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domingo, 2 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6292: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (10): Samba Silate


  1. Mensagem de Arsénio Puim, com data de 30 de Abril último: 

Luis:  Envio um novo trabalho, ao teu critério.
Um abraço.
Arsénio Puim 


RECORDANDO... (10):  SAMBA SILATE (*)


Um dos lugares tristemente célebres da guerra da Guiné, que eu tive oportunidade de visitar nos princípios de 1971, chama-se Samba Silate. Fica a poucos quilómetros de Amedalai, para o lado do Geba, entre Bambadinca e o Xime. Na continuação da tabanca estende-se, até ao rio, uma grande bolanha, tida como das melhores da Guiné. Para lá do Geba, fica Mato Cão e Madina.

Dantes, Samba Silate foi uma grande tabanca balanta e um importante centro de produção de arroz. Mas na altura em que lá estive, era  uma terra desabitada e completamente inculta. Dizia-se que qualquer tentativa dos Fulas para o seu aproveitamento seria gorada pelos Balantas.

Neste chão balanta, o Pe. António Grillo, missionário italiano, desenvolveu uma actividade pastoral florescente, reconhecida por muitas pessoas. Lá estava ainda, a testemunhá-lo,  uma grande cruz de cimento erguida no local, assim como uma campa, também de cimento, perto da cruz, com a inscrição de Mateus Iala, balanta, que havia falecido em 1958, apenas um mês depois de ser baptizado.

Ao rebentar a guerra houve um forte movimento de adesão e apoio, em Samba Silate, à guerrilha. A tropa, porém, acudiu atacando e matando indiscriminadamente. Mancaman, do Xime, de quem já falei anteriormente (**), disse-me que só em Samba Silate  morreram mil pessoas (***), incluindo mulheres e gente muito nova. Os que escaparam, uns foram para o mato, outros para Nhabijães, Enxalé, etc..

Pe. António viu-se implicado nos acontecimentos e, depois de preso, foi expulso, sem qualquer julgamento, para a Itália, donde não voltou mais. Constou que, mais tarde, Spínola autorizou o seu regresso, mas que a PIDE não o permitiu.

Infelizmente, os massacres nesta zona central da Guiné, perpetrados por tropas portuguesas nos começos da guerra, não se cingiram a Samba Silate. Mancaman relata  acções de extermínio também em Bafatá, Mansoa, Bissorã e Bambadinca. «Mais de 10.000 mortos. A Guiné quase ficou sem gente», referiu.

Em relação a Bambadinca, ouvi, muito casualmente, um outro nativo falar de  acções de extermínio praticadas pelas nossas tropas. Sem referir nomes, não deixou, porém, de mencionar a naturalidade e o número militar (ou um número por que era conhecido, não sei bem)  de um soldado que costumava abrir as covas das pessoas antes de as matar.

Com tristeza e espanto, constatei ainda que a palavra que denomina os habitantes naturais da minha região não era benquista em Bambadinca e incutia mesmo um sentimento de horror, pela associação que as pessoas ainda faziam de acções desta natureza a antigos militares identificados como tal.

Perante tudo isto, não posso deixar de perguntar: onde estavam, então, os capelães militares, vinculados ao Exército com uma missão de Igreja? Porventura, não existiriam ainda nessa altura e nessas zonas?

Também sei, e não podemos ignorar, que os guerrilheiros do PAIGC  cometeram igualmente acções de extermínio em situações diversas. Tenho de forma especial em mente, neste momento, as execuções sumárias de combatentes e outros nativos que estiveram nesta guerra ao lado de Portugal, designadamente elementos dos Comandos de Fá, cometidas em Bambadinca (e outras localidades) já depois do regresso das tropas portuguesas.

É triste que Portugal tenha abandonado os seus aliados africanos à sua sorte, a qual seria previsível em face do lado da guerra por que haviam optado e os moldes por vezes desregrados e sanguinários das suas acções armadas, publicamente comentados, para além da conjuntura conturbada e dificilmente controlável que se seguiria.

Intervim uma vez, na qualidade de capelão, relativamente aos Comandos africanos, por causa do lamentável e bem conhecido caso da cabeça dum homem que foi cortada (desconheço as circunstâncias do acto, embora ouvisse mais que uma versão), numa operação que esta Companhia realizou  para os lados de Madina em princípios de Outubro  de 1970. Trazida para Bambadinca e exposta, como um troféu - diga-se, com escândalo da população civil e dos nossos militares - houve um soldado português que fotografou esta cena macabra, unicamente com intuitos comerciais.

As fotos, que circularam no Quartel até ao dia em que foram superiormente mandadas recolher com as respectivas chapas – de facto,  seriam uma exposição inconveniente para a causa portuguesa se chegassem ao exterior - mostravam um homem negro ainda novo, magro, de cabelo curto e crespo, com os olhos semiabertos. Pela boca fora introduzido um lenço que saía num buraco na nuca, o qual, atado nas pontas, servia de alça para o seu transporte na mão. O autor desta acção foi um furriel felupe [, João Uloma, mais tarde graduado em alferes, e também executado em 1975, pelo PAIGC] que – dizia-se - costumava cortar e guardar as cabeças das pessoas que matava em operações militares, por razões de crenças étnicas.

Nesse dia, o referido furriel aumentava a sua colecção de 27 crânios para 28.

Como muitos companheiros militares, e na qualidade de capelão, mostrei de imediato a minha repulsa por esta acção ignóbil. E, bem poucos dias depois, quando aquela Companhia se encontrava na parada de Bambadinca, achei que devia abordar o assunto ao comandante da mesma, lamentando que tais actos pudessem ser praticados num exército que tem obrigação de ser civilizado. O graduado, referindo este ser um costume tradicional da etnia felupe, remeteu-me para a nossa acção durante 400 anos na Guiné.

Em relação aos crimes de guerra, onde quer e quem quer que sejam os seus autores,  estou totalmente de acordo com aqueles que, sem admitir a pena de morte, defendem que no mundo civilizado os homens julgam-se nos Tribunais e, através destes, os criminosos são condenados.

Arsénio Puim


2. Quem era (ou é) o Padre António Grillo ?


António Grillo é um missionário italiano, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores). Nasceu em 1925, em Acerenza. 

Recorro aqui ao Sítio de Paolo Grappasonni que, em finais de 1988, fez uma visita às missões italianas na Guiné-Bissau e evoca a figura do padre Anmtónio Grillo. Reproduzem-se excertos do texto "Notas de viagem à Guiné-Bissau", com a respectiva tradução em português

  Padre Antonio Grillo, di Acerenza, ha vissuto per diversi anni e con alterne vicende tra i Balanta di Bambadinca. Ha pubblicato un opuscolo nel maggio 1988 dal titolo: “I miei Balantas” dal quale traggo le sue esperienze più significative. 

O Padre Antonio Grillo,  de Acerenza, viveu durante vários anos e em diferentes períodos entre os Balanta de Bambadinca. Publicou um opúsculo em Maio de 1988 intitulada: "Os Meus Balantas" de que retiro algumas das suas experiências mais significativas.

Aveva 26 anni padre Antonio Grillo quando, il 12 settembre 1951, partì dal PIME di Milano insieme a tre missionari su una jeep americana alla volta del Portogallo e della Guinea in Africa.  Faceva parte della seconda spedizione missionaria del PIME in Guinea. Bambadinca è il distretto missionario al quale padre Grillo viene inviato insieme a padre Biasutti il 31 gennaio 1952. Dopo un anno di attesa per avere il visto dal governo portoghese, e dopo un viaggio avventuroso su una jeep e via mare, finalmente possono cominciare. 

Tinha 26 anos quando a, 12 de setembro de 1951, partiu do PIME de Milão, com três missionários num jipe americano,  a caminho de Portugal e depois da Guiné, em África.  Fazia parte da segunda expedição missionário do PIME à Guiné. Bambadinca é a região missionária para a qual o padre Grillo é enviado juntamente com o  padre Biasutti, em 31 de Janeiro de 1952. Depois um ano de espera para obter visto do Governo Português, e depois de uma viagem aventurosa por terra e mar, finalmente podiam começar.

“Purtroppo - scrive padre Grillo - abbiamo dovuto accettare di fissare la nostra residenza a Bambadinca, villaggio dove erano anche le autorità amministrative portoghesi, perché queste volevano tenerci sotto il loro continuo controllo. Già a quei tempi non permettevano facilmente neppure a noi missionari che ci addentrassimo nella foresta per entrare in contatto con le varie tribù. Avremmo preferito un grosso agglomerato abitato dai Balantas come Sambasilate perché questi erano animisti mentre la quasi totalità degli abitanti di Bambadinca era mussulmana”.
In lingua mandinga “Bamba” significa “coccodrillo”, “Dinga” significa “tana”: e veramente negli anni ‘50 il vicino fiume Geba era pieno di coccodrilli. 

"Infelizmente - escreve o padre Grillo - nós tivemos que aceitar estabelecer a nossa residência em Bambadinca, a povoação onde estavam também as autoridades administrativas portuguesas, porque eles queriam manter-nos sob o seu controle constante. Já naquele tempo não nos permitiam com facilidade, mesmo a nós, missionários,  que entrassemos na floresta para contactar  as várias tribos. Teríamos preferido uma grande aglomerado populacional de Balantas como Samba Silate porque estes eram animistas, enquanto quase todos os habitantes de Bambadinca eram muçulmanos. "

Em língua madinga, "Bamba" significa "crocodilo", "Dinga" significa "cova": e na verdade, nos anos 50 o vizinho rio Geba estava cheio de crocodilos.

Il villaggio di Sambasilate nel 1955 contava già 1750 abitanti in maggioranza della etnia Balanta, con pochi Papeis e alcuni musulmani. Sambasilate, che vuol dire “risaia”, fu la prima stazione missionaria del distretto di Bambadinca. Il motivo che spinse soprattutto padre Grillo verso questo villaggio fu proprio il numero dei suoi abitanti che, se convertiti, potevano attirare i villaggi minori
.

A aldeia de Samba Silate, em 1955, já tinha 1750 habitantes, na sua maioria do grupo étnico Balanta, com poucos Papéis e alguns muçulmanos. Samba Silate, que significa "campo de arroz", foi a primeira estação missionária na zona de Bambadinca. O motivo que levou o padre Grillo a optar por esta aldeia, foi apenas o número dos seus habitantes que, se se convertessem, poderiam atrair as outras aldeias mais aldeias. (...)

http://www.webalice.it/paolo.grappasonni/Guinea_Bissau:_appunti_da_un_viaggio.html

2.2. De um outro site, italiano, sobre os 150 anos do PIME (Pierio Gheddo - PIME 1850-2000: 150 Anni dei Missione)  retiro a seguinte informação sobre o conflito do Padre Grilo com as autoridades portugueses, em 1963, bem sobre as crescentes dificuldades dos missionários italianos na sequência da escalada do conflito militar:

(...) Pime in prima linea: l’arresto di padre Grillo (1963)

Il superiore generale p. Augusto Lombardi visita la Guinea (10 dicembre 1959 — 26 febbraio 1960) e richiama i missionari ad impegnarsi ancor più nell’aiutare il popolo guineano, evitando però accuratamente ogni gesto o giudizio politico: l’imperativo è di restare sul posto senza farsi mandare via: proprio ora i missionari stranieri possono giocare un ruolo importante a difesa dell’uomo.


(...) O PIME debaixo de fogo: a prisão do padre Grillo (1963)

O Superior Geral, padre Augusto Lombardi visita a Guiné (10 de Dezembro de 1959-26 fevereiro 1960), e incita os missionários a empenharem-se mais para ajudar o povo da Guiné, mas evitando cuidadosamente qualquer gesto ou opinião política: o imperativo é permanecer no local sem se fazerem expular: os missionários estrangeiros podiam desempenhar um papel importante na defesa do homem.

All’inizio degli anni sessanta la Guinea entra decisamente nel clima di guerra. Prima vittima è il p. Antonio Grillo (22), apostolo dei balanta a Bambadinca, per un’accusa risultata poi del tutto falsa (amico di un capo guerrigliero). 

No início dos anos sessenta, a Guiné entra significativamente em  clima de guerra. A primeira vítima é a padre Antonio Grillo, o apóstolo dos Balantas em Bambadinca, sob a acusação, que se soube mais tarde ser completamente falsa, de ser amigo de um líder da guerrilha.

Arrestato dalla polizia politica portoghese (la Pide) il 23 febbraio 1963, incarcerato prima a Bissau e poi a Lisbona, viene liberato il 4 luglio come atto di omaggio del Portogallo al nuovo Pontefice Paolo VI.

Detido pela polícia política portuguesa (Pide), a 23 fevereiro de 1963, encarcerado primeiro em Bissau e depois em Lisboa, acabou por ser libertado em 4 de julho em homenagem de Portugal, ao novo pontífice, o Papa Paulo VI.

Le missioni del Pime, nelle regioni più periferiche, sono in prima linea. Quella di Suzana è occupata dai militari portoghesi, i missionari debbono ritirarsi per non essere compromessi agli occhi dei locali (visitano i cristiani ogni mese partendo da Bafatà); Catiò è al centro della guerriglia perché vicina alla Guinea- Conakry da cui venivano armi e guerriglieri: i padri non possono più visitare i villaggi senza permesso della polizia e in città sono sottoposti a stretti controlli; Farim rimane isolata per lunghi mesi; le strade sono interrotte e si percorrono solo con i convogli militari; attacchi notturni dei partigiani e ritorsioni dell’esercito con villaggi bruciati, torture, massacri.

As missões do PIME nas regiões mais remotas, estão na primeira linha da frente. A de Suzana é ocupada pelo exército Português, os missionários têm que retirar-se para evitar ficar comprometidos aos olhos da população local (os cristãos passam a ser  visitados todos so meses a partir de Bafatá). Catió, por sua vez, está no centro da guerrilha por causa de sua proximidade com a Guiné-Conacri, de onde vêm as armas e os guerrilheiros: os padres já não podem visitar as aldeias sem a permissão da polícia e na cidade estão sujeitos a controlos rigorosos. Farim, por seu lado, permanece isolada durante longos meses, as estradas estão cortadas e só se pode viajar em colunas militares;  ataques nocturnos dos guerrilheiros e represálias do Exército, com incêndios de aldeias, tortura, massacres.

Il 10 giugno 1963 un nuovo prefetto apostolico: mons. João Ferreira, giovane entusiasta e con bei progetti, ma purtroppo resiste due anni e mezzo al clima della Guinea: ritorna in Portogallo nell’agosto 1965. Il suo successore, mons. Amãndio Neto, è anche lui su una linea moderatamente innovativa: lascia lavorare i missionari, difendendoli sempre dai sospetti dei militari e della polizia politica portoghese. 

Em 10 de junho de 1963 um novo Prefeito Apostólico: Monsenhor  João Ferreira, jovem,  entusiasta e com bons projetos, mas infelizmente resistiu apenas dois anos e meio ao clima da Guiné: Volta a Portugal em Agosto de 1965. O seu sucessor, Mons. Amândio Neto, também está numa linha moderadamente inovadora: deixar trabalhar os missionários, defendendo-os sempre a suspeita dos militares e da Pide. (...)

2.3. Recentemente, no início do ano, o Padre António Griillo  (agora com perto de 85 anos, vd. foto à direita, com a devida vénia ao blogue ) voltou a Bambadinca, com uma delegação da sua diocese de Acerenza para inaugurar uma escola a que foi dado o nosso nome... Voltou a Samba Silate, aos seus balantas. Foi recebido com grande entusiasmo, alegria e espírito ecuménico.

3. Comentário de L.G.:


É doloroso para a nossa memória, mas não podemos ignorar, esquecer, branquear, desculpar o que se terá passado em Samba Silate (e noutros locais do CTIG)... 1961, 1962, 1963... foram anos de chumbo... Não sabemos exactamente qual foi o envolvimento dos militares (****)... A Pide costuma ficar com o odioso (bem como a polícia administrativa local que fazia o "trabalho sujo")... Mas  a tropa e as autoridades administrativas  também não  ficam bem na fotografia...

Não posso quem quero generalizar, prefiro que apareçam relatos,  documentados,  circunstanciais, com datas e factos, sobre violência exercida tanto pelas NT como pelo PAIGC (ou a FLING, em 1961) sob as populações indefesas, ou sob prisioneiros... Em 1969, seis anos depois, os meus soldados da CCAÇ 12 falavam-me destes acontecimentos, com naturalidade... E eles eram insuspeitos, eram fulas, nossos aliados... Samba Silate, Poindon: são dois topónimos da Guiné que ainda hoje não esqueço e que me incomodam...

_______________

Notas de L.G.:


(***) Estes números, baseados na memória oral da população local, têm que ser lidos com reserva... Em 1955, segundo o Padre Grillo, Samba Silate tinha 1750 habitantes, quase todos de etnia balanta.  

Na história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), HU-Cap II, p. 19, pode ler-se o seguinte Samba Silate, e a propósito dos balantas:

"Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas será criar condições de segurança nas ricas bolanhas que se encontram abandonadas; de entre todas essas, ressalta a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rioca e muito grande, econtrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontrarem sobre controlo IN, na área de Incala [, será a mesma, a da região de Bedanda ?, se sim, ficava claramente  fora do sector L1...], e desejarem para ali voltar"

Sobre o alegado massacre de Samba Silate, em 1963, só temos o testemunho de Alberto Nascimento (ex-sold condutor auto, CCAÇ 84, que esteve no CTIG entre 6/4/61 e 9/4/63, tendo o seu pelotão estado em Bambadinca justamente na altura em que foi preso o padre Grillo, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, às ordens de Bafatá)., e conversas minhas com alguns soldados da CCAÇ 12, entre eles o Abibo Jau, que seria fuzilado pelo PAIGC em 1975, juntamente com o Cap Comando Graduado Jamanca (e que já reproduzi na I Série do Blogue).

Recorde-se o que o Alberto Nascimento (que era um simples soldado condutor auto) escreveu:

(...) Sem conseguir precisar o mês,  um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca  [,  sabemos agora que foi em 23 de Fevereiro de 1963],  para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana [, ou melhor, missionário do PIME,] acusado - não sabíamos se por denúncia se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate.

Este episódio motivou a intervenção militar do Comando de Bafatá (****) com uma força equipada com as já na altura obsoletas auto-metralhadoras e lança-chamas. Essa força foi reforçada em Bambadinca com grande parte dos efectivos aí destacados [ , um pelotão da CCAÇ 84, pelo mneos,] e seguiu para Samba Silate.

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio.

Quando a meio da tarde o Comando deu por terminada a operação é que fui, pelo caminho, vendo a destruição provocada pelos lança-chamas, auto-metralhadoras e G3. Samba Silate estava, na sua maior parte, destruída. Num largo da povoação estavam concentrados um grande número de prisioneiros, um dos quais, talvez movido pelo desespero e terror, intentou a fuga, tendo sido abatido. Os outros foram divididos entre Bafatá e Bambadinca, de onde poucos ou nenhuns saíram.

Poindom foi o outro alvo de uma operação militar de Bafatá e Bambadinca, com o apoio da força aérea. O avanço militar terrestre fez-se pela bolanha enquanto os aviões despejavam bombas e rockets sobre a povoação e a mata que a antecedia, para anular eventuais grupos de elementos do PAIGC que poderiam impedir o avanço terrestre. Um dos aviões sobrevoava o rio [Corubal], metralhando tudo o que tentasse a travessia.

Quando consideraram que a mata estava "limpa", avançámos para a povoação que estava quase totalmente arrasada, sendo visíveis muitos corpos sob os escombros das palhotas. No interior de uma delas que ficou de pé, encontrámos um grupo de homens aterrorizados: já não me lembro se os fizemos prisioneiros ou deixámos ficar a chorar os mortos. Desta operação guardo bastantes recordações, quase todas na mente, apenas uma física, uma colher de madeira que encontrei no chão. (...)

(****) Unidades que estão em Bafatá na altura dos acontecimentos: de Samba Silate

(i) Talvez a CCAÇ 90... Mobilizada pelo R1 7, partiu para a Guiné em 2774/1961 e regressou a 12/4/1963. Esteve em Bafatá. Comandante Cap Inf Manuel Domingues Duarte Bispo, e Cap Mil Inf João Henriques de Almeida.

(II) Seguramente o BCAÇ 238. Mobilizado pelo BCAL 8, partiu em 28/6/1961 e regressou em 24/7/1963. Esteve em Bafatá. Comandante: Maj Inf José Augutso de Sá Cardoso; Ten Cor Inf Luís do Nascimento Matos.

(iii) Seguramente o EREC 385. Mobilizado pelo RC 8. Partiu a 27/7/1962. Regressou a 23/7/1964. Esteve em Bafatá. Comandante: Cap Cav José Olímpio Cajda da Costa Gomes.