e estou a contactar-vos no sentido de vos comunicar a notícia de que o meu pai infelizmente faleceu hoje de manhã no Hospital das Forças Armadas em Lisboa.


    Como sei que o meu pai tinha uma ligação muito forte com a Companhia 153 da Guiné, gostaria igualmente de solicitar a vossa ajuda no sentido de contactar os seus camaradas para lhes transmitir esta triste noticia, bem como pedir os contactos telefónicos daqueles que gostariam de assistir às cerimónias fúnebres que irão ter lugar muito brevemente (amanhã à hora do almoço já terei mais pormenores que vos transmitirei igualmente via email).(*)

    Agradecendo desde já a vossa vossa atenção, ajuda e gentileza, despeço-me cordialmente,

    Ana Filipa Curto


    Vila Real  > RI 13 > Agosto de 1963 >  CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) > O regresso a casa... Na foto, o 1.º pelotão... Repare-se no fardamento, o caqui amarelo... O Comandante era o então Cap Inf José dos Santos Carreto Curto,  Ten-General reformado, natural de Castelo Branco, que faleceu ontem em Lisboa. O então Cap Inf José Curto foi o primeiro Comandante da CCAÇ 153, e era contemporâneo do George Freire (e do seu curso da Escola do Exército), que deixou a carreira militar e emigrou para os EUA. Seu nome completo: Renato Jorge Cardoso Matias Freire,  esteve na CCAÇ 153 - mas também comandou a 3.ª CCAÇ Indígena (a antecessora dos Gatos Pretos) e a 4.ª CCAÇ Indígena, antecessora da CCAÇ 6, sediada em Bedanda.

    Foto: © João Baptista (1938-2010), autor do blogue Fulacunda.  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


    2. Já aqui falámos do primeiro grande revés que o PAIGC sofreu, com a morte de Vi(c)torino Costa, Vitorino Costa foi morto, numa emboscada em 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153, comandado pessoalmente pelo Cap Inf José Curto, na região de Quínara, nas proximidades de Darsalame. (**)

    Victorino Domingos Costa e o seu irmão, Manuel Saturnino da Costa (, futuro primeiro-ministro da República da Guiné-Bissau), foram dois  dois dos históricos militantes enviados para a China para receber treino político-militar, juntamente com João Bernardo Vieira (Nino), Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira e Hilário Gomes, tendo sido recebidos pelo "grande timoneiro", Mao Zedong, em 1961.

    Infelizmente temos poucas referências, no nosso blogue, ao Cap Curto (8) e à  sua CCAÇ 153 (17). E não temos nenhum camarada vivo, registado como membro da Tabanca Grande. Apresentamos à filha e demais família e amigos, bem como aos camaradas, ainda vivos, da CCAÇ 153, as  nossas condolências pela morte de mais um bravo da Guiné.


    3. Actualização da notícia:

    Mensagem recebida hoje, 1 de Dezembro, no nosso Blogue:

    Caro Carlos Vinhal,
    muito obrigada desde já pelas suas condolências e pela sua disponibilidade.
    Agradeça em meu nome aos Editores da Tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

    O meu pai estará em Câmara Ardente na Capela da Academia Militar em Lisboa hoje a partir das 18h30 (entrada pelo Paço da Rainha), sendo que amanhã dia 02 de dezembro será celebrada missa de corpo presente pelas 16:00 Horas, prosseguindo depois para cremação no Cemitério do Alto de São João.

    Muito obrigada desde já e até breve,
    Ana Filipa Curto
     ____________

    Notas do editor

    (*) Último poste da série de 11 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19089: In Memoriam (330): Diamantino Gertrudes da Silva (1943-2018), ex-comandante da CCAÇ 2781 / BCAÇ 2927 (Bissum, 1970/72), "capitão de Abril", escritor (Carlos Matos Gomes)

    (**) Vd. poste de 25 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11005: Efemérides (119): A morte do comandante Vitorino Costa, um revés para o partido de Amílcar Cabral, em 1962, ainda antes do início oficial da guerra

    quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

    Guiné 63/74 - P16812: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)


    Guiné > 1964 > PAIGC > Cassacá > I Congresso.do PAIGC, Quinta, 13 de fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de fevereiro de 1964 > Arafam Mané e  Amílcar Cabral, em foto de grupo, durante o I Congresso.do PAIGC, em Cassacá, (Pormenor),.

    Foto (e legenda): Portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, Consult em 28 de junho de 2016. Disponível em http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05224.000.056 (Reprodução parcial, com a devdia vénia)





    Foto nº 1 > Guiné > Região de Quínara >  Tite > 1964 > Quartel de Tite,.  "O edifício da direita albergava o Centro de Transmissões. O da esquerda, não recordo bem, mas tenho a vaga ideia de serem as Cozinhas e Refeitórios das Praças."



    Foto nº 2 > Guiné > Região de Quínara >  Tite > 1964 > Quartel de Tite >  "As messes de Sargentos (foto) e a de Oficiais, ficavam fora do perímetro de arame farpado (como se vê) e em frente à Porta de Armas; uma à esquerda e outra á direita."

    Fotos do álbum do  nosso camarada Santos Oliveira (2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66).


    Fotos: © Santos Oliveira (2008). Todos os direitos reservados.



    O inicio da Guerra Colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam Mané (1945-2004) -Parte II (José Teixeira)


    I. Preâmbulo

    Todos nós, os que passamos pela guerra, temos vindo com o tempo, a tentar passar aos vindouros as situações vivenciadas no ambiente agressivo da guerra. É o nosso ponto de vista. Com mais ou menos romantismo; com mais ou menos realismo, vamos escrevendo o que a nossa memória registou. É comum ouvirmos camaradas nossos contar testemunhos de situações que vivemos em conjunto e encontrarmos diferenças, ou pormenores que desconhecíamos. Foram vividas em comum, mas analisadas por outro ponto de vista. Alguém,  com outra base académica ou cultural, ou até com outra visão politica e militar da situação. O local e ângulo de onde se está a vivenciar o acontecimento, afeta a informação registada na memória.

    Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes e respeitáveis. São estes conjuntos de ponto de vista, diferentes entre si, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História.

    Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante, (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné.


    II. Sinopse da entrevista - II parte


    O Arafam Mané, nesta segunda parte da sua entrevista, fala-nos do capitão Curto e confessa que a guerrilha já era um fato corrente em 1963, ou seja, tinha sido iniciada possivelmente em 1961. A prova mais evidente é a forma com ele descreve o capitão Curto. O medo que os guerrilheiros tinham, já nessa altura, desse oficial português, pela forma dura e violenta como se impunha era evidente, ao ponto de logo no dia 23 de janeiro [de 1963], ou seja, na manhã seguinte, depois daquela noite dura de violência e sofrimento em Tite, correr com o seu grupo de guerrilha a montar-lhe uma emboscada. 

    Bastou ao comandante Arafam Mané, ouvir dizer que o capitão Curto ia chegar a Tite para mobilizar os seus homens, cansados, e ainda não libertos das emoções da noite anterior.

    Chega a afirmar na entrevista que o capitão português foi morto nesse mesmo dia, 23, e que  o seu corpo fora enviado de avião para Bissau. Note-se que o capitão Curto não morreu na dita emboscada e ainda hoje é vivo, Sabe-se que chegou á Guiné em 26 de maio de 1961 como comandante da CCaç. 153. 

    Esta companhia ficou sediada em Fulacunda e a sua ação estendia-se por todo o sul da Guiné, regiões de Quínara e Tombali.  Posteriormente, o seu comandante foi promovido a major, tendo  deixado a companhia. Talvez este episódio da sua promoção a oficial superior tenha coincidido com os acontecimentos narrados pelo entrevistado,  Arafam Mané,  que associa o seu desaparecimento do teatro de operações .à sua  suposta morte, Houve vários boatos ma altura sobre o destino do cap Curto, por exemplo, ele  próprio teve de desmentir, em entrevista 20 de Março de 1963, dada a um jornalista da ANI - Agência de Notícias e Informação, a falsa notícia da sua morte: a propaganda do PAIGC aproveitou habilmente este episódio  para o dar como prisioneiro pelo PAIGC, levado para Conacri, julgado em Tribunal Revolucionário e executado...

    Nota-se,  nesta descrição da emboscada à companhia do Capitão Curto, alguma incoerência na relação com o ataque a Tite, ao mesmo tempo vem confirmar que esse ataque foi de iniciativa pessoal do jovem Arafam Mané, servindo-se da população local. Uma emboscada a uma companhia de soldados veteranos, – a CCaç 153 chegara à Guiné em maio de 1961e estava marcada pelo inimigo pela sua dureza – não se faz com três armas e uma pistola e algumas armas obsoletas da população, possivelmente canhangulos, como acontecera no ataque a Tite.

    Era o tempo em que as Forças Armadas Portuguesas no terreno tinham a supremacia das armas e o inimigo sabia-o bem.

    A forma como os guerrilheiros se passeavam pela Guiné, nas “barbas” da tropa,  também está bem patente nesta parte da entrevista em que o jovem guerrilheiro Arafam Mané, então com 17 ou 18 anos,  se dá ao luxo de pedir boleia... à tropa que andava à sua procura.

    Não hesito em afirmar que houve situações destas em todo o tempo em que decorreu a guerra. Recordo o testemunho que de uma ex-guerrilheira em 2008, ao afirmar que pegava num cântaro cheio de arroz cozido à cabeça, punha-lhe a rede de pesca em cima e, quando era interpelada pela tropa, afirmava que ia à pesca na bolanha. Seguia calmamente o seu caminho ao encontro dos guerrilheiros com o “tacho” para matar a fome.




    Cabeçalho  de O Defensor, órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição nº 22, dezembro de 2015, 16 pp., disponível aqui em formato pdf. O jornal, fundado em 1994, e de periodicidade mensal, tem como diretor o major Ussumane Conaté.



    III. Entrevista com o coronel Arafam Mané - Parte II


    Esta entrevista foi concedida em 2001 ao jornal “O Defensor”, órgão mensal das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo, Guiné-Bissua.,  no quadro da recolha de depoimentos dos Combatentes da Liberdade da Pátria sobre os acontecimentos históricos que marcaram a luta armada de libertação nacional, entrevista essa  reproduzida no sítio  das FARP,  em novembro de 2015. Excertos transcritos com a devida vénia.(A entrevista completa pode serlida aqui. no sítio das FARP, Guiné-Bissau.)

    (Continuação) (*)

    O Defensor – A que hora aconteceu 
    o heróico ataque ?


    Coronel ADM - O ataque foi realizado à meia-noite de 22 para 23 de janeiro de 1963. Quando terminou a operação,  considerámo-la de positiva. Regressámos ao local de concentração. Durante o assalto, o meu guarda-costas, Wagna Na Bomba, foi atingido por uma bala inimiga e foi transferido para uma tabanca balanta onde recebeu tratamentos. 

    Foi nessa tabanca que formos informados da notícia que dava conta que o capitão Curto, mais conhecido no Sul pelo nome de “Chapa ou fogo”, prometeu queimar todas as tabancas circundantes de Tite até a tabanca de Bacar Conté [, sitiado hoje no Parque das Lagoas de Cufar,], caso se confirmasse o ataque perpetrado pelo grupo de guerrilheiros contra o quartel de Tite.

    Então, nessa circunstância, para evitar que se concretizassem as intenções do capitão Curto, salvar a nossa pele e a vida das populações da área, resolvemos fazer uma emboscada na estrada que liga Serra Leoa e Candjabela. 

    Felizmente, o inimigo que prometeu transformar várias aldeias [da Região] de Quínara em chamas devido ao ataque perpetrado pelo comando de guerrilha contra o quartel de Tite, caiu na nossa emboscada e foi atingido pelas balas dos nossos camaradas e morreu pelas 14 horas do dia 23 de janeiro de 1963. O seu corpo foi no mesmo dia recuperado e transportado de avião para Bissau. 

    No dia 24 de janeiro de 1963 dirigimo-nos para S. João com o intuito de ir buscar o camarada [António Alcântara] Buscardini ]1943-1980] mas, infelizmente, não o encontrámos. Assim, resolvemos saquear o armazém da loja ]da Casa] Gouveia,  levando connosco, entre outros, muitos produtos alimentares. Levamos igualmente o empregado do armazém.

    Alguns tempos após a operação fui chamado em Conacri, onde funcionava a sede do partido, o PAIGC, donde segui para a República Popular da China para receber formação militar.

    Nós nunca dissemos que iniciamos a guerra contra os colonialistas portugueses com o ataque contra o quartel de Tite; foi o próprio Amílcar Cabral quem o disse. Aliás, foi ele quem tornou público o início da guerra entre os dias 27 e 28 de janeiro de 1963. As armas obtidas foram distribuídas a Malam Sanhá, Casimiro, Rui, entre outros chefes.

    A pistola com a qual dei o primeiro tiro, foi-me dada pelo camarada, Luís Cabral. Era uma pistola marca Walt[h]er que recebi durante o período de mobilização. Foi assim que a luta armada começou na Guiné e continuou sem parar até a proclamação da independência do país em setembro de 1973.

    Em 1962, começamos a concentrar-nos no mato. Mas a concentração era feita no maior dos segredos. Os nossos contactos com algumas zonas, assim como com o homem grande, chamado Aniceto, que Amílcar Cabral mesmo nos recomendou encontrar no sul,  realizavam-se sempre na clandestinidade. Quando encontramos o Aniceto, este nos confirmou que conhecia pessoalmente o camarada Amílcar Cabral. A guerra começou assim de forma espontânea. Foi assim que aconteceu em Angola e Moçambique.




    O Defensor – Como é que se alimentava a guerrilha 
    no principio da luta?


    Coronel ADM - Éramos alimentados pela população das tabancas do Sul, pois na altura não tínhamos criado bases fixas. Mas, eu pelo menos tinha uma base. Mas, apesar de não termos bases fixas, mantínhamos contactos secretos com as populações da zona, que conheciam muito bem e secretamente os pontos habituais de encontros com a guerrilha. De facto, quem sabia da existência desses pontos de encontros eram os chefes de tabancas e “donos de morança” [chefes de família]. À noite, para dormir mudávamos de lugares, escolhendo locais mais seguros e que ninguém conhecia.

    Uma vez fui até a cidade de Bolama,  onde realizei reuniões com alguns camaradas no cemitério de Waque. Depois da reunião fui pernoitar junto das instalações dos Bombeiros. A única pessoa que sabia disso era o camarada Sabino Cabral. Quando amanheceu, fui sentar-me no jardim onde vi passar as tropas coloniais que, tendo informação da minha presença, procuravam capturar-me. Depois de passarem, abandonei o jardim e fui tranquilamente ter com Sabino Cabral a quem comuniquei que ia atravessar o rio no mesmo bote com os "tugas"; mas ele rejeitou a minha ideia dizendo que era perigoso. Mas assegurei-lhe que podia fazê-lo sem qualquer problema, porque nem um "tuga" me conhecia. 

    Na altura, eu tinha 17 anos de idade e não tinha medo de nada. Não obstante o perigo, consegui concretizar a minha ideia de atravessar com os "tugas" no mesmo bote. Quando atravessamos o rio, as mesmas tropas coloniais me levaram de boleia até Nova Sintra.



    O Defensor – Quantos guerrilheiros participaram 
    nesta arriscada e histórica operação?


    Coronel ADM - Falando do efetivo que realizou a operação contra o quartel de Tite, era cerca de 150 pessoas, gente que não tinha nenhuma preparação militar nem tão pouco conhecimento nem noção da guerra. Quem tinha essa noção érmoas nós que viemos de Conacri, éramos poucos.

    Recordo-me ainda de alguns camaradas que participaram na operação tais como o actual major Québa Djam Djassi, Seco Turé, Seco Djassi, Bemba, Wagna Na Bomba, entre outros. Mas todos eram elementos da população, não havia militares entre nós. O ataque durou praticamente uma hora. 

    Quanto a capacidade combativa do inimigo, ela foi de cem por cento, o que lhe faltava no momento da ação era a experiência. Eles eram homens bem treinados mas não tinham grandes experiências porque talvez, nunca se tinham envolvido em situações desse género.

    Em termos de equipamentos os "tugas" tinham armas, munições, transportes, meios de comunicação, fardamentos e recebiam treinos militares que na altura, nós não tínhamos. O que tínhamos era a convicção de conquistar a independência nacional.




    O Defensor – Mas porque decidiram atacar o quartel de Tite 
    quando não tinham meios bélicos suficientes e adequados?


    Coronel ADM – Para além deste quartel se encontrar na zona 8, que era uma área que eles controlavam, no local estava encarcerado um número importante de militantes do nosso grande partido, o PAIGC. Por outro lado, resolvemos atacar o quartel para alertar os "tugas"  sobre a nossa presença naquela aérea. Antes do ataque deste quartel as relações dos "tugas" com as populações eram uma relação de terror.

    Não sei se uma vez ouviu falar do capitão Curto, mais conhecido no seio da população por “Chapa ou Fogo”. Mas o que é "Chapa ou Fogo" ? Quando regressamos de Conacri viemos com emblemas e bandeirinhas como prova da nossa militância no PAIGC. A “chapa” e a bandeirinha demonstravam também que, quem tinha o emblema era da célula do partido,  PAIGC. Recordo que em 1962 os emblemas (“chapas”) foram distribuídos em grande quantidade no sul.

    A “chapa” era um emblema que se entregava secretamente aos militantes do partido na clandestinidade. Porque no seio da população daquela área, havia pessoas que estavam contra o PAIGC, algumas delas denunciavam junto dos "tugas"  os compatriotas que tinham ligações com o partido e possuíam o emblema conhecido por “chapa”.



    (continua)

    Introdução, seleção, notas [inckluindo parênteses retos], revisão e fixação de texto: Zé Teixeira

    _____________

    Nota do editor: