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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores descrevem a viragem introduzida pelo Fiat e pelo Alouette III sobretudo na vida operacional. O texto é minucioso sobre a natureza dos armamentos usados e das alterações registadas em 1966 na reorganização de Bissalanca, relevam igualmente o acréscimo trazido ao poder operacional pelas forças paraquedistas que irão em 1970 conhecer modificações, quando o BCP12 se transformou na CCP121, 122 e 123. O poder bélico intensificou-se mas concomitantemente cresceu a área de intervenção do PAIGC, operando densamente no Sul, no Corubal, no Boé, na região do Morés, fortalecendo-se nas regiões transfronteiriças do Senegal e Guiné-Conacri. Mas em 1966, ainda havia a esperança no comando-chefe que as novas potencialidades de meios aéreos iriam desencadear o recuo do PAIGC, o que de modo algum aconteceu.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Como se fez referência no texto anterior, o equipamento aéreo da Guiné vai conhecer em 1966 uma alteração de tomo: chegou um caça que se irá tornar temível e prontamente colaborantes nas atividades operacionais e de bombardeamento, o Fiat, e o helicóptero Alouette III, de maior capacidade que o seu antecessor, que se irá revelar altamente prestante na atividade operacional, na evacuação de feridos e nos mais diferentes tipos de transporte.

Oficiais portugueses observadores das operações argelinas, durante o final da década de 1950, depuseram que “a utilização de helicópteros no caso particular da guerra subversiva, oferece excecionais possibilidades. Isto era especialmente verdade nas operações de assalto, ofereciam às tropas francesas surpresa e superioridade e mobilidade no combate face a um adversário que operava num terreno praticamente inacessível.”

Todos estes depoimentos motivaram o General Venâncio Deslandes, do Secretariado-Geral para a Defesa Nacional a recomendar o emprego de helicópteros nas forças de intervenção, logo em 1963. Como se referiu anteriormente, o Alouette III só apareceu em novembro de 1965, chegaram a Bissalanca seis de uma encomenda de 21 helicópteros. Foi momento afortunado, concomitantemente chegaram os G.91 e entraram também ao serviço. Como observou o historiador militar Luís Alves Fraga, a conjugação destes dois meios aéreos garantia precisão quando havia limitações de tempo, ganhava-se no efeito surpresa, bombardeava-se por um lado e os helicópteros depositavam ou recolhiam as tropas envolvidas na operação. Com um alto grau de sincronização, o desembarque de forças operacionais era precedido pro um ataque de Fiat e/ou T-6, de maneira que a última bomba a cair no solo explodia imediatamente antes do primeiro homem saltar do helicóptero, era assim que se procurava manter o inimigo paralisado e garantir a proteção à força atacante.

Muitas vezes era indispensável uma proteção adicional. Os helicópteros eram alvos tentadores para o fogo dos guerrilheiros, especialmente durante o pouso e desembarque, era um momento de maior vulnerabilidade para as nossas forças operacionais, como lembrou o general aposentado António Bispo, lembrando que em 30 de março de 1966, um helicóptero fora imobilizado pelo fogo inimigo durante a Operação Narceja. A Zona Aérea procurou os meios de conjugar vigilância e apoio de fogo durante as operações aerotransportadas. Inicialmente, militares armados com espingardas de caça foram colocados a bordo de alguns helicópteros para fazer fogo supressivo. Nenhum expediente se mostrou suficientemente dissuasor, houve testes iniciais com a metralhadora MG-42 montada em tripé, rapidamente se abandonou o seu uso pelo difícil manuseio da arma e pela trajetória irregular do fogo; montou-se depois uma Browining M3 na porta lateral do Alouette III, mostrou-se inconveniente devido ao tamanho da arma, ao seu peso e às vibrações durante os disparos. Encontrou-se finalmente uma resposta instalando um canhão montado num sistema giratório na porta do helicóptero. Em 1965-1966, a FAP testou o canhão Matra MG-151 20mm no campo de tiro de Alcochete, os resultados foram satisfatórios e em dezembro de 1966 chegaram a Bissalanca os primeiros canhões MG-151. O emparelhamento destas armas com o Alouette III resultou no helicanhão, conhecido na gíria como lobo mau. Alimentado por dois cintos de munição de 200 cartuchos e disparando munições altamente explosivas ou incendiárias em grande quantidade por minuto, revelou-se “uma arma de extraordinária eficácia”, como contou o veterano da Guiné, General José Brochado de Miranda. Embora os canhões e a suas munições reduzissem a quantidade de carga do Alouette III, o emprego do helicanhão revelou-se determinante nas fases mais delicadas de operações de assalto com helicópteros.

A crescente frota de helicópteros Alouette III também passou a realizar as missões de apoio anteriormente operadas pelo Alouette II: transporte, observação e evacuação de feridos. “Milhares de vidas foram salvas pelos esforços abnegados de centenas de pilotos e tripulantes, com risco de vida e muitas vezes sob fogo inimigo, tudo para salvar a vida dos outros. Na Zona Aérea, os Alouette III transportaram mais de mil vítimas em missões de evacuação em 1967 e 1968, o que representou 37% de todas as evacuações realizadas neste período, aliviando os DO-27. Apenas o Alouette III poderias resgatar o pessoal ferido em zonas de combate em áreas inacessíveis. A integração dos Alouette III e dos G.21 coincidiu com mudanças organizacionais importantes na Base Aérea 12, a principal instalação da FAP na Guiné e sede da Zona Aérea. Anteriormente conhecida como Aeródromo-Base 2, a expansão contínua que vinha ocorrendo desde 1961 resultou na redesignação de Bissalanca como principal base nacional em maio de 1965. A Esquadra Operacional também teve um crescimento significativo tornando-se no Grupo Operacional 1201 composto por três esquadras: Esquadra 121, responsável pelo ataque, apoio de fogo, comando e controlo aerotransportado, eram os Fiats (os Tigres), os T-6 (Roncos) e DO-27 (Cafeteiras); Esquadra 122, incorporando todos os helicópteros, tanto os desarmados (os Canibais) como os apetrechados com canhões (Lobo Mau); a Esquadra 123, destinado ao transporte aéreo, observação e ligação com a legenda “Tudo Alcança”, composto por Dakotas".

Os Fiat e os Alouette III eram informalmente agrupados em esquadras de intervenção que se ativavam para apoiar operações aerotransportadas, que começaram a aumentar em frequência a partir de 1966. Para equipar adequadamente estas operações aerotransportadas, a FAP enviou paraquedistas adicionais. Em 1963 havia um único pelotão de paraquedistas, esse número foi crescendo nos anos subsequentes, primeiro uma companhia, depois um batalhão. Em 20 de outubro de 1966 foi criado o Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12 e em julho de 1970 este batalhão passou a ter três Companhias de Caçadores Paraquedistas; CCP 121, 122 e 123. O helicóptero continua a ser o “principal veículo de ataque principal”. Deu-se outra mudança na aviação militar portuguesa na Guiné: a fusão dos Comandos da Zona Aérea e da Base Aérea 12 em Bissalanca, que anteriormente tinha dois oficiais distintos, o que se revelou suscetível de atritos. O Coronel Abecasis criticou especialmente “a incompetência dos sucessivos comandantes da Zona sem qualquer serviço anterior no voo, esquadrão ou ao nível de operações”, que inevitavelmente tentaram esconder a sua competência intrometendo-se constantemente nos assuntos da unidade, coisa que devia ficar ao cuidado dos seus subordinados. “Vítimas de uma mistura de vaidade e rancor” concluiu ele, tais comandantes “foram a origem do mal-estar e dos problemas supérfluos”. Após a redesignação de Bissalanca como Base Aérea 12, as funções da Zona Aérea combinaram-se com o Comando da Base, e Abecasis assumiu o Comando em junho de 1965.
Fiat da Esquadra 121, maio de 1966 (Arquivo Histórica da Força Aérea)
Raio de ação do G.91 (Matthew Hurley, baseado no Secretariado-Geral da Defesa Nacional), novembro de 1967
O número de operações do G.91 esteve restringido devido a numerosas questões técnicas e logísticas durante os primeiros cinco meses de serviço na Guiné (Arquivo Histórico da Força Aérea)
O Fiat e o diferente tipo de munições que podia utilizar (Coleção Egílio Lopes)
Material de combate usado pelo G.91 (Matthew Hurley, baseado no “Relatório da missão à Alemanha relativa ao Projeto Feierbend”, março de 1966)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 15 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24971: Notas de leitura (1650): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23487: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (10): o massacre do alf mil Artur José de Sousa Branco e do seu pequeno grupo, nas imediações de Gadamael, em 4/6/1973 (J. Casimiro Carvalho / Manuel Reis / Carmo Vicente / Manuel Peredo / Jorge Araújo)

Calendário português: junho de 1973. Cortesia de: www.calendario-365.pt. O dia 4 foi uma segunda feira. Infografia: Blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Uma das dezenas de vitimas, em Gadamael, na altura da "batalha dos três G", foi o  alf mil art Artur José de Sousa Branco, da CCAV 8350 (1972/74): morreu, em combate, nas imediações do quartel e  tabanca de Gadamael Porto, em 4/6/73.  Era uma segunda feira.

Era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Recorde-se que na tarde de 4 de junho de 1973, em Gadamael, o alf mil Branco sai com um reduzido grupo de combate (12 homens. pouco mais do que uma secção) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. 

O pequeno grupo cai de imediato numa emboscada das tropas do PAIGC espalhadas pelas redondezas, e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCP 122/BCP 12), acabadas de chegar a Gadamael, na manhã de 3 de junho, domingo,  sob o comando do cap paraquedista Terras Marques.

Um pelotão, sob o comando do alf paraquedista Francisco Santos, da CCP 122, vai em socorro do grupo do alf mil Branco, da CCAV 8350,  e ainda consegue resgatar os corpos e socorrer os sobreviventes. 

"Os cadáveres tinham sido selvaticamente baleados, ainda estavam quentes e os fatos empapados de sangue" (José Moura Calheiros - A última missão, 1.ª ed. Caminhos Romanos: Lisboa, 2010, pp. 527/528).

Além do alf mil Artur José de Sousa Branco, natural de Lisboa, morreram nesta ação os seguintes camaradas, todos eles sold cav da CCAV 8350, "Piratas de Guileje" (entre parênteses, o concelho da sua naturalidade): 
  • António Mendonça Carvalho Serafim (Cartaxo); 
  • Fernando Alberto Reis Anselmo (Macedo de Cavaleiros); 
  • Joaquim Travessa Martins Faustino (Santarém); 
  • José Inácio Neves (Alcobaça).
O infortunado Artur José de Susa Branco, jogador de futebol antes da tropa (tendo  chegado a jogar nos escalões juvenis do S.L. Benfica), foi amigo e colega de liceu do nosso coeditor Jorge Araújo (andaram juntos no Liceu Camões, em Lisboa) (*****).


2. Sobre este sangrento episódio, há várias versões publicadas no nosso blogue, que merecem ser aqui recuperadas, na véspera dos 50 anos da efeméride (*), a primeira das quais a do J. Casimiro Carvalho, que integrou a pequena força comandada pelo infortunado alf mil Branco, e foi um dos sobreviventes.

2.1. Gadamael, 4 de junho de 1973: "A Patrulha Fantasma” (**)

por J. Casimiro Carvalho (ex-fur mil, op esp, CCAV 8350, 
"Piratas de Guileje",  Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, 
Cumbijã e Colibuia, 1972/74; vive na Maia]

(...) Em Gadamael, a mortandade era tanta, a cadeia de comando rompeu-se e houve fugas para o mato e para o Rio Cacine.

De salientar a bravura do capitão Ferreira da Silva (Comando/Ranger), que avocou a si o comando desse pequeno contingente [, que restava em Gadamael,] e debaixo de fogo coordenou os cerca de 30 ou quarenta, verdadeiros heróis, que até à chegada dos abnegados Paraquedistas [do BCP 12], aguentaram aquele apocalipse!

Não havia condutores, o pessoal andava atarantado... aterrorizado e sem chefias que chegassem. Era assim em Gadamael em 1973.

A enfermaria estava pejada de cadáveres, um cheiro nauseabundo, os mesmos eram constantemente regados com creolina, não haviam urnas, os bombardeamentos eram constantes, as granadas caíam com precisão dentro do quartel, se fugíamos para o rio, elas caíam no rio, se fugíamos para o parque auto, caíam aí, havia coordenação de tiro por parte do IN.

Cheguei a conduzir uma Berliet, dos paióis para as bocas de fogo, de tal forma que, quando havia saídas de fogo, nós já não as ouvíamos. Comigo andava um açoriano [, o 1.º cabo Raposo], dois autênticos loucos varridos, saltávamos em andamento e, quando acabava o fogachal, voltávamos ao camião e seguíamos com o serviço.

Nessa altura, mais valia estar no mato, estávamos sitiados, e por isso, quando formaram uma patrulha "ad hoc" onde me incluíram, até fiquei contente. Nessa patrulha ia o alferes Artur [José de Sousa] Branco, que antes tinha dito que o mandaram para ali, e que ia morrer; iam dois putos que tinham vindo voluntários para a tropa (, dois meninos!), aos quais ordenei que ficassem no quartel, ao mesmo tempo que disse: "Sois muito novos para morrer" (ainda se lembram disso e sempre o repetem aos filhos, dizendo que me devem a vida); ia um negro (o "pica"), o cabo José Neves e os soldados F. Anselmo [Fernando Alberto Reis Anselmo, natural de Macedo de Cavaleiros]; e o A. Serafim [António Mendonça Carvalho Serafim, natural do Cartaxo] (um destes soldados nunca saíra para o mato), e outros que desconheço. Era uma “patrulha fantasma”.

Saímos para a zona da pista abandonada de Gadamael, as ordens era para emboscar nessa zona, para prevenir aproximações do IN. Fomos em fila indiana ao longo do rio Cacine junto ao tarrafo. Passámos por um sítio, onde se vislumbrava uma pequena clareira, de capim médio, e o pica disse: "Alfero, melhor ficar por aqui, boa zona para montar emboscada"... O alferes Branco retorquiu que as ordens eram ir para a pista velha, pelo que continuámos. Uns 200 metros à frente, o negro disse que a pista estava minada e armadilhada pela tropa anterior. Posto isto, o alferes reuniu comigo e chegámos a um consenso: que o melhor era recuarmos.

Recuámos em silêncio e ordeiramente, até chegarmos à tal zona da clareira, e começámos a entrar na mesma, agachados para passarmos por baixo do tarrafo. Normalmente eu ia em 2.º ou 3.º lugar nas patrulhas, e, ao entrarmos nessa clareira, um dos militares deu-me passagem, e eu disse que não: "Ide entrando que 'eles' podem estar aí", num tom bonacheirão e em sussurro, e assim foi.

Uns seis já tinham passado, quando ouvi uns estalidos e, com gestos e murmúrios, dei a entender que estava ali algo. Todos pararam,  espaçados e em silêncio. Como mais nada se ouviu, eu disse: “Deve ser passarada, avancemos” .... Logo a seguir, outra vez o estalar de ramos e mexer de vegetação. Imediatamente gritei: “Emboscada!”.  Coloquei a arma em modo de rajada, e atirei-me para o chão, não sem antes ver a cara do alferes desfeita por uma rajada, com sangue e ossos (?), a saltar.

Já no chão e com um fogachal tremendo, próprio de armas russas, com a cara de lado bem rente ao mato, passou-me a vida pelo cérebro, e a mente a pensar na “minha mãe”. Estou neste estertor, pensando se abria fogo ou não, pois iria denunciar a minha posição, imaginando um turra a disparar nas minhas costas, deitado.

Nestas fracções de segundos, ouço uma G-3 a disparar ao meu lado, o som era mesmo nosso, então comecei a dar rajadas de 3 ou 4 tiros, enquanto outro militar dava tiro a tiro, compassadamente. Freneticamente, tirei o carregador vazio e coloquei outro, disparando pequenas rajadas por cima da cabeça, que continuava “colada ao solo”. 

Ao pegar no 3.º carregador, o tiroteio IN parou abruptamente, quando vislumbro um turra no meio da vegetação que se levantou, e assim mesmo levou uma rajada minha que o “tombou” logo ali, depois uma gritaria infernal, por parte deles, e eu, sozinho com um militar ao meu lado, berrei para o mesmo: "Vamos, ou morremos aqui".

Ele gatinhou à minha frente, passámos pelo cadáver do cabo Neves [José Inácio Neves, natural de Alcobaça] e seguimos para o rio, em direcção ao quartel, sempre a olhar para trás a ver se algum IN nos mirava para nos abater. Larguei o cinturão, com a ração de combate e os restantes carregadores, para melhor correr, fugindo da morte certa, levando apenas a G-3 sem carregador nem munições.

Chegado ao quartel, sozinho, o meu corpo colapsou, e todos pensaram que eu morrera ali mesmo. Fui recolhido por camaradas daquele inferno, tão aterrorizados como eu, e descansei um pouco, bebi água sofregamente, sem saber ao certo quantos morreram.

De seguida, saíram paraquedistas [da CCP 122, um Gr Comb, comandado pelo alf paraquedista Francisco Santos] e foram ao local (a 1200 metros) da emboscada, onde encontraram aquela cena traumatizante, derivado ao que os turras fizeram aos meus camaradas, que me dispenso de pormenorizar aqui, tal o horror.

Quando regressaram, eu quis ver os meus camaradas, que estavam numa Berliet, e não me deixaram. Peguei numa G-3, meti bala na câmara e berrei: “Ou vejo, ou varro esta merda toda”!... Claro que vi, e essa imagem persegue-me ainda hoje, como fantasmas do passado!

Passados uns dias, noutro bombardeamento, fui ferido, e evacuado pelos fuzos até à [LFG] Orion, para Cacine. No entanto, quando fiquei bom, ofereci-me para ir outra vez para o holocausto, onde os meus camaradas morriam.

(...) Décadas se passaram, e numa simples conversa, descobri quem era o herói que ao meu lado disparou até ao último segundo (o tal da decisão de viver... ou morrer): era o soldado Borges, da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", o qual abracei chorando e soluçando, revivendo aquele tormento. (...)


 2.2. Apeteceu-me gritar ao alferes Branco: "Não vás!" (**)

por  Manuel Augusto Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, "Piratas de Guileje", 
Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; 
vive em Aveiro]

(...) Fui testemunha "in loco" de tudo o que relata o José Casimiro. Foi de uma violência tremenda essa emboscada e foram bravos esses homens que foram obrigados a efectuar esse patrulhamento. Eram 11 homens, mal equipados e mal armados, que partiram do aquartelamento sob os berros e ameaças do comandante de companhia.

Não calei a minha revolta e indignação pelo sucedido, o que me valeu uma despromoção de 2.º comandante, o que para mim constituiu um prémio. Acabei por ser massacrado com tentativas de aliciamento para depor num determinado sentido, caso fosse aberto um inquérito.

Permanece viva a imagem do alf Branco, chegado há dois dias à companhia e, na hora da partida, olhou para mim, incrédulo, como que a perguntar o que devia fazer. Nada disse, mas apeteceu-me gritar: "Não vás!"

Coube-me a mim partilhar este sofrimento e dor imensa com a pobre mãe. Não gosto de recordar esta situação, mas o José Carvalho merece uma palavra amiga pela sua abnegação e doação ao próximo. Sem a sua bravura ninguém regressaria do mato. Bem hajas.


2.3. Quatro mortos do exército, três soldados e um alferes, terrivelmente desfigurados

por Carmo Vicente (ex-1º sargento, cmdt do 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74; DFA, escritor, natural de Arganil, vive em Almada)

(...) No dia  seguinte[, 4 de junho de 1960], sentado na vala, como de costume, preparava-me para comer mais uma vez as habituais sardinhas em lata, quando ouvi, vindo da mata, o forte crepitar de varias espingardas metralhadoras e o rebentar de granadas. Achei estranho, porque não tinha conhecimento de haver qualquer força a patrulhar a zona. Estava a comentar o facto com um dos meus camaradas que se encontrava perto de mim, quando chegou o comandante de companhia  [, Terras Marques,] que me disse para preparar rapidamente o meu grupo e ir socorrer um pelotão do exército que tinha sido atacado e sofridos vários mortos.

[...] Saímos rapidamente das valas e correndo dirigimo-nos para o local (guiados por um dos fugitivos), que ficava a pouco mais de um quilómetro do quartel.

O espectáculo que se nos deparou era deveras terrificante. No solo três soldados e um alferes jaziam mortos e irreconhecíveis com os rostos parcialmente desfeitos por rajadas disparadas à queima-roupa. Havia ossos e tecidos sangrentos espalhados pelo chão. Um dos soldados enrolara-se nos seus próprios intestinos estando os restantes parcialmente queimados pelo fogo que, acidentalmente, por acção das balas incendiárias, ou deliberadamente fora ateado ao capim.

Eu conhecia o alferes. Chegara a Gadamael três ou quatro dias antes, ido directamente da Metrópole e eu encontrara-o por acaso e estivera a falar com ele. Com os olhos dilatados pelo medo,  havia-me dito que abominava a guerra, que estava aterrorizado e iria fugir para longe da guerra o mais depressa possível, fosse para onde fosse, pois não podia aguentar por mais tempo aquele inferno. Agora, ao vê-lo morto, pensei: "Afinal conseguiste o que querias, alferes.... Vais sair daqui... da única maneira que o recusarias fazer, se te tivesse sido dado escolher, enquanto vivo".

Carregámos com os mortos às costas e regressámos ao quartel. Ao chegarmos,  começou novo bombardeamento e toda a gente se atirou para o chão tentando encontrar abrigo. O soldado C [...] que carregava o cadáver do alferes, seguindo o exemplo dos outros ou obedecendo ao seu instinto de conservação, também se atirou para o chão ficando com o morto em cima, que, por ter caído a capa impermeável onde o tínhamos embrulhado, o cobriu de sangue. Levantou-se como se tivesse sido picado por uma cobra e ficou a olhar-me de olhos esgazeados. O seu aspecto era terrível. O sangue do morto cobria-o da cabeça aos pés: tinha sangue na boca e nos olhos. Pastas de sangue coagulado caiam do camuflado. Olhou as mãos e vendo-as ensanguentadas entrou em pânico. [...]

Havia que evacuar os mortos e um ferido muito grave com um estilhaço num pulmão, que apanhara dentro do quartel. E o meu pelotão foi encarregado desse trabalho. Atirámos com os mortos para cima de uma Berliet, única viatura que ainda funcionava em toda a unidade e arrumámos o ferido o melhor que pudemos junto dos mortos. A altura era má para nos prendermos com ninharias e não podíamos transportá-lo de outra maneira. Imaginem o que terá sentido aquele homem ferido gravemente, mas consciente, ao ver-se no meio de quatro mortos horrivelmente desfigurados. (...)


2.4. Eu próprio carreguei os mortos para a Berliet...

por Manuel Peredo (ex-fur mil pára, 4º Pelotão, CCP 122 / BCP, 1972/74;  emigrante,  em Fança)

(...) Alguns dizem que desembarcámos em botes, mas eu quase afirmava que foi de LDM e era capaz de jurar que só a minha companhia, a 122, é que desembarcou nesse dia e não me lembro de estarem lá duas companhias de páras ao mesmo tempo. Penso que a 123 nos foi render para a 122 poder descansar uns dias em Cacine.

Mal chegámos a Gadamael, dois pelotões foram logo para a mata, onde passaram a noite. Em Gadamael apenas se encontravam lá uns quinze ou vinte homens, o resto tinha fugido. Recordo-me que veio logo uma Berliet conduzida por um açoriano muito destemido para evacuar os mortos e feridos. 

Soube pelo blogue que o José Casimiro Carvalho também fazia parte dos que não fugiram. O meu pelotão, o quarto, fazia parte do bigrupo que passou a primeira noite no mato e, quando estávamos a regressar ao quartel, este foi fortemente bombardeado, originando a morte de alguns soldados do exército que tentaram fazer fogo com o obus 14, salvo erro. Estivemos à espera que os rebentamentos acabassem para poder entrar no quartel.

Um dia ou dois mais tarde  [, em 4 de junho de 1970,]  morreram mais três soldados e um alferes miliciano, vítimas duma emboscada, muito próximo do quartel. Alguém devia ter um grande peso na consciência por ter mandado para o mato um grupo de apenas duas dezenas de militares, se tanto. Este ataque já foi contado pelo José Casimiro e pelo Carmo Vicente.

Aqui o Vicente deve estar enganado. Quem foi primeiro recuperar os corpos foi outro pelotão  [, o do allferes Fernandes, também da CCP 122 / BCP 12], o nosso pelotão foi enviado em reforço porque tínhamos acabado de chegar do mato. Encontrámo-nos a meio caminho e demos uma ajuda a transportar os corpos que estavam muito mal tratados : tinham o corpo queimado e ferimentos causados pelas balas. O alferes [rranco]  tinha um grande buraco na cara derivado a uma rajada e um soldado nem calças trazia vendo-se bem o efeito das chamas.

Quando chegámos ao quartel, os colegas dos militares mortos estavam no cais à espera e houve um pormenor que me deixou surpreendido e até chocado. Nenhum deles teve a coragem de nos ajudar a carregar os mortos para a Berliet. Os corpos eram postos no chão e o pessoal ia para as valas. Eu próprio os carreguei com a ajuda de colegas. Quando estávamos com este trabalho, o IN lançou novo ataque e eu só tive tempo de saltar do paredão do cais para me proteger. Foi a minha salvação pois uma granada caiu no local que tinha deixado. Escapei a uma morte certa por décimos de segundo.

Outro pormenor que me surpreendeu: quando íamos resgatar os corpos, um dos soldados que tinha fugido da emboscada,  dirigiu-se a mim, suplicando-me por tudo quanto me era sagrado, que tentasse recuperar uma medalha ou um fio que a mãe lhe tinha dado. Essa medalha ou fio devia estar no casaco que ele largou durante a fuga. 

Os ataques iam-se sucedendo e talvez mais espaçados e a tropa que tinha fugido ia regressando ao quartel talvez por se sentirem mais seguros com a nossa presença. (...)
___________


(**) Vd. poste de 30 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (100): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973

(***) Vd. poste de 5 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

(****) Vd. poste de 12 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

(*****) Vd. Blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné > 21 de março de 2016 > P256 - Os problemas no Comando Territoria. Independente da Guiné (CTIG): Em 1963. "Memórias de cá e de lá" Por: Jorge Araújo

(...) Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). 

Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica.  Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar, representou (creio) o Club Atlético de Valdevez, na época de 1970/71 (...)

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.

Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão”, através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf  Art como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325-LG, narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento (...)

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23431: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (9): relatório, de 15 pp., da Op Dinossauro Preto (BCP 12, Gadamael, de 2jun a 17jul73) - Parte I


Guiné > Bissau > Bissalanca> BA 12 > BCP 12 (1972/74) > O ex-fur mil paraquedista Manuel Peredo é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do 2º sargento Carmo Vicente e do furriel mil Fernandes, cabo-verdiano, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12 (Bissalanca, 1972/74). Estes dois elementos também estão equipados com armamento capturado ao PAIGC. Em junho de 1973 (e até 25 desse mês, com BCP 12 destacado em Gadamael), o Carmo Vicente era também o cmdt do 4º Gr Comb / CCP 122 (comandado pelo cap pqdt Terras Marques).

O Peredo viveu (ou ainda vive) em França; tem 8 referências no blogue que integra desde 27 de julho de 2008. Disse-nos na altura que foi pela mão do Carmo Vicente que chegou ao nosso blogue. O Carmo Vicente, DFA - Deficiente das Forças Armadasa, é autor de vários livros (incluindo poesia, memórias e contos), com destaque para "Gadamael" (1ª ed., 1982; 2ª ed., revista e aumentada, 1986, edições Caso) (Vd. postes P2915, de 4 de junho de 2008, e P2917, de 5 de junho de 2008).(*)

Foto (e legenda): © Manuel Peredo (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Foto do álbum do Rodrigues Delgadinho (**), na altura fur mil parquedista, da CCP 123 / BCP 12, força de elite que conseguiu travar a ofensiva do PAIGC contra aquele aquartelamento de fronteira. Gadamael faz parte dos três famosos G - Guidaje, Guileje, Gadamael... "Tremeu mas não caiu"...

Foto (e legenda): © Delgadinho Rodrigues / Manuel Peredo (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Manuel Peredo [ ex-fur mil paraquedista, CCP 122 / BCP 12, Bissalanca, 1971/73, vive em França, ou vivia até há uns anos; tem 8 referências no nosso blogue: integra o nosso blogue desde 2008](***)

Data - 7 jul 2022, 19h00
Assunto - Gadamael

Olá, camarada Luís Graça.

O blogue tem relançado o tema dos três G (*) e não me parece que esteja a despertar grande interesse, o que é pena. A mim foi o que mais me marcou dos dois anos de Guiné.

Aqui há anos, quando o tema foi muito comentado e discutido e alguns já estavam saturados de tanto falar sobre Gadamael, também dei o meu contributo. Um dia o João Seabra enviou-me por email o relatório da atividade do meu batalhão, o BCP12, onde tudo está descrito ao pormenor.

Para mim tem muito valor este documento,mas não sei se terá algum interesse para o blogue e se alguma coisa poderá ser publicada. Envio o ficheiro PDF,mas talvez fosse melhor perguntar ao João Seabra se não há nenhum inconveniente em ser publicado.

Boa leitura e um abraço para o Luís Graça.

Manuel Peredo,
ex furriel pára da CCP 122.


2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Manuel Peredo, por nos teres facultado cópia do relatório da Op Dinossauro Preto (onde em 15 páginas se conta a odisseia do BCP 12, na defesa de Gadamael, entre 2 de junho e 17 de julho de 1973).

Sei agora, ao ler o documento, que foste ferido (mas também louvado) em Gadamael nesta altura (veremos isso na Parte III). Se mais razões não houvesse, esta bastava para reproduzir o documento que nos mandas, no todo ou em parte, no nosso blogue.

Não há problema em fazê-lo, o documento foi, em devido tempo, desclassificado, de acordo com os carimbos nele visíveis, na cópia que o João Seabra obteve diretamente do Arquivo Histórico-Militar. 

O João Seabra, hoje advogado, foi alf mil, da martirizada CCAV 8350, "Piratas de Guileje" (Guileje, 1972/73), é também merecedor da nossa gratidão por ter-te feito chegar, em tempos, esta cópia que tu agora partilhas com a Tabanca Grande. (O João tem 14 referências no nosso blogue, é pena que não nos dê notícias há muito, tal como outros "Piratas de Guilje").

Devido à sua extensão (15 páginas), vamos publicar o documento em 3 ou 4  partes. Um parte já foi transcrita no Poste P23415, a partir dos excertos da CECA (2015) (**). 

Nas primeiras cinco páginas do rekatório, verifica-se que falta, no entanto, a página 4 (relativa ao período entre 14 e 18 de junho de 1973, em que se realizaram a Op Bisturi Negro e a Op Diamante Preto), informação essa que se reconstitui aqui, a partir dos excertos da CECA (2015) (**):

- Operação Bisturi Negro - 14 e 15jun

A CCP 121 saiu em patrulhamento apeado, rumo Leste, flectindo para NWe depois para Norte. Em Cacoca 6E4.94 foi flagelada durante 45 minutos com armas autom, LGFog RPG-2 e RPG-7, canh s/r, por um grupo lN estimado em 80 elementos que se deslocavam na direcção Leste/Oeste.

As NT sofreram 1 morto (guia) e 2 feridos ligeiros. Da batida efectuada verificou-se que o lN sofreu 4 mortos confirmados e elevadas baixas prováveis dada a forma como procurou reter as NT com uma segunda linha de fogo com nítida intenção de retirar mortos e feridos, o que foi confirmado por sinais de arrastamento de corpos e abundantes rastos de sangue.

Foram referenciados elementos de tez clara e o lN utilizou esp autom G-3, metr lig HK-21 e dilagramas.

A CCP 121 regressou a Gadamael Porto para evacuar os feridos. Dois GComb voltaram a sair, rumo Leste flectindo depois para Norte. Montaram uma emboscada nocturna. Não houve contacto com o lN.

- Operação Diamante Preto - 17 e 18jun

A CCP 122 a 3 GComb saiu em patrulhamento. Em Cacoca 6F8.65 foi detectado um grupo lN estimado em 20 elementos ao qual foi montada uma emboscada imediata. O lN sofreu 1 morto confirmado e feridos prováveis; foi recolhida uma pá articulada, uma pica e uma granada de LGFog RPG-2 com carga.

Reiniciada a progressão o agrupamento foi flagelado do lado da fronteira com 3 granadas de canh sr/, sem consequências.

Foi montada uma emboscada nocturna. Não houve contacto com o lN
.


3. Relatório de Operações nº 16/73 | Operação Dinossauro Preto | Período: 2jun73 - 17jul73 | Região: Cacine / Gadamael | Referências: Carta [Cacoca] 1/50.000 | Exemplar nº 4 | BCP 12 | Bissalanca| 31jul73| 15 pág. Assinado: Sílvio José Rendeiro de Araújo e Sá, ten cor paraquedista.

Documento desclassificado. Cópia proveniente do Arquivo Histório-Militar. Cortesia de Manuel Peredo / João Sebra.

De assinalar a observação, na pag 1, ponto 3e: "Alteração à organização regulamentar: 2. Armamento: Utilizados LGF RPG 2, RPG 7, Met Lig Dectyarev, Esp Aut Kalashnikov e Mort 60"... Os páras reconheciam que o armamento do PAIGC era melhor que o nosso... Ou era "fetichismo" ? Afinal, os tipos do PAIGG também não desdenhavam da G3, dilagrama, HK 21 (capturado às NT)... 

Como diz o povo, "a galinha do vizinho é sempre melhor que a minha"... A "kalashnikovmania" é um velho tema aqui debatido no blogue...





Falta a página 4 (vd. comentário do editor LG, ponto 2, acima)



(Continua) 
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname

5 de junho de  2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23415: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (8): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte VII: "Gadamael tremeu mas não caiu" (Manuel Reis, "pirata de Guileje", dixit), e isso deveu-se aos seus bravos defensores, com destaque para a atuação pronta, inteligente, corajosa e eficaz do BCP 12, e da FAP


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > Obus 14... Foto do álbum do  J. Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Inf Op Esp, da CCAV 8350 (Piratas de Guileje) e da CCAÇ 11 (Lacraus de Paunca), que passou por Guileje, Gadamael, Nhacra, Paúnca, entre 1972 e 1974... e que é um dos heróis (esquecidos) de Gadamael.

Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007).  
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação desta nova série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?" (**).

Trata-se de excertos da CECA (2015) sobre estes acontecimentos de maio/junho de 1973. Recordamos Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, "a batalha (ou as batalhas) dos 3 G", na véspera da efeméride dos seus 50 anos (que será em 2023).

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Sobre Gadamael, podemos fazer nossa a opinião do Manuel Augusto  Reis, ex-alf mil at cav, um dos "piratas de Guileje (CCAV 8350, 1970/72): 

"Gadamael tremeu mas não caiu e tal se deve à actuação do Batalhão de Paraquedistas [, BCP 12,] e à actuação EFICAZ da Força Aérea. Como homem no terreno, é minha convicção que se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído com estrondo, aprisionando ou matando tudo o que lá se encontrava." (**).

E aqui convém repetir o que  escreveu o gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande (e na altura, tenente, que pilotava um dos nossos Fiat G-91, BA 12, Bissalanca, 1972/74, que foram neutralizar Kandiafara, a base do PAIGC; já no território da Guiné-Conacri):

"O que travou o avanço do PAIGC e estancou o tão apregoado 'efeito dominó', propagandeado vezes sem conta por 'Nino' Vieira? A explicação é simples e tem duas vertentes, por um lado a presença do Batalhão de Paraquedistas na área condicionou de imediato os movimentos dos guerrilheiros na zona, por outro lado a Força Aérea Portuguesa (FAP) bombardeou as matas à volta de Gadamael, silenciando várias bases de fogo, e em seguida entrou pelo território da República da Guiné-Conacri, destruindo a maior base de apoio do PAIGC, situada perto da localidade de Kandiafara." (***)


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas

2. 1. Ataque lN no Sul a Guileje e a Gadamael Porto

2.1.2. Ataque lN a Gadamael Porto  (continuação)

Operação "Dinossauro Preto" - 2jun a 17lul73

[Nota: É feito um resumo do Relatório de Operações, n.º 16/73 do Cmdt do BCP 12 de jul73.]

A "Missão" consistia em "destacar as três CCPs para Gadamael Porto, onde ficam sob Comando Operacional do COP 5 com missão e actividade a indicar por aquele comando". Nota: CCP 121, 122 e 123 articuladas em 4 GComb a 25, 29 ou 30 homens, conforme as disponibilidades 
em pessoal.

Em 2jun73, a CCP 122 foi deslocada de Bissau para Cacine e no dia seguinte para Gadamael Porto, sempre em meios navais.

Em 2jun, a CCP 123 foi destacada de Cadique para Cacine e em 5jun deslocada para Talaia, em meios navais, e daí em progressão apeada para Gadamael Porto.

Em 11jun a CCP 121 foi deslocada de Bissau para Cacine e em 13Jun para Talaia também em meios navais e nesse dia em progressão apeada para Gadamael Porto.

"Diversos"

"a. O Comandante do BCP 12, ten Cor Para Sílvio Rendeiro de Araújo e Sá, que se encontrava em Cufar no comando do COP 4 recebeu em 5jun73 ordem para se deslocar para Gadamael Porto e assumir o comando do COP 5, substituindo o Major Pára-quedista António Valério de Mascarenhas Pessoa, que em 2jun73, estando em Cufar como adjunto do COP 4, seguira para Cacine em 2jun73, e em 3jun desembarcara em Gadamael Porto com a CCP 122.

O Comandante do BCP 12 nesse mesmo dia seguiu em helicóptero para Cacine, e na manhã seguinte (6jun73), logo que as condições de maré o permitiram seguiu via marítima para Gadamael Porto.

b. Feito o necessário estudo, e verificando-se que o Inimigo exercia forte pressão sobre Gadamael Porto:
  • Flagelando com armas pesadas com bases de fogos na República da Guiné e em território Nacional junto da fronteira;
  • Mantendo observadores avançados para regulação de tiro;
  • Mantendo na área de Gadamael Porto volumosos efectivos de infantaria.

A Manobra a seguir pelas nossas forças assentou nos seguintes pontos:
  • Fazer estacionar dentro de perímetro defensivo o mínimo de forças, e disperso por todo o perímetro, ocupando assim também a periferia dos reordenamentos;
  • Manter em permanência em actividade operacional o máximo de forças, tomando em atenção os efectivos e o período de actuação que se previa longo;
  • Ir aumentando gradualmente a amplitude das acções e operações, por forma a aliviar a pressão sobre Gadamael Porto, e permitir o lançamento de acções e operações sobre os objectivos mais importantes (Sangonhá, Tambambofa, Gadamael Fronteira, Lamoi e Sori Ucreá);
  • Manter liberdade de navegação no braço do rio de acesso a Gadamael Porto mediante ocupação quase em permanência de Talaia e da ponta da península;
  • Impedir a livre actuação de observadores mediante patrulhamentos frequente dos possíveis pontos a ocupar pelos mesmos;
  • Colocar o Pelotão de Artilharia em condições de actuação com rendimento, melhorando os espaldões, acionando o emprego do plano de fogos previsto, garantindo as ligações obuses - PC, e prevendo o apoio directo às forças em operações, face à ausência do helicanhão;
  • Garantir a utilização com rendimento das armas pesadas disponíveis (canhões s/recuo, morteiros médios e metralhadoras pesadas), melhorando os espaldões, preparando os planos de fogos ainda não executados, e garantindo as ligações armas-PC. No caso de morteiros e canhões s/recuo prever o apoio directo às forças em operações, para as distâncias mais curtas, para as quais a Artilharia não podia actuar;
  • Utilizar códigos para conversação em claro, prevendo de preferência a utilização do HF, e distribuir mosaicos gráficos com referências numeradas, para não permitir ao Inimigo tirar partido da escuta que se previa estar a fazer às transmissões das NT;
  • Garantir a evacuação em "sintex" para Cacine de feridos ou doentes, face à ausência de helicóptero para evacuações;
  • Prever, a todo o momento, ajustamentos no plano de actividade operacional, face à actividade desenvolvida pelo Inimigo.

c. Dado que as Companhias do Exército estacionadas em Gadamael Porto se encontravam em condições deficientes, no que respeitava a efectivos, moralização e armamento, o esforço sobre as zonas de contacto provável e de maior amplitude foi exercido pelas CCP reservando-se para aquelas companhias a missão de garantir a liberdade de navegação no braço do rio de acesso a Gadamael Porto."

"Desenrolar da Acção":

De 6jun a 13jul foram efectuadas 31 acções e 8 operações.

A CCP 121 e a CCP 123, em 9 acções, fizeram o treino operacional das 3ª C/BCaç 4612/72, CArt 6252/72 e CCav 8452/72 respectivamente 3, 1 e 5, incluídas nas 31 referidas.

Destacam-se algumas em que houve contacto com o lN.

- Acção COP 5 - 6jun

A CCP 123 saiu da Gadamael Porto em patrulhamento, rumo Norte. Pelas 17h30 o agrupamento foi flagelado em Cacoca 6D8.80 com armas automáticas e LGFog RPG por um grupo ln estimado em 30 elementos.

Na reacção o ln sofreu vários feridos confirmados por abundantes rastos de sangue.

- Acção Bojarda - 10 e 11jun

A CCP 122 saiu de Gadamel Porto em patrulhamento. Em Cacoca 6F6.88, foram detectadas muitas pegadas lN, sendo montada uma emboscada, sem contacto. Pelas 14h00 as NT foram emboscadas em Cacoca 6F2. 78 por um grupo ln estimado em 40 elementos. 

A CCP 122 sofreu 17 feridos ligeiros. Feita a batida, verificou-se que o lN sofreu vários feridos, confirmados por abundantes rastos de sangue. 2 GComb regressaram ao aquartelamento para evacuar os feridos e os outros dois fizeram uma emboscada nocturna sem contacto com o lN.

- Operação Bisturi Negro - 14 e 15jun

A CCP 121 saiu em patrulhamento apeado, rumo Leste, flectindo para NWe depois para Norte. Em Cacoca 6E4.94 foi flagelada durante 45 minutos com armas autom,  LGFog RPG-2 e RPG-7, canh s/r por um grupo lN estimado em 80 elementos que se deslocavam na direcção Leste/Oeste. 

As NT sofreram 1 morto (guia) e 2 feridos ligeiros. Da batida efectuada verificou-se que o lN sofreu 4 mortos confirmados e elevadas baixas prováveis dada a forma como procurou reter as NT com uma segunda linha de fogo com nítida intenção de retirar mortos e feridos, o que foi confirmado por sinais de arrastamento de corpos e abundantes rastos de sangue. 

Foram referenciados elementos de tez clara e o lN utilizou esp autom G-3, metr lig  HK-21 e dilagramas. 

A CCP 121 regressou a Gadamael Porto para evacuar os feridos. Dois GComb voltaram a sair, rumo Leste flectindo depois para Norte. Montaram uma emboscada nocturna. Não houve contacto com o lN.

- Operação Diamante Preto - 17 e 18jun

A CCP 122 a 3 GComb saiu em patrulhamento. Em Cacoca 6F8.65 foi detectado um grupo lN estimado em 20 elementos ao qual foi montada uma emboscada imediata. O lN sofreu 1 morto confirmado e feridos prováveis; foi recolhida uma pá articulada, uma pica e uma granada de
LGFog RPG-2 com carga. 

Reiniciada a progressão o agrupamento foiflagelado do lado da fronteira com 3 granadas de canh sr/, sem consequências.

Foi montada uma emboscada nocturna. Não houve contacto com o lN.

- Operação Gamo Selvagem - 20 e 21jun

Em 20 foi feito um patrulhamento e montada uma emboscada, sem contacto lN.

Em 21 6h30 em Cacoca 6h5.94, a CCP 123 teve um forte contacto frontal com um grupo lN estimado em 80 elementos que na sequência do contacto se instalou em 2 posições sendo uma mais recuada. No contacto inicial as NT sofreram 2 feridos graves e 4 ligeiros, o que não impediu que se lançassem ao assalto, tendo a linha recuada do lN batido as NT com mort 60 mm com o propósito de retirar elementos mortos, feridos e respectivo material. 

O lN sofreu 5 mortos confirmados e muitos mortos e feridos prováveis e foram recolhidas 3 granadas tipo chinês. Foram referenciados elementos lN de tez clara e utilização de esp aut G-3. 

O lN retirou para Leste. A CCP 123 reiniciou a progressão em direcção ao aquartelamento para evacuar os feridos.

- Operação Cobra Ondulante - 23 e 24 jun

A CCP 121 a 3 GComb saiu de Gadamael Porto para efectuar um patrulhamento apeado. Depois de ter seguido vários rumos, em Cacoca 500.18, detectou rastos de viaturas.

Pelas 12h00foi montada uma emboscada em Cacoca 6D1.13. Foi levantada e passada uma hora de marcha, foram ouvidas vozes de elementos IN, tendo sido iniciada a imediata perseguição. Apercebeu-se da existência de um acampamento.

Pelas 13h30, em Cacoca 6D0.19 foi efectuado um golpe de mão imediato a um grupo lN estimado em 40 elementos. Conjugando fogo e movimento as NT transpuseram o que era então um quartel e montaram segurança nos próprios abrigos do lN. 

As NT não sofreram baixas e o lN teve 6 mortos confirmados e muitos mortos e feridos prováveis pelos abundantes rastos de sangue encontrados durante a batida. 

Foram apreendidas:
  • 1 metr lig Degtyarev, 
  • 1 LGFog RPG-2, 
  • 2 esp aut Kalashnikov,
  • 3 pist metr  PPSH,
  • 2 esp Mosin Nagant, 
  • 10 gran de LGFog  RPG-2, 
  • 1 gran de LGFog RPG-7, 
  • 13 tambores pist metr  PPSH,
  • 15 carregadores de esp aut  Kalashnikov, 
  • 3 gran mão ofensivas tipo chinês, 
  • 4 gran mão ofensivas M/62, 
  • 1000 munições 9 mm, 
  • 350 munições 7,62 mm "Soviet", 
  • 50 munições 7,62 mm "Soviet" m/908 e diverso equipamento e fardamento.
Foram montadas uma emboscada nocturna e em 24, uma diurna ambas sem contacto lN.

- Acção Bera - 11jul

Um agrupamento constituído por 2 GComb/CCP 123 e 2 GComb/CArt 6252/72 saiu de Gadamael Porto em patrulhamento apeado em direcção ao cruzamento de Ganturé com a finalidade de fazer o treino operacional da CArt 6252/72.

Em Cacoca 6E2.73 foi encontrado um acampamento ln com cerca de 70 abrigos e restos de ração de combate. Próximo e ao longo da estrada encontravam-se mais de 30 abrigos individuais com disposição que levava a concluir ser uma posição para emboscar a estrada.

Pelas 09H30 ao ser efectuado um reconhecimento das minas implantadas pelas NT em Cacoca 6E9.74 verificou-se que uma armadilha tinha sido accionada pelo l. No mesmo local foram detectadas e levantadas 3 minas A/P  lN e foi accionada pelas NT uma mina A/P  que provocou 1 morto (furriel) e 2 feridos ligeiros. Foram prestados os primeiros socorros e em seguida reiniciou-se a progressão rumo ao aquartelamento.

Pelas 10h15 quando atravessava a estrada Oeste/Leste foram detectadas 2 minas A/C  que foram torneadas em virtude da urgência da evacuação dos feridos e foi encontrado um cadáver em decomposição. Depois da chegada ao aquartelamento, foi feita nova saída para uma batida à zona Cacoca 6F9.75 até ao pontão do rio Sarampita e uma emboscada em Cacoca 6F1.86, ambas sem contacto.

"Ensinamentos Colhidos"

"Os bombardeamentos inimigos a Gadamael Porto em 1jun73 causaram às NT pesadas baixas no aquartelamento, face ao tiro ajustado e, julga-se, ao facto de estarem concentradas na zona do quartel duas companhias, um pelotão de artilharia e um pelotão de reconhecimento, não dispondo essa zona de valas ou abrigos para tal efectivo.

Com base no conhecimento do sucedido, uma das preocupações do novo comando COP 5, foi dispersar ao máximo as forças pelo perímetro defensivo, ocupando também toda a periferia dos reordenamentos, e estacionar dentro desse perímetro o mínimo indispensável do pessoal, mantendo em permanência em actividade operacional elevado conjunto de forças.

Assim, as flagelações a Gadamael Porto a partir de 6jun73 não causaram baixas às NT, sendo digno de referir a fortíssima flagelação de todo o dia 2Jul73 em nada inferior à do dia lJun73, que apenas causou dois feridos muito ligeiros.

Julga-se ser este o procedimento a seguir em situações futuras similares."

Levantamento de minas

O lN procurou dificultar os deslocamentos de Gadamael Porto, sobretudo para nordeste, implantando minas antipessoal e anticarro nas vias de comunicação.

Depois da operação "Dinossauro Preto" já era praticável efectuar a desminagem. Executou-se a acção Barulho, em 19ago73 na zona de Ganturé, por forças do COP 5 e de uma equipa de Sapadores do BCaç 4510/72, na qual detectaram e levantaram várias minas antipessoal e destruíram 2 minas anticarro.  [Nota: Atenta-se à actividade operacional - 2° Semestre, deste Capítulo.

Por se presumir a existência de mais minas, em 10Set, foi feita, na região de Ganturé, mais uma acção pelo COP 5 (Nota: Relatório da acção "Bandido" de 10Set73 do COP 5.). Foram constituídos 2 agrupamentos por forças de 1 GComb/CArt 6252/72, 1 GComb/CCav 8452/72 e por 1 Sec/Pel Mil 235. Transcreve-se:

 "Desenrolar da Acção"

"Pelas 14h00 os agrupamentos saíram do aquartelamento de Gadamael Porto seguindo pela estrada para Guileje. Ao cruzamento de Ganturé (Cacoca 6 FO 75) foi montada a segurança. Procedeu-se depois à picagem da estrada e bermas tendo sido detectadas e neutralizadas 14 minas antipessoal de plástico tipo PMN e detectadas e levantadas 3 minas anticarro TM-46.

Após o levantamento o Agrupamento B regressou ao Quartel e o Agrupamento A patrulhou a zona Cacoca 6 FI 85 onde montou uma emboscada. Pelas 23h00 regressou ao aquartelamento."

Flagelações a Gadamael Porto

O lN continuou a flagelar o aquartelamento mas com menores consequências para as NT. Entre outros ataques (Nota: Consulte-se as flagelações no 2.° Semestre a Gadamael Porto no "Inimigo - actividade militar" deste Capítulo.)
  • em 8nov; 
  • em 11nov, pelas 18h40, com 8 foguetões 122 mm;
  • e em 15nov. 
Desta última relata-se o "Desenrolar da acção"  [Nota: Relatório da flagelação a Gadamael Porto em 15Nov73 do COP 5 datado de l6Nov73

"Cerca das 17h00 o lN começou a flagelar o aquartelamento de Gadamael Porto com dois foguetões de cada vez, indiciando utilizar duas rampas. A flagelação durou cerca de 20 minutos e o lN disparou 15 foguetões da direcção de 80 graus cartográficos medidos a partir de aquartelamento. Os rebentamentos danificaram 3 casas ocupadas pelo pessoal da CCaç 20, as instalações do Comando da CCav 8452/72, uma caserna da CArt 6252/72 e uma antena do STM e causaram 7 feridos às NT, sendo 2 graves, 3 de menor gravidade e 2 ligeiros. Os feridos foram evacuados de "sintex" para Cacine.

Mais uma vez a população invadiu o edifício das transmissões e da enfermaria, abrigo onde aliás muitas mulheres e crianças se mantêm desde o dia 8nov73."

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 334-340. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________

Notas do editor:


(***) Vd. poste de 1 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21956: Facebook...ando (60): o gen Bettencourt Rodrigues, em 16 de novembro de 1973, em Madina do Boé, com dois jornalistas alemães, para verem "in loco" o sítio onde o PAIGC teria alegadamente proclamado a independência unilateral


Foto nº 1

Guiné >Região do Gabu > Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > O jornalista alemão, da Reuters,  Joachim  Raffelberg, e o gen Bettencourt Rodrigues, governador-geral e com-chefe que, a partir de 21/9/1973, substituiu o carismático gen António Spínola.


Foto nº 2

Guiné >Região de Gabu >  Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > Os dois  jornalistas alemães, à esquerda (Joachim  Raffelberg, da agência Reuter, e Guenter Krabbe,  do Frankfurter Allgemeine Zeitung; e à direita  o gen Bettencourt Rodrigues. Ao centro, um oficial superior não identificado e um oficial paraquedista, da força do BCP 12 que montou a segurança no local (Op Leopardo, Madina do Boé, de 15 a 17 de  novembro de 1973,  em que participaram as CCP 121 e CCP 122, tendo a CCP 121 ficado de reserva em Dulombi, segundo informação do nosso camarada Manuel Dâmaso). 

Recorte do Diário de Notícias, 23/11/1973



Foto nº 3

Recorte do Diário de Lisboa, 23/11/1973


Foto nº 4

Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > c. 13-20 de novembro de 1973 > O jornalista alemão da agência Reuters,  Joachim Raffelberg a bordo do NRP LFG Cassiopeia, de 300 toneladas, e 27 tripulantes, a caminho da fronteira com o Senegal, depois da visita a Madina do Boé (no dia 16).

1. Na página do Facebook do antigo jornalista da  agência Reuters, Joachim Raffelberg, chamada Raffelnews, Serviço comunitário, encontrámos esta "preciosidade", um álbum sobre Madina do Boé, com fotos (legendadas  em inglês), inseridas em 29 de janeiro de 2018, incluindo recortes de jornais portugueses (Diário de Notícias e Diário de Lisboa) que reproduziram a notícia da agência noticiosa portuguesa, ANI, dando conta de uma visita de jornalistas estrangeiras, de helicóptero, à antiga Madina do Boé, acompanhados do gen Bettencourt Rodrigues, o então novo comandante-chefe do CTIG.  

A visita terá ocorrido no dia 16 de novembro de 1973, quase dois meses depois da proclamação unilateral da independência que o PAIGC reclamava ter sido feita na antiga Madina do Boé, evacuada em 6 de fevereiro de 1969. (*)

Com a devida vénia, reproduzimos alguns desses documentos, que são importantes para informação e conhecimento dos nossos leitores, antigos combatentes  (**),  com tradução nossa, livre,  para português, das legendas (, no todo ou em parte), que se reproduzem, a seguir, em itálico:

Foto nº 1

(....) Os cerca de 500 anos de domínio colonial português estavam a chegar  ao fim. (...)  Apesar das minhas reportagens críticas, em 1971,  sobre o uso de napalm no teatro de operações de Angola, o Governo português convidou-me,  mais uma vez,  para visitar uma das suas colónias africanas, desta vez, a Gyuiné, um pequeno ponto na costa da África Ocidental

[O antigo jornalista também tem um pequeno álbum sobre o alegado uso de napalm em Angola, vd. aqui: Napalm in  Angola 25 jan 2018]

(...)  Aqui, na Guiné,  o PAIGC de Amílcar Cabral, um dos principais líderes anticoloniais africanos (assassinado em janeiro de 1973), esforçava-se por derrubar  as forças armadas portuguesas,  primeiro sob o comando do general do monóculo,  António de Spínola, e agora, em 1973, sob a liderança pelo general José Manuel de Bettencourt Rodrigues, ex-ministro da Defesa.

Lisboa sempre rejeitou, como falsa,  a reivindicação do PAIGC de extensas áreas libertadas no  interior do território, mas quando o PAIGC em 1973 declarou que tinha proclamado a independência da Guiné-Bissau num  local chamado Madina do Boé em 24 de setembro, as autoridades militares portuguesas levaram, até lá,  jornalistas estrangeiros,  sete semanas depois,  para provar que os rebeldes estavam errados.

Hoje já sabemos qual foi o desfecho: o próprio General de Spínola abriu caminho aos libertadores,  com o seu livro “Portugal e o Futuro”,   que pôs em marcha a revolução dos cravos de 1974: ao som da canção “Grândola, vila morena”,  tocada pela Rádio Renascença a partir da meia-noite de 25 de abril, em menos de 24 horas, seria derrubada a ditadura mais antiga da Europa.(...)


Fotos nº 2:

Guenter Krabbe (...) e eu  fomos acompanhados pelo governador Bettencourt Rodrigues (...) no nosso passeio de helicóptero ao local, situado a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri. Depois de Bafatá, o piloto vestiu o seu colete à prova de bala para não correr nenhum risco. 

Verificamos o percurso no mapa do comandante. Em Madina do Boé, o nosso grupo foi saudado por Forças Especiais Portuguesas [. tropas paraquedistas, CCP 122 /  BCP 12,] que tinham enviadas previamente para limpar a área, em caso de necessidade. (***)

O general  deu-nos 'uma pausa para o cigarro' , o tempo suficiente para dar uma olhadela no terreno à volta,  antes de regressarmos. Tudo o que encontramos no terreno de savana  foram os restos de um edifício que parecia um barraco e as fundações de várias palhotas. Não tínhamos permissão para inspecioná-los porque o local havia sido minado, conforme aviso que nos fora feito. 

Se o PAIGC tivesse ter declarado aqui a independência, eles bem poderiam  ter atravessado a fronteira próxima e regressado a correr,  após uma possível breve cerimónia.

Embora o Krabbe tenha escrito que não havia nenhuma povoação em Madina do Boé, muito menos com aspeto de estar inserida numa zona libertada, os jornais portugueses citaram extensivamente a minha história com um enfoque no colete anti-balas do piloto.

Foto nº 3

(...) Sem mo dizer, o QG da Reuter tinha enviado, ao mesmo tempo que eu,  um colega a Conakry para confirmar, do “outro lado”, a declaração de independência alegadamente feita em Madina do Boé,  e a Reuters atrasou a transmissão da minha reportagem aos nossos nossos subscritores, até que eles validassem comigo as coordenadas do lugar que nos disseram ser Madina do Boé, uma vez que tinham detectado um erro  no grau de latitude no meu fax. Acontece que o grau correto se perdeu na transmissão (...)

J. Raffelberg, na altura  correspondente da Reuter em Bona,  tinha recebido instruções para  explorar a oportunidade de obter informação em primeira mão  sobre um assunto controverso (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau), o mesmo é dizer, conseguir um "furo jornalístico", mas o relato do repórter deveria passar primeiro pela sede da Reuter em Londres, com vista a garantir que os padrões da agência, de objectividade,  imparcialidade e triangulação de fontes,  estavam assegurados.

Foto nº 4

 "Os marinheiros nos disseram ter [, a Cassiopeia.]  participado da invasão marítima de Portugal à Guiné-Conacri em [22 de novembro] de 1970 para capturar ou matar Amílcar Cabral, mas a missão falhou. Quando naveguei com eles no rio Cacheu em 1973, o seu comandante  era o 1.º tenente António Silva Miguel".

O gesto do novo comandante-chefe e governador-geral,  gen Bettencourt Rodrigues, parece ter chegado demasiado tarde. E não terá tido grande repercussão na imprensa internacional: os dois jornalistas alemães terão estado menos de 15 minutos em Madina do Boé, e com forte protecção militar. Acrescente-se ainda o facto de a Op Leopardo não ter ficado barata, dada a mobilização de meios que implicou (parte do BCP 12 e parte da frota de Helis AL III).
 
Cerca de 8 dezena de países, sobretudo do bloco soviético, China e países não-alinhados africanos, árabes e asiáticos,  foram reconhecendo o novo país. Portugal, como é sabido, só   um ano depois, em 10 de setembro de 1974, é que reconhece "de jure" a independência da Guiné-Bissau. E também só nessa altura, a 17 de setembro de 1974, é que a Guiné-Bissau é  reconhecido como novo membro da Assembleia Geral da ONU. Guiné-Bissau que é agora um país lusófono, integrado na CPLP.   

(...) Assunto - P3909: Perguntas, por que é que a FAP não bombardeou Madina de Boé em 24/9/73 ?

Não tenho qualquer dado para responder a isso, mas posso contar o que aconteceu em 69

(...) Como sabes, Madina foi abandonada mas ficou "minada". Passados uns dias (?) desta retirada, Spínola foi com um fotógrafo, o Maj Bruno e cinco páras, fazer umas fotos pois o Paris Match tinha publicado imagens de Amílcar Cabral como sendo em Madina, com a legenda "A tomada de Madina".

Eram dois Helis, eu seguia num, com os Páras (picadores na especialidade). As ordens eram as seguintes: Eu largava um Pára que picaria o terreno para os Helis aterrarem. Assim foi executado.

Para que o IN pensasse que havia muita tropa, foi feita uma manobra de diversão. Enquanto o Gen Spínola estava em terra, os dois helis aterravam e levantavam fazendo voltas de pista, para sugerirem muitos efectivos.

As movimentações em terra eram feitas com muito cuidado. No único local onde há montes na Guiné [, as famosas Colinas do Boé,], os Helis apareciam e desapareciam para dar a ideia de muito aparato.

Recuperado o Chefe, Maj Durão, fotógrafo, e julgo mais um graduado, e os quatro Páras, que seguiram comigo, nunca mais voltei a aterrar em Madina do Boé.

Com estas fotos, Spínola queria mostrar que Madina ainda era controlada por nós, mesmo abandonada.

Porquê toda esta tosca explicação?

Acho que seria inapropriado o PAIGC ir com o seu Povo fazer uma cerimónia de independência num local que eles sabiam estar minado. Não saberia a FAP que eles nunca iriam a Madina ?

A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? A Guiné-Conacri fica ali a dois passos.

Gostaria de saber se, em 1973, o Gen Bettencourt Rodrigues aterrou em Madina ou só fez umas passagens para ver se havia alguém.

Afinal não estou a esclarecer nada, estou a aumentar as dúvidas!!! (...)

(**)  Último poste da série > 5 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21736: Facebook...ando (59): Sobre a CCAV 678 a que pertenceu o fur mil Jorge Nicociano Ferreira, já falecido: (i) esteve menos de 3 meses na ilha do Sal, Cabo Verde; (ii) foi render a CCE 342 (?); (iii) em Bissau, e antes de partirem para a Zona Leste (Bambadinca), fizeram escoltas a barcos de reabastecimento às NT em Catió (Rui Ferreira / Eduardo dos Santos Roque Ablú)



Guiné > Região de Bafatá > Dulombi > Op ÇLeopardo (15-17 de nevembro de 1973) > Heli Al III estacionados em Dulombi. 

Cortesia de António Dâmaso / Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74

(***) Segundo informação prestada pelo Manuel Dâmaso, membro da nossa Tabanca Grande, no Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74 >1 de setembro de 2011 > Voo 2465: Um comandante de ideias fixas (2)

António Dâmaso, Srgt-Mor Paraquedista.
Azeitão

(...) Gozei as minhas merecidas férias, regressei mais renovado e continuei a comandar o 2.º
Pelotão, nestas funções tomei ainda parte na Guarda de Honra que a CCP 121 fez à recepção da chegada do novo Governador da Província, General Bettencourt Rodrigues em 21 de Setembro de
1973. (...)

A actividade operacional tinha abrandado muito, enquanto estive de férias a Companhia só fez uma operação conjuntamente com a CCP 123.

Comandei o Pelotão até 01Nov73, data em chegou um Alferes para o comandar, participei na Operação “Leopardo” de 15 a 17 de Nov73, em Madina do Boé em que participaram as CCP 121 e CCP 122, consistiu em levar uma equipa de fotógrafos ao local onde diziam que tinha sido declarada a Independência, mas quem lá foi disse que não havia lá nada, nem indícios,  não há dúvidas que filmaram foi noutro local e não em Madina do Boé. (...)

Desta vez não fui como operacional, fui como responsável pela logística da Companhia, no dia 15 fomos jantar e dormir a Bafatá, pela manhã arrancámos até Dulombi em viaturas auto, a minha Companhia  [, CCP 121,] ficou de reserva em Dulombi, já lá tinha estado 4 anos antes em 1969 (...).