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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20390: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte V


Foto 1 – Uma mina A/C (ao centro) e três minas A/P. Foto do P15813, de José Manuel Lopes, ex-fur mil da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, com a devida vénia.

Na legenda desta foto pode ler-se: "Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vítimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito, onde o método, o rigor e a paciência, eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250."

A propósito desta rotina, com a qual o contingente da CART 6250 teve de conviver durante a sua missão no CTIG, José Manuel Lopes (Josema) escreveu, para memória futura, o seguinte poema:





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; 
tem 230 registos no nosso blogue.


ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA – PARTE V


1. – INTRODUÇÃO

Este quinto fragmento da temática em título continua a unir o interesse pessoal com a procura de outros (novos) elementos historiográficos emergentes na natureza da guerra. Deste modo, prosseguimos com a divulgação e análise de mais alguns resultados apurados, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.


2. - ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

Como temos vindo a referir, a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).



Quadro 1 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a «Estação Seca», considerada entre 1 de Maio e 15 de Outubro.




Quadro 2 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a «Estação das Chuvas», considerada entre 16 de Outubro e 30 de Abril.


3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste ponto, continuamos a respeitar um dos principais objectivos deste trabalho onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas. Serão mais quatro "casos" (de um total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos. Como principal fonte de consulta, foi utilizado o espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.


3.13 – 25 DE AGOSTO DE 1966: A QUARTA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO FRANCISCO ANTÓNIO FERNANDES LOPES, DA CCAÇ 1566, ENTRE S. JOÃO E NOVA SINTRA

A quarta morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina (fornilho), foi a do soldado Francisco António Fernandes Lopes, natural de Estômbar, Lagoa, ocorrida no dia 25 de Agosto de 1966, 5.ª feira, por volta das 18:00h, no regresso de uma actividade operacional na sua zona de acção, no itinerário entre S. João e Nova Sintra, a cerca de mil metros do aquartelamento.

O condutor Francisco Lopes pertencia ao 1.º Gr Comb da CCAÇ 1566 [26Abr66-23Jan68, do Cap Mil Inf António dos Santos Paula (1.º); Alf Mil Inf Vladimiro de Pinho Brandão (2.º) e Cap Inf Adolfo Melo Coelho de Moura (3.º)], unidade que, após a sua chegada a Bissau, substituiria a CART 676 [13Mai64-27Abr66, do Cap Art Álvaro Santos Carvalho Seco (Pirada, Bajocunda e Paunca)] que de imediato embarcou no N/M «UÍGE», por ter concluído a sua comissão.

Durante a sua curta permanência em Bissau, na dependência do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior], a CCAÇ 1566 teve por missão a segurança e protecção das instalações e das populações da área, efectuando, simultaneamente, a instrução de adaptação operacional na região de Mansoa.

Em 30Abr66, cedeu, temporariamente, um Gr Comb para reforço da guarnição de Pelundo, na dependência do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)] e depois do BCAÇ 1877 [08Fev66-06Out67; do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas] e onde se manteve até 26Jun66.

Em 30Mai66, iniciou o deslocamento dos seus efectivos para Jabadá, tendo seguidamente rendido a CCAÇ 797 [28Abr65-19Jan67; do Cap Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião (1930-2006) - Militar de Abril], assumindo, em 03Jun66, a responsabilidade do subsector de S. João, incluindo o destacamento de Jabadá e ficando integrada no dispositivo e Manobra do BCAÇ 1860 [23Ago65-15Abr67; do TCor Inf Francisco da Costa Almeida] e depois do BART 1914 [13Abr67-03Mar69; do TCor Art Artur Relva de Lima (1.º).

A partir de 28Nov66, a sede do subsector passou para Jabadá, ficando o 1.º Gr Comb a guarnecer um destacamento em S. João, sob o comando do Alf Mil José Inácio Leão Varela. Em 11Jan68, o Gr Comb em S. João foi substituído pela CART 1802 [02Nov67-23Ago69; do Cap Mil Art António Nunes Augusto (1.º) e em 13Jan68, dois Grs Comb da CART 1743 [30Jul67-07Jun69; do Cap Mil Inf José de Jesus Costa (1.º)] passaram a guarnecer a povoação de Jabadá, tendo a subunidade recolhido a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso. [Ceca; 7º vol. p 354]



Foto 2 - S. João (1967) - O 1.º Gr Comb da CCAÇ 1566, do Alf Mil Leão Varela - P14007
Após confirmado o óbito do soldado "CAR" Francisco António Fernandes Lopes ocorre, no aquartelamento, uma segunda baixa, a do soldado José Maria Fernandes Carvalho, natural de Aião, Felgueiras, devido a paragem cardiorrespiratória.

Os corpos dos malogrados Francisco Lopes e José Carvalho seriam, no dia seguinte, inumados no cemitério de Bolama, em campas uma ao lado da outra [poste P3421].

Na caixa de comentários ao poste P3389, Leão Varela deixou a seguinte mensagem:

"Caros amigos e camaradas: acabo de ler o relato dos falecimentos dos nossos saudosos camaradas José Maria Fernandes Carvalho e Francisco António Fernandes Lopes que, naturalmente, me deixou bastante comovido pela recordação do momento mais triste que tive na Guiné. Um daqueles momentos que jamais esquecemos mas que nos custa reviver. Ia de imediato relatar-vos [29Jan2015] como as tristes ocorrências se passaram. Mas não fui capaz… quase que as lágrimas me rompiam.

"Na verdade, trata-se dos dois camaradas que pertenciam ao 1.º Pelotão que eu comandava… que dia triste. Por isso, não consigo escrever mais… desculpem-me… mas hoje não dá para ir mais longe… deve ser por causa das muitas luas que já passaram por mim. Dentro de alguns dias voltarei aqui, ou por mail, para vos descrever como tudo se passou. Até lá aqui fica o meu abraço para todos e os meus sentimentos para os familiares destes dois saudosos amigos e camaradas. Que descansem em paz. Leão Varela (ex-Alf Mil)." [Poste P3389]


3.14 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' VÍTOR MANUEL RIBEIRO LOPES, DO PEL REC DAIMLER 2045, EM 01.NOV.1968, ENTRE CATIÓ E CUFAR

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Vítor Manuel Ribeiro Lopes, natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa – a vigésima primeira de um "CAR" –, ocorreu no dia 01 de Novembro de 1968, 6.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, no itinerário Catió e Cufar, durante a realização de uma coluna auto.

O condutor Vítor Lopes pertencia ao Pelotão de Reconhecimento Daimler 2045 [Pel Rec Daimler  2045], uma unidade mobilizada pelo Regimento de Cavalaria 6 [RC6], do Porto, tendo desembarcado em Bissau a 07Mai68, e o seu regresso a verificar-se a 10Mar70. Após a sua chegada a Bissau, a unidade comandada pelo Alf Mil Cav Alfredo Cardoso seguiu para Catió, a fim de substituir o PRecD 1132 [Ago66-Mai68], onde permaneceu durante os vinte e dois meses da sua comissão. Em Fev70, foi rendida pelo PRecD 2205.

Perante a não existência de referências históricas no blogue relacionadas com cada um dos três Pel Rec Daimler  acima identificados: "1132", "2045" e "2205", a concretização do principal objectivo deste trabalho ficou dependente do que, eventualmente, pudesse encontrar ao longo da pesquisa. No final, podemos dizer que tivemos algum sucesso, pouco, é certo, mas foi o possível.

Localizámos uma notícia publicada no «Mafra Hoje» online, do dia 20 de Setembro de 2011, a propósito da inauguração de um Monumento aos Combatentes da Freguesia de Azueira (Mafra) que tombaram na Guerra do Ultramar. Trata-se de uma revista com 4 páginas, onde em cada uma delas se dá conta dos conteúdos expressos nas diferentes intervenções previstas para esta cerimónia pública.



Na terceira e quarta página, O Alf Mil Cav Alfredo Cardoso, Cmdt do Pel Rec Daimler 2045, faz uma alusão à morte em combate do soldado "CAR" Vítor Manuel Lopes, referindo:

"Embarcámos em Abril de 1968 [chegada a 7 de Maio de 1968 e regresso a 10 de Março de 1970] no navio «Niassa», rumo à Guiné onde o pelotão [PRecD 2045] permaneceu cerca de dois anos. Infelizmente o Vítor Manuel não teve a sorte de estar connosco até ao fim da Comissão de Serviço porque uma mina traiçoeira, rebentando debaixo da viatura Daimler que conduzia, pôs fim à sua vida promissora passados apenas seis meses após a nossa chagada à Guiné. O Vítor Manuel como homem e como militar foi sempre, em todos os momentos, um exemplo de colega respeitador, voluntarioso, dedicado e sempre amigo de todos os colegas e seus superiores, tendo sempre desempenhado as suas funções com empenho e dedicação. Por tais motivos acho de toda a justiça esta homenagem que a Associação de Ex-Combatentes do Ultramar, os seus amigos, familiares e conterrâneos resolveram prestar-lhes." 

Fonte:
https://www.yumpu.com/pt/document/read/12731083/monumento-aos-combatentes-freguesia-de-azueira-ultramar


3.15 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL DA COSTA SOARES, DA CCAÇ 12, EM 13.JAN.1971, EM NHABIJÕES (BAMBADINCA)

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel da Costa Soares, natural de Palmaz, Oliveira de Azeméis – a vigésima sétima de um "CAR" –, ocorreu no dia 13 de Janeiro de 1971, 4.ª feira, por volta das 11:25h, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, à saída do reordenamento de Nhabijões, um aglomerado populacional de maioria balanta, situado nos arredores de Bambadinca [Sector L1].

O condutor Manuel da Costa Soares pertencia à CCAÇ 2590 [CCAÇ 12, desde 18Jan70], uma subunidade constituída por quadros e especialistas metropolitanos a que se juntaram outros elementos de recrutamento local, da etnia Fula.

Este colectivo efectuou a 2.ª fase da instrução de formação em Contuboel, entre 02Jun69 e 12Jul69. Em 18Jul69, foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca, como força de intervenção de reserva do Agr 2957 [15Nov68-19Ago70; do Cor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas (1920-2008)], na zona Leste [com sede em Bafatá, e abrangendo os sectores de Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego], ficando adida ao BCAÇ 2852 [30Jul68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º) e TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º)]. Em 07Jun70, foi rendido no sector [L1] pelo BART 2917 [25Mai70-24Mar72; do TCor Art Domingos Magalhães Filipe (1.º) e TCor Inf João Polidoro Monteiro]. 

A CCAÇ 2590/CCAÇ 12, por períodos variáveis, destacou forças para guarnecerem diversos destacamentos em Sinchã Mamajã, Sare Gana, Sare Banda e Ponte do Rio Udunduma, colaborando ainda, de Nov69 a Jul70, na construção do reordenamento de Nhabijões. Em 18Jan70, a subunidade passou a designar-se CCAÇ 12, sendo considerada subunidade da guarnição normal, desde aquela data. (Ceca; 7º vol. p 380).

Quanto à descrição da ocorrência é de relevar o testemunho singular de quem nela esteve envolvido, neste caso, o Alf Mil Sap da CCS/BCAÇ 2917, Luís Rodrigues Moreira.

No poste  poste P10936, o camarada Luís Moreira, em narrativa enviada para publicação titulada «Efemérides: Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971, morte na picada» refere:

"Passam hoje quarenta e dois anos [1971-2013] sobre aquele fatídico dia em que, no destacamento de Nhabijões bem no centro da Guiné-Bissau e cerca das 11:25 horas, faleceu um jovem pai de seu nome [Manuel da Costa] Soares, condutor auto rodas da CCAÇ 12, destacado naquele reordenamento juntamente com outros camaradas da mesma companhia e ainda alguns camaradas sapadores da CCS do BART 2917 e eu Alf Mil Sapador do mesmo Batalhão que comandava aquela força há pouco menos de um mês, vítima de uma mina anticarro quando nos conduzia, a mim, ao furriel Fernandes da CCAÇ 12 e ainda a um jovem africano com menos de 10 anos de idade e não me recordo se mais alguém; à sede do Batalhão em Bambadinca onde eu iria almoçar e presumo que o mesmo iria fazer o Fernandes, regressando depois o Soares com o Unimog 411 que lhe estava distribuído e o almoço para os restantes camaradas que aguardavam no destacamento.

"Não tenho nenhuma memória dos factos que se sucederam excepto daqueles que me contaram os camaradas que nos socorreram e, saiba-se lá porquê, das últimas palavras que o Soares proferir: "vamos fazer gincana, meu alferes".

E explico a razão das suas palavras:

"A estrada por onde circulámos era de terra batida como a maioria das estradas da Guiné naquele tempo. No lado esquerdo da estrada e no sentido em que seguíamos, portanto em contramão para nós, havia um enorme buraco, em diâmetro, não muito fundo mas que todas as viaturas que por ali passavam evitavam até porque a maioria delas passava carregada de bidões de água que iam buscar à Ponte do Rio Udunduma, a alguns quilómetros de distância, e não convinha partir alguma peça da viatura ou perder alguma água com os solavancos. - Ao dizer estas palavras, o Soares desviou a viatura do trajecto normal para descer e subir aquele obstáculo. Foram as suas últimas palavras já que dentro do buraco estava dissimulada uma mina anticarro que rebentou sob o rodado do lado do condutor, deixando o Unimog 411 reduzido a um monte de escombros como se pode ver na foto 3 abaixo." [ver, também, P5717, P11508 e P12139].

Quanto ao camarada Alf Luís Moreira, que ficara gravemente ferido, foi evacuado para o HM 241, em Bissau, onde permaneceu até ser considerado apto. Após reavaliação clínica, foi reclassificado para "serviços auxiliares", tendo passado o restante tempo da sua comissão no CTIG, cerca de dezasseis meses, agora no Batalhão de Engenharia (BENG 447) - poste P10936.


Foto 3 – Estado em que ficou o Unimog 411, depois de accionar uma mina anticarro à saída do reordenamento de Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, onde tombou o condutor auto rodas Manuel da Costa Soares, da CCAÇ 12. Foto de Humberto Reis, com a devida vénia.



3.16 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ANTÓNIO LUÍS DO COUTO TOSTE PARREIRA, DA CCAÇ 3414, EM 29.MAI.1973, ENTRE BINTA E GUIDAGE


A última referência que elegemos para incluir nesta quinta narrativa, de um quadro de trinta e três casos onde se verificaram mortes em "combate" de "condutores auto rodas" provocadas por engenhos explosivos (minas), tem por contexto as movimentações militares realizadas pelas NT em Maio de 1973, na região de Guidage (Sector Oeste), cujos episódios ficarão gravados, para sempre, na historiografia da Guerra, como «O Cerco de Guidage».

Estão nesta circunstância as ocorrências que determinaram a morte em combate do soldado "CAR" António Luís do Couto Toste Parreira, da CCAÇ 3414 [02Jul71-23Set73; do Cap Inf Manuel José Marques Ribeiro de Faria], natural de Ribeirinha, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira (Açores).
Para a elaboração deste ponto foram utilizadas as seguintes fontes históricas:

«P9972: … A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38.ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando»;

«Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidage, do Fur Mil Daniel Rosa de Matos (1950-2011), da CCAÇ 3518 [Gadamael, 24Dez71-28Mar74, do Cap Mil Inf Manuel Nunes de Sousa]»;

«https://pt.slideshare.net/ Cantacunda/cercados-em-guidage» e «P6201» e

«https://www.cmjornal.pt/mais-cm/ domingo/detalhe/mata_me_acaba_com_esta_agonia».

Das análises realizadas, retivemos as seguintes:


[…] "À hora aprazada do dia 29/05/1973 [3.ª feira], a coluna saiu de Binta pela seguinte ordem: à frente um grupo/secção de Picadores, depois a 38.ª CCmds a 3 grupos, com uma viatura de Engenharia e outras duas viaturas, uma delas com o Morteiro 81. A seguir, ia a Companhia de Cavalaria do Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia (1944-1992), [CCAV 3420; 09Jul71-03Out73] e na rectaguarda a do Cap Inf Manuel José Marques Ribeiro de Faria [CCAÇ 3414; 02Jul71-23Set73], que fechava a coluna.

"Verificando-se que alguns Picadores tinham dificuldades em avançar, passámos a deslocarmo-nos ao lado deles no sentindo de lhes levantar o moral. Por esse facto, os elementos da 1.ª Equipa do Gr Comb da 38.ª CCmds, que seguia na frente, acabaram por se juntar a nós. Entre eles encontrava-se o Furriel Ludgero Sequeira e o 1.º Cabo "Barbeiro" ["Bombeiro" (?), alcunha de Luís Alberto Costa, CAR da CCS/BCAÇ 4512, in: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/mata_me_acaba_com_esta_agonia.

"Depois de nos deslocarmos durante algum tempo nestas circunstâncias, fomos surpreendidos por uma forte explosão. Inicialmente pensou-se que seria mais um ataque, mas olhando para trás, verificou-se que um dos Picadores fora projectado pelos ares. Também o Furriel Sequeira estava gravemente ferido no rosto.

"A evacuação não poderia ser feita por via aérea, pois aquela explosão seria o sinal para o inimigo aparecer. Passado algum tempo acercou-se de nós o Cap. Salgueiro Maia, ao qual foi pedido que, com as suas forças se deslocasse para Binta, para a execução de uma evacuação, através de meios navais, pelo Rio Cacheu.

"Resolvido o problema da evacuação, os elementos da 38.ª CCmds passaram para a frente abrindo uma nova picada. Reiniciou-se o deslocamento da coluna, de modo a afastarmo-nos da zona de minas ao mesmo tempo que se salvaguardava uma maior capacidade de reacção ao provável ataque dos grupos do PAIGC.

"Mal se tinha reiniciado a marcha, fomos fortemente atacados sobre o flanco direito. As forças que aí estavam (um Gr Comb da 38.ª CCmds e os restantes elementos da coluna dessa zona) responderam com serenidade ao fogo inimigo. (…)

"A partir da posição Pára, a progressão tornou-se muito difícil, pois o terreno estava cheio de espinheiros muito cerrados, que impediam a passagem das viaturas. Decidimos pois voltar à picada, assumindo o risco de haver mais minas. Contudo, já não estávamos longe do Quartel…
Infelizmente o primeiro Unimog da Cª. do Cap. Ribeiro da Fonseca acabou por rebentar uma mina. Por simpatia, explodiu uma granada de lança roquetes o que veio somar à morte do condutor, vários feridos com estilhaços entre os homens da 38.ª CCmds. Logo de seguida um Milícia pisou uma mina antipessoal, ficando sem o pé e parte da perna. Como estávamos já perto de Guidage, a evacuação teria de ser feita por lá."

Ainda sobre esta missão, o Fur Mil Daniel de Matos (1950-2011), no seu livro: «Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidage", pp 59-60, refere:




Foto 4 – «Operação Ametista Real»; o "Levantar do Cerco". In: Nuno Mira Vaz. Guiné - 1968 e 1973 - Soldados uma vez, sempre Soldados! Tribuna da História. Lisboa, 2003, pp 75-91; de autor desconhecido, com a devida vénia.



Foto 5 - Berliet destruída numa das colunas entre Binta e Guidage em Maio de 1973, com a devida vénia, publicada em 07Set2014 no Correiro da Manhã.

Outras viaturas destruídas deste contexto em P11516: «Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973».

(Continua)

Fontes Consultadas:

- Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

- Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

-  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

03Nov2019
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de  2019 > Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18673: Convívios (859): os cinco "piras" da Magnífica Tabanca da Linha: estrearam-se no passado dia 24... (Manuel Resende)


Vitor Manuel Alves Ferreira (Lourinhã): pertenceu  à CCAÇ 1566, os "Pilões" (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68) era 1º cabo mec auto e o fotógrafo da companhia)-


António Fernandes Costa  (Venda Nova, Amadora)


Luís Alegria  Barranhão (Damaia, Amadora)


Mário Santos (Faro), ex-1.º cabo especialista MMA da BA 12, 1967/69), membro nº 772 da Tabanca Grande



Carlos [Alberto de Jesus] Pinto (Reboleira, Amadora),  ex-1.º Cabo Condutor Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa, 1969/71). Faz parte da Tabanca Grande desde 12 de outubro de 2011.

Tabanca da Linha >  37º convívio > Algés, Oeiras > 24 de maio de 2018 > Restaurante "Caravela de Ouro"


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. O Manuel Resende‎, régulo de  A Magnífica da Tabanca da Linha deixou hoje  na página do grupo no Facebook a seguinte notícia:
 

Mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha se realizou hoje no restaurante "Caravela de Ouro" em que o prato foi arroz de garoupa em quantidade suficiente para os 55 mastigantes. Algumas baixas de última hora por motivos de saúde, mas em compensação tivemos 5 "periquitos", seguindo a tradição de aumento do nosso grupo.

A seguir as fotos dos "piras" e o link para verem as 63 fotos deste 37º convívio


2. Comentário do nosso editor LG:

Dos cinco "piras",  que se estrearam na Tabanca da Linha, dois pertencem à Tabanca Grande, o Carlos Pinto e o Mário Santos; os restantes, no caso de terem sido combatentes no TO da Guiné, ficam automaticamente convidados a sentarem-se à sombra do nosso poilão.  Ao Vitor Ferreira, meu conterrâneo e amigo, já fiz em tempos, pessoalmente, esse convite. 

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14220: Pequenas recordações, a minha máquina fotográfica e o meu rádio (Leão Varela)

1. Mensagem do nosso camarada Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68), com data de 27 de Janeiro de 2015:

Boa Noite Amigos Luís, Carlos e restantes Camaradas
Vinha com a ideia de escrever uma pequenina e simples história de cariz humano e que nunca mais esqueci pelo que significou para mim. Contudo, hoje vou ficar-me por vos deixar duas fotos: a da minha máquina fotográfica e a do meu primeiro rádio que só troquei na segunda vez que vim de férias e que comprei em Bissau mas que já não o tenho.
Elas aqui ficam.

Abraço-vos com amizade
Leão Varela



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Nota do editor

(*) Vd. poste de 11 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14007: Tabanca Grande (452): José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e São João, 1966/68)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14007: Tabanca Grande (452): José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e São João, 1966/68)

1. Mensagem do nosso camarada e, novo amigo e Tabanqueiro, José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68), com data de 11 de Outubro de 2014:

Caro Amigo e Camarada Luís Graça:

Descoberto pela minha filha que é Jurista no MDN [Ministério da Defesa Nacional,] e que prontamente o me sugeriu, acabo de dar uma primeira vista de olhos pelo teu Blogue "A TABANCA [GRANDE]"...

Mas que feliz iniciativa meu amigo e camarada... Além disso está tecnicamente muito bem feito ...

PARABÉNS por isso tudo... e obrigado por me dares esta oportunidade de reviver (pelo menos as coisas boas - como por exemplo a camaradagem e a solidariedade muito difícil de encontrar no nosso mundo civil - essa fase da minha vida há muitas luas atrás.

Apresento-me desde já... mas só este Fim de Semana irei fazer o meu registo como pedes...

O meu nome é José Inácio Leão Varela. Sou natural de Lisboa muito embora o meu sangue e o meu coração sejam Alentejanos. Moro em Algés (Miraflores). Sou Economista (Gestão),  reformado.
Para ti e restantes camaradas serei apenas o ex-Alf Mil Varela.

Estive na Guiné, entre 1966-1968, integrado na C.CAC 1566 ("PILÕES"), onde comandava o 1º Pelotão. Mas por força das circunstâncias andei destacado pelo Pelundo e Fulacunda tendo, talvez por isso mesmo, ficado como comandante do Destacamento de S. João, onde fiquei mais de um ano, enquanto a minha Companhia se fixou em Jabadá.

E para já, caro amigo e camarada, é tudo... depois e lá pelo Blogue... por certo haverá muitas mais coisas para compartilharmos.

Abraço amigo
Leão Varela


2. No dia 21 de Outubro foi enviada esta mensagem ao camarada Leão Varela:

Caro camarada José Inácio Varela:

Muito obrigado pelo contacto. Na qualidade de "relações públicas" do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné estou a dar resposta.

Como uma das práticas nesta tertúlia é o tratamento por tu, independentemente dos nossos antigos postos, idade, formação académica, profissão, etc, não vais estranhar a maneira como me dirijo.

Teremos muito gosto em te receber nesta Caserna Virtual, também conhecida por Tabanca Grande, onde o objectivo é o registo de memórias escritas e fotográficas dos combatentes que participaram na guerra colonial na Guiné.

Fizeste, e muito bem, a tua apresentação sumária, mas para fazer a tua apresentação formal à tertúlia precisávamos que nos mandasses uma foto do tempo de tropa, fardado, claro, e outra actual. Estas fotos servirão para encimar os teus futuros postes.

A joia a pagar será uma pequena história pessoal ou colectiva dos teus tempos de Guiné, que aches mais marcante. Podes fazê-la acompanhar de fotos que tenhas disponíveis. Por favor manda as respectivas legendas que datem e identifiquem o local e os intervenientes.

Fica ao teu critério acrescentar mais alguma coisa à tua apresentação, sendo que o mínimo será: nome, posto, especialidade, Companhia/Batalhão, data de ida e regresso da Guiné, locais por onde penamos e outros elementos militares e/ou civis que contribuam para nos conhecermos melhor.

Esta tertúlia é uma comunidade muito homogénea, onde, costumamos dizer, contamos aquilo que a família já não quer ouvir. Só nós nos entendemos porque vivemos, sentimos e recordamos aquela guerra que nos marcou idelevelmente, muito embora, por vezes, disso não tenhamos consciência.

Fico, eu e os restantes editores, ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Esperamos as tus notícias.

Até lá, em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães e eu próprio, envio um fraterno abraço.

Carlos Vinhal


3. No passado dia 7 de Dezembro recebemos esta mensagem do nosso novo Grã-Tabanqueiro Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566:

Meu Caro Amigo e Camarada Carlos Vinhal

Espero e desejo que tudo esteja óptimo contigo. Desculpa o tempo que levei para cumprir com o meu "pagamento da quota", necessário, e muito bem, para ser membro de pleno direito do Blogue "TABANCA GRANDE".

Mas como mais vale tarde do que nunca aqui te deixo (não sabia ao certo para onde enviar este mail dado ser a primeira vez) para, se o achares bem e adequado ao cumprimento do devido, o partilhares no Blogue onde eu terei muito gosto e prazer em compartilhar as nossas aventuras e histórias (daquelas que as nossas famílias estão fartas de ouvir como tu dizes... e até outras que, talvez, nem elas as ouviram) por terras da Guiné.

Assim, aqui te deixo em anexos a minha 1.ª História e, não só as fotos que pediste, mas mais algumas. Umas saíram da minha velha máquina outras da máquina do Alf. Capelão do Agrupamento de Bolama, cujo nome se me varreu... era um Padre Dominicano que nos ia quase sempre esperar nas lanchas dos Fuzileiros que nos ia recolher sendo a ida sempre a corta mato.

Esperando que me faças esse favor, aqui fica um forte abraço do camarada
Leão Varela
ex-Alf Mil Inf

************


O Aspirante a Oficial Miliciano Leão Varela


A MINHA PRIMEIRA HISTÓRIA

(PAGAMENTO DA QUOTA)

Uma história? Há tantas que ainda pairam na minha memória que é difícil escolher uma que seja mais adequada para o pagamento da minha quota. 

Bom… e se eu começar por uma do fim da minha comissão (1966-1968) por terras da Guiné? 
Fui ao baú e lá encontrei uma cópia de um relatório de um ataque que sofremos. Claro… vai esta mesmo pois tratava-se se uma história acontecida a cerca de um mês de voltarmos ao conforto e carinho das nossas famílias.

Já agora… o porquê desta escolha? Porque tratando-se do último e pior ataque que sofremos, achei que, antes de ter o prazer e a honra de passar a compartilhar convosco através deste magnífico e oportuno blogue, Caros e Amigos e Camaradas, seria como que prestar a minha singela mas sentida homenagem aos meus ex-camaradas, independentemente do seu posto, credo ou cor, que ao meu lado e/ou sob o meu comando sempre souberam: honrar a farda que vestiam, demonstrar em situações adversas a sua bravura e o seu espírito de sacrifício muitas vezes arriscando a sua própria vida (e aqui recordo com tristeza os dois que comigo foram e que por lá faleceram em combate) e, enfim, que desinteressadamente cultivaram a solidariedade e o companheirismo que nos uniu e que jamais esquecerei.



O meu Pelotão. Eu o dos óculos escuros entre os meus camaradas e amigos Furriéis Valente, à minha direita, e Matos, à minha esquerda. Foto tirada já em S. João, após mais uma patrulha de combate.


Aqui vai ela:

SÍNTESE DO RELATÓRIO DO ÚLTIMO E PIOR ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE S. JOÃO

(12 Dez 1967)

SITUANDO A HISTÓRIA

Como certamente sabem, o Aquartelamento de S. João, para onde foi enviada a minha Companhia 1566, ficava frente a Bolama, onde nessa época estava instalado o Comando do Sector do Agrupamento 1975, e inseria-se na área operacional do Batalhão ]de Artilharia] 1914,  com Comando localizado em Tite.

Era sob as directivas destes Comandos que a minha Companhia, embora sendo independente, actuava na área entre S. João - Nova Sintra e, por vezes, na de Tite.

A certa altura a minha Companhia foi transferida para Jabadá passando o Aquartelamento de S. João a ser um seu Destacamento, tendo o nosso Capitão Pala entendido confiar-me o seu Comando já que tinha tido idêntica missão durante alguns meses no de Pelundo para onde fui deslocado mal chegamos a Bissau.

Foi assim que, com o meu pelotão reforçado com o Pel Caç Nat 56 comandado pelo Alf Mil Baptista (por onde andará este meu camarada de Braga e bom e inesquecível amigo?), fiquei em S. João até ao fim da comissão (mais ou menos 15 meses) cuja defesa e missão operacional, sob meu comando, ficou a cargo de um efectivo de cerca de 70 homens.

E foi aqui, em S. João, e neste contexto, que a história em título que passo a relatar sinteticamente se passa.


A HISTÓRIA

Tínhamos todos acabado de jantar que começava a ser servido após o arrear da Bandeira às 18 horas. O Furriel (já não sei qual – eram quatro) que nessa noite estava de serviço já tinha distribuído os homens da sua secção reforçada pelos sete postos de sentinelas e preparava-se para, com os restantes, sair para passar ronda à volta do Aquartelamento (ainda bem que não deu tempo para o fazer como já vão ver…).

Pouco passavam das 19 horas. Tinha acabado de sair da messe dita de oficiais mas que eu transformei na messe de todos os graduados (oficiais, sargentos e furriéis) quando uma das sentinelas fez um ou dois tiros. Dirigi-me rápido, juntamente com o Furriel de serviço, ao respectivo posto onde nada observamos de anormal…
–  Ouvi barulho e pareceu-me ver qualquer a mexer além  –  disse-nos o sentinela…
–Talvez uma onça– retorquiu alguém
–   Pois, mas fiquem atentos – respondi e voltei à minha voltinha que costumava fazer pelos diferentes postos depois do jantar e antes de me deleitar com mais meia noitada de King regada com uns copos de whisky que davam boa disposição e ajudavam a adormecer (agora tomo Lorenin, brrrr).

Não tive tempo para a fazer pois, passados não mais de 10 minutos – mais ou menos pelas 19H30 – começou o “fogo de artifício” consubstanciado por fogo intenso cuspido de armamento ligeiro (ML, a célebre “costureirinha”… lembram-se?) e pesado (MP), de morteiros 82 (Mor 82) e de dois canhões sem recuo (Can  S/R).

De imediato todo o pessoal correu para os seus respectivos postos que lhe estavam previamente distribuídos (soldado Galvão e 1.º Cabo Coelho nas Bazucas; 1.º Cabo Ferreira e, acidentalmente por mim antes de conseguir sob fogo ocupar o meu posto de comando instalado num dos abrigos ao centro do quartel onde tinha instalado diversos rádios, nos Mort 60; 1.º Cabo Costa e soldado Valongueiro nas Bredas; Alferes Baptista no Mort 81 e restante pessoal com G3 distribuídos pelos diferentes abrigos.

Apesar da nossa pronta e forte reacção, durou este “festival” de fogo intenso cruzando os céus de um lado para outro – que Bolama, na outra margem, apreciava com um misto de curiosidade e de apreensão – cerca de 20 minutos altura em que o das forças atacantes foi diminuindo de intensidade até silenciar de vez ao fim de quase meia hora desde que o iniciaram.

Como rescaldo e do nosso lado registou-se, para além de diversos estragos materiais, que havia quatro feridos, um dos quais – o nosso herói da noite, Soldado Valongueiro, que mesmo bastante ferido na cabeça logo no início nunca largou a sua Breda - com gravidade que após ter os primeiros socorros dados pelo nosso enfermeiro – o incansável e sempre bem disposto 1.º Cabo Cavacas – foi evacuado para Bolama numa lancha dos nossos amigos e camaradas Fuzileiros que desde o início do ataque disseram presente com uma lancha parada no meio do rio pronta a intervir se necessário, sendo de madrugada, depois dos cuidados médicos evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau e daqui para o de Lisboa onde foi devidamente tratado mas já não voltando à Guiné.


Eu, referenciado pela seta, e o meu pelotão a entrarmos para uma LDG dos Fuzileiro, após uma operação a nível de Batalhão algures na área operacional de Fulacunda onde estive também alguns meses como reforço da Companhia aí aquartelada, sob o comando do então Capitão Osório infelizmente, já como Major e numa 2.ª Comissão, abatido numa emboscada aquando efectuava, já no tempo do General Spínola, uma missão de Paz com uma facção do PAIGC.


Eu, o da ponta lado direito, a bordo de uma LDM dos meus camaradas e amigos Fuzileiros estacionados em Bolama, com os quais partilhamos em conjunto algumas operações e que, a partir de certa altura nos iam recolher depois de termos andado uma noite toda para cumprirmos determinada missão.

Soubemos mais tarde, por informação do Comando do Sector, que do lado das forças atacantes houve três baixas mortais – por sorte nossa os apontadores do CAN S/R – em consequência do rebentamento perto deles de uma granada do nosso MORT 81 e alguns feridos.

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E pronto… esta a minha primeira História vivida por terras da Guiné que vos deixo. Porém, não queria terminar sem deixar aqui algo que julgo traduzir o que ficou no subconsciente de todos nós (ou de quase todos) após termos terminado a nossa missão. A saber:
“Ter estado num naufrágio ou numa batalha é algo belo e glorioso; o pior é que teve de se lá estar para se ter lá estado”.
(sic, Fernando Pessoa).

Abraços do vosso camarada
Leão Varela
(Ex-Alf Mil. Inf.)


Destacado no Pelundo (área de Teixeira Pinto), à porta do que chamavam de "messe"


Preparativos da habitual "patrulha abastecimento de água" numa fonte perto de Teixeira Pinto guiando um GMC.

Fotos (e legendas): © Leão Varela (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: CV]

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4. Comentário do editor:

Caro camarada e amigo Leão Varela:

Pouco tenho a acrescentar ao que já disse e face à tua brilhante apresentação.

Deixaste-nos uma fasquia bastante elevada pelo que a nossa expectativa é muita. Ficamos ansiosos pelas futuras histórias que não nos vão defraudar.

Resta-me, para não alongar mais este poste, deixar em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães Ribeiro e eu próprio, um grande abraço de boas-vindas e votos de Boas Festas Natalícias com saúde, alegria e muitas prendinhas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13875: Tabanca Grande (451): António Manuel Murta Cavaleiro, ex-Alf Mil Inf MA do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3421: In Memoriam (12): Cerimónias fúnebres do nosso camarada José Maria Fernandes Carvalho, Soldado da CCAÇ 1566, falecido por motivo de doença em Agosto de 1966

José Maria Fernandes Carvalho, Soldado da CCAÇ 1566, que faleceu por motivo de doença em Agosto de 1966. Esteve sepultado até agora na campa n.º 25 do Cemitério de Bolama.


1. Caros camaradas e amigos tertulianos:

De acordo com as últimas informações fornecidas pelo nosso tertuliano Albano Costa, os restos mortais do nosso camarada José Maria Fernandes Carvalho chegam ao Aeroporto Sá Carneiro amanhã, dia 8, pelas 9 horas da manhã, seguindo para a Capela de S. Sebastião, em Travanca, Amarante.

O funeral realizar-se-á na próxima Segunda-feira, dia 10, pelas 15 horas.

2. Transcrevemos parte do resultado das pesquisas do nosso camarada José Martins, sobre a CCAÇ 1566 e a morte do nosso camarada José Maria, inserido no poste 3389 (*).

O Soldado José Maria Fernandes Carvalho era natural da freguesia de Aião concelho de Felgueiras. Era solteiro e filho de Luís Carvalho e Glória Fernandes. Foi mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 2, em Abrantes, e incorporado como Soldado Atirador na Companhia de Caçadores n.º 1566.

Esta unidade, comandada pelo Cap Mil Inf António dos Santos Paula, embarcou em 20Abr66, tendo chegado à Guiné a 26 do mesmo mês.

Após curta permanência em Bissau, na dependência do BCaç 1876, a fim de substituir temporariamente a CArt 676 na segurança e protecção das instalações e das populações da área, efectuando, simultaneamente, a instrução de aperfeiçoamento operacional na região de Mansoa.

Em 30Abr66, cedeu, temporariamente, um pelotão para reforço da guarnição de Pelundo, na dependência do BCav 790 e depois do BCaç 1877, onde se manteve até 26Jun66.

Foi durante a permanência em Mansoa, em 22 de Maio de 1966, que a unidade teve contacto com o IN, tendo falecido por ferimentos em combate o Soldado Atirador José Luís da Costa Almeida, natural da freguesia de Moreira de Cónegos, concelho de Guimarães, solteiro, filho de José de Almeida e Laurinda Pereira da Costa, tendo o seu corpo sido inumado no cemitério de Delães, Vila Nova de Famalicão.

Em 30Mai66, iniciou o deslocamento dos seus efectivos para Jabadá, tendo seguidamente rendido a CCaç 797, assumindo, em 03Jun66, a responsabilidade do subsector de S. João, incluindo o destacamento de Jabadá e ficando integrada no dispositivo de manobra do BCaç 1860 e depois do BArt 1914.


Foi neste período, em 25 de Agosto de 1966, que o camarada José Carvalho, veio a falecer vítima de doença.

No mesmo dia e na estrada de S. João – Nova Sintra, faleceu vítima de ferimento em combate, em consequência do rebentamento de um fornilho In o Soldado Condutor-Auto / Transmissões Francisco António Fernandes Lopes, natural de Estombar, concelho de Lagoa, solteiro, filho de Francisco Fernandes Lopes e Maria Rosa Fernandes.

Estes dois militares foram inumados na Guiné, no cemitério de Bolama, cabendo ao Francisco Lopes a campa n.º 24 e a José Carvalho a campa n.º 25.

__________________

Nota de CV

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3389: In Memoriam (9): Trasladação de José M. Fernandes Carvalho: as diligências de José Martins

sábado, 1 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3389: In Memoriam (9): Trasladação de José M. Fernandes Carvalho: as diligências de José Martins

O regresso a casa

José Martins
Fur. Mil. Trms. Inf.
C. Caç 5 – Guiné
Canjadude, Junho de 1968 a Junho de 1970


Com o mesmo espírito que se tinha nos tempos duros das Campanhas em África e, que com o passar dos anos, não só se fortaleceu entre os membros de cada unidade, como se alargou a todos aqueles que, ao longo dos anos, foram regando África com sangue suor e lágrimas, nestes tempos, sempre que nos surge algo que pode interessar a outros, é amplamente divulgado pelos meios de que dispomos, com especial ênfase para a internet.


(…)


O Soldado José Maria Fernandes Carvalho era natural da freguesia de Aião concelho de Felgueiras. Era solteiro e filho de Luís Carvalho e Glória Fernandes. Foi mobilizado no Regimento de Infantaria nº 2, em Abrantes, e incorporado como Soldado Atirador na Companhia de Caçadores nº 1566.
Esta unidade, comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria António dos Santos Paula, embarcou em 20Abr66, tendo chegado à Guiné a 26 do mesmo mês.


Após curta permanência em Bissau, na dependência do BCaç 1876, a fim de substituir temporariamente a CArt 676 na segurança é protecção das instalações e das populações da área, efectuando, simultaneamente, a instrução de aperfeiçoamento operacional na região de Mansoa. Em 30Abr66, cedeu, temporariamente, um pelotão para reforço da guarnição de Pelundo, na dependência do BCav 790 e depois do BCaç 1877, onde se manteve até 26Jun66.


Foi durante a permanência em Mansoa, em 22 de Maio de 1966, que a unidade teve contacto com o IN, tendo falecido por ferimentos em combate o Soldado Atirador José Luís da Costa Almeida, natural da freguesia de Moreira de Cónegos, concelho de Guimarães, solteiro, filho de José de Almeida e Laurinda Pereira da Costa, tendo o seu corpo sido inumado no cemitério de Delães, Vila Nova de Famalicão.


Em 30Mai66, iniciou o deslocamento dos seus efectivos para Jabadá, tendo seguidamente rendido a CCaç 797, assumindo, em 03Jun66, a responsabilidade do subsector de S. João, incluindo o destacamento de Jabadá e ficando integrada no dispositivo de manobra do BCaç 1860 e depois do BArt 1914.


Foi neste período, em 25 de Agosto de 1966, que o camarada José Carvalho, veio a falecer vítima de doença.
No mesmo dia e na estrada de S. João – Nova Sintra, faleceu vítima de ferimento em combate, em consequência do rebentamento de um fornilho In o Soldado Condutor-Auto / Transmissões Francisco António Fernandes Lopes, natural de Estombar, concelho de Lagoa, solteiro, filho de Francisco Fernandes Lopes e Maria Rosa Fernandes.
Estes dois militares foram inumados na Guiné, no cemitério de Bolama, cabendo ao Francisco Lopes a campa nº 24 e a José Carvalho a campa nº 25.


Entretanto, a partir de 28Nov66, a sede do subsector passou para Jabadá, passando, então, um pelotão a guarnecer o destacamento em S. João.
Em 15 de Janeiro de 1967, na estrada que liga Gã Pedro a Jabadá, é accionada uma armadilha In, que provoca ferimentos no Soldado Atirador António da Carvalho Nascimento, de que veio a falecer.
Era casado com Aida dos Santos Ferreira e filho de Teófilo Nascimento e Clemência de Carvalho. Veio a ser inumado no cemitério de Baldos, freguesia da sua naturalidade, no concelho de Moimenta da Beira.


Em 11Jan68, o pelotão em S. João foi substituído pela CArt 1802 e em 13Jan68, dois pelotões da CArt 1743 passaram a guarnecer a povoação de Jabadá, tendo a unidade recolhido seguidamente a Bissau, afim de aguardar o embarque de regresso, o que veio a acontecer em 23Jan68.


Ainda comandaram a companhia o Alferes Miliciano de Infantaria Vladimiro de Pinho Brandão, provavelmente o oficial subalterno mais antigo, e o Capitão de Infantaria Adolfo Melo Coelho de Moura.


Há cerca de um ano, troquei correspondência com o António Teixeira da Mota, na altura em que o seu livro Busca Incessante, escrito depois de toda uma odisseia para “trazer para casa” o corpo do seu malogrado pai e nosso camarada 2º Sargento Justino Teixeira da Mota.


Num dos mails trocados, falou-se no José Maria F. Carvalho, já que uma irmã mostrou interesse em saber onde se encontrava o corpo do irmão.


Eis os mail que recuperei do meu arquivo:


1. Mensagem do José Martins dirigida ao António Teixeira da Mota, em 17 Nov 2007


Caro amigo,


Li o texto publicado no ultramar.terraweb.biz e não tenho palavras para adjectivar o seu acto: no mínimo LOUVAVEL. Felizes os homens que têm filhos assim, que os perpetuam no tempo.
Acerca do camarada de armas que refere, José Maria Fernades Carvalho, foi mobilizado em Abrantes no Regimento de Infantaria nº 2 e pertenceu à Companhia de Caçadores nº 1566. Foi inumado no Cemitério de Bolama, na campa nº 25. Estes são alguns dados retirados de livros editados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de Africa (8º volume - Tomo II - Livro 1 - Página206).
Sobre a unidade a que pertenceu - CCaç 1566 - tem um breve historial no 7º Volume - Tomo II - Página 354 editado pela mesma Comissão.
Faço votos para que estes elementos lhe sejam úteis.
Melhores cumprimentos
José Martins


2. A resposta de Antonio Teixeira Mota


Caro José Martins,


Antes de mais agradeço a sua informação em relação ao número da sepultura do Soldado José Maria Fernandes Carvalho. A família está-lhe imensamente agradecida por lhe ter facultado esta informação, pois até este momento não faziam a mínima ideia do local exacto onde o familiar tinha sido sepultado. Apenas sabiam que tinha sido no Cemitério de Bolama. A sua informação foi de extrema utilidade. Como me disse a irmã do saldado José Maria quando lhe transmiti a informação..., "Que Deus o ajude..."


Em relação à minha história agradeço também as suas simpáticas palavras. Apesar de não ter conhecido pessoalmente o meu pai, tenho feito por ele ao longo da vida tudo o que está ao meu alcance para o perpetuar, e o que é um facto, é que passados 45 anos da sua morte estamos ainda hoje aqui a falar dele.


Tenho recebido muitas mensagens de felicitações sobre o e-mail publicado no site hppt://ultramar.terraweb.biz, onde hoje é feita referência ao livro que escrevi e que se chama Luta Incessante. Consulte sff.


Gostava de lhe oferecer um exemplar do livro, solicitando para isso que me envie o seu endereço.
Fico a aguardar as suas notícias e receba os meus cumprimentos.
António Teixeira Mota.

O JOSÉ MARIA FERNANDES CARVALHO já está a caminho de casa.


Partiu em 1966 para uma guerra que não era sua, ao serviço do país onde nasceu, mas que se esqueceu de o trazer de volta, apesar de, desde 4 de Fevereiro de 1966, estar consignado de que o Ministério do Exército era responsável pela trasladação das ossadas de todos os militares, mas continuava a exigir que fossem as famílias a suportar tal encargo.


Este é um momento único, como se a vida e a morte não fossem momentos únicos.


Curvo-me perante a memória do José Maria, como não posso deixar de me curvar perante a memória dos Soldados de Portugal que em África tombaram, a partir de 1415 aquando da conquista de Ceuta, e lá ficaram para sempre.


Saúdo também a família do José Maria que, em menos de um ano, conseguir “resgatar” o seu ente querido e, finalmente, velá-lo, chorá-lo, de novo, e dar-lhe o lugar que sempre lhe esteve destinado junto dos seus antepassados e um lugar na nossa História.


Quando o clarim fizer soar o Toque de Silêncio, o Toque a Mortos e o Toque de Alvorada, porque há sempre um novo dia, podemos afirmar que se cumpriu mais uma missão.


José Martins
31 de Outubro de 2008
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Nota: artigo realacionado em