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sábado, 24 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19229: Consultório militar do José Martins (38): Pedido de Informações sobre a CCAÇ 2466 / BCAÇ 2861, Bula e Encheia, 1969/70, a que pertenceu o meu avô (Cristiana Duarte)

1. Mensagem do nosso colaborador permanente José Martins [ex-Fur Mil Trms,  CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70):

Data: quarta, 14/11/2018 à(s) 21:43
Assunto: Resposta a pedido de informações sobre a CCAÇ 2466

Caríssimos:

Estive hoje no AHM [, Arquivo Histórico-Militar,]  e consultei a História do BCAÇ 2861, processo bastante extenso. [Cota: 2/4/109/1)

Capítulo I – Mobilização, Composição, Deslocamento

Historia o início do batalhão, em 4 páginas.

Do Anexo 1, ao Capítulo I, constam 17 páginas com a composição de todo o batalhão. Em relação à CCAÇ 2466 [, Bula e Encheia, 1969/70,], estão nas páginas 13 a 17 (5 páginas).

Capítulo II – Actividade operacional

São 194 páginas, cujo resumo se encontra nos livros da CECA, volume 7, páginas 124 a 126.

Capítulo III – Baixas – Punições – Louvores – Condecorações.

São 41 páginas com os respectivos registos que, sem saber o nome do nosso camarada, o avô da Cristiana Duarte,] não é possível detectar algum registo.

Arquivo Histórico Militar

Telefone 218 842 415

Largo do Outeirinho da Amendoeira

1100-386 Lisboa

Horário: 2ª a 6ª feira, das 10H00 às 12H15 e das 13H45 às 16H45.

Não sei se o mail «ahm@mail.exercito.pt» ainda está activo.

Se necessitarem de algo mais, ao serviço de V. Exªs.

"Saúde e Fraternidade" e "A Bem da Nação"

Abraço

Zé Martins


2. Mensagem da nossa leitora Cristiana Duarte:

De: Cristiana Duarte  [email: cristianaduarte1425@gmail.com]

Data: terça, 11/09/2018 à(s) 14:48

Assunto: Pedido de Informações sobre a CCAÇ 2466

Boa tarde.

Tenho estado a ver o vosso blogue "Luís Graça & Camaradas".

O meu avô esteve na Guiné, no BCAÇ 2861,  CCAÇ 2466, tenho procurado informações sobre esse batalhão e essa companhia.

Gostaria de saber se por acaso o senhor não tem informações do mesmo ou se não me consegue disponibilizar um site que contenha por exemplo a listagem dos militares presentes nesse batalhão.

Aguardo resposta

Cumprimentos
Cristiana

PS - O nome do meu avô é José Henriques Ferreira [mensagem de 25/11/2018]
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18653: Consultório militar do José Martins (37): Monumento aos Combatentes de Vila Chã da Beira

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12742: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (12): Chegou Polidoro, "O Terrível"

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 11 de Fevereiro de 2014:

Meu caro Luís Graça.
Camarada.
De baraço ao pescoço, quero pedir-te desculpa por só agora retomar a série "furriel enfermeiro, ribatejano e fadista".
Qualquer explicação poderia suar a falso, pelo que não a apresentarei. Mas para sossego de todos que sobre a ausência se interrogam, direi que nada de grave se passou, felizmente. Outras escritas por cumprir por mim chamaram.
Aqui tens o 13º episódio da saga. Depois do relato da saída do comandante César Cardoso da Silva, era inevitável falar do homem que o substituiu.

Um abraço para ti, para os nossos editores e todos os restantes camaradas.
Armando Pires


FURRIEL ENFERMEIRO, RIBATEJANO E FADISTA

12 - Chegou Polidoro, o terrível

(...) Estou a vê-lo, ao Polidoro, galões reluzentes sobre um camuflado acabadinho de sair do Casão Militar, olhos protegidos pelas lentes escuras de uns inevitáveis Ray-Ban, pingalim tremelicando na mão direita, voz forte e decidida advertindo a força em parada: - Não me tomem por periquito, que de guerra venho eu farto.

“in armando pires, P4778”

Queiramos ou não, a primeira imagem, a primeira impressão que causamos, acompanha-nos vida fora, cola-se-nos à pele como lapa. Podemos melhorá-la, ou piorá-la, “vê lá tu, pá, quem diria que aquele gajo se transformava no que é hoje”, mas a primeira impressão fica para sempre.

À primeira, eu vi o Polidoro assim.
Emproado, como um pavão. Escreva-se, por ser verdade, ele fez tudo menos querer causar uma primeira boa impressão.

O tenente coronel João Polidoro Monteiro chegou a Bissorã nos primeiros dias de Outubro de 1969, para comandar o BCAÇ 2861 em substituição do tenente coronel César Cardoso da Silva. Seguramente, pelas razões que, sucintamente, relato no meu P12333, alguém em Bissau deve ter dito a Polidoro Monteiro, “vá ali comandar aqueles gajos e meta-os na ordem".
Se foi esta a ordem, se era este o efeito pretendido, então não podiam ter escolhido melhor. Como se diz na gíria do futebol, Polidoro fez uma entrada a pés juntos, uma entrada a matar.
Ao advertir-nos que vinha farto de guerra, fez-nos sorrir. Sabíamos da sua proveniência do comando da Guarda Fiscal, em Moçambique.

 A frase seguinte do seu discurso de apresentação foi para avisar que não permitiria a nenhum militar que andasse mal uniformizado dentro do quartel e, em particular, pela vila de Bissorã. O aviso preocupou a todos. Mas o novo comandante não mandaria destroçar sem nos transmitir a informação que nos deixou incrédulos. Iria mandar realizar um exercício de defesa de Bissorã.
Seria um simulacro de ataque inimigo, em que todos e cada um realizariam tarefas precisas e pelo comando pré-determinadas, por forma a garantir adequada protecção da população e das instalações militares.

Ainda mal refeitos da surpreendente determinação já o exercício se iniciava com um toque a rebate no sino da igreja, que teve como efeito, por entre sorrisos mal contidos, ver o padeiro correr em defesa da padaria, os artilheiros a mergulharem no espaldão de morteiros, eu na enfermaria, sentinela alerta, à espera do que desse e viesse, e, entre especialistas vários, até o pessoal das oficinas, de G3 na mão, em defesa, quiçá, das viaturas.

Ai Polidoro, Polidoro, o que tu foste arranjar. Acordaste o leão.
Três dias depois do divertido exercício, mais propriamente a 8 de Outubro, pelas 21h10, o IN flagelou a vila de Bissorã, com particular intensidade a tabanca da Outra Banda, habitada pela etnia balanta. Foram ali incendiadas várias moranças, roubaram gado, causaram vários feridos entre a população, e, mais grave do ponto de vista militar, tendo chegado ao perímetro do arame farpado, os guerrilheiros entraram num abrigo de onde tinham fugido os dois milícias ali em serviço, levando com eles a metralhadora Breda M37 que lá ficara.

O comandante Polidoro foi rápido na resposta a esta acção. Chamou o cap. mil. João Abreu, comandante da companhia independente CCAÇ 2444, e ordenou-lhe que fosse colocado um pelotão em permanência no alto da Outra Banda, assim conhecida por ficar “do lado de lá” do Rio Armada. Era de lá que, preferencialmente, PAIGC flagelava Bissorã e assaltava as moranças.
Vila e tabanca apenas ficavam unidas por uma estreita ponte em madeira, que passava sobre o rio.

Numa tosca casa de piso térreo que lá havia, mesmo no lugar de onde partia a estrada para Binar, acomodaram-se os homens da 2444 que abriram extensas valas defensivas, em zig-zag, ao longo do arame farpado, a partir das quais reagiriam ao fogo inimigo. Não demoraram muito as obras. Uns escassos cinco dias a partir da ordem dada pelo comandante.
Foi “inaugurado” aquele destacamento a 14 de Outubro, precisamente o dia escolhido pelo inimigo para voltar a flagelar Bissorã, mas desta vez vindo o fogo do lado da estrada do Barro.

Foto 1 - Bissorã, 1970 – O destacamento da Outra Banda. A protecção à casa já foi levada a cabo pelos homens da CCAÇ 13, à qual pertencia o fur. mil. Adriano, que se vê em primeiro plano. 
Foto © cedida pelo Fur Mil Carlos Fortunato

O Comandante Polidoro Monteiro levou mais tempo a reagir ao ataque que o In levou a cabo a partir da estrada do Barro. Foi mesmo preciso que lá voltasse uma e outra vez, que a CCAÇ 2444 fosse rendida pela CCAÇ 13, que acabara de se formar, para tomar uma decisão.
Comandava a 13 o cap. mil. Aberto Durão.

Com este a seu lado, o comandante Polidoro chamou o Furriel Miliciano Carlos Fortunato, especialista de armas pesadas mas que em Bolama fez um curso suplementar de minas e armadilhas, por ser tido como um rapaz calmo e sereno, e incumbiu-o, num lugar que indiciava ser aquele onde os guerrilheiros instalavam as suas armas pesadas, de montar um dispositivo capaz de eliminar a ameaça.

O Fortunato (trato-o assim por ser aquele que preside à Associação Ajuda Amiga, da qual também faço parte), levou das oficinas auto meia dúzia de bidons do gasóleo, carregou-os com dinamite, acabou de os encher com tudo o que pudesse transformar-se em armas mortíferas, uniu-os por um fio condutor que vinha enterrado até à casa do gerador, onde foi ligado a um dínamo de manivela.
O In atacava, dava-se à manivela, os bidons explodiam e pronto.

Mas um mês depois de montada a armadilha, o furriel Fortunato voltou a ser chamado, desta vez para a “desarmadilhar”. Das razões da ordem ele não cuidou de saber. Mas, comentando o caso, é sua ideia que alguém, fosse em Bissau fosse na administração da vila, não terá gostado do plano, não terá gostado do local onde ele foi executado, por ser área agrícola, zona de cultivo das populações.
Resultado, depois de tomadas todas as providências, o furriel Fortunado deu à manivela e BUM!!! Naquele lugar não ficou terra firme para instalar morteiros inimigos, nem terra capaz de semear o que quer que fosse.

Foto 2 - Bissorã, 1970 – Em dia de festa popular, e chegado de uma deslocação ao sector, o ten. cor. Polidoro Monteiro , à direita, com o alf. capelão Augusto Baptista.

Um oficial de parada. Muitos o qualificaram assim.
Falta de jeito ou feitio, o certo é que o comandante tinha uma especial queda para “chatear” a malta. A farda era o seu alvo preferencial.

Por muito estranho que pareça, esse foi também o discurso de abertura que levou às três companhias operacionais do batalhão, a CCAÇ 2464, em Binar, a 2466, em Encheia, e a 2465, no Bissum, quando a elas se foi apresentar.
Em Bissorã, foi com particular mau estar que foi recebida punição do Furriel Miliciano do PelRec Aviz Pires, por andar sem boina.

E o voleibol, o seu desporto favorito?
Sete da manhã. Sem aviso mandava acordar um grupo de oficiais e sargentos por ele escolhido:
- O senhor comandante manda dizer que já está lá em cima no campo à espera. E que ninguém chegasse depois das 7 e 30.
- Filipe, já aí veio o motorista dele acordar a malta.
- Que horas são?
- Sete.
- Ó Pires, não gozes, deixa-me dormir.
- Ok! Vou andando que não estou para aturar o gajo.

Pouco passava das 7h30 quando ao campo chegou o Filipe, levado pelo motorista do comandante, que o fora buscar ao quarto.
- Olhe lá, ó senhor furriel, julga que está nalguma colónia de férias?

Deixemos ficar no olvido o azar que o Dr. Oliveira lhe tinha quando, àquela hora da noite em que ele achava já não ser recomendável andar na rua, o comandante o chamava para a mesa do bridge. E no entanto, este homem empertigado lá no alto dos seus galões, era, nas horas vagas, um tipo afável no trato, um bom conversador.

Foto 3 - Bissorã,1970 – Numa recepção oferecida pela comunidade local, eu à conversa com o ten. cor. Polidoro Monteiro. À esquerda, o comandante da CCAÇ13, cap. mil. Alberto Durão.


Carta ao tenente coronel João Polidoro Monteiro

Meu Comandante
Não sei se aí, no lugar onde se encontra, tem acesso à internet, e se, caso afirmativo, é seu hábito ler o blog do Luís Graça & Camaradas da Guiné.
O Luís é aquele rapaz furriel miliciano da CCAÇ 12, que o meu comandante conheceu em Bambadinca, quando para lá foi, depois de nos comandar a nós, comandar o BART 2917, onde, deixe-me que lhe diga, o senhor granjeou, entre aqueles que dele faziam parte, grande estima e consideração, como homem e como militar.
Eu escrevo no blog do Luís, acervo maior da nossa memória sobre a guerra e o nosso dia a dia na Guiné, e nele escrevi sobre si. Não quero, se se der o caso de me ler, que pense tratar-se de um qualquer ajuste de contas (cobardia de que não sou capaz) ou que fosse minha intenção beliscar a sua imagem de militar responsável e competente. 
No local onde escrevo ninguém muda a sua condição humana depois de morto. Somos o que somos, escrevemos o que fomos, conscientes de que não escrevemos para nós, mas para assegurar que no futuro ninguém nos acusará de não termos dito ao que fomos, porque fomos e o que fizemos. 
Interpretei na escrita o sentimento que o senhor deixou em nós, homens do BCAÇ 2861. “O homem é o homem e as suas circunstâncias”, escreveu Ortega y Gasset. Não me tomo de filósofo nem tão pouco de psicólogo capaz de ler o comportamento humano. Mas quero que saiba que muitos de nós (não posso dizer todos) sempre esteve presente, como se quiséssemos “desculpabilizá-lo”, o lugar de onde vinha e o que lá fazia, e o que de nós, e sobre nós, ainda que de forma injusta e deturpada, deve ter ouvido em Bissau. 

Meu Comandante
O senhor não foi “pera doce”. Manteve as tropas em exagerado sentido. Não granjeou particulares simpatias. Ouvindo um e todos, desculpe que lhe diga mas não deixou saudades. Mas é certo que também ninguém esqueceu aqueles momentos em que, para defender os seus homens dos ataques “exteriores”, até os tomates lhe subiam à garganta. E eu que o diga, quando em Bissau me que quiseram fazer a folha porque pedira uma evacuação urgente para o 1.º Cabo Catarré, na altura a fazer de barman no bar de sargentos, o qual ao meter cervejas no congelador deixou que uma garrafa caísse sobre as demais, provocando uma “explosão” de vidros, indo um deles, minúsculo, cravar-se-lhe na íris.
Ao vê-lo na enfermaria pensei, “eu aqui não toco, se isto não for tirado rapidamente ficas sem olho, vais para Bissau num fósforo”. 
Ainda estou a ver o ar estupefacto da enfermeira paraquedista, ao ver caminhar para o DO um militar com um enorme penso num olho e eu a dizerr, “é este”
Quando de Bissau chegou a ordem para averiguar os factos, saberá o meu comandante que todos ouviram os seus gritos lá dentro do gabinete.
- Se o vidro se espetasse no olho do cu dos gajos, já havia pressa.

Ainda hoje não sei com quem o meu comandante falou, ou o que falou, sei que dias depois me tranquilizou o Dr. Oliveira dizendo-me, “está tudo resolvido”.
Não podia haver maior ironia.
O meu comandante a evitar uma possível punição ao homem a quem, poucos dias depois de ter chegado a Bissorã, chamou ao seu gabinete para lhe dizer: 
- Sei que andas aí armado em vivaço, mas olha que te dou uma porrada.

Coisas que lhe sopraram aos ouvidos mas que nós, eu e o senhor, por respeito a terceiros envolvidos, mantemos em silêncio. Além de que o tempo se encarregou de dar outro e melhor rumo ao nosso relacionamento, não podendo eu esquecer o apreço que mostrou pelo trabalho da minha equipa, nem a conversa que comigo teve, no seu gabinete, pouco tempo antes de nos separarmos.
- “O primeiro sargento Portugal já tem indicações para tratar do processo da entrega da medalha de Comportamento Exemplar a que tens direito. (nota: Medalha de Cobre – A conceder aos sargentos e praças que completem 3 anos de serviço efectivo e que nunca tenham sofrido qualquer punição disciplinar ou criminal – mantendo-se na actualização feita pelo dec 566/71). Enquanto o processo não fica concluído, tens já aqui a barreta indicativa, juntamente com a barreta da Medalha das Campanhas, que passas desde já a usar no teu uniforme".

E usei, sim senhor, usei e com cagança, sendo elas bem visíveis na fotografia militar com que me identificam lá no blog do Luís Graça. Mas olhe, também deixe que lhe diga, ainda bem que o primeiro Portugal teve mais que fazer do que dar andamento ao processo e eu, chegado a Chaves, muita vontade de me meter a caminho de casa.
Aqui para nós, tendo em vista o que fui e fiz “fora das horas de serviço”, comportamento exemplar era um bocado exagerado. 
Já vai longa esta carta. 
Termino dizendo-lhe que lamentei não ter estado presente naquele nosso almoço de confraternização, realizado na Pateira de Fermentelos, em 1991, porque foi o único a que o meu comandante foi, e, depois disso, não mais o vi. 
Tinha sido uma boa oportunidade para falarmos sobre o que agora lhe escrevo. Mas quem sabe, ninguém sabe, se um dia não nos encontraremos “por aí”, com tempo e oportunidade para pôr a conversa em dia, e eu dizer-lhe, à minha maneira, “olhe que o senhor também foi um bom sacana”. 
Um abraço do Armando Aires 
ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12333: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (11): A decapitação do Comando

sábado, 24 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11974: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (8): Ainda Bula, 1969: Fotos do meu álbum


Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 1 >   Safim – 1969 – Os dois caminhos do meu destino. À esquerda, para Bula, através do Rio Mansoa. Em frente, para Bissorã, via estrada de Mansoa. 



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 2 > Bula, 1969, Porta de armas do Quartel de Bula.


Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 3 > Bula – 1969 - Logo após a chegada, o periquito tira o postal para a família ver como estava longe de casa. [... a 2882 km de Lisboa; Mansoa vficava a 256 km; Nhacra a 52; Safim a 67; Bissau a 82]


Guiné > Mapa da província >  1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: posição relativa de Bula, na região do Cacheu




Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 4 >Bula – 1969 – Esplanada do quartel, vendo-se o écrã onde eram projectados os filmes que vinham de Bissau.




Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 5 > Bula – 1969 – Interior do aquartelamento. Em primeiro plano as oficinas auto. À esquerda, casa das transmissões, secretaria do batalhão e, ao fundo, casa do comando.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 6 > Bula – 1969 – Pau de Bandeira, armazém de víveres e oficina de armamento, à esquerda a enfermaria.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 7 > Bula – 1969 – Abrigo e posto de vigia para a estrada de S. Vicente.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 8 > Bula – 1969 – O “bunker” da sala de operações e informações.




Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 9 > Bula – 1969 – Espaldão do morteiro 81





Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 10> Bula – 1969 – Fortim de Bula. À saída da vila, onde a estrada bifurcava para S. Vicente e Binar.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 11 > Bula -1969 – Alinhamento de uma coluna de reabastecimento para Binar, fotografado do alto do Fortim de Bula.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 12>Bula – 1969 – Eu e o David Ventura, fur. mil. mecânico auto da CCAÇ 2466, meu amigo, conterrâneo e colega de escola.


Foto (e legenda): © Armando Pires (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]>


1. Mensagem datada de 5 de agosto  de 2013, enviada pelo nossocamarada e amigo  nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf  da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70):


Meu Caro Luís Graça, camarada: 

Tal como prometera, envio um conjunto de 12 (doze) fotografias de Bula. Tenho dúvidas quanto à forma de as editar. Por essa razão permito-me enviar duas versões. Como podes ver, a que tem o titulo de Bula 2 ocupa menos espaço no blog, mas algumas das fotos perdem em qualidade. Deixo ao teu critério, ou ao critério do "Editor de Dia", escolher qual das duas versões publicar. Do mesmo modo, também fica ao vosso critério decidir em que série as inscrever. Se na série "furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", se em "Álbum fotográfico..." do que for.

Agora que Bula ficou para trás (P11869) (*), para o álbum recordações deixo algumas das suas mais significativas imagens. E começo pela “porta de entrada para a guerra”, a norte de Bissau, que era Safim... Abraço

2. Comentrário de L.G.:

Meu caro Armando: Levantei-me às 5 da manhã, para editar o teu poste, o que fiz com muito gosto, embora com 3 semanas de atraso... Segunda feira vou para no norte, para Candoz, e aí deixo de ter Net. Quanto às fotos, prefiro sempre o seu envio diretamente por email (e não em formato word) , em formato jpg que pode vir em ficheiro zipado ou não, mas com com uma resolução mínima de 0,5 MB, e as legendas àparte.

As tuas fotos, têm menos de 100 KB, o que quiser dizer baixa resolução... Tive que as editar e ampliar. De qualquer modo, o que conta é o teu gesto, magnânimo, generoso, de partilhar com a Tabanca Grande estas imagens, irrepetíveis, de Buba 1969... Estamos a falar, sem nostalgia, muito nenos nostalgia neocolonialista, de um mundo que se perdeu e que não volta mais...  Um dia os historiadores guineenses vão utilizar as tuas fotos de Bula para falar da história da sua terra... O que dirão, não sei. Mas as fotos de Bula 1969 que estarão disponíveis serão as tuas e de mais alguns tugas. E espero que eles tenham, no mínimo,  um sentimento de gratidão para contigo e por todos os tugas que, cinquentas depois, ainda guardam entre o seus trastes velhos estes restos das suas memórias.

Como eu e os nossos mais  de 600 camaradas que fazem parte desta Tabanca Grande, nós temos o direito e o dever de memória. E cultivamos a memória. Nós estivemos lá. Há coisas que ninguém nos pode roubar,  nem vai roubar. Justamente a nossa memória. As nossas memórias. Obrigado, camarada.

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 25 de julkho de 2013 > Guiné 63/74 - P11869: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (7): O meu adeus a Bula

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10629: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (3): Enquanto não chegar a evacuação, ao meu lado ninguém morre! ... Promessa cumprida! (Parte II)


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ   > Um enfermeiro "rigoroso e... despachado"...



1. Continuação do texto publicado anteontem, da autoria do Armando Pires (ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) (*) [, foto atual à direita,]:

Já era noite fechada em Bula quando o Teixeira, meu soldado maqueiro, veio ao bar dizer-me:
– Furriel, está uma mulher à porta de armas a pedir para tratarmos o filho.
– Já lá vou.
– Mas, ó furriel, olhe que o miúdo se não está morto, parece.
– Leva-a para a enfermaria que eu é só acabar o café.

 Fui de seguida. Em Bula, a enfermaria ficava muito próximo da porta de armas. O bar de sargentos era lá mais para os fundos do aquartelamento. Quando cheguei lá acima, os olhos muito brancos e muito abertos da mulher mandinga, agitavam-se numa correria, ora na minha direcção, ora na do filho que apertava contra o peito. Estendi-lhe os braços pedindo-lhe que me o entregasse. Aquele corpo quase inerte ardia em febre.
– Teixeirinha, vai lá abaixo chamar o doutor e tu, João, arranja-me aí alguém que me ponha a falar com a mulher.

Não lhe conseguimos arrancar uma palavra. Só olhava para o filho, em desesperado silêncio. Chegou o doutor, o alferes miliciano Chaves Ferreira.
– Ó doutor, ela não disse nada mas aqui o Braima, que a conhece, diz que o rapaz tem aí uns cinco ou seis anos e que já deve estar com uma carrada de paludismo há vários dias. Devem ter-lhe feito as mezinhas todas, mas como não resultou trouxe-o aqui.

O doutor Chaves Ferreira era um homem alto que falava em voz baixa.
– O puto está bera, pá – disse-me ele depois de o ter examinado.
– E o que lhe fazemos ? – perguntei-lhe.
– Para já temos que lhe baixar a febre e metê-lo a soro. Depois deitamo-nos a inventar porque para tratar pneumonias é que nós não temos aqui nada. E para um puto desta idade, ainda menos.

Uma pneumonia. Bonito sarilho. Aquele peito franzino nem parecia respirar. Antipirético LM (laboratório militar) partido aos quartos e diluído em água, com uma seringa metido na boca aos poucos e devagar, e a agulha mais fina do tacho de esterilização, capaz de pegar a veia onde entrasse o soro.

E agora?
– Ó doutor – disse-lhe eu – devíamos levar o miúdo para Bissau.
– Pois devíamos – concordou ele – mas a esta hora como é que o levas, a nado?

Entre Bula e Bissau interpunha-se, como sabemos, o rio Mansoa.
– Se o doutor der uma palavrinha ao nosso Comandante, talvez ele concorde em pedir uma evacuação.
Vou lá a baixo falar com ele e tu põe-te de olho no rapaz e vê se lhe baixas a febre.
– Se não baixar com o LM, o que faço?
– Lava-o com água fria.

O Chaves Ferreira saiu e eu pedi ao João, outro dos meus maqueiros, que fosse ao bar buscar um balde com gelo. Enchi de água a tina esmaltada que na enfermaria servia para lavar as mãos e lá dentro meti o gelo que o João trouxera. Na água fria ensopámos um lençol e com ele lavámos o corpo do miúdo.

Quando o doutor regressou foi para me dizer que estavam a tentar a evacuação. Ficámos ali, com o doutor a conjecturar no que mais podia fazer, quando o Machado, o meu cabo-enfermeiro, quase gritou:
– Ó doutor, o miúdo apagou-se.

Saltámos que nem molas. Aquele peito frágil desapareceu no interior das mãos do doutor, que o pressionou, e uma, e duas, e três, “já o tenho”, disse ele, ao mesmo tempo que o miúdo parecia bolsar, “é especturação, vê lá se a tiras que o está a impedir de respirar”, pediu-me enquanto lhe comprimia o peito, como se de dentro dele quisesse expulsar o mal. Tentei um estilete de punção com compressa na ponta, mas o resultado foi fraco. Lembrei-me, então, de ir buscar um tubo de plástico, daqueles para administrar soro, abri-lhe uma ponta a sugerir maior espaço de sucção, na outra ponta do tubo introduzi aquelas borrachas que serviam para lavar os ouvidos, e fui aspirando, aspirando, enquanto o doutor, com o rapaz deitado de lado, ajudava com secas palmadas nas costas.

E disse então o médico:
– Calma, pá, deixa lá agora o gajo descansar.

Foram momentos de grande aflição. Apareceu o [João] Vinagre, alferes miliciano de informações, da CCS [, BCAÇ 2861], para nos dizer que havia a possibilidade de evacuar o miúdo na DO que de manhã iria distribuir o correio pelo sector.
– Ó alferes, mas isso só lá para o meio dia é que o puto vai para Bissau.
– É o mais certo  – retorquiu-me ele.
– E, entretanto, apaga-se-lhe o maçarico.
– O que é que queres que eu faça?
– Se o meu alferes pedisse uma secção à [CCAÇ] 2466 e ao capitão Monge [, do EREC 2454
que disponibiliza-se uma Panhard, a gente logo às seis horas levava o miúdo para Bissau.
– Ó doutor – disse o Vinagre para o Chaves Ferreira – aqui para o seu enfermeiro é tudo facilidades.
– É, pá – foi a vez do doutor falar ao Vinagre  – mas olha que a ideia do gajo não está mal vista.
– Pois, talvez, mas falta convencer o homem da jangada a vir buscá-los a João Landim.
– Aí, falo eu outra vez com o Comandante.


Saíram os dois e eu também. Fui à procura da malta da 66 [, CCAÇ 2466,] e o primeiro a encontrar foi o Furriel Gomes.
–  Ó Gomes, preciso de ti, pá.

Expliquei-lhe o que se estava a preparar e ele respondeu-me que, desde que o capitão autorizasse, com a equipa dele podia contar. Fui ao comando, lancei ao Vinagre  o polegar virado para cima, “secção já temos”, correspondendo-me ele com a informação de que Panhard também. Estava o Comandante a tratar de resolver o problema da jangada.

Reunimo-nos, de novo, na enfermaria. A febre do rapaz baixara, enfim. A barriga parecia menos apressada na sua tarefa de ajudar os pulmões a trabalhar. Sentada na mesma cadeira onde eu a mandei sentar quando chegou, estava a mulher mandinga, a mãe do rapaz. Aquele rosto era só angústia. Chamei o Braima, que cuidava das limpezas e arrumações da enfermaria, pedi-lhe para dar água à mulher e me traduzir. Disse-lhe o que o filho tinha, o que fizemos e o que íamos fazer. Só ela não disse nada. Ela só queria o filho, de novo, encostado ao peito e a respirar com ela.

Adicionar legenda
Veio o alferes Vinagre para nos dizer que a jangada estava garantida. Era só chegar a João Landim [, foto à esquerda], enviar o sinal e ela vinha logo buscar-nos. Até lá, foi continuar a lavar o rapaz com a água fresca, mais um quarto de LM, o doutor Chaves Ferreira a dar-lhe umas palmadas nas costas e eu, com o meu improvisado instrumento, a tirar-lhe a especturação possível da garganta.

Às seis da manhã, eu, o soldado maqueiro Teixeira, e a mãe do rapaz, entrámos com ele para a ambulância. Com a Panhard à nossa frente e a secção do Gomes atrás, fizemo-nos ao caminho, em direcção a João Landim. Mal lá chegados ouvimos o roncar do motor da jangada a iniciar a travessia do Mansoa. Logo que acostou, subiu apenas a ambulância porque do lado de lá era só andar depressa.

Entreguei o jovem mandinga no Hospital Civil de Bissau, talvez não fossem ainda oito horas da manhã.

Muitos dias passados, o Machado, com um sorriso de orelha a orelha, veio ter comigo e disse-me:
– Furriel, sabe quem é que está ali à porta para falar consigo? A mãe do miúdo que a gente levou para Bissau.

Lá estava ela, à porta da enfermaria, com o filho pela mão. Tirou o safeu que o rapaz trazia cruzado no peito e entregou-mo.
– Para furriel ter sorte.

Foi a primeira vez que a ouvi falar e, julgo, foi a primeira vez que lhe vi uma lágrima nos olhos.

Dou comigo a pensar como foi possível, com todos estes acontecimentos, nem o nome da mãe, nem o nome do filho, terem ficado registados na memória. Presente na memória dos meus dias, ficou apenas o safeu. Quando abro a minha caixa dos segredos e o vejo lá dentro, gosto de lhe sorrir.


De ontem e para sempre, o meu safeu

Texto, fotos (e legendas): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados.

[Com este relato,  quero homenagear o Doutor Chaves Ferreira e o Engenheiro Agrónomo João Vinagre, meus amigos na Guiné e meus amigos na vida que a eles faltou tão cedo e de forma tão trágica.]

______________

Nota do editor:

(*) Último poste da sério > 5 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10622: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (2): Enquanto não chegar a evacuação, ao meu lado ninguém morre! ... Promessa cumprida! (Parte I)

domingo, 9 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10354: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (1): A estreia de um fadista ou a desesperança do Esperança, no EREC 2454, do cap cav Manuel Monge




Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 >  O 1º Sargento Correia, eu e o morro que separava a parada das instalações onde dormia e vivia o pessoal do EREC 2454, que era comandado pelo cap cav Manuel Monge




Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 > Eu e o Furriel Moncada Cordeiro 



Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 >  CCS/BCAÇ 2861 > O Furriel Francisco Dias e eu, em traje domingueiro,  passeando pelas ruas de Bula. De costas, o Luís Crasto, furriel  mecânico de transmissões da CCS.

Foto (e legenda): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados


1. O Armando Pires (ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) é um homem da rádio e tem um particular talento para contar histórias. Está connosco, atabancado, desde agosto de 2009 (segundos os registos oficiais). Tem vindo a reencontrar camaradas que com ele partilharam as alegrias e as tristezas dos dias de Bula e Bissorã, nos tempos idos de 1969/70. E tem escrito sobre isso (*).

Tem, já cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue. Mais recentemente mandou-nos esta história que se segue, com seguinte nota: "Meu Caro Luís Graça, Camaradas Editores: Aqui vos trago mais um contributo para a história dos nosso dias na Guiné. A abraço a vós e a todos os camaradas tabanqueiros". 

Entendo isto como um desafio e uma promessa: outras mais histórias virão... Pelo que, e à revelia do autor, decidi criar uma série só para ele, com um título provisório "Recordações de um furriel enfermeiro, infante, fadista, ribatejano, amigo da cavalaria (Armanod Pires)"... Fica bem ao jeito dele, emotivo, solidário, amigo do seu amigo, camaradão... A criação de um série implica o compromisso da publicação de pelo menos seis postes...

Acho que o Armando vai aceitar, de bom grado, o desafio, que matéria prima não lhe falta nem muito menos a palheta... E tempo julgo que é coisa que não lhe falta. Seria pena que uma história  como esta,  de antologia (no sentido de ser uma história forte e bem escrita), ficasse por aí, no nosso querido blogue, como "estória avulsa" (sem menosprezo para todas as muitas pequenas grandes histórias que temos publicado sob essa rubrica)... Por fim, e não menos importante, sei que o Armando Pires tem sentido de missão, além de sentido de humor, e nutre pelo nosso blogue um especial carinho. (LG)




2. A estreia de um fadista  ou a desesperança do Esperança,

por Armando Pires

Bula, 15 de Abril de 1969, depois das oito da noite.

Ofegantes, os noventa cavalos da velha GMC galgaram a cancela do aquartelamento e estacaram às dez rodas em frente ao bar. Ao lado do condutor ergueu-se o Caeiro e gritou-me:

 –  Salta práqui, ó pira, que esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão. 

Ordem cumprida, ou não fosse o Caeiro um sargento velhinho e eu furriel periquito, e antes de arrancar ainda perguntou se não vinha mais ninguém à festa. Apenas o Basso, furriel de transmissões da minha companhia, aceitou o convite.

Meia volta volver e lá vai a GMC à desfilada. A tosca luz dos faróis rasgava a noite, o roncar do motor quebrava o silêncio da Vila, o Caeiro e seus rapazes gritavam e cantavam coisas indizíveis a filhos de Deus.

Era uma cena digna de um filme do faroeste. Mas afinal, para onde íamos nós?:
 – ... Esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão!... -  mas o Esquadrão ficava no sentido oposto àquele que levávamos. 

Íamos na direcção da estrada de Binar, mas chegados ao fim da Vila contornámos Bula por fora, pelo lado de Sanhar e Ponta Alfama, seguimos sempre pela orla da bolanha (gente atrevida, como se saberá mais à frente), como se em direcção ao Dingal, tornámos a entrar na estrada e eis-nos chegados ao aquartelamento do Esquadrão de Reconhecimento AML 2454.

Estava ali fazia pouco tempo. Ali, era a meio caminho entre Bula e o lugar onde a estrada de Có ligava a João Landim. Antes, aquele espaço fora ocupado pelo Batalhão de Engenharia que levara a cabo a abertura e asfaltagem da estrada João Landim-Bula, daí para Có, Pelundo e Teixeira Pinto.

Terminados os trabalhos, ficando vago o lugar, o comandante do EREC, capitão Manuel Monge, um homem notável que nasceu para comandar sem galões nem gritos, intercedeu junto do General Spinola para que ali o deixasse instalar a sua gente.

Moravam entre chapas onduladas de zinco que mal se viam da parada, porque dela separadas, como protecção, por um morro de terra com quase três metros de alto.

E o que fazia eu ali?

Bom, porque tudo tem um começo, temos de regressar ao dia 15 de Fevereiro daquele ano de 1969, quando eu, com cinco dias de Guiné, aturdido com tudo à minha volta, saltei da jangada em João Landim.
- Armando! Armando! Ó Pires!

Olhei à roda para ver dos meus quem me chamava, mas a voz que com insistência dizia o meu nome vinha de lá, de onde não estava ninguém do meu pessoal. A voz transformou-se numa figura que corria para mim.
Era o Moncada Cordeiro, meu amigo e conterrâneo.

Trocámos um forte abraço e ficou a promessa de falar amanhã, que o Cordeiro tinha mais que fazer. Ele era Furriel Miliciano do Pel Rec AML 2024, e estava ali como parte da escolta que havia de garantir a nossa segurança até ao Quartel de Bula. 

Como previsto, falámos no dia seguinte. Da nossa terra, dos nossos amigos, da nossa Feira do Ribatejo e do fado. Sim, é que o Cordeiro, sabendo da minha queda para cantar o fado, logo ali me disse que eu tinha de ir lá abaixo cantar para a malta do Esquadrão.
 
– É pá, tu sabes que eu só canto com acompanhamento – disse-lhe eu, tentando matar o convite. 
–  Pois aí é que tu te enganas –  matou-me ele a mim, revelando que no Esquadrão havia um furriel que tocava muito bem guitarra. – É o Dias, pá, o Francisco Dias. Não imaginas como o gajo toca. Vais ter de o ouvir para tirares as dúvidas. 

E tirei. Um bom par de dias mais tarde, mas tirei. O furriel Dias tocava mesmo bem guitarra mas com “sotaque” de Coimbra, a sua terra natal. 
–  Ó Dias – atirei-lhe, um tanto desconsolado  –  mas eu canto é fado de Lisboa.  
– E daí? – pergunta ele, para num remate dar a táctica. –  A gente tem tempo, ensaiamos e vais ver como o corrido me sai das cordas da guitarra. 

E lá andámos, sempre que possível, de ensaio em ensaio, ele apanhando o tom e eu afinando a garganta. Até ao dia do grande espectáculo.

Já sabem agora o que fazia eu ali, naquela noite de Abril, “nas Panhard”, como nós chamávamos ao aquartelamento do Esquadrão.

Eu e o Dias fomos para um quarto, eufemismo de um espaço “enlatado” com quatro camas em beliche, ensaiar os fados que, daí a pouco, iria cantar. A assistir ao ensaio ficou o Basso, o tal furriel da minha companhia, o Caeiro e mais um alguém que a memória já não identifica. 

Ia com estilo no segundo verso do “Bairro alto com os seus amores”, quando um tiro suspende a estrofe. 
–  UPS!...  Calma que é fogo nosso  –  sossegou o Caeiro, e voltámos ao fado. 

Voltámos, é uma força de expressão. Ainda mal tínhamos recuperado a posição de sentados quando BUM!!, e o aquartelamento estremeceu.  Afinal, o espectáculo anunciado pelo Caeiro não era o meu, ia ser aquele.

A luz apagou-se e era tudo negro à minha volta, a chapa silvava como sacudida por um furacão, gente a correr e eu sem as ver, gritos de “Vamos lá atrás, vamos lá atrás”, e eu sem saber onde ficava lá atrás nem quem lá ia, as costureirinhas riscavam o céu com tracejantes, a cada granada que caía, o chão sacudia como agitado por um terramoto. 

Eu já tinha embrulhado umas três vezes com a 2466. Uma delas, na estrada de Binar, foi feia, muito feia mesmo. Três emboscadas na mesma manhã. Cinco feridos do nosso lado. Do lado de lá, entre outras baixas, a mais significativa foi a da morte do comandante Nhaga, chefe do 1º bigrupo do Choquemone. Foi a 9 de Abril, seis dias antes daquele ataque dirigido, particularmente, contra o Esquadrão, e que foi, soube-se depois, represália pela morte do Nhaga.

Portanto, eu já sentira o cheiro da pólvora, mas naquela ainda não me vira. Era o meu primeiro ataque dentro do quartel. E no dia do baptismo, via-me “fora de casa”, às escuras, sem ninguém para me dizer que fazer ou para onde ir.

O Dias, o Caeiro e o outro, reagiram ao fogo correndo para os seus lugares, esquecendo-se que aqueles dois pobres de cristo, eu e o Basso, não conheciam o caminho das pedras. Estupidamente, dentro da “casa escura”, sem refúgio nem abrigo, metemo-nos debaixo das camas, cercados de chapa por todos os lados menos por um, o chão, contra o qual colámos os nossos corpos, como se a ele quiséssemos amarrar as nossas vid
as. 
–   F… !, que isto está feio – foi a única coisa que nos dissemos.

Lá fora ouvi alguém dizer que o Esperança tinha morrido. 
–  O Esperança morreu! O Esperança morreu!. 
 – E o enfermeiro, merda? 
–  Estou aqui!” – berrei com quanta força tinha para que me pudessem encontrar. 
 – Aqui, onde? 
–  Aqui, porra, não sei, está escuro, não vejo nada. 

Percebo passos a virem ao meu encontro ao mesmo tempo que uma voz, aproximando-se, ia dizendo: 
–  Mas este gajo tá parvo, ou quê? 

Entra alguém que me aponta a luz e segue-se um diálogo de loucos à beira de um ataque de nervos:
–   Não és tu, porra!| 
– não sou eu, o quê? 
– o enfermeiro!
– Então eu sou o quê?
 – Não és tu, é o nosso
– E eu não sirvo? 
– Serves, anda lá. 

Pelo caminho percebi que procuravam o “Madeirense”, furriel enfermeiro do Esquadrão, com quem acabei por me encontrar quando entrei na enfermaria.  Lá dentro estavam quatro homens feridos. Ferimentos ligeiros, felizmente.

Pior foi o Esperança, soldado maqueiro que morreu estupidamente no dia em que fazia anos.
Ao longo da noite, naquelas horas em que se lambiam as feridas, soubemos que lá em cima, no meu aquartelamento, o furriel mecânico de transmissões, apanhado dentro da “fortaleza” que eram as comunicações, quando uma canhoada desfez parte da parede, saiu pelo buraco do projéctil, mas para o lado de fora do quartel, de onde vinha o fogo inimigo. Encontrou-o o grupo de combate que partiu na perseguição dos atacantes.

Soubemos que naquela viagem nocturna, com o Caeiro aos gritos, entre o aquartelamento de Bula e “as Panhard”, passámos mesmo nas barbas da força do PAIGC que aguardava a hora de atacar.

E soubemos como morreu o Esperança.  O soldado maqueiro do Pel Rec AML 2024, Bento Lemos Esperança, estava no bar com outros camaradas, celebrando o seu aniversário, quando se iniciou o ataque. Saiu em direcção à enfermaria mas, para atalhar caminho, em vez de ladear o morro subiu-o para atravessar a parada. Foi morto pelo rebentamento, ali à sua frente, de uma granada de morteiro.

Os dias que se seguiram foram muito difíceis para os homens do EREC. Não esqueço as lágrimas que vi, naquela noite, nos olhos do capitão Monge.

Há dias, numa troca de e-mails com o nosso recém grã-tabanqueiro Bernardino Cardoso, meu amigo e ex-furriel miliciano do Pel Rec AML 2024, tendo-lhe dado conta de que iria contar aqui aquela noite no Esquadrão, e que falaria de como morrera o Esperança, ele respondeu-me num texto com esta revelação:

“Tenho para te dizer que no dia da saída da tropa no cais de Alcântara, ele foi o único que chorou e chorou de forma muito consternada e veemente, proclamando que morreria e nunca mais voltaria a ver a sua filha. Tentávamos todos que se mentalizasse que não era assim etc. , mas ele estava certo disso. Absolutamente seguro. Premonições dos diabos”.

Que puta de desesperança a tua, ó Esperança!

Armando Pires

PS – O António Basso, infelizmente, há muito que nos deixou. Do Caeiro nada sei. O Francisco Dias está em Coimbra e é um notável guitarrista. O Cardoso apresentou-se aqui no P10156. O Moncada Cordeiro continua na nossa terra e vou almoçar com ele um dia destes. Agradeço à malta do EREC sempre me ter visto como um dos seus. Por último, declaro agora e para futuro que não assinei nenhum acordo ortográfico.


3. Resposta do Armando na "volta do correio":

(i) Meu caro Luís Graça, Camarada:


Deixa que te agradeça as palavras com que apresentas o meu último texto para o nosso blog e o desafio que me lanças. Tal como escrevo em comentário "lá no sitio", já me lixaste com F grande. Mas vou procurar corresponder à expectativa.

Quanto ao titulo que propões para os meus textos futuros, "Recordações de um furriel enfermeiro, infante, fadista, ribatejano, amigo da cavalaria (Armanod Pires)"... ainda bem que o dás como provisório porque, e aqui tens de me perdoar mas, "defeito" de jornalista antigo, não consigo abandonar o rigor.

Tudo certo, se quiseres, até chegar ao "amigo da cavalaria". É um exagero porque pode levar a que confundam a parte com o todo. Eu apenas estive seis meses em Bula, com o EREC 2454. Aconteceu de Fevereiro a Agosto de 1969. 

Depois a sede do batalhão zarpou para Bissorã e não mais voltei a ver "um cavaleiro" à minha ilharga.
Apenas estiveram comigo, ou eu estive com elas, tanto faz, a CCAÇ 2444 e a CCAÇ 13. Sim, a minha amizade com o EREC (ou com o Pel Rec 2024) solidificou-se, não apenas por causa do fado, e manteve-se para além do nosso "contacto físico".

De tal forma que aquando dos encontros de confraternização por eles levado a cabo, sempre que e minha vida profissional fazia coincidir a minha presença no país com a data desses encontros, eu era convidado e marcava presença.

Mas amigo da cavalaria, para me apresentar, é exagerado. Espero que me compreendas e que aceites a minha explicação. Numa casa em que tanta gente, de todos os lados, partilha o seu salão e honra, não gostava de ver niguém melindrado.

Aceita um abraço camarada do Armando Pires.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10294: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (60): Obrigado, querido blogue, pelo reencontro do Xico Coelho, ex-fur mil da CCAÇ 2466 (Bula e Encheia, 1969/70), de quem, tinha perdido o rasto... Natural de Portel, vive em Almada, e chegou até mim através do blogue (Armando Pires)



Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 >CCAÇ 2466 > Patrulha à Ponta Consolação > "Eu na secção do Xico Coelho. Ele vai à frente e eu atrás dele. Em pé."

Foto (e legenda): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados



1. Mensagem, com data de ontem,. do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) [, foto à direita],

Meu Caro Luís Graça, Camarada: Gostaria que entregasses este meu agradecimento ao nosso querido Blog. Abraços.

Querido Blog:

Hoje trouxeste mais uma grande emoção à minha vida e quero, por isso, agradecer-te. Como se fosse necessário. Como se eu não soubesse o quanto rejubilas de alegria sempre que cumpres o teu destino.

Quero dizer-te que me telefonou o Xico Coelho.

Depois de tantos “desaparecidos”que devolveste ao meu convívio, ainda recentemente foi aquele rapaz de Espinho, o Bernardino Cardoso, ex-fur mil do EREC 2454, que esteve comigo em Bula, no ano de 69, agora foi a vez do Xico Coelho, de quem eu nada sabia há 43 anos.

O Xico foi furriel miliciano da CCAÇ 2466, companhia que pertenceu ao meu Batalhão, e que esteve juntamente connosco em Bula, entre Fevereiro e Agosto de 1969. Depois a sede do Batalhão mudou para Bissorã e a 2466 foi cumprir o resto da comissão a Encheia.

Alentejano de Portel, o Xico vive em Almada, do lado de lá do rio, aqui mesmo em frente dos meus olhos. Homem pouco dado às tecnologias, contou-me ele, reformou-se e a neta convenceu-o a comprar um computador e a iniciar-se na arte da navegação. Ainda tropeça nas velas mas lá vai indo. 

Estava ele a ver se encontrava uma loja que vendesse uns produtos hortícolas, de que necessitava lá para a horta de Portel, quando a busca encalhou em Luís... Luís qualquer coisa que o importante é que estava lá escrito GUINÉ.

E o Xico entrou. Com tanta sorte que nas diferentes ofertas que o Luís Graça nos faz, ele mergulhou directamente nas tuas páginas. Ansioso e pasmado com o que via e lia – isto é sempre ele a contar-me – foi andando, andando, quando reparou que havia ali uma lista de nomes, dos nomes que são a tua família.
- Deixa cá ver se conheço aqui algum gajo …ora fulano … beltrano … Armando Pires …ó raio! Armando Pires?!? Será que é ele?  [, Foto do Armando Pires, à esquerda, no tempo de Bula].

Era eu!!! E tu deste-lhe o meu número de telemóvel para ele me falar.

Foram momentos indescritíveis. Recordações, riso e emoção. Que partilhei, logo de seguida, com outros camaradas da Companhia do Xico que dele também não sabiam há muito.

Agora estamos junto. Outra vez juntos. Graças a ti. Quero por isso agradecer-te, meu querido Blog.


2. Nota posterior do Armando Pires (24/8/2012, 19h16):

Meu Caro Luís Graça, Camarada: Muito obrigado pelas palavras que me diriges no teu comentário.
E agradeço a brevidade com que "publicaste" a minha carta porque isso deu um forte contributo para que o Xico Coelho se tivesse entusiasmado e acelerado o seu "curso de patrão de costa".
Só foi pena, e peço-te, com toda a sinceridade, que não tomes como crítica, que não tivesses reparado na segunda página do meu documento, porque ela levava uma fotografia minha com o Xico Coelho. O texto acabava e já não suportava que, encostado a ele, colasse a foto. Daí quue ela tenha saltado para a página seguinte. Presumindo que já tenhas eliminado o documento, dado que já publicado, só por curiosidade, a foto é a que vai em anexo e a legenda era esta: Eu na secção do Xico Coelho. Ele vai à frente e eu atrás dele. Em pé.

Para a próxima, já sei, componho os espaços de forma a que as fotos fiquem juntas. Um grande abraço e um bom fim de semana. Armando Pires.

3. Comentário de L.G.:

Armando: Tens toda razão. Transcrevi o teu texto, em formato doc, mas "deixei cair" a foto, que vinha na página dois. Foi oportuna a tua chamada de atenção. E logo que pude, mesmo em férias, fiz a correção que se impunha. Para tua informação, guardamos sempre em arquivo as mensagens que nos chegam, com os respetivos anexos (se for caso disso). Como eu costumo dizer, aqui tudo se guarda, com exceção do lixo (mensagens Spam ou correio indesejával). Quanto aos comentários que fiz ao teu poste, são do seguinte teor: 


(i) "O todo é sempre maior do que a soma das partes... É por isso que dizemos, com humor mas também com carinho, que o mundo é pequeno e nossa Tabanca... é Grande. Com este blogue temos e faremos o que quisermos, nós, os camaradas da Guiné... Fico feliz por ver felizes camaradas como o Armando Pires, o António Nobre ou o Henrique Cerqueira... Por mim, continuarei a teclar e blogar até que os dedos... me doam! De Candoz com um xicoração para todo o pessoal. LG".

(ii) "De facto, é tocante... alguém, um camarada de barba rija, tratar o blogue dessa maneira, 'meu querido blogue'... O Armando é dos camaradas que dão alma e sentido a este projeto que aqui nos reúne, todos os dias, às vezes mais bem dispostos, outras vezes nem por isso... LG".
PS - Armando, traz o Xico ao nosso convívio!