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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25152: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (105): Na Morte do Coronel Nuno Rubim (Alfredo Pinheiro Marques / Centro de Estudos do Mar)

Cor Nuno Rubim (1938-2023). Foto de Luís Graça (2006)

1. Ainda a propósito do falecimento do Coronel Nuno Rubim, recebemos a seguinte mensagem com data de 31 de Janeiro de 2024, enviada pelo Director do CEMAR, Doutor Alfredo Pinheiro Marques:
De: CEMAR
Date: quarta, 31/01/2024 à(s) 11:17
Subject: Na Morte do Coronel Nuno Varela Rubim

Prezado Doutor Luís Graça, e demais responsáveis do Blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné":
Nesta mensagem e na seguinte remetemos um reencaminhamento das mensagens que enviámos para a lista de "mailing" do CEMAR acerca do falecimento do nosso Ex.º Amigo Coronel Nuno Varela Rubim, e em que nos socorremos de, e citámos, muita da informação que, pela V. parte, disponibilizam no vosso Blog (uma vossa iniciativa meritória, e merecedora dos maiores elogios, e pela qual felicitamos, e desejamos os melhores votos de continuidade do bom trabalho)


Com as melhores e mais cordiais saudações, e votos de tudo de bom neste novo ano 2024
Alfredo Pinheiro Marques
Director do Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque - CEMAR
(Figueira da Foz do Mondego - Praia de Mira)


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2. Início da mensagem reencaminhada:

De: INFORMAR
Assunto: Na Morte do Coronel Nuno Varela Rubim
Data: 30 de janeiro de 2024, 01:01:12 WET
Para: mail@cemar.pt

NA MORTE DO CORONEL NUNO VARELA RUBIM

Só agora tomámos conhecimento, através de notícias publicadas no Blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (o principal fórum de informação e discussão sobre a história da Guerra portuguesa no teatro de operações da Guiné-Bissau), na "Revista de Artilharia", e em outras fontes, da triste notícia do falecimento do nosso Ex.º Amigo, Coronel de Artilharia, Comando, na situação de reforma, Nuno José Varela Rubim (1938-2023), historiador militar que tivemos a honra de contar no número dos membros do Conselho Consultivo e Científico do CEMAR - Centro de Estudos do Mar, e pelo qual sentimos, e manifestámos, sempre, uma extraordinária admiração e um profundo respeito, em termos científicos e em termos humanos.

Nuno José Varela Rubim - a que as populações africanas chamaram o "Capitão Fula" (e cuja morte ocorreu, agora, no passado dia de Natal… em 25.12.2023) - foi um homem extraordinário, e com uma vida invulgar, e extraordinária, de heroísmo, de coragem, de lucidez e de inteireza.
Uma vida apontada, ao mesmo tempo, quer para o serviço militar quer para a compreensão do mundo e do seu país: para a História e para a investigação histórica. Provindo de uma tradição familiar apontada para o serviço do Exército Português, e mais concretamente para a Artilharia, ele veio a ser um militar de grande coragem, detentor de uma folha de serviços invulgar, e um historiador de grande lucidez e criticismo, o mais competente nas matérias específicas de História Militar a que se dedicou. De grande coragem científica, para além da coragem pessoal e humana.

Em nove anos em África, com quatro comissões de serviço, foi um dos militares mais condecorados do Exército Português no terrível teatro de operações da Guiné-Bissau, o mais duro e difícil para os Portugueses, na segunda metade do século XX. Comandou, lá, em comissões de serviço sucessivas, como Capitão, duas Companhias de Caçadores (CCaç 726, e CCaç 1424), e uma Companhia de Artilharia (CArt 644), e foi o criador, formador, e comandante, lá, dos "Comandos da Guiné" do Exército Português, entre 1964 e 1966.
As Companhias que comandou estiveram localizadas no aquartelamento de Guileje (Guiledje), na parte desse território que foi a mais problemática para os Portugueses, nas regiões do "Corredor da Morte" de Guileje, Gadamael e Guidaje, e das Matas do Cantanhez, e de Madina do Boé (onde, por fim, em 1973, o PAIGC acabou por proclamar unilateralmente a sua independência). Nessas regiões tiveram lugar alguns dos momentos mais penosos para o Exército Português. Nomeadamente quando, em Maio de 1973 (alguns anos depois de Rubim já lá não ser comandante), esse aquartelamento de Guileje chegou a ser abandonado pelas tropas portuguesas, e ocupado temporariamente pelas tropas do PAIGC (o único caso desse tipo, nas guerras africanas portuguesas da segunda metade do século XX).
Depois disso, entre 1972 e 1974, Nuno Varela Rubim ainda desempenhou também funções no Quartel-General português em Bissau, em serviços secretos de informações, transmissões e criptografia (CHERET), e já então promovido ao posto de Major (e, nessas funções, os serviços portugueses conseguiram decifrar os códigos das comunicações militares dos países vizinhos).
Esteve presente, desde o primeiro momento, lá, na Guiné, na conspiração do "Movimento dos Capitães" que levou ao 25 de Abril de 1974.
Depois, em Portugal, nas convulsões políticas do pós-25 de Abril, esteve envolvido nas difíceis situações que confluíram no 25 de Novembro (1975), no seguimento do qual viu a sua carreira militar ser bloqueada, e esteve preso em Custóias e em Caxias. Alguns anos depois, reconstituída essa carreira, e concedida a mais do que merecida promoção a Coronel (sem ter tido que ser, como então disse, "a título póstumo"…), foi passado à reserva e veio a dedicar-se sobretudo à sua paixão pela História e pela investigação de temas militares, sobretudo de História da Artilharia.

Foi Director de Investigação no Museu Militar de Lisboa, exerceu funções de docência na Academia Militar, na Universidade de Lisboa, etc. (de facto, exerceu-as em toda a espécie de escolas, desde escolas universitárias até humildes escolas primárias e profissionais). Publicou na "Revista de Artilharia" e em outras revistas militares. Organizou exposições e instalações museológicas de grande significado e qualidade (Museu da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas, Artilharia da Fragata Dom Fernando II e Glória, Artilharia do Forte de Oitavos em Cascais, etc.). Deu-nos a honra de, na Figueira da Foz, ter sido um dos membros do Conselho Consultivo e Científico do nosso Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque (CEMAR), desde Novembro de 2012.
Teve, sobretudo, um interesse muito especial, e competente dedicação, à história do "Príncipe Perfeito", o Príncipe e Rei Dom João II "próprio e verdadeiro coração da República" (nomeadamente à sua invenção do tiro naval rasante), à arquitectura naval, e às fortificações marítimas costeiras (Torre de Belém, etc.).

Na primeira década do século XX (em 2006-2008) — em parceria com a organização de cooperação AD-Acção para o Desenvolvimento, com o supracitado Blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné" dedicado aos combatentes portugueses e guineenses da guerra da Guiné-Bissau, e com entidades oficiais desse país independente de Língua Oficial Portuguesa —, Nuno Rubim esteve presente na celebração no Projecto Guiledje, de reencontro entre Portugueses e Guineeenses, nas suas várias vertentes ("triunfo da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, da memória colectiva sobre o esquecimento e o branqueamento da historia"...).
Esteve presente, nomeadamente, no Simpósio Internacional de Guiledje, em Março de 2008, em Bissau (onde foi um dos oradores), e na criação de um Núcleo Museológico de Guiledje (Guileje), para o qual construiu carinhosamente, pelas suas próprias mãos, e levou consigo, para oferecer, um precioso diorama constituído por um modelo à escala 1/72, de grandes dimensões, do aquartelamento português de Guileje tal como ele era na década de 60 do século XX (1966), quando ele próprio, e muitos dos combatentes de ambos os lados dessa guerra, lá haviam estado, e lá haviam combatido.

O Coronel Nuno José Varela Rubim teve um carinho muito especial pela Guiné, e pelas suas gentes, onde havia vivido durante uma década. E teve como esposa uma Ex.ª Senhora africana, de lá originária, que agora deixou viúva, e à qual devemos apresentar as mais sentidas condolências.

Quando, em 2008, voltou à Guiné, e regressou a Guileje e Mejo, foi reconhecido e acarinhado por muita gente que ainda se lembrava dele de há 41 anos atrás (!), e se lembrava da sua sensibilidade e proximidade com as populações locais, que logo então haviam dado origem ao seu cognome de então, de "Capitão Fula".

E, em Bissau, visitou o cemitério, onde estão sepultados centenas de militares do Exército Português, e alguns desconhecidos, e alguns pertencentes a Companhias que por ele haviam sido comandadas.

Muita informação sobre este notável militar e historiador português, e homem de grande carácter, pode ser encontrada em muitas das páginas do tão meritório Blog na Internet, criado por Luís Graça, que já aqui citámos "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (em https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com).


Filmes com parte da sessão do Simpósio Internacional de Guilege, em Março de 2008, em Bissau, com Nuno Varela Rubim e Carlos Matos Gomes, ambos Coronéis, Comandos, do Exército Português, em que o primeiro explica o isolamento em que foi deixado cair o quartel português de Guileje e o aparecimento no teatro de operações da Guiné dos mísseis terra-ar Strela que iriam mudar o curso da guerra, e o segundo explica o agravamento da situação militar no ano de 1973 para as tropas portuguesas, nas vésperas do 25 de Abril de 1974:

https://www.youtube.com/watch?v=rd8O523REL4
https://www.youtube.com/watch?v=CceUuqHQCc4


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"HISTÓRIA, MEMÓRIA E EXEMPLO DO PASSADO, PARA LIBERTAÇÃO DO FUTURO"

"(…) Ser ignorante do Passado é como ser uma criança para sempre (…)”… [ Marco Túlio Cícero, 106 a.C - 43 a.C]
"(…) Que os homens não aprendem muito com as lições da História é a mais importante de todas as lições que a História tem para ensinar (…)”… [ Aldous Huxley, 1959 ]

https://www.youtube.com/user/CentroEstudosDoMar


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Centro de Estudos do Mar - CEMAR
Rua Mestre Augusto Fragata, 8 - Buarcos
3080-900 - FIGUEIRA DA FOZ - PORTUGAL
e-mail: cemar@cemar.pt
tel.: (351) 969070009
(telemóvel)
tel.: (351) 233434450
(chamada para a rede fixa nacional)

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Nota do editor

Vd. post anterior de 8 de Fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25149: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (104): O Coronel Nuno Varela Rubim e o CEMAR (Centro de Estudos do Mar)

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18920: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIX: Afinal o "Chez Toi" era o antigo restaurante e casa de fados "O Nazareno", que eu frequentei no meu tempo


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Guiné > Bissau > Virgílio Ferreira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Diomingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de  75 referências no nosso blogue.

Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:

T009 – O ‘CHEZ TOI’ AFINAL ERA O ANTIGO RESTAURANTE E CASA DE FADOS ‘O NAZARENO’


I - Anotações e Introdução ao tema:

INTRODUÇÃO:

Vem este Poste comentar e tirar ainda algumas dúvidas do mal-afamado caso do ‘Chez Toi’ .

A reportagem do ano de 2011, que eu li agora do camarada Carlos Pinheiro, com 25 meses de Bissau (*), veio afinal desvendar alguns mistérios e dúvidas, que eu vou tentar acrescentar algo, com o meu tempo incomparavelmente inferior ao do Carlos, mas que também tenho algum contributo a dar, não me vou alongar, pois não é caso para isso.

Já li muita coisa sobre o Chez Toi, uma delas, um comentário que dizia que ficava numa Rua esquisita de má fama, e tinha uma Pensão, e outras coisas mais.

Partindo do princípio de que o Carlos Pinheiro sabe mais disto do que todos nós, e que se manteve em Bissau já passados uns anos após a minha saída, mantenho a minha versão que afinal eu não conhecia uma casa, boîte, cabaré seja o que for com este nome, aliás não havia casas nenhumas desta especialidade.

Então o Nazareno, restaurante e casa de fados, que era propriedade de um empregado da Casa Pintosinho, presumo que o Sr. Machado, que não deveria ter qualquer Cabo Verdiana por sua conta, isto é juntos, companheiros, amantes, pois que se for o Sr. Machado e julgo que deve ser, tenho esse pressentimento pois, como eu sou Machado também, ficou-me no chip este nome e a figura do homem.  [...] Pelo que sei é que ele não tinha mulher nenhuma e vivia lá há muitos anos.

Vamos então ao excelente comentário do Carlos Pinheiro, que praticamente já disse tudo, excepto que o Grande Hotel era o lugar por excelência em toda a Guiné, mesmo não sendo nada como o Polana em Lourenço Marques, era para aqui que vinha a malta toda da alta classe, as visitas importantes, os Comandos do QG, incluindo o Spinola, com quem tive o prazer de jantar na mesma sala no mesmo dia. Também no Solar dos 10 ali encontrei uma ou duas vezes o Spinola com convidados.

(i) O Carlos fala na Casa Santos e dos seus grandes bifes, que ficava na saída do QG! Não conheço e já agora teria interesse em saber. Tantas vezes eu vim do QG para Bissau e não me lembro desta afamada casa de comidas.

(ii) E o Bolola, pelo nome,  também não me diz nada, pode ser uma coisa mais recente.

(iii) A Casa Costa Pinheiro também pelo nome não vou lá, devia ser uma das muitas que faziam parte daquele ‘centro comercial’ da baixa de Bissau.

E agora vamos acrescentar alguns outros locais e sítios que não foram mencionados:

(iv) A Pensão da Dona Berta, ainda no mesmo quarteirão do Bento e da Gelataria, fui lá várias vezes e até tenho umas fotos lá no 1º andar.

(v) E o Stand da Peugeot com os seus carros e motas na montra, logo acima da Gelataria? Foi lá que comprei as minhas 2 motorizadas, e fiz a encomenda de um carro Peugeot, não sei qual, para levar a quando da minha saída, e que tanto prometi à minha então namorada, mas que depois não levei nada, pois devia ser complicado e dar trabalho para o transportar. Quando cheguei comprei o carro que estava na moda então, um Mini 1000.

(vi) Mais acima a caminho da Praça do Império, tínhamos do lado direito a Bomba de gasolina da SACOR, onde eu abastecia a minha motorizada, e até lá havia um mecânico que várias vezes fez umas reparações às motorizadas. Não me lembro dessa boba à saída de Bissau, deve ser mais recente para mim.

(vii) O Nazareno, se passou a ser a casa de má fama, Chez Toi, não é do meu tempo.

(viii) E a reportagem do Luís Graça passada lá, dá a entender que aquilo era mesmo mau, embora já tenha vindo à cena alguém dizer que nunca viu nada de especial.

(ix) Embora outro camarada, tenha dito que lhe doía a alma ver as raparigas ali fechadas na cave do estabelecimento. Outro também comentou que naquela Rua, dada a sua ligeira inclinação, os miúdos já praticavam as corridas nos carrinhos de rolamentos, que eu também tinha em criança.

(x) Pelas fotos anexas, e pelas muitas descrições já feitas, pode ver-se que o local não ficava em nenhuma zona de mau aspecto e de má fama, bem pelo contrário, era uma zona da parte nova e nobre de Bissau, onde mais tarde, 1984/85, lá vi instaladas as Embaixadas de Portugal e da França pelo menos.

(xi) As ‘Caves’ referidas, julgo tratar-se do Rés-do-chão da casa, como se pode ver nas fotos, a sala de jantar ficava no 1º piso, e tinha uma boa varanda para a rua e para as vistas, que eram excelentes, dado o contexto das outras.

(xii) O nome da Rua não sei, pode ser Arnauld Shulz ou Sá Carneiro, mas tenho a ideia que esta rua era uma perpendicular à Avenida do Império, ou andava por ali próximo, já um pouco afastada do ‘centro’ da cidade, desconheço os outros estabelecimentos que lá tinha, eu ia lá só para comer e beber.

(xiii) Faltaria ainda acrescentar às demais infraestruturas existentes, a Tabanca de uma amiga minha e depois lhe perdi o rasto.

(xiv) E temos de realçar as instalações do ‘600’ o Quartel onde ficavam instaladas as tropas que faziam a segurança ao Quartel General. Passei lá 2 meses a acertar as minhas contas.

(xv) E as magnificas instalações do Clube de Oficiais de Santa Luzia, não se pode deitar fora, era um oásis no meio do deserto, a sua piscina, a messe, os bares, as esplanadas, e até o Biafra que apesar de tudo não era assim tão mau.

Bom, quanto ao Chez Toi  está para já tudo dito, quem tiver mais que volte à carga.

Em, 2018-08-10


II – As Legendas das fotos familiares [, de 1 a 8].

F01 – Um jantar no Nazareno, em vésperas de Natal, Bissau, Dez 1967. Junto com o Furriel Riquito, camisa branca, e Alferes Verde, fardado. Era uma casa de fados também,

F02 – No restaurante e Casa de Fados ‘O Nazareno’ em Bissau, 23Dez67. Nesta foto estou sozinho, e não vejo imagens de mais ninguém que lá estivesse. Tem a data de 23 de Dez 67, e eu passei a véspera de Natal 67, de 24 Dez 67 em Nova Lamego, não há duvidas. A foto anterior poderá ser da mesma data, mas não parece. Devo ter embarcado nesse dia ou no seguinte no Dakota para Nova Lamego.

F03 – Na Varanda e esplanada do piso superior no restaurante ‘O Nazareno’ também com data na foto de Bissau, 23Dez67.

F04 – Novamente na esplanada-varanda do Nazareno, já passou o ano de 1968 e já estamos em 1969, não sei que data tem, pois são de slides e não tenho nada escrito. Pode ver-se que se trata de um lugar localizado em zona de bom aspecto. Bissau, 1969.

F05 – E nesta foto à porta do Nazareno, já se pode ver melhor o local, e agora também reparo numa ligeira inclinação da Rua e Passeio, onde os miúdos andavam de carrinhos de rolamentos. Continua a ser um local aprazivel, estamos na zona nova, Bissau 1969.

F07 – No Bento – 5ª Rep – porque era o local da ‘Contra Informação’ , onde todos sabiam e falavam de tudo, ao lado talvez de guerrilheiros do PAIGC ou familiares. Também se engraxavam os sapatos, não me lembrava antes de ver esta foto. Bissau, finais de 1967.

F08 – Na pensão da Dona Berta, um local privilegiado na Avenida do Império, a esplanada no 1º andar dava uma panorâmica de excelência. Bissau, Out/Nov de 1967.

Disse-me o meu amigo da CHERET, com quem estive na Quarta Feira dia 8 no Continente em Vila do Conde, encontramo-nos por acaso, eu e a minha mulher e ele e a sua nova companheira, mulher de estilo e bem apresentada, com os seus anitos. Conversamos de muitas coisas, que um dia vou falar quando voltarmos ao CHERET, mas não deixo de contar esta, que tem a ver com a foto. Foi aqui que ele esteve e o encontrei em Outubro de 67, na sua Lua de Mel.

Diz ele então que encontrou aqui um tal Mário Cláudio, que ele não conhecia (***), e que tinha recebido a visita da sua mãezinha que o veio ver, e aqui se encontraram. Mais tarde, muitos anos depois, já era o famoso escritor, e eles encontraram-se e falaram desse tempo. Estou a ler agora um livro dele, recomendado pelo meu amigo, mas é muito chato, tem palavras difíceis e algumas nem sei o significado, mas fica a ideia: ‘Os Naufrágios de Camões’.

F09 – Apresento a Suzi, uma moça que conheci na Piscina do Clube, nos primeiros dias em que cheguei à Guiné. Esta já é muito mais tarde. Bissau, Abril de 68.

Estamos a fazer exercício de barras, eu com os meus 47 kg fazia elevações até sempre.

Mando esta, das muitas, por causa da barra, pois o meu amigo CHERET – vamos chamar assim até ele me autorizar a dar o seu nome – contou-me há dias, que também fez exercícios na barra, só que ele com mais de 70 kg, a barra partiu, ele estatelou-se no solo e bateu com a coluna na beira de uma pedra, ficou paralisado, foi para o HM 241 esteva lá internado uns dias, e diz que ainda hoje sente dores na coluna devido a essa queda. Disse-lhe que ainda vai a tempo de meter um requerimento para uma Pensão de Invalidez, mas aquilo não foi em serviço, falta-lhe o nexo de causa-efeito, não há nada a fazer.

A Suzi era a filha do Coronel a quem foi dado o cognome de ‘O Lavrador’ pois era o responsável por toda a área do Clube e gostava de cultivar muitas coisas, nunca o conheci.

A Suzi, eu chamo-lhe a minha amiga, mas eramos apenas conhecidos, eu ia até a Piscina e ela estava lá sempre, por isso metemos conversa, mas sempre à distância. Nunca soube que o pai era o Coronel e Chefe lá do Clube, tenho muitas fotos com ela, em diversas alturas, mas acho que nem um cumprimento de mão demos um ao outro, para ela devia ser ‘mais um’ a tentar a sua sorte, mas nunca me passou pela cabeça nada a não ser o convívio e conversar, não sei a sua idade, mas vendo bem as fotos, e se aumentarmos o zoom em zonas pontuais, poderei concluir que ela teria os seus 15-16 anos, não sei, talvez.

Virgílio Teixeira, Em, 2018-08-10

(Faz hoje 49 anos da minha chegada a bordo do UIGE ao Cais de Alcântara, seguindo para Tomar, onde foi feita a parada militar pela cidade, dando assim por terminada a minha missão militar ‘Com Orgulho’.)

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«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

Caro Luís, conforme já tinha dito, e depois de ler já tanta coisa sobre este tema, resolvi escrever este relatório, para eventual Poste ou não, mas dar um contributo daquilo que eu tenho algum conhecimento, ou julgo que tenho. Alguém o dirá.

Mesmo em tempo de férias, a vida continua, e 'abortado' que foi o anterior Tema, vamos dar mais um pouco de algo para ler, e sonhar à sombra de um Poilão.

Um abraço,
Virgílio Teixeira
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(**) Vd. poste de 9 de agosto de  2018 > Guiné 61/74 - P18908: Estória de Bissau (20): A cidade onde vivi 25 meses, em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)... [Afinal o "Chez Toi" era a antiga casa de fados "Nazareno"...]

(***) Mário Cláudio, pseudónimo literário do nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande, Rui Barbot Costa [, nascido no Porto, em 1941, ex-alf mil, na secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70, foto atual à direita], chegado até nós pelo braço de outros dois camaradas, o Carlos Nery e o saudoso João Barge (1944-2010)... Recorde-se que os três participaram num espectáculo teatral, inédito em Bissau, estreado em 5/4/1970: a peça de Ionesco, "A Cantora Careca", encenada pelo Carlos Nery.

O Mário Cláudio é hoje considerado um dos maiores escritores de língua portuguesa. Sobre o seu último romance, "Os Naufrágios de Camões" (2017), ver aqui entrevista (polémica) que deu ao Diário de Notícias, em 13 de fevereiro de 2017.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18893: Estórias avulsas (90): o meu amigo da Cheret que foi substituir um velhinho que tinha sido apanhado à mão mas que acabou por 'fintar' o PAIGC (Virgílio Teixeira)

1. Mensagens de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) [natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue]:

Data: 2 de agosto de 2018 às 17:44
Assunto: CHERET

 Luís, lamento o incómodo das férias, mas eu não me dou sem fazer nada, e não gosto de praia, e não tenho quintas. (...)

Ontem estive aqui na biblioteca [em Vila do Conde] onde passo a maior parte do tempo a escrever, não gosto de estar em casa fechado, e encontrei um amigo de longa data e até já falei dele, há poucos dias.

É um rapaz da minha idade, formado antes de ir para a tropa em Engenharia Electrotécnica, opção de Tecnologias Avançadas, mas diz-me que raramente vai ao computador, e o telemóvel dele é mesmo igual ao meu, o mais simples Nokia do mercado, com teclas.

Veio viver para Vila do Conde, mora agora aqui perto, e vai frequentar a Biblioteca, mas só para ler. É um tarado em leituras, e não precisa nada disto porque é de boas famílias. E diz ele que a sua nova companheira - deve ter tido 10 casamentos e 100 companheiras - vive aqui, e ele mudou-se do Porto para cá, é um do grupo do Café Cenáculo, Campo Lindo, Porto 1961.

Ele é um óptimo rapaz, mas deve ter uma 'panca' qualquer que desconheço. É muito inteligente. Fez a tropa mais ou menos na mesma época que eu, esteve na Trafaria e a especialidade dele, não sei explicar bem, mas era o responsável pela segurança das Transmissões, e vivia num bunker no QG de Santa Luzia. Encriptava e desencriptava, não sei bem. Perguntei-lhe agora finalmente qual era a sua missão na Guiné, estava então no CHERET - perguntei-lhe o que era aquilo e ele também não sabia decifrar o que era, fiz umas pesquisas, incluindo o blogue e lá encontrei.

A 'panca' dele começa logo por aqui. Foi mobilizado para a Guiné, casou-se - a primeira vez - com uma miúda linda e jeitosa, que vim a conhecer na Pensão da Dona Berta em Bissau. 

Em vez de viajar de barco por conta da tropa, e porque tinha posses, foi mesmo na TAP e lá chegou 6 dias antes do navio, que ele nem sabe o nome. Quando chegou ao aeroporto com a mulher, em Lua de Mel, perguntaram para onde ia ficar, ele conhecia vagamente o nome do Grande Hotel e lá deu essa morada, e esteve lá um ou dois dias. Depois passou para a Dona Berta, ficava mesmo na Avenida do Império , Praça da República que ia dar à Parça do Império], ao lado do Bento e da Catedral de Bissau, tinha vistas do 1º andar privilegiadas.

Foi passeando e conhecendo a terra, Bissau diga-se, nunca se dirigiu ao QG, ele andava em Lua de Mel, e o clima queima!

Estive uma ou duas vezes com eles, e depois devo ter ido para a minha terra, ele nem sabe em que mês ou dia foi lá parar, passa-lhe tudo ao largo. E assim os dias foram passando, uma semana, duas etc, estava ele um dia com a mulher, no cais do Porto de Bissau sentado a olhar o mar. Ao lado estava outro militar, já velhinho, a olhar também para o mar a ver se chegava o navio com o seu substituto, pois já deveria ter vindo. E contou ao meu amigo que estava ali sem saber o que fazer pois o gajo que o vinha substituir desaparecera, estava dado como desertor. Mas qual é a função dele ali? Era da CHERET, o homem que ia substituir, Com uma calma ele, o meu amigo, lá disse então: "Sou eu mas nem me lembrava o que tinha de fazer"....

Agora é só para ver o que lhe foi acontecendo, era uma missão em que só poderia andar de avião, não era permitido viajar de estrada nem por rios. Foi parar a Catió numa LDM, e depois despachado para Piche, mais ou menos na altura do desastre do Cheche [, que foi em 6 de fevereiro de 1969], e do grande ataque da guerrilha em Piche.

Depois foi evacuado para o HM 241 em Bissau, para a Psiquiatria em Maio de 69, no mesmo mês e datas onde eu também lá estava mas não nos cruzámos, veio evacuado com outro amigo nosso que também estava na Psiquiatria, chegaram a Lisboa e em vez do Hospital da Estrela foram passar uns dias ao Algarve...

Isto talvez tenha pano para mangas, deve ser um caso interessante. Diz algo
Um Ab,
VT

Data: 2 de agosto de 2018 às 17:44
Assunto: CHERET

Voltando ao tema da CHERET, já sei que se chama... "Chefia do Serviço de Reconhecimento das Transmissões2!

Como escrevi depressa, esqueci algumas coisas. Aqui vai a versão, corrigida, da história:

Um elemento da CHERET, um alferes miliciano, numa coluna, em que não devia ir, foi capturado à mão e levado para os santuários do PAIGC.

Feita a lavagem ao cérebro, eles lá sabiam ou souberam a missão secreta dele, e apertaram o dito coitado Cheret.

Ele,  pelos vistos,  embrulhou bem os gajos do PAIGC, trocou-lhes as voltas, pelo que passado pouco tempo todas as comunicações e transmissões do PAIGC eram interceptadas pelas nossas tropas, por qualquer um, não precisavam de ajuda para desencriptar, não sei se é este o termo.

Daí a proibição deste pessoal deslocar-se a pé ou em coluna por terra ou via marítima, só mesmo aérea.

Pelos vistos,  mais tarde a este colega meu [, que enconteri em Bissau e me contou esta história,]  andou sempre em todos os meios menos avião. Ele era tão 'apanhado'  que nem sequer andava de arma, explicou que era muito pesada, não sei o que aconteceu, tenho de explorar bem isto. Mas só o faço se isto tiver algum interesse bloguístico e não sei se ele quer contar mais, mas posso sempre pressionar.

Além de vários problemas na vida dele, e sempre foi professor universitário, com as sucessivas mudanças de mulheres, um filho dele acabou por se suicidar. Quando me contou, nem sabia o que dizer.

Esta função para mim era desconhecida, são aqueles que estão fechados a 7 chaves.

Um Ab, e boas férias, de vez em quando vou chateando para acalmar.
Virgilio Teixeira


2. Comentário do editor LG:

Virgílio, como deves imaginar, nos meses de verão (julho e agosto), em que o pessoal vai a "banhos", o blogue anda muito mais calma, tanto em termos de postes publicados como de acessos e comentários. Pelo que histórias como aquela que  acabas de contar, serão sempre bem vindas... Não precisas de identificar o camarasda, mas dá mais detalhes, se possível, para a a história ser credível: poe exemplo, como é que o 'velhinho'  do PAIGC, depois de ter sido apangado à mão e depois de os ter 'fintado' ?  Deve haver registos de um alferes miliiciano, para mais da arma de transmissões, apanhado à unha pelo PAIGC... Vê zse sabes exatamente quando e onde...

Vou comer uma sardinhada com uns amigos, como uma por ti e bebo um copo à tua saúde (e à saúde do teu amigo, agora reencontrado). Aqui, na Lourinhã, podias vir à praia e ficar na biblioteca, a ler e a escrever... Sobre a aguardente DOC da Lourinhã, tens aqui os  sítios dos pordutores: só há dois, a Adega Coperativa da Lourinhã e a Quinta do Rol... Os preços são variáveis (e altos demais para a minha carteira...) mas o produto é excelente, garanto-te: 

"Durante mais de duzentos anos, as casas produtoras dos melhores Vinhos do Porto beneficiaram da Aguardente de Lourinhã para produzir os seus afamados vinhos licorosos. Nos últimos trinta anos com o apoio científico da Estação Vitivinícola Nacional sediada em Dois Portos foi testada e confirmada a sua superior qualidade, a qual apenas encontra paralelo, a nível europeu nas aguardentes francesas das regiões do Cognac e do  Armagnac".

Há uma confraria que faz a promoção deste produto, e de que faz parte a minha mulher: a Colegiada de Nossa Senhora da Anunciação da Lourinhã... Eu vou aos jantares e festas deles (e delas), e vou aprendendo alguma coisa com estes "confrades"...
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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16465: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, nascido no Porto, a viver no Brasil há mais de 40 anos, grã-tabanqueiro nº 726: "Não fui Cabo Cripto, fui sim do Grupo de Material e Segurança Cripto: éramos cinco a trabalhar num 'cofre' [bunker], no Quartel General, em Bissau (1963/66)... Já não me lembro do nome desses camaradas"... (E, depois como civil, até 1974, foi o homem dos sete ofícios!)


Foto nº 1 > O Augusto Mota quando criança: "Marinheiro a cavalo kkkkkkk!!


Foto nº 2 > Algures no Brasil: "Eu, esposa e Bolinha (cachorra)"


Foto nº 3 > Algures no Brasil: "Eu e esposa"


Foto nº 4 > Em casa, à mesa: "Eu e empregados".

Fotos (e legendas(: © Augusto Mota (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, de ontem,  do nosso novo grã-tabanqueiro, Augusto Mota, que vive no Brasil há mais de 40 anos. com referência ao poste P16452 que precisa de ser corrigido, uma vez que as fotos publicadas não traziam legendas (*)

Caríssimo Luís,

Vou tentar matar de vez vossa curiosidade:

MEMÓRIA

Tal como disse em nosso último “bate-papo”, a memória não é o meu forte. Estou altamente preocupado com o agravamento da faculdade de recordar o passado. O que vem me auxiliando nesse aspeto é o fato de sempre ter sido uma pessoa organizada... mas vamos lá;

CABO CRIPTO

Talvez não tenha me feito entender. Não fui cabo cripto. Fui MATERIAL DE SEGURANÇA CRIPTO. Quer dizer, trabalhava com a criptografia propriamente dita. Confeccionava o material de cifra para os operadores de cripto trabalharem e, de maneira geral, todos os que por função tivessem que usar cifra em comunicação: telefonia, aviação, etc.

Éramos cinco indivíduos e trabalhávamos fechados, em um cofre, sempre no Quartel General. Meu amigo, quem andou pelo mato, sujeito a levar chumbo a todo o instante, pode dizer que o que fazíamos era moleza... mas o silêncio daquela sala, apenas cortado pelo barulho repetitivo do ventilador, algumas vezes me levou a desejar morrer. Era um sono irresistível.


Assim, pela minha atividade como militar será difícil alguém me reconhecer, salvo os outros indivíduos. As instruções eram pela discrição total.

Para melhor entendimento, informo que esse material, até nossa chegada, era produzido na CHERET, em Lisboa, e distribuído pelo “mundo” militar português, revestido da maior segurança. Devido à possibilidade de vazamento, decidiram confeccionar em cada colónia. Bom, me parece que sobre este assunto estamos acertados.

CCAV 488 

Eu não pertencia a esta unidade. Como disse, o meu tempo de militar na Guiné foi passado dentro de um cofre. Nesta unidade havia um amigo meu. Eu mandava jornais para ele e outros, recebia rolos fotográficos para revelar e reproduzir (Eu mesmo tinha um laboratório fotográfico e fazia as fotos. É outra história rsss). Não me perguntem quem era porque não recordo o nome. Convivi com os camaradas de Material de Segurança todos aqueles anos e não me recordo o nome deles. Sei que é uma desgraça mas é a realidade.

Pelo motivo acima não recordo do Armor Pires nem do Vasco Pires. Retribuo o abraço do Armor.

CADERNO DE POESIAS "POILÃO"

Nessa época meu tempo era restrito. Não dava nem para me coçar. Não recordo, tampouco, do Valdemar Rocha, Albano Matos e Luís Jales. Veja bem: tinha duas livrarias, assessorava um hotel, fazia a contabilidade do único jornal e gerenciava o restaurante no parque da cidade. Chega rsss?...

LIVRARIAS

Livraria Portugal (no edifício do hotel Portugal),

Livraria Didáctica (quase em frente ao mercado público)

e Livraria Campião (em frente ao Quartel da Amura).


NATURALIDADE

Nasci no Porto (capital do palavrão hehehe), freguesia de Massarelos. Vivi sempre, enquanto em Portugal, na Boavista.

Pronto! De momento, é tudo.

Um abração para vocês.
Mota

2. Comentário do editor:

Meu caro Augusto: Trabalhar às escuras  é o que dá: asneira... Imaginava-te cripto, e confesso que desconhecia essa tua especialidade, "material de segurança cripto"... Tenho uma desculpa: mandaste-nos as tuas primeiras fotos (*) sem legenda...

Presumo que tenhas dupla nacionalidade e, pelas fotos que agora nos remetes, deduz-se que vivas numa cidadezinha pacata do Brasil (profundo). É bom ter-te por cá. a ti, mais um valente português da diáspora... E ter-te cá. para mais tripeiro...

Acredita, faz-te bem este exercício de treino e musculação da memória. E, por favor, não te penitencies por não te recordares dos nomes dos teus camaradas de "bunker"... Já lá vai mais de meio século!...

Xicoração para a tua esposa, alfabravo fraterno para ti. (LG)
_________________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 6 de setembro 2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Ex-1º cabo cripto (CCAV 488, Bissau e Jumbembem, 1963/65), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há 40 anos...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3774: Histórias de um oficial de CHERET (José Paracana (2): Lembrando a figura de Barros Moura


1. Mensagem de José Paracana (1), ex-Alf Mil, QG, Bissau, 1971/73, com data de 17 de Janeiro de 2009:

Caro camarada Carlos!
Estou ainda para descobrir onde meti o raio dos documentos confidenciais que subtraí do meu serviço xeret na Guiné.

Entretanto, vai um episódio sobre um camarada que já faleceu: o depois deputado, IBM - como era conhecido em Coimbra, pelos colegas da Universidade.

O Barros Moura (o I era para inteligente) (*) era de facto excepcional. Dono de grande cabeça e espírito combativo. Com as lutas e greves da academia, nos anos 60, foi castigado e incorporado no Exército, como outros, do reviralho actuante!
Ele foi comigo e mais umas centenas, no navio Uíge.

Já na Guiné, e no Cumeré, onde o Spínola recebia e falava às tropas... aconteceu que, o nosso General mandou que todos os que eram estudantes - ou vinham formados da Universidade de Coimbra (a Pátria da contestação, no entender dele) - fossem dirigidos para uma sala onde perorou sobre o nosso destino e missão:
- Estão aqui a defender a Pátria transcontinental - e essas coisas do estilo, em voga na época!

Lembro que ao reparar finalmente no Barros Moura, que fora como aspirante para a Guiné, lhe fez um reparo:
- Oh, nosso aspirante! Então não se envergonha de ser o único aspirante em toda a Guiné?

Ao que lesto e fatal - como só ele sabia - saiu a resposta demolidora:
- Eu? Eu não, meu General! O senhor envergonha-se de ser o único General em toda a Guiné?

Foi risota geral, e o senhor do monóculo... cavalheiresco, engoliu o sapo e acompanhou a galhofa!

Mas espero bem depressa encontrar os docs que tenho em casa, para rir mais um pouco da loucura que todas as guerrilhas ou guerras contêm!

Abraços fraternos do camarada
José Paracana
ex-Alf Mil
Bissau, 1971/73
__________

Notas de CV:

(*) José Barros Moura

José Barros Moura (Porto, 8 de Outubro de 1944 - 25 de Março de 2003) foi um político português.
Iniciou a actividade política nas lutas académicas, em 1962, o que lhe valeu ser expulso da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Licenciou-se em Coimbra, onde entretanto voltou a envolver-se, como dirigente associativo, na luta académica de 1969, já como militante do PCP, o que lhe valeu a alcunha de IBM (Inteligente Barros Moura).
Incorporado compulsivamente nas fileiras do exército português, foi enviado para a Guiné, a pior frente de combate na Guerra Colonial Manteve-se no PCP durante 27 anos, afastando-se na altura da perestroika. Adere então à Plataforma de Esquerda, grupo formado por dissidentes comunistas e integrado, entre outros, por Miguel Portas, Joaquim Pina Moura, Daniel Oliveira e José Magalhães. Em 1999 adere ao PS, de que já era deputado independente eleito para o Parlamento Europeu. Eleito para a Assembleia da República, foi vice-presidente da bancada parlamentar socialista.
Foi também presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras, cargo que abandonou por discordar do estilo de gestão imprimido pela presidente do município, Fátima Felgueiras.
Entre 1988 e 2003 exerceu funções docentes na Universidade Autónoma de Lisboa (Departamento de Direito).

Retirado da Wikipédia com a devida vénia
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(1) Vd último poste de José Paracana de 21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3494: Histórias de um oficial da CHERET (José Paracana) (1): Alfero, quer parte cabaço ?

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3494: Histórias de um oficial da CHERET (José Paracana) (1): Alfero, quer parte cabaço ?


Texto e foto: © José Paracana (2008). Direitos reservados

1. Mensagem de 19 de Novembro de 2008, do nosso camarada José Paracana (*)

Assunto - Contributo


Queridos camaradas do glorioso blogue em que perpassa a história dos combatentes no TO da Guiné-Bissau, nos idos de 60 a 74!

Tenho alguns documentos originais, referentes à guerrilha que assolou o pequeno território africano. Para já, tenho que os descobrir, mas hei-de os descobrir quando menos os procurar, como é costume!

Dado que fui oficial de segurança das transmissões (Cheret) (**), no QG, em Bissau, são do âmbito aqui citado, e têm o seu interesse realtivo!

Hoje, porém, vou narrar o que a fotos inclusa me suscitou. Nomeadamente as bajudas que nelas figuram.

Passeando pelas ruas da cidade, depois de acabado o serviço, à paisana, era frequente vir até à baixa, à zona dos cafés e bares. Não raro topava com a africana oferta, expressada por homens meio andrajosos e, por certo, sem contemplações pelas desgarçadas filhas ou familiares
que dominariam. O palavreado era simples e conciso:
- Alfero!? Quer parte cabaço? Tem bajuda novinha...! - E depois aventava os pesos que queria em paga!

Sabe-se que a cultura africana é bem diversa, nestas questões de arranjar algum dinheiro com base no proxenetismo praticado. Para ter mulher o pessoal compra, se tiver meios... Para nós europeus, a transacção é repugnante e abjecta. Mas não é momento já para reprovações, numa terra onde há e havia tantas... provações! O estômago ou o vício falavam mais alto, e no masculino! Era assim. Oxalá possa ter mudado... Por cá, infelizmente, é a escravatura ou a pedofilia!!!

Pronto. No futuro continuarei a propor mais textos que descrevam e iluminem a minha guerra, passada à volta da escuta-rádio, com cerca de vinte camaradas (cabos) a gravar o que mais adiante contarei!

Saúde e boas memórias!

José Paracana (*)
ex-alferes miliciano,
QG, Bissau,
CTIG, 1971/73

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Notas de L. G.:

(*) Vd. postes de

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3230: Tabanca Grande (89): José Paracana, ex-Alf Mil, Analista de Segurança das Transmissões, QG do CTIG, 1971/73

13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3201: O Nosso Livro de Visitas (26): José Paracana, ex-Alf Mil, QG do CTIG, 1971/73

(**) CHERET: Chefia do Serviço de Reconhecimento das Transmissões, criada em 1959, em substituição da CHECIE (Chefia de Cifra do Exército), cuja criação data de 1952.

Hoje há o Centro de Informações e Segurança Militar (CISM), enquanto unidade da Estrutura Base do Exército, directamente dependente do Comando Operacional do Exército Português, instalada na Ajuda, em Lisboa. Tem a responsabilidades pelas actividades de criptologia, informações, contra-informação e segurança militar do Exército.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > Um olhar de esperança no futuro... É, pelo menos, o que gostaríamos de adivinhar neste olhar inocente de uma criança às costas de sua mãe... O que mudou na Guiné-Bissau, desde que o Hélder Sousa desembarcou, em Bissau, do Ambrizete, em rendição individual, em 9 de Novembro de 1970...

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > Rua onde ficava a célebre cervejaria Solmar, aqui evocada pelo Hélder Sousa.... "Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, Solmar, Solar do 10, Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano" (HS).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Um velho Toca-Toca (transporte colectivo) que morreu no asfalto, numa das ruas da capital guineense... Em 1970, apesar de militarizada, Bissau ainda era uma pequena cidade, com ar pacato, limpa, bonitinha, colonial... Como comentou o Hélder nouro poste, afinal Bissau sempre era maior do que a nossa aldeia: (...) "Bissau era o que mais se aproximava à realidade da maioria daqueles jovens que estavam espalhados no TO do CTIG (era também assim que se dizia) e que, naqueles idos dos finais de 60, inícios de 70 - excepção feita aos habitantes da grande Lisboa, Porto, Coimbra e limítrofes - não tinham a vivência de grandes metrópoles e para eles aquilo já era um grande movimento"....

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.

Navio de carga Ambrizete > Construído em 1948 na Inglaterra, tinha cerca de 138 metros de comprimento e 5500 toneladas de arqueação bruta. Deslocava-se a uma velocidade de 13 nós, tinha 37 tripulantes e pertencia à SG, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, com sede em Lisboa (Grupo CUF). Recorde-se que a CUF - Companhia União Fabril estava representado na Guiné pela Casa Gouveia, adquirida na década de 1920 (1)... Eram cargueiros da SG como o Ambrizete que traziam para a Metrópole a mancarra com que a CUF fazia o seu famoso Óleo Fula (em 1929 conseguiu a autorização para produzir óleo alimentar, em regime de monopólio, e em clara concorrência, desleal, com os produtores de azeite)...

Fonte: © Navios Mercantes Portugueses, página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...). O autor foi oficial da marinha mercante. A página, alojada do Sapo, deixou entretanto de estar disponível.


1. Texto do Helder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72), em que ele descreve a sua chegada a Bissau, no navio da marinha mercante Ambrizete, em rendição individual, e as suas primeiras impressões da cidade, dos seus lugares mais afamados e da sua fauna humana (2).

Luís Graça e Caros Co-Editores:

Há algum tempo atrás enviei-vos a história da minha partida para a Guiné (3), a qual foi precedida pela ida ao Tivoli assistir ao filme O Último Adeus.

Pois bem, agora pretendo relatar a minha chegada à Guiné, mais propriamente a Bissau.

A partida ocorreu então cerca das 22 horas do dia 3 de Novembro de 1970, quando o velho Ambrizete rumou à foz do Tejo com destino a Bissau, navegando com uma inclinação de 7º para estibordo motivada por uma qualquer má distribução da carga que consistia, para além de géneros alimentícios, em material de guerra diverso e sobressalentes para manutenção.

A viagem correu bem, com mar sem causar problemas (vaga larga, como nos explicaram), gozando aqui e ali da companhia dos peixes voadores que faziam questão de acompanhar e, aparentemente, rivalizar com o navio.

A aproximação à costa da Guiné deu-se pela madrugada do dia 9 de Novembro, com todas as sensações que aqui no Blogue já foram descritas por outros camaradas, como a visualização da linha do que parecia ser uma mata cerrada, o bafo quente e húmido de que lá emanava, os sons e os silêncios, tudo isto ainda mais ampliado pelo facto de estar a nascer o sol em contra-luz em relação à nossa posição.

Durante a madrugada tínhamos ultrapassado o Carvalho Araújo que seguia carregado de militares mas que nos disseram ter tido um conjunto de problemas (fogo a bordo?) que o fazia navegar muito lentamente. Deste modo, todos aqueles que seguiam no Ambrizete (como tinha dito, 6 militares, todos Furriéis de Transmissões, 3 TPF (transmissões por fios) e 3 TSF (eu, o Nélson Batalha e o Manuel Martinho)) desembarcámos a meio da manhã desse dia 9, enquanto que o desembarque do pessoal do Carvalho Araújo só ocorreu no dia seguinte, dia 10 de Novembro, dia de S. Martinho, o que nos fez ficar com velhice acrescida em relação a todos os que viajaram naquele barco, nomeadamente os nossos camaradas de curso e especialidade, Furriéis Milicianos Eduardo Pinto, Luís Dutra Figueiredo, António Calmeiro e José Manuel Fanha, sendo que, como era sabido, "a velhice era um posto"!

O episódio do desembarque teve algo que me marcou e que me deixou de pé atrás, como se costuma dizer...

Devido à tal situação do posicionamento relativo dos dois barcos que estavam a chegar ao cais de Bissau, o Ambrizete ficou um tanto ancorado ao largo para dar a primazia ao Carvalho Araújo, razão pela qual a passagem dos passageiros do barco para terra foi feita por intermédio de pequenas embarcações do tipo que lá se usavam para fazer as cambanças mas que no nosso imaginário eram pirogas dirigidas por nativos, sendo aí o primeiro contacto (desconfiado) com os naturais.

Quando o barquito manobrava na aproximação à rampa, estando nós naturalmente a um nível mais baixo do que aqueles que se encontravam no cais, um militar que lá se encontrava procurou saber se "algum de vós é o Furriel Hélder Sousa ?". Após a confirmação de que eu "era eu", o militar em causa, de que eu era o substituto, desesperado pela demora da minha chegada (não esquecer que oficialmente parti a 23 de Outubro, embora só o tenha feito realmente em 3 de Novembro e, sendo das Transmissões, sabia que eu já tinha embarcado) começa aos saltos e aos gritos de É ele!, é ele!, é ele!", o que fez aumentar a minha preocupação sobre onde me vinha meter para suscitar tanta alegria pela partida...

Hoje já não me lembro do seu nome, ele que fez tanta questão em me acompanhar em todas as voltas que foi necessário dar para me apresentar no Quartel, de me levar a uns amigos de Vila Franca que me tinham guardado um lugar para ficar, de me levar a almoçar à messe de sargentos, etc., mas a imagem que tenho é de um macaquinho aos saltos (era o que me parecia, já que o via de baixo para cima e ele estava acocorado), feliz da vida por ter encontrado o seu pira e safar-se dali o mais depressa possível, provavelmente na viagem de regresso do Carvalho Araújo.

Depois das apresentações fiquei a saber que os Comandantes da Companhia de Transmissões e do STM (Serviço de Telecomunicações Militares) eram respectivamente os Capitães Cordeiro e Oliveira Pinto (excelentes pessoas), que eram cunhados e contemporâneos da minha (nossa) passagem pelo B.T., no Quartel da Graça, quando fazíamos a especialidade, o 2º Ciclo do C.S.M., e eles eram Tenentes a fazer o tirocínio para capitães, período de alguma agitação pois ocorreu no último trimestre de 1969, quando tiveram lugar as chamadas Eleições de 69.

Igualmente o 1º Sargento que supervisionava o STM em Bissau e que nos iria instruir preparando-nos para as tarefas que teríamos que desempenhar quando fossemos destacados para os postos no interior era meu velho conhecido, já que tinha sido ele a orientar o meu estágio da especialidade em Tancos, na EPE (meu e do Manuel Martinho que também foi para a Guiné, bem como do Miguel Rodrigues que foi para Angola, salvo erro, e do Fernando Marques que ficou cá em Portugal, na CHERET).

O camarada que fui substituir deixou-me depois aos cuidados dos meus conterrâneos vilafranquenses, Furriéis Milicianos José Augusto Gonçalves e Vitor Ferreira, o primeiro deles meu colega da Escola Industrial e o outro das tertúlias do Café A Brasileira, mais parceiro que adversário das partidas de bilhar, os quais estavam integrados nas Transmissões (nessa ocasião ainda estava em criação o futuro Agrupamento de Transmissões) os quais arranjaram um espaço para me acomodar no quarto que compartilhavam nas instalações para sargentos em Santa Luzia, juntamente com outro Furriel, de apelido Pechincha, que tinha estado numa Companhia de Caçadores Nativos e que estava agora destacado numa repartição qualquer do Q.G..

Levaram-me a jantar à Meta (já li algumas referências no Blogue mas não me parece que lhe tenham dado o relevo que de facto tinha naqueles finais de 1970), lugar muito frequentado, com uma zona de Bar, zona de restauração e uma enorme pista de minicarros, muito maior que as que conhecia cá na Metrópole e que era palco de acesas e renhidas disputas de competição dos vários miniaceleras que por lá iam gastando o seu tempo e dinheiro.

Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, Solmar, Solar do 10, Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano.

Aqui no Pelicano, quando para me integrar saboreava a minha Coca Cola com uísque (era um privilegiado, já tinha tido a oportunidade de beber aquela coisa quando em 1968 estivera em França, Bélgica e Inglaterra), tive contacto directo com mais algumas das realidades do mundo onde estava a entrar...

O primeiro foi a sensação estranha de estar ali na esplanada a ouvir embrulhar lá longe, do outro lado do grande e largo Geba, diziam que era em Tite, ou Fulacunda ou qualquer outro nome que para mim naquela ocasião não assumia personalidade, coisa que mais tarde já não era assim, os nomes tinham depois uma identidade própria, acho mesmo que havia até uma como que espécie de hierarquia, no que respeita à forma como eram identificados pelas dificuladdes de vida que lhes eram inerentes. Estar ali a ouvir os rebentamentos abafados pela distância e a ver alguns clarões deu logo um arrepiozinho na espinha, com aquele misto de temor e de ansiedade que nessas ocasiões nos assaltam, mas também com um pensamento de solidaridade e angústia pela impotência de quem só pode assistir e não intervir.

O segundo contacto foi mais do género de constactar a degradação moral que a permanência em situações daquelas podia produzir em espíritos mais fracos. Já se falava do que acontecia no Vietnam com os soldados americanos consumindo droga para resolver os seus problemas mas ali no Pelicano não foi esse o caso. Tratou-se apenas do facto de que em determinado momento um desgraçado qualquer acercou-se da mesa onde estávamos e procurou vender uma fotos "de gaijas nuas". É claro que recusámos mas fui depois esclarecido de que não se tratavam de "gaijas" mas sim de "uma gaija", a própria mulher dele, a quem ele (diziam que era um fulano já bastante apanhado do clima) enviava fotos que tirava a si mesmo sem roupa e pedindo que ela lhe enviasse fotos do mesmo jeito, que ele depois reproduzia e tentava vender.

Fiquei bastante impressionado com aquela demonstração prática da alienação a que o clima de guerra e o consequente improviso da vivência podiam produzir em seres humanos e jurei a mim mesmo que haveria de sair da Guiné são de cabeça e mais determinado em contribuir para as mudanças inevitáveis que haveriam de ocorrer na nossa sociedade.

Cumprimentos
Hélder Sousa
Ex-Furriel Mil
Transmissões TSF
__________________

Notas dos editores:

(1) Vd. o interessante blogue do jovem Ricardo Ferreira, 26 anos, estudante de história, O Grupo CUF - Elementos para a sua História e o primeiro poste que é dedicado à memória do seu fundador Alfredo da Silva (1871-1942):

(...) Em 1918 sobe ao poder Sidónio Pais, é conhecido o seu apoio pelo industrial, que durante este período será eleito senador, e também designado para o Conselho Superior Económico. Com a guerra terminada, lança-se na criação de uma nova empresa, que será crucial para o futuro da C.U.F., de seu nome Sociedade Geral de Indústria Comércio e Transportes. Esta empresa fundada em 1919, iria ainda antes de se lançar no ramo dos transportes marítimos (1922), estava apta a adquirir ou fazer parte do capital de outras empresas que interessassem ao projecto de expansão da C.U.F., foi esse o caso da Casa Gouveia na Guiné. Assentava na exploração agrícola, centrada na palma, no mendobi (amendoim) e gergelim, que passariam a ser carregados em barcos da S.G. e passariam a ser transformadas em óleos comestíveis no Barreiro (...)

(2) Vd. postes desta série Estórias de Bissau:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

Vd. também:

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

(3) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (10): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)