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quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25085: Operação Razia: sector S3, Catió: conquista da base de Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965, com a participação das CCAÇ 617, 763, 764 e CCAV 703


Foto nº 1 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 15 de maio de 1965: embarque em NRP


Foto nº 2 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: tiro de morteiro 60


Foto nº 3 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: objetivo conquistado

Fonte: CECA (2014), pp. 315/316

1. Sobre a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue(*). Traduziu-se numa dura batalha em que  o PAIGC sofreu um grande revés. Transcreve-se um certo do livro da  CECA (2014) sobre a atividade operacional no CTIG (até ao fim do ano de 1966):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação Razia, com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o lN opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a base de Cufar Nalu, no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o lN estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. 

O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens; a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito difícil a sua localização." (...)

Texto e fotos: Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 314/316.



Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu”  (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, Barcelos, 2012). Uma batalha de meses, que começou em 20/21 de dezembro de 1964 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  Ver aqui a  nota de leitura feita pelo Beja Santos.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de  Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


2. Comentário do editor LG:

A sinopse feita pela CECA (2014) estaria incompleta. No poste P16512, o nosso camarada Mário Fitas escreve:

(...) "15 de maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763,  lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. "(...). 

O Mário Fitas acrescenta participação da milícia do João Bacar Jaló e da CCAÇ 728, e por outro lado omite a CCAÇ 617.

(...) "Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3.º Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2.º Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1.º Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente.

"Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa". (...)

Por outro lado, há que ter em conta que estas conquistas de terreno, num guerra de guerrilha e contra-guerrilha, eram sempre "voláteis" e "efémeras"... Já antes em 16Ago64, se tinha realizada a Op Bornal com forças das CCaç 557, 617 e 4.ª CCaç:

(...) " O ln ofereceu resistência à penetração das NT na mata de Cufar Nalu, causando 1 morto e 2 feridos; emboscou 2 GComb da CCaç 557 na estrada Catió-Batambali, próximo do cruzamento de Cufar, quando se procedia à limpeza do itinerário (30 abatizes levantados), tendo sido posto em fuga pela reacção das NT; o ln sofreu 11 mortos, além de outras baixas não estimadas." (CECA, 2014, pág. 266).  

E em 20 e 21Dez64, haverá outra operação, a Op  Ferro, "com forças das CCaç 617 e 728, CCav 703 e 43 CCaç na mata de Cufar Nalú, apoiadas pela FA. O ln flagelou as NT fazendo 3 feridos e sofrendo 2 mortos e 1 prisioneiro; emboscou forças da CCaç 728  na parte sul da mata, causando 5 feridos às NT" (ECA, 214, pp. 267/268).
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente

(...) Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. (...)

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a I Parte. 


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I 

Manuel Luís Lomba

O blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné constituiu-se o maior e o depositário mais fiel da história da Guerra da Guiné e os milhares de posts e de comentários a sua maior biblioteca e fonte. 

A chamada à colação pelo Jorge Araújo e pelo Luís Graça, no P21421, do livro “Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalú”, metáfora aplicada às sucessivas operações contra essa mata, redacção, revisão e edição da minha autoria (inclusive os erros ortográficos, gramaticais e outros), na evocação dos enfermeiros condecorados, incitou-me a evocar esse nosso passado. 

 A “Operação Tridente”, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto; a segunda grande manobra foram as Operações “Campo”, Alicate I e II”, a CCav 703 os seus actores principais, o eu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra. 

 A “Operação Tridente”, entre Janeiro e Março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como” proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC); as operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre Dezembro de 1964 e Maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacry do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de Junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). 

Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.
Foto do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.

Chãos de balantas e nalus, gente laboriosa e guerreira, essas ilhas e a região continental de Catió eram terras úberes da produção de arroz e óleo de palma, a alimentação base dos guineenses, o “Celeiro da Guiné” e o garante da magra ração de combate dos seus combatentes da libertação, antes de o “espírito filantrópico” do governo do reino da Suécia lha ter melhorado. 

Amílcar Cabral tinha engravidado a Guiné Portuguesa com o sémen da “libertação”, nos mais de 10 anos da diacronia dessa luta armada, outras grandes manobras aconteceram, refiro apenas a “Operação Mar Verde” a Conacry e a escalada da “crise dos 3 G´s”, e o seu aborto terá falhado, mercê da miopia política, militar e diplomática do governo de Lisboa. 

Não se podia fazer nas bolanhas e matas da Guiné o que só poderia ser feito em S. Bento e no Terreiro do Paço, em Lisboa. 

De escalada em escalada a matarmo-nos e a estropiarmo-nos uns outros, a aniquilação mútua não aconteceu, mercê de uma deriva das FA Portuguesas, gerada, nascida e nutrida pela tradicional insatisfação corporativa da classe dos capitães, sob o “manto diáfano” do acrónimo MFA, que, para não a abandonar a Guiné nem como derrotados nem como vitoriosos, passou a aliado do PAIGC, tendo cometido dois pecados originais: primeiro, criou a situação de inferioridade, depois, avançou para as negociações, querendo resolver em Bissau o que só deveria ser resolvido em Lisboa. A política ultramarina foi, mas as FA Portuguesas não saíram derrotadas pelo PAIGC; portugueses houve que se derrotaram a si mesmos… 

Mas as maiores manobras da Guerra do Ultramar são activo do MFA: as aceleradas retracções dos dispositivos, retiradas militares para a Metrópole e a “ponte aérea” da materialização da “Descolonização exemplar” de Angola e Moçambique, que evacuou centenas de milhares de gente multirracial, a força criadora da sua riqueza estruturante, muitos com a roupa do corpo como único bem - os Retornados, para a insurreição/revolução ou os Devolvidos, para os outros. E, por ter degenerado em PREC e endossado a sua guerra ultramarina a outrem (Cuba, etc), o MFA não fez uma “Descolonização exemplar” e protagonizou a maior deslocalização mundial de gente, desde a II Guerra Mundial, só ultrapassada mais de 40 anos depois, pelos fenómenos dos refugiados, vítimas dos “prec´s” degenerescentes da Venezuela e da “Primavera árabe”. 

A par da sua revelação como estratega de alto nível, a partir de 1963, Amílcar Cabral (ora alçado a segundo maior líder mundial de todos os tempos, por um grupo de historiadores (?) a soldo da BBC), revelou também um talentoso criador de fake news militares, a base de sustentação do seu markting de que o PAIGC “libertara” e exercia a soberania em 2/3 da Guiné Portuguesa. Vontade e saber muito, mas verdade pouca… 

Passados 4 meses sobre o fim da “Operação Tridente”, o nosso BCav 705 chegou a Bissau estivado no cargueiro “Benguela”, concebido e equipado para o transporte de gado, e não no paquete “Índia”, erro piedoso da CECA. Entre meados de 1964 e meados de 1965, penamos em duras, demoradas e penosas “operações de intervenção”, por terra, água e ar, nas matas do norte, do sul da Guiné e colhemos duas evidências: a dinâmica doutrinal ou subversão cabralista irradiava por esses quadrantes, mas sem o domínio das suas dimensões territorial e social. A tropa andava (e nomadizava) em todo o lado e era a ela que generalidade das populações recorria. PAIGC significava sofrimento e problemas, a tropa significava segurança e soluções. 

Por que os revolucionários desse jaez são avessos ao sufrágio universal e livre? Porque o Povo não vota em organizações violentas! 

Os 2/3 de “áreas libertadas” não passavam de atoada propagandística. Tal dimensão corresponderia à totalidade das suas massas de água e florestais, isentas da colonização, condomínios da bicharada aquática e terrestre, a sua densidade humana era muito baixa, em crescimento com a instalação de bases revolucionárias e pelo êxodo das populações rurais (a relação da densidade populacional na Guiné seria de 15hab/km2). Teria fiabilidade, muito relativa, se se referisse às áreas colonizadas e habitadas, onde um ou dois dos seus guerrilheiros/sapadores infiltrados iam acrescentando valor de “libertação”, sabotando acessibilidades, equipamentos sociais, aterrorizando as tabancas com chefes hostis e indecisos, flagelando patrulhas e escoltas militares - actividades revolucionárias suficientes para condicionar autoridades, mobilizar meios militares, exponenciais em regra, confinar e condicionar a normalidade da vida a toda a gente. 

Província da Guiné. © Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

A partir da “Operação Tridente”, as FA portuguesas passaram a garante da soberania em toda a Guiné, desassossegando os revolucionários por todo o lado, por terra, água e ar, embargando-lhes a conquista e fixação em qualquer tabanca tradicional, sempre vencedoras - menos por combates, umas vezes pela desistência a meio do jogo, outras pela sua falta de comparência. A Guerra da Guiné foi paradoxal. As FA portuguesas nunca derrotadas, mas nunca vencedoras; o PAIGC sempre derrotado, mas nunca vencido. E o vencedor foi o derrotado!... 

A relação do PAIGC com a verdade tornara-se tão impudica que até descuidava o encobrimento das suas grandes mentiras. A sua publicitação do cerimonial da Declaração da Independência ao mundo foi quase fiel: a inospitalidade do local, a hospedagem dos convidados internacionais não com 5 estrelas, mas com todas constelações da abobada celeste, a visibilidade da temeridade e improvisação do evento, ao ar livre, num outeiro periférico à tabanca de Lugajole (a Montanha de Cabral era expressão de caserna e situa-se na Guiné-Conacry), no pico da pluviosidade da estação das chuvas, – a “manobra” para embargar as manobras da tropa, por terra e ar. Mais tarde, o embaixador soviético escreveu que apresentara as suas credenciais ao Presidente Luís Cabral, não sabe onde, num “palácio presidencial” que era uma cabana, a estrutura de troncos de cibes, as ramagens das suas copas a fazer de telhado e paredes… 

O PAIGC agendara a Declaração da Independência para 24 de Setembro de 1973, mês da efeméride do nascimento de Amílcar Cabral, da sua fundação, o Dia Internacional da Paz, e, também, do fim da II Guerra Mundial. A sua logística estava montada na zona de Cubucaré, bem conhecida dos bastidores da ONU, onde, ente 1 e 8 de Abril de 1972, a sua “Quarta Comissão” se hospedara e dependurara a sua bandeira no galho duma árvore, para conceber o relatório probatório de que o PAIGC exercia todas as funções estatais e administrativas na Guiné-Bissau, com base no qual a ONU pronunciou Portugal de seu ocupante ilegal, com 500 anos de efeito retroactivo. Mas, na antevéspera a Força Aérea de Biassalanca foi destruir-lhe a festa…

Assim, os 2/3 de “área libertada” não era apenas retórica, era sofisma de justiça, instrumental à manobra da ONU. “Se possuis, assim possuirás”, jurisprudência do Tratado de Utreque, subscrita por Portugal, em 1713, da Conferência de Berlim, subscrita por Portugal, em 1886, da Sociedade das Nações, subscrita por Portugal, em 1919, em St. Germain-en-Laye, da Carta da ONU, subscrita por Portugal, em 1955. 

Redigido em Conacry e avalizado pela OUA (Organização da Unidade Africana), foi com base nesse relatório que a ONU expendeu a jurisprudência de que, considerando que havia uma dúzia de anos que o PAIGC era o Estado da Gguiné-Bissau, considerando que o domínio português estava de facto limitado a uma estreita faixa litoral da ilha de Bissau, do Geba a Safim (à margem esquerda do canal Impernal), a soberania de Portugal era considerada prescrita, de Facto e de Direito. E Cabral tornou-se um assíduo queixoso à ONU, queixas que nunca domiciliou nos ora mais de 2/3 de “áreas libertadas”, mas em Conacry, de que o Estado exercido a partir de Bissau e presente nos quatro cantos da Guiné, as milícias armadas de autodefesa e os militares portugueses da sua guarnição, porque “iam até o Estado fosse”, eram agressores, ocupantes estrangeiros da Guiné e ameaça à paz mundial (maestria do líder bissau-guineense e nódoa à “terceiro-mundista”, caída no melhor pano do que é a Comunidade das Nações). 

À data da Declaração de Independência, o PAIGC fizera zero de equipamentos sociais e mais não destruíra porque não conseguira, nesses 2/3 de “áreas libertadas”, ao passo que as FA portuguesas faziam guerra, mas também tinham expandido e requalificado a sua rede de estradas, construído cerca de 16 000 casas, 160 escolas, 40 postos médico-sanitários, 56 fontanários, 3 mesquitas e feito 145 furos de água potável… 

Na verdade, as ilhas do Como, Caiar e Catunco, dada a sua condição estratégica de encostadas à Guiné-Conacry, a adesão massiva das suas populações e por necessárias, como celeiro da alimentação dos seus combatentes, terão sido as únicas “áreas libertadas” pelo PAIGC, de curta duração, entre finais de 1962 e princípios de 1964, também porque, naquele tempo, a representação regional da autoridade do Estado sediado em Bissau residia em Catió e o administrador dessa circunscrição militava clandestinamente no PAIGC. 

Tendo provocado o abandono pelos colonos, Amílcar Cabral fez da ilha do Como a mãe de todas as bases no interior sul (a de Koundara, a sua primeira, e as em instalação em Cadigné, Boké e Sansalé situavam-se no estrangeiro), dotou as três ilhas com o efectivo de 400 combatentes, muitos recrutados no seu adversário político MLG (que iniciara a Guerra da Guiné, em Susana e Varela), equipado de armamento ligeiro e pesado de Infantaria, reforçou-os com cooperantes especialistas estrangeiros, protegeu o “espaço aéreo” com metralhadoras antiaéreas Goryunov 7,62 e Degtyarev 12,7, os aviões de pistão e a jacto vindos da Base de Bissalanca passaram a ser atingidos e afugentados, e, no relativo à problemática das acessibilidades marítimas, estava confiante da sua protecção – Sekou Touré acabara de decretar unilateralmente a dilatação das águas internacionais do seu país em 130 léguas. 

Reforçou o comando de Nino Vieira, um dos seus primeiros 12 “discípulos” e o seu mais importante comandante de campo, que tirocinara guerra revolucionária na China e armamento na União Soviética. O governo de Lisboa mandava os seus capitães tirocinar guerra contra-revolucionária em França, tendo por mestres os perdedores no Vietname e na Argélia; Amílcar Cabral mandava os seus básicos tirocinar guerra revolucionária na China, tendo por mestres os vencedores Mao Tse-Tung e generalíssimo Vô Neguyen Giap. 

Resultado: o PAIGC concebeu e executou uma guerra total, a partir das matas e dos campos sobre as povoações rurais e urbanas – e ganhou; as FA portuguesas conceberam uma guerra contra-revolucionária de orgânica convencional, a partir dos povoados sobre campos e matas – e não ganharam. 

A braços com a crise de Angola, o governo de Lisboa deu uma ajuda por omissão, não levantou ondas no relativo à dilatação unilateral das águas, o problema era o PAIGC não a Guiné-Conacry; confiante na utopia do ministro Franco Nogueira da negociação de um tratado de paz e cooperação com a Guiné-Conacry, Salazar deu luz verde à “Operação Tridente”, mas proibiu a violação das suas fronteiras e o exercício do “direito de perseguição”. 

O líder da Guiné-Conacry nem se dignou responder. A “Operação Tridente” afundou nessas águas uma embarcação que transportava militares do exército regular guinéu (seria o União, para o PAIGC e Mirandela, para o seu dono, a Sociedade Ultramarina?) e Sekou Touré absteve-se de se meter com a Armada portuguesa. Saberia que, na batalha do Como, a derrota do PAIGC vinha pelo mar. 

Considerando que essas três ilhas somam pouco mais de 300 Km2 de superfície, a sua efémera “área libertada” estava muito longe dos 2/3, apenas significava 1 % da superfície territorial da Guiné. A verdade que o “polígrafo” da história poderá apurar: a limitação da soberania portuguesa a Bissau e Safim foi uma descarada mentira do PAIGC (a encomenda da ONU?). 

Excerto de uma infografia, relativa à Operação Tridente. Reproduzida com a devida vénia. In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os Anos da Guerra Colonial, Volumne 5: 1964 - Três teatros de operações. Lisboa Quidnovi. 2009. 17.

Derrota para o cabo de guerra Nino Vieira, o revolucionário Amílcar Cabral fez do fim da “República Independente do Como” um sucesso, a fazer jus às lições que, em 1960, recebera de Mao e do genial generalíssimo Giap (tinha derrotado o poderoso exército francês estava à beira de derrotar a poderosíssima América). Como não podia realizar o I Congresso na Cassacá da ilha do Como - “Operação Tridente” estava no auge -, mas salvou a face: realizou-o em Cassacá, na plataforma continental, entre 15 e 18 de Fevereiro, e ordenou a Nino Vieira a retirada e o acantonamento do remanescente dos 400 combatentes e famílias do Como para as bases das matas do Cantanhez e de Cufar Nalu.

Nino Vieira saiu com os seus companheiros para o Cantanhez, mas deixou no Como meia dúzia de guerrilheiros m/f, como chama residual da sua “libertação”, comandados pelo desenvolto e cabeludo jovem de 20 anos, Pansau Na Isna de nome, e pela amadurecida mulher balanta de “pistola na liga”, Sona Camará de nome, ambos heróis nacionais bissau-guineenses póstumos, que, cumprindo o “flagela e foge”, muito desassossegaram e desgastaram a malta da CCaç 557, subunidade que ficou na quadrícula em Cachile, comandada pelo Capitão João Ares (apelido do deus da guerra da mitologia grega).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16512: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIII Parte: Cap VII: Guerra I: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!...


Lisboa > 1970 > O nosso camarada João Sacoto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619,Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com o João Bacar Jaló, cap comando graduado,  comandante da 1ª CCmds Africanos. João Sacôto, que foi comandante da TAP; agora reformado, é membro da nossa Tabanca Grande desde 20/11/2011.

Foto: © João Sacôto  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



[Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto à abaixo à esquerda, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]




Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XIII Parte > Cap VII - Guerra 1: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!... (pp. 43-46)

por Mário Vicente 

 Sinopse:


(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra"):

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix)  início da atividdae, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia).



Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VII - Guerra 1:  15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!... (pp. 43-46)

15 de Maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763 [, emblema à direita,] lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu.

Não seria obra fácil! Forças especiais tinham passado por Cufar Nalu  [, a norte de Cufar, vd. carta de Bedanda] e nada tinham encontrado. Só que o aquartelamento de Cufar continuava a ser flagelado várias vezes ao dia. As teorias de Nino insufladas aos seus homens, tínhamos pleno conhecimento, eram teorizadas em ideias dos grandes pensadores revolucionários do marxismo, e que apenas uma ínfima parte ou quase a totalidade dos soldados Portugueses não tinha conhecimento, porque para ali foram mandados para cumprir um dever. Na mentalidade do guerrilheiro já existia toda uma endoutrinação revolucionária baseada no marxismo, contra o imperialismo e seus apoiantes.

Enquanto o soldado português cumpria um dever perante a Pátria, mas sujeito a diversas pressões de índole psíquica individual e externa, o guerrilheiro do PAIGC em qualquer lugar que a morte o surpreendesse, seria um grito que procuraria ser ouvido por outro revolucionário que empunharia a sua arma. Eram estas as condições, desconhecidas pela maioria. Sem politica, a CCAÇ 763 ia entrar na mata de Cufar Nalu.

Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3º. Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2º. Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1º. Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente. 

Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa. 

A partir deste momento o contacto é contínuo. O crepitar das armas dentro da mata é ensurdecedor, é difícil contactar com o pessoal mas devagar vamos progredindo. Vagabundo sofre aqui uma grande desilusão, a sua secção homens escolhidos a dedo para acompanharem o Ranger, alguns podem já ser despachados: o Tirante, herói do arame farpado, vendedor de jornais e briguento de profissão sendo o terror do aquartelamento, atira com a G3 fora e tenta esconder-se debaixo dos camaradas; o Velhinho refractário, não se consegue mexer e parece uma bola de sebo ao lume a escorrer gordura; o Matacanha apesar da escola do Forte da Graça em Elvas, só tinha habilidade para a faca; o Maçarico coitado derivado ao tamanho, apenas poderia ser aproveitado para mula de carga. Os restantes são dos bons e só há que ter em atenção o homem da bazuca, pois assim que começa a fogachada tem de se segurar até acalmar, não vá atirar com o cano pró lado e ser herói fugindo para a frente, ou ser cobarde fugindo para trás, tudo era possível nos primeiros tiros. 

Depois desta primeira experiência, ficará determinado que o Velhinho vai para a cozinha descascar batatas, bela troca! Veio o Orlando, Vagabundo ganhou aqui um ou o melhor soldado da sua secção; o Matacanha passou a ajudante do padeiro para amassar a farinha, e o Tirante coitado, ficará a aguardar o regresso à Metrópole para no Júlio de Matos dele tentarem fazer qualquer coisa, pois nunca mais deixou de estar embriagado, e, agora com o focinho sempre partido pois toda a gente lhe malha, de herói passou a bombo da festa.


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de I Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Deixemos as tristezas e voltemos à malta que aos poucos vai progredindo na mata em contacto contínuo. Tendo como referência o estreito carreiro, pois já nos apercebemos pelos envolvimentos e forma de nos flagelar que nos querem retirar dessa orientação que não há dúvidas nos levará ao local desejado. Progredindo em contacto permanente, a meio da tarde certificamo-nos, estarmos muito próximo do acampamento pelo que se pede o apoio da artilharia e da Força Aérea com as coordenadas precisas.

Agora sim, com os rebentamentos das granadas dos obuses e os roquetes dos T6 parece estarmos no dia do juízo final, ecoando por toda a mata mais parece tornado descarregando sobre a selva. Os elementos estão em guerra com a Natureza. Verificamos que o efeito prático da artilharia e dos T6 será mais psicológico do que físico, pois agora já se apercebe a situação do acampamento, protegido por altos poilões, árvores enormíssimas cujas copas dificultam a penetração das granadas e que rebentam por cima. O acesso ao acampamento é extremamente difícil! A vegetação de natureza espinhosa e densa, dificulta extremamente a progressão e o pequeno carreiro, tornou-se agora num enfiamento apenas arbustivo que deve ir dar a algo nada agradável.

A noite começa a aproximar-se e aqui ela cai rapidamente, o assalto ao acampamento no anoitecer pode ser um suicídio. Há ordens de tomar posições para pernoitar e se efectuar o assalto de madrugada. A CCAÇ dispõe-se em meia lua em frente do acampamento. Vagabundo distribui o seu pessoal para a pernoita e como o Maçarico ainda não está bem entrosado, manda-o preparar um abrigo para os dois por detrás de uma enorme mafumeira, árvore com três a quatro metros de diâmetro. Pobre do Maçarico! Olhando para o monstro da árvore chama a atenção para Vagabundo:
– Mas. meu furriel, esta árvore está bichosa!

Nem uma granada de obus rebentava aquela fortaleza. Coitado, por causa disto lá era gozado de quando em vez com “a árvore bichosa”.

Durante a noite ouvem-se sons de movimentação no acampamento e vozes sussurrantes. Será que estarão a preparar a defesa até às últimas consequências? Errado! Pela madrugada as bazucas em força, fazem um chuveiro de granadas. A CCAÇ  apoiada pela milícia do João Bacar lança um ataque cerrado ao acampamento que se encontrava deserto, pois durante a noite os guerrilheiros tinham abandonado as suas posições. Montada a segurança, não fosse numa variação sermos surpreendidos com algum ataque IN, procedeu-se à busca e destruição de instalações e abrigos alguns cobertos de chapas de zinco que possivelmente seriam da fábrica de descasque de arroz.

[Foto à esquerda: João Bacar Jaló, cap comando graduado, c. 1970]


Para além do guerrilheiro abatido no carreiro, presume-se que tenham havido mais baixas por parte do PAIGC, dadas as poças de sangue e material ensanguentado encontrado nos abrigos e espaldares. Verificamos que de facto para além de extraordinariamente bem camuflado não seria um acampamento mas sim uma fortaleza. Ficou sempre no ar, a forma como se teriam retirado os guerrilheiros, sem serem detectados pelas forças em acção. 

Um Grupo de Combate reforçado da 4ª CCAÇ, companhia de nativos de Bedanda, pernoitou no ex-acampamento, para evitar a sua reocupação. Mas não voltará a existir mais nada, por agora a mata de Cufar Nalu fica da CCAÇ 763 e o dia 15 de Maio será o dia oficial da Companhia.

Pelas mesas dos cafés de Bissau, os homens de Cufar foram cantados com grande espanto, pois havia pouco tempo os comandos de Brá tinham percorrido toda a mata e nada tinham encontrado. 

Está começada a guerra. Agora taco a taco, vamo-nos perseguir uns aos outros, ferindo ou matando conforme cada um puder. Viva a “Merda da Guerra”! Quem chegar em condições ao seu pedaço de terra, que tenha a coragem de contar tudo o que aqui se passa e sofre!... Vagabundo durante anos pensou muito nos outros de tal maneira que se esqueceu de si. Não sabe para onde vai nem o que faz, só sabe que nada sabe.

Abandonam o conquistado (abandonado) acampamento, seguindo o trilho por onde se teria inteligentemente escapulido a malta do PAIGC, num zig-zag de carreiro que mais parecia labirinto, onde por vezes as curvas em redondo voltam ao mesmo sítio, técnica de visualização à distância, sentindo-se a perfeita arte da guerrilha.

Chegamos à orla da mata, mesmo juntinho ao rio Manterunga [, afluente do Rio Cumbijã], precisamente onde o IN fazia a sua carreira de tiro para o nosso aquartelamento. Metemos pela bolanha e rumamos a casa. Cansados, suados, com a fome e sede já a apertar, agora que o sol já alto queimava e do cantil já não escorria gota de água, Vagabundo, seguindo o conselho do tenente Obstetra, o nosso amigo médico, meteu a mão ao bolso, sacou o frasquinho de whisky e levando-o à boca, bochechou, deitando fora o líquido que deixou a boca grossa, mas atenuou o sentir da sede. Há coisas que parecem loucas, mas dão resultado e o furriel mais uma vez confirmou sentindo a pressão do desejo da água mais aliviado. O pensamento, mais uma vez desprendeu-se e voou, deixando de sentir o esforço das pernas a tirarem os pés da lama num “ploff, ploff” de água e lama saltando pela lingueta das botas de lona.
Gostaria tanto que as coisas fossem diferentes!... Não se sentia bem ali e recordava a mulher que o faz sentir perdido.

N
ão pára de raciocinar se poderia ter feito mais alguma coisa!?...Eis-me aqui em confusão deguerra com a convicção que é muito fácil ser corajoso, quando não se tem nada a perder, mas não posso arrastá-la comigo nesta lama… Também não quero morrer e não a ver. Nada faz sentido ao estar longe e não estar com ela! Não quero acordar e não saber se a voltarei a ver!... Estou farto de saudades dela e tão pouco sei se ela me recorda. Totalmente dilacerado, quero que ela me una de novo! Psíquica situação esta adoração por essa mulher. É doce sentir nos lábios o acre sabor dos seus beijos que nunca tive…

Como pode um homem ter tanto medo da rejeição daquilo que mais deseja, ficando inerte, imolando-se mentalmente só com medo de ter pela frente a hipótese do não?!... Cobardia? Defesa de não ter força para a rejeição? Será?... A dúvida do que é, onde está! Mais grave: que símbolo sou eu no seu eu!?...

Contornando a mata de Cufar Novo, agora levantando poeira leve e fina dos arrastantes pés, pisando terra de capim queimado, a cabeça da coluna está próxima do arame farpado e da entrada Porta de Armas virada para a pista, antigo portão da quinta do sr. Camacho.

Os que ficaram estão concentrados à entrada. Cerqueira com o seu grupo em primeiro escalão conforme saíram são os primeiros a chegar, esperam e não entram. Carlos, Paolo e João serão os primeiros a fazê-lo. Nesse momento a malta do Almeida vira as G3 para o ar e saem rajadas de vitória gravando nos céus de que o dia 15 de Maio será para todo o sempre um símbolo para terras de Cufar e da CCAÇ 763.

Timidamente primeiro, depois em forte salva, olhos humedecidos, os que tinham ficado aplaudem os seus companheiros e trocam-se sem palavras apertados e solidários abraços. A mata de Cufar Nalu era nossa.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16362: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XII Parte: Cap VII: Guerra I: O nosso primeiro prisioneiro, o Calaboço

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7487: Resenha histórica da CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 1965/66): Pela garra se conhece o leão (Parte III) (António Clemente)

Terceira e última parte da publicação de uma pequena resenha histórica da CCAÇ 764, elaborada pelo ex-Fur Mil António Clemente, residente em Fátima,  em homenagem a um camarada morto em Cumbijã, em 15/4/66, o Peitinhos, de seu nome completo Manuel Díquel dos Reis Prazeres, natural de Mira de Aire, concelho de Porto de Mós, Sold At  1211/64.

Desde finais de Maio de 1965, a CCAÇ 764 ficou adstrita ao BCAÇ 1861 (Buba,  1965/67), com os seus grupos de combate distribuídos da seguinte forma:  (i) Comando da Companhia e 3º Gr Comb em Aldeia Formosa; (ii) 2º Gr Comb, em Colibuía; (iii)  1º Gr Comb, em Cumbijã, não havendo referência ao 4º Gr Comb. 


A sua divisa era: Ex ungue leonem (traduzindo o latinório à letra, Pela garra se conhece o leão...). Sobre Cumbijã, temos já cerca de 40 referências. A última companhia que lá esteve foi a CCAV 8351, comandada pelo nosso camarigo Vasco da Gama, e cuja divisa Et pluribus unum não é exactamente a do Sport Lisboa e Benfica e da grande Nação americana (E pluribus unum, Um de entre muitos, ou seja , a unidade na diversidade, e não o vulgar Um por todos e todos por um...).




CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuía, Cumbijã, 1965/67), 
companhia independente > Parte III
por António Clemente



segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7477: Resenha histórica da CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 1965/66): Pela garra se conhece o leão (Parte II) (António Clemente)

Continuação da publicação de uma pequena resenha histórica da CCAÇ 764, feita pelo ex-Fur Mil António Clemente, residente em Fátima [, foto à esquerda, em Tavira, Dezembro de 1963, onde esteve com o Mário Fitas], feita em homenagem a um camarada morto em Cumbijã, em 15/4/66, o Peitinhos, de seu nome completo Manuel Díquel  (ou Vítor ?) dos Reis Prazeres, natural de Mira de Aire, concelho de Porto de Mós, Sold At 1211/64 (*).  


Segundo o portal Ultramar Terraweb, do nosso camarigo Mário Pires, o segundo nome do Peitinhos era é Vitor... No texto do Clemente, aparece Díquel. (Enfim, temos aqui o pequeno diferendo a esclarecer).


CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuía, Cumbijã, 1965/67), companhia independente > Parte II

por António Clemente


Desde finais de Maio de 1965, a CCAÇ 764 ficou adstrita ao BCAÇ 1861 (Buba,  1965/67), com os seus grupos de combate distribuídos da seguinte forma:  (i) Comando da Companhia e 3º Gr Comb em Aldeia Formosa; (ii) 2º Gr Comb, em Colibuía; (iii)  1º Gr Comb, em Cumbijã, não havendo referência ao 4º Gr Comb. A sua divisa era: Ex ungue leonem (traduzindo o latinório à letra, Pela garra se conhece o leão...).


O António Clemente enviou-nos este trabalho, através do camarigo Mário Fitas, também com a menção expressa de ser um "presente de Natal" para nós, membros da Tabanca Grande, gentileza que já agradecemos e retribuímos,  sentando-o connosco debaixo do nosso gigantesco e mágico poilão, agora ainda mais bonito com as luzinhas do nosso Natal de 2010... (LG)










(Continua)






Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã (1972/74) > Um aquartelamento construído de raíz, entregue ao PAIGC em 19 de Agosto de 1974. Foto do ex-Cap Mil Vasco da Gama, natural de Buarcos, e nosso grande camarigo.

Foto: © Vasco da Gama (2010). Direitos reservados

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Nota de L.G.:


(*) Vd. postes de:

domingo, 19 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7474: Resenha histórica da CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 1965/66): Pela garra se conhece o leão (Parte I) (António Clemente)


Tavira > Cismi > 1963 > Adeus, Tavira > Da esquerda para a direita, Rui Lobo, António Clemente, Mário Fitas e um quarto elemento não identificado. O Clemente acaba de entrar para a nossa Tabanca Grande, com o nº 462, pela mão do seu e nosso camarigo Mário Fitas  (*)








CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 19675/66),  Ex ungue leonem, pela garra se conhece o leão...


Companhia de Caçadores, nº 764, independente (Guiné, 1965/66)






(Continua)

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Nota de L.G.:



Guiné 63/74 - P7473: Tabanca Grande (255): António Clemente (CCAÇ 764, Aldeia Formosa, Colibuía, Cumbijã, 1965/66), apresentado pelo seu camarigo de Tavira, Mário Fitas


Tavira > Cismi > 1963 > Adeus, Tavira > Da esquerda para a direita, Rui Lobo, António Clemente, Mário Fitas e um quarto elemento não identificado



Tavira > Cismi > 1963 > Pelotão de instrução da 2ª companhia, comandada pelo alf Cadete (ao centro, na fotografia). Pergunta o Mário Fitas: "Há por aí malta que saiba onde param os outros todos ?"

Fotos: © Mário Fitas (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

1. Mensagem do nosso querido camarigo Mário Fitas (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66), com data de 18 do corrente:


Assunto - De Farda Amarela e Camuflado


Em anexo segue um escrito e uma resenha da CCAÇ 764 que me foi enviada pelo meu camarigo António Pereira Clemente, furriel miliciano da referida Companhia e que foi meu companheiro em Tavira no curso de Agosto a Dezembro de 1963,  fazendo parte do pelotão de instrução do agora Coronel Cadete que tinha na altura o alcunha de Patilhas. Mais tarde voltámos a encontrar no RI 1 mobilizados para a Guiné, onde nos reencontrámos na operação Razia.


A minha vivência com o António Clemente foi e é extraordinária, só não conseguindo trazê-lo para a nossa Tabanca, por não se querer meter na informática.


Seria um bom elemento contando as estórias de Farda amarela e camuflado.


Já que tenho alguns pormenores que podem enriquecer um pouco o seu escrito, informo que o capitão Teixeira era na altura,  com os seus quarenta anos, o capitão operacional mais velho da Guiné. Mais tarde foi substituído pelo hoje tenente General Cardeira Rino, meu instrutor de Operações Especiais em Lamego em Julho/Agosto de 1964.


Todas estas místicas histórias de CUMBIJÃ e arredores, têm tido grande relevo aqui no Blogue, pelas personagens que lá viveram e transcritas em livros. Refiro "Vindimas no Capim",  do nosso camarigo Zé Brás e no meu mal alinhavado "Putos, Gandulos e Guerra".


As dificuldades informáticas e carência de equipamento levaram-me a pedir a colaboração do meu velho amigo Furriel Comando João Parreira,  sempre disponível para trabalhar para a Nossa Tabanca.


Em outro e-mail seguem duas fotos de Tavira, para identificação do António Clemente e da malta do pelotão do então alferes Cadete.


Se virem que é de utilidade para o Blogue, o Clemente deu o consentimento de vos pôr este escrito à consideração.


O velho abraço como é usual, do tamanho do Cumbijã.


Mário Fitas


Fur Mil Op Esp dos Lassas


2. Comentário de L.G. / M.R.:


Grande Lassa, grande ranger, querido camarigo Mário: Que a falta de literacia informática, ou até de computador,  não seja motivo para impedir que o teu e nosso camarada António Clemente seja privado do convívio da Tabanca Grande e da visibilidade que o nosso blogue dá,  levando as nossas histórias e recordações até aos quatro cantos do mundo (incluindo a Guiné-Bissau onde temos gente que nos acompanha diariamente). 


O António vai entrar na nossa Tabanca Grande pela tua mão, e com o todo mérito. Vamos apresentar, em próximos postes, a resenha histórica que ele fez, com tanto carinho, sobre a sua CCAÇ 764, uma companhia, independente, sobre a qual não tínhamos até agora qualquer referência... Transmite ao teu camarada e amigo o que é significa pertencer a esta comunidade virtual de amigos e camaradas da Guiné. Ele passa a ser o camarigo nº 462. Diz-lhe que nos sentimos honrados por albergar, na nossa Tabanca Grande, mais um camarada do caqui amarelo.... 


E quanto a ti, obrigado, pelo teu gesto e camarigagem. Continuanos à espera da nova edição dos Putos, Gandulos e Guerra. Recebe um abraço do tamanho do Corubal. Um santo Natal para ti, e toda a família, incluindo a nossa bailarina. Luís Graça
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Nota de MR / LG:

Vd. último poste da série em: