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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20213: Notas de leitura (1224): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Esta saga sobre os paraquedistas na Guiné aparece redigida sob um documento muito contido, factual, sem enxúndia nem pompa. Mas há os picos de orgulho, e justificados. Caso daqueles dias de Agosto de 1968, em Gandembel, esta tropa especial lança-se num ataque aos guerrilheiros do PAIGC, este procura ripostar, quatro homens tombam, mas a força resiste, repele os guerrilheiros.
E escreve-se: "Cai a noite quando, quase no limite das suas forças, chegam a Gandembel. Transportam os seus feridos e mortos e algumas centenas de quilos de material de guerra capturado. Formados na parada do quartel, sombras cambaleantes curvadas pelo dor e exaustão, escutam o seu comandante de pelotão que pede voluntários para bater na madrugada próxima toda a zona onde se tinham desenrolado os combates. Perfilando-se orgulhosamente, olhos cintilando nas faces cavadas, cansaço vencido, todos avançam como se fossem um só homem".
Esta a história de 11 anos de uma força especial cujo desempenho foi crucial para a luta que se travou nas matas e bolanhas da Guiné.

Um abraço do
Mário


História das tropas paraquedistas na Guiné (2)

Beja Santos

“História das Tropas Paraquedistas Portuguesas”, Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12, é responsável pela redação e pesquisa o Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão, edição do Corpo de Tropas Pára-Quedistas, 1987.

A segunda parte da obra, que vamos analisar, coincide com o período entre 1968 e o termo das hostilidades, 1974. Spínola irá introduzir alterações na política do emprego operacional das tropas do BCP 12. Como se escreve no documento, “às missões de combate helitransportadas, de curta duração e sob comando directo do seu comandante, irão suceder-se as operações em que os militares pára-quedistas se vão manter durante períodos muito dilatados em áreas distintas do seu aquartelamento em Bissau, em missões de reforço de tropas de quadrícula”. Em Agosto de 1968 assume o comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné/BA 12 o Coronel Tirocinado Piloto-Aviador Diogo Neto.

Enuncia-se a atividade operacional entre Junho de 1968 a Dezembro de 1971, destaca-se a criação dos Comandos Operacionais, onde se vão integrar uma ou mais companhias do BCP 12. Tem destaque a operação Júpiter, que se estendeu por quatro períodos, desde Agosto até Dezembro de 1968. Atua-se nas regiões de Guileje, Mejo, Gandembel e Porto Balana, sob o comando do COP 2, cuja missão era a de reorganizar o dispositivo das forças aquarteladas. No final do primeiro período da operação Júpiter estas tropas paraquedistas tinham causado ao PAIGC 33 mortos, um prisioneiro e um número incontrolável de feridos, com a apreensão de grandes quantidades de armamento, os paraquedistas sofreram dois mortos, um ferido grave e dois ligeiros, e as tropas em quadrícula sofreram dois feridos graves. São descritas as sucessivas fases desta operação e a resposta do PAIGC, logo com um poderoso ataque contra Gandembel. No dia 11 de Setembro, das 20 horas desse dia até às 5 horas do dia seguinte, rebentaram na área do aquartelamento de Gandembel mais de 500 granadas de morteiro 120, 82 e de canhão S/R. Desde as 3h30 da manhã, tentaram o assalto ao aquartelamento, após rebentar as redes de arame-farpado com torpedos bengalórios; repelido, voltou por mais duas vezes à carga, houve mesmo grupos suicidas que tentaram ultrapassar as últimas defesas das nossas tropas, só ao amanhecer é que os atacantes retiraram, e os paraquedistas lançaram-se na sua perseguição. Segue-se um ataque a Guileje e de novo a Gandembel. Os atos de coragem praticados pelas tropas paraquedistas e pelos militares da CCAÇ 2317 mereceram destacadas citações individuais. A campanha de Gandembel, extenuante, chegará ao fim em Dezembro, o COP 2 será extinto, encerrando-se a operação Júpiter. Em 1969 é criado o CAOP 1, com sede em Teixeira Pinto, aposta-se no Chão Manjaco, cujas populações concediam escasso apoio ao PAIGC. Sucedem-se as operações Aquiles 1, Titão, Orfeu, Talião, Adónis, na operação Jove é capturado o capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. A par da intervenção em Teixeira Pinto, o corredor de Guileje merecia destaque na atividade operacional do BCP 12, a operação Crocodilo Negro foi um enorme sucesso, em 17/18 de Janeiro de 1970, na região de Porto Balana.

Sucedem-se as operações enquanto as companhias paraquedistas intervêm no CAOP 1, no COP 6 e 7, irão ganhar fôlego operações helitransportadas.

O documento, com o título “A Escalada”, reporta a atividade operacional entre Janeiro de 1972 a Dezembro de 1973. O novo comandante da unidade, a partir de Dezembro de 1969 foi o Tenente-Coronel Paraquedista Sílvio Araújo e Sá que manifestou reticências ao modo como estavam a ser utilizadas as tropas paraquedistas. “Em sua opinião, o comandante do BCP 12 deveria dispor sob seu comando directo e em permanência, de duas Companhias de Pára-quedistas. Só assim seria possível lançar operações frequentes e rápidas nas áreas mais sensíveis do teatro de operações, devolvendo às tropas pára-quedistas as suas verdadeiras características operacionais de forças de intervenção”. Mas Spínola não o ouviu. Merecem realce a operação Mocho Verde, realizada na região do Sara, os paraquedistas entraram na chamada “Barraca de Mantém” após uma aproximação apeada de cerca de 15 km. Recuperaram-se 12 elementos de população e apreendeu-se um número significativo de material. A operação mais importante realizada pelo BCP 12 durante o ano de 1972 teve o nome de código “Muralha Quimérica”, e decorreu na região de Unal-Guileje. Para esta operação convergiram três companhias de paraquedistas, duas companhias de comandos africanos, três companhias de caçadores e um grupo especial COE. Dispersou-se temporariamente a força inimiga e apreendeu-se um número impressionante de armamento.

Segue-se a descrição das operações em 1973, até que se chegou à grande ofensiva lançada pelo PAIGC em torno de Guileje e Guidage. As tropas paraquedistas foram lançadas em Gadamael-Porto e atuaram para contrair o cerco de Guidage. O aqui se relata é hoje matéria desenvolvida em diferentes livros, o dado mais significativo é o comportamento admirável dos paraquedistas na defesa de Gadamael e as missões de patrulhamento que posteriormente desenvolveram até interromper a pressão sobre Gadamael-Porto.

O derradeiro capítulo é dedicado à extinção do batalhão, desvelando a atividade operacional entre Janeiro a Maio de 1974. Em Janeiro o comando do BCP 12 passa a ser assegurado pelo Tenente-Coronel Pára-quedista António Chumbito Ruivinho. Os paraquedistas vão participar na operação Gato Zangado 1, sobre o controlo operacional do CAOP 2, que decorrer na região de Bajocunda-Copá-Canquelifá. A última operação militar das forças paraquedistas foi a denominada “Obstáculo Hermético”, levada a cabo entre Abril e Maio na região de Canquelifá. Chegara-se se ao fim da guerra, em Agosto as tropas paraquedistas regressaram a Portugal. As instalações do BCP 12 passaram então a ser utilizadas pelas tropas do Exército que aguardavam transporte de regresso a Portugal. No dia 13 de Outubro de 1974 findou a presença militar das tropas paraquedistas na Guiné, o Capitão Albuquerque Pinto fez a entrega a um representante do PAIGC de todas as instalações do BCP 12. Em 15 de Outubro do mesmo ano um decreto-lei do Conselho dos Chefes de Estados-Maiores das Forças Armadas consumou a extinção legal do BCP 12. Assim se encerravam 11 anos de vida e presença efetiva das tropas paraquedistas na Guiné.

Um "Pára" ferido em combate aguarda a evacuação

Canhão S/R B-10 apreendido durante a operação Muralha Quimérica

Enfermeira do PAIGC capturada pela CCP 121
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20190: Notas de leitura (1222): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20205: Notas de leitura (1223): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (26) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18526: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 39 e 40: Atenção, inimigo, não se metem connosco!... "Embora tu não ligues nada à guerra, eu quero informar-te de uma coisa: nós aqui lutamos contra as forças do PAIGC e comandante desse partido, que era o Amílcar Cabral, foi morto esta manhã no Senegal... Não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo-te algo"


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > Um dos postais que o José Claudino da Silva passou a mandar à namorada (e futura esposa), todos os meses, depois da notícia da morte de Amílcar Cabral (que foi morto na Guiné-Conacri e não no Senegal, em 20 de janeiro de 1973).

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje);

(ii) foi criado pela avó materna;

(iii) trabalahou e viveu em Amaranete, residindo hoje naLixa, Felgueiras;

(iv) é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(v) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado;

(vi) completou o 12.º ano de escolaridade;

(vii) foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(viii) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xvii) começa a colaborar no jornal da unidade, e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, s pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo...

(xviii) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste);

(xix) como responsável pelos reebastecimentos, a sua preocupção é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xx) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacaunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 39  e 40

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'...  Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


39º Capítulo   > AMÍLCAR CABRAL

Ena, pá! Que ousadia!

“Atenção inimigo! Não se metam connosco. Estamos de olho vivo. Sabes meu amorzinho? Estes negros nojentos não querem nada com “Os Serrotes” as nossas laminas estão bem afiadas e eles sabem que podem cortar-se.”

Dizia isto em mais uma noite de prevenção. Seria mais uma noite, mas não foi. Aquela noite foi de 20 para 21 de Janeiro de 1973. O meu comentário no dia 21:

“Embora tu não ligues nada à guerra eu quero informar-te uma coisa. Nós aqui na Guiné lutamos contra as forças do P.A.I.G.C. (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde) e o comandante desse partido que era o Amílcar Cabral foi morto esta manhã no Senegal, país que faz fronteira com a Guiné e de onde entram os terroristas, por isso nós não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo algo”

Um facto histórico tão relevante foi passado por nós duma forma completamente superficial. Até o comandante foi de férias, no dia 25.

Que guerra aquela!

No mesmo aerograma falo de Camilo Castelo Branco e digo uma frase que ainda hoje sei de cor. (A dor que proporcionamos às outras pessoas devia ser equivalente à que sentimos.) Nos dias seguintes, apenas falei de amor.

Era domingo, decidi começar a mandar um postal por mês.


40º Capítulo  > DEPOIS DAS MORTES.  O CINEMA

26 de Janeiro de 1973

Estive tentado, como em muitas outras vezes, a não falar de guerra, mas neste dia na última página da carta do mês não resisti.

“Como sabes pertenço a um batalhão que tem quatro companhias. C.C.S. 1ª; 2ª e 3ª que é a minha. A C.C.S. está em Tite e já sofreram um ataque sem feridos. A 1ª está em Jabadá, também sofreram um ataque sem feridos. A 2ª está em Nova Sintra, sofreram um ataque tiveram quatro feridos e dois mortos. Nós ao quartel ainda não tivemos nenhum e decerto não teremos, agora toda a companhia está de prevenção das seis horas da tarde às quatro da manhã e dormimos de dia.

Hoje 85 colegas estão para o mato em operação. Acho que as coisas estão a piorar. Para tornar tudo mais difícil o gerador avariou e a vigilância é muito menos eficaz. Estamos sujeitos a só detectar o inimigo quando estiverem mesmo em cima de nós. Neste momento lá fora a escuridão é total, estou a escrever-te à luz da vela”


Não me levem a mal por, nos dias seguintes, só escrever sobre bigamia e gravadores de cassetes, futebol e bebidas, sobre o Zé Leal que tinha ido a Bissau, as contas de Janeiro que bateram certas e o reabastecimento que seria dia dois. Correu tudo tão bem que até recebi dois cabelos que a namorada mandou. Eram grandes. Ela ia cortar o cabelo à moda.

Guerra? Grave foi ter-me magoado num pé a jogar voleibol.

“Na próxima semana vamos ter cinema em Fulacunda. Fixe há muitos meses que não vejo um filme.

Quero dizer-te que a nossa companhia agora faz parte operacionalmente de uma outra que é a C.O.P. 7 e está cá um capitão dessa C.O.P. 7 que é um tipo porreiro, até se come melhor”


Foi em Fevereiro que mandei uma encomenda para a minha namorada. A cantina, em miniatura, uma faca de mato, um livro com duas comédias. (“Monsieur de Pourceaugnac" e “O Avarento” de Moliére), uma garrafa de whisky e mais umas latas de Coca-Cola para misturar. Pesava 6,5Kg.

Uma parvoíce, não? Quem era tão parvo que mandasse essas coisas para a metrópole? Eu, é claro!
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sexta-feira, 5 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14705: Tabanca Grande (466): Joaquim Fernando Monteiro Martins, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74) - 690.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano Joaquim Fernando Monteiro Martins, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4142, Ganjauará, 1972/74, com data de 1 de Junho de 2015:

Bom dia camarada Carlos Vinhal,
Grato pela resposta ao meu contacto.

Apresentação:

Joaquim Fernando Monteiro Martins, ex-Furriel Miliciano com a especialidade de Atirador de Infantaria, nascido a 19-05-1950, natural de Gondomar, com residência em Águas Santas, Maia.

Frequentei a Escola Industrial Infante D. Henrique e trabalhei no Gabinete de Planeamento da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto.

O Major Correia de Campos esteve em Gampará, assim como o Cap. Carlos Abreu, no COP 7, que viria a ser extinto.

Em Junho de 1972, no RI 1, na Amadora, tomei parte ativa na formação da CCAÇ 4142 e instrução da especialidade de atirador de infantaria.

A 16/SET/72, finda a instrução, a Companhia parte para a Guiné, onde no Cumeré, a CCAÇ 4142 iria ter a sua IAO.

A 18/OUT/72, a CCAÇ 4142 é colocada em Gampará, onde iria render a CART 3417, os Magalas de Gampará, tendo como missão a defesa e segurança das populações da área, assim como a construção da 2.ª fase do reordenamento. Dias difíceis se seguiriam, adaptação a tão duro ambiente, as más condições sanitárias, fraca alimentação, condições estas já descritas no Blogue pelo nosso camarada Amílcar Mendes da 38.ª C.C. aquando da sua passagem por este chão.

Abraço J. Martins
Ex-Furriel da CCAÇ 4142
Gampará/Guiné/1972-1974

 Ex-Fur Mil Joaquim Fernando Monteiro Martins

O 3.º grupo de combate, em baixo, a contar da esquerda sou o terceiro, á minha direita está Fur Mil Rodrigues e, à minha esquerda o Mouzinho.

 Tabancas, algumas já construídas pela CCAÇ 4142

 Tabancas

 Eu, à esquerda, com o Alf Mil Dias, junto das minhas instalações

Localização de Ganjauará, na Penísula de Gampará.

2. Comentário do editor

Caro camarada Joaquim Martins, bem-vindo à Tabanca Grande.
Tenho que ressalvar que na tua apresentação falas do TCor Cav Correia de Campos e do então Capitão, agora Coronel Art, Carlos Abreu, porque fui eu que te perguntei se eras contemporâneo destes dois militares, que tive a honra de conhecer em Mansabá, quando cada um por sua vez comandou o COP 6 ali estacionado.
Desconheço o percurso militar do Coronel Carlos Abreu, que tive o prazer de rever em 2009 em Arruda dos Vinhos, como também te disse, além de saber que comandou o COP 6 e o COP 7.
O percurso do TCor Correia de Campos é mais conhecido, principalmente pelo seu desempenho no COP 7, na Península de Gampará, que tão bem conheces, uma zona muito problemática na altura. Correia de Campos ficou ainda na história da guerra na Guiné pelo seu exemplar desempenho aquando do assédio do PAIGC a Guidaje, em Maio de 1973.

Quanto à CART 3417, que a CCAÇ 4142 substituiu em Ganjauará, passou por Mansabá em Agosto de 1971 para fazer o seu Treino Operacional. Infelizmente o seu jovem Comandante pisou uma mina AP num dos patrulhamentos na zona de Manhau. Coincidência das coincidências, fui eu em coluna auto, comandada pelo então Major Correia de Campos, buscar o Comandante da 3417, que acabou por ao fim do dia ter de ser levado por terra até ao HM 241 de Bissau porque o mau tempo não permitia a circulação de meios aéreos. Foi um dia terrível para nós e para os periquitos da 3417.

Já sabes que estamos receptivos às tuas memórias escritas e fotográficas, ao mesmo tempo que nos disponibilizamos para qualquer dúvida que tenhas.

A título informativo, chamo a tua atenção para algumas entradas no nosso Blogue referentes à CCAÇ 4142 e pelo menos para três camaradas teus, a saber: Sarg Chefe Victor Gonçalves, Alf Mil Virgílio Valente e Sold Cozinheiro Joviano Teixeira.
Se clicares nas palavras de cor diferente abres os respectivos links.

Em nome da tertúlia e dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães Ribeiro e eu próprio, deixo-te um abraço de boas-vindas.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14673: Tabanca Grande (465): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) - 689.º Grã-Tabanqueiro

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12300: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte I)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Preparação das NT para mais uma saída mato (1)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Preparação das NT para mais uma saída mato (2)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >   As NT a instalarem-se na mata... [Jorge, gostava de saber que livro é que o militar que está à tua esquerda levou para o mato... Ampliando a foto dá para perceber o título: "O fim da mulher" (ou será o "O fim do mundo" ?)... O "fim da mulher" parece-me um título demasiado feminista para a época... Através da Porbase, encontrei um livro com o título "O fim do mundo", editado pelos Salesianos, Porto, 1946!...LG]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  > Efeito de um ataque a Fulacunda: moranças queimadas



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  >  Uma das ruas da tabanca de Fulacunda (1)




Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  >Uma das ruas da tabanca de Fulacunda (2)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  > Mulher Beafada a avistar as NT, na mata.



Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2012).
Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]

1. Mensagem de ontem do nosso estimado 
amigo e camarada Jorge Pinto [ex-Alf Mil da 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)], um alcobacence a viver na Grande Lisboa:

Caro amigo e camarada Luis Graça

Por vezes as "coisas da vida" e uma certa "preguiça" que teimosamente me tem impedido de descer à "cave" das memórias, levou-me a adiar a "promessa"  de ir enviando artigos para o nosso Blog (*).


Como, "mais vale tarde do que nunca", hoje meti "mãos à obra" e elaborei este pequeno texto sobre a actividade operacional da minha companhia (3ª Cart / Bart 6520/72), sediada em Fulacunda, desde Julho 72 a Agosto de 74.
Envio, ainda algumas fotos em anexos, cuja legenda acrescento:

F1010010 - Efeito de um ataque a Fulacunda.
F1010028 - Uma das ruas da tabanca de Fulacunda.
F1010040 - Mulher Beafada a avistar as NT, na mata.
F1020026 - Preparação das NT para mais uma saída mato.
F1000018 - NT a instalarem-se na mata.

Sei que este artigo devia ser acompanhado de uma carta geográfica da região, mas tal não me foi possível. Se tu conseguires fazê-lo agradeço, desde já.

Com um forte abraço, Jorge Pinto.




2. Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte I)

 Distraído com as “coisas da vida”, (netos, doença familiar, leituras, atividades inadiáveis e também alguma preguiça…), o tempo foi passando e a minha promessa de voltar a enviar notícias de Fulacunda foi sendo adiada…. Agora, vou mesmo descer à “cave” (ou subir ao “sótão”) das memórias e partilhar com “camaradas de armas”, algumas dessas memórias, que no fundo são coletivas. Hoje, vou dar particular relevo a memórias relacionadas com a atividade operacional da minha companhia: 3ª Cart do Bart6520/72.

A este propósito convém esclarecer que esta companhia a partir de meados do ano 1973, já com um ano de comissão, passou a pertencer ao COP7. Com esta mudança de comando, a atividade operacional tornou-se mais intensa, pois passámos a integrar operações em articulação com grupos de tropas especiais que ocasionalmente estacionavam em Fulacunda ou operavam na nossa área de intervenção.

Como se sabe, Fulacunda situa-se no Quínara, precisamente no cruzamento de estradas que fazem a ligação (tipo placa giratória) entre as margens esquerdas do rio Geba desde Jabadá , (Tabanca próximo de Tite), e do rio Corubal em direção a sul passando por Buba. Localiza-se aproximadamente, em linha reta, a 15/20 Kms, de cada margem e 35/40 Kms da confluência destes dois rios, local onde se começou a instalar, com muitas dificuldades, o quartel de Ganjauará.

Claro que todas estas estradas, da época colonial,. estavam intransitáveis devido às minas e aos pontões destruídos. De qualquer forma havia muitos “trilhos” e pequenos “carreiros” (sempre transitórios) a ladear estas estradas e a fazer a ligação entre as várias tabancas camufladas na mata e que muito frequentemente mudavam de local. 

Era uma vasta área de “chão Beafada”, considerada pelo PAIGC zona libertada, e berço da luta armada com implantação no terreno, a partir do ataque ao quartel de Tite, liderado por Arafan Mané, em 23 de Janeiro de 1963.

Em termos operacionais a nossa principal missão era impedir que o PAIGC usasse estes corredores como canal de infiltração. Assim muitas vezes o nosso aquartelamento era atacado, como forma de as NT, se manterem em defesa “intra valas”, enquanto o IN, passava com guerrilheiros e armamento em direção ao Geba. Sofremos cerca de 16 ataques, durante os 25 meses da nossa permanência no local. O último, ocorreu em 7 de Maio de 1974, quinze dias após o “25 de Abril”, mas sem grandes consequências, dado a maioria das granadas do canhão s/recuo, caírem fora do nosso aquartelamento.

Normalmente, a atividade operacional regular consistia em patrulhamentos na zona sempre ao nível de bigrupo e montagem de emboscadas nos referidos eixos de infiltração. Muitas vezes executavam-se operações em articulação com tropa especial que ocasionalmente operava na nossa zona (ex. comandos africanos e páras) ou se aquartelava em Fulacunda, como, por exemplo um pelotão de tropa especial constituído exclusivamente por Balantas, que esteve connosco cerca de dois meses e que causou múltiplos problemas com a população local de etnia Beafada. 

Estas missões e, participei em várias, eram dirigidas especialmente na direção dos rios Geba (tabancas de Umbassa, Gã Formoso, Gã João, Garsene, Braia) e Corubal (tabancas de Guebambol, Uaná Beafada, Farená Beafada, Farená Balanta…), zonas consideradas libertadas pelo PAIGC. [Vd. mapa de Fulacunda]-

Por vezes, nestas operações havia contactos. Como exemplo, recordo uma operação à tabanca camuflada de Umbã, em que na aproximação à referida tabanca as NT e o IN se encontraram frente a frente, no mesmo trilho. Ambos os grupos abriram fogo de imediato, caindo feridos um guerrilheiro IN e o nosso Furriel Santos, distanciados uns cinco metros um do outro. Nem as NT abandonavam o nosso camarada nem o IN o seu ferido. Como nós estávamos em maior número conseguimos fazer o envolvimento. O IN foi obrigado a afastar-se e parou o fogo momentaneamente. 

Foi nesta fase que socorremos ambos os feridos e verificámos estar já morto o guerrilheiro do PAIGC. Pedimos evacuação por heli que veio acompanhado do helicanhão. Porém, logo que este, nos ares rumou a Bissau e as NT, em terra, se preparavam para rumar a Fulacunda, verificámos que o IN tinha entretanto montado um semi-cerco,  cortando-nos o acesso a Fulacunda. Foi com muito esforço e perícia da força aérea, que veio novamente em nosso auxílio, que conseguimos sair dali e chegar ao quartel, sem mais feridos, já com a noite a cair…

Outros contactos houve, igualmente com alguns feridos, principalmente do pelotão de milícias de Fulacunda que nos acompanhava sempre e que nos serviam de guias. Contudo, não quero terminar este pequeno artigo, sem salientar com grande felicidade que todos os homens que constituíram a 3º CART/BART6520/72 e saíram do RAL 5 (Penafiel), em 24 de Junho de 1972, apesar de alguns feridos, regressaram todos vivos e unidos por uma amizade que ainda hoje perdura e nos faz reunir todos os anos em Penafiel, no restaurante Ramirinho, propriedade do nosso 1º cabo Silva,  do 3º pelotão.
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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12247: Memória dos lugares (248): Em Gampará, sítio desolador, o dia mais feliz era quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau... (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, 38ª CCmds, 1972/74)


Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá) > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gampará > Gampará >  1972 > Monumento da CART 3417 (Magalas de Gampará),  assinalando a passagem  por Gampará (e Ganjauará) da 38ª CCmds e de outars tropas especiais. Vê-se que por ali também passaram, ao serviço do COP 7 (Bafatá), vários DFE - Destacamentos de Fuzileiros Especiais (4, 8, 13, 21, 22), a CCP 121/BCP 12, a 2ª CCA - Companhia de Comandos Africanos, o 29º Pel Art e o Pel Mil 331.




Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá)  > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gamapará >  Gampará > 38ª Companhia de Comandos > 1972 > O Comando Amílcar Mendes, hoje taxista na praça de Lisboa, e membro sénior da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.

1. No nosso blogue, temos 12 referências (ou marcadores) sobre Gampará e 3 sobre Gaujauará. Temos falado pouco sob esta pensínsula de Gampará, correspondente à margem esquerda do Rio Corubal e durante muito tempo um "santuário" do PAIGC. Era "chão beafada"... Já a Ponta do Inglês, com 23 referências, em frente a Gampará, na Foz do Corubal, mas na margem direita do rio,  tem tido mais "tempo de antena", uma vez que fazia parte do subsetor do Xime (Setor L1, Bambadinca)...

Nos últimos anos da da guerra (1972/74) passaram por lá, pela pensínsula de Gampará, de acordo com os nossos registos bloguísticos,  a 38ª CCmds e CCAÇ 4142 (*).  Mas houve mais tropa nossa, ao tempo em que Spínola fez uma grande ofensiva contra as chamadas regiões libertadas do PAIGC (por exemplo, o Cantanhez, embora já no fim do ano de 1972).

Está na altura de revisitar um poste antigo, do Amílcar Mendes, da 38ª CCmds, que conheceu o resort de Gampará (**), antes da malta da CCAÇ 4142. Quem tem trágicas memórias de Gampará e o nosso Victor Tavares e os seus camarasas da CCP 121 / BCP 12 que, uns meses antes, em 4/3/1972, sofreram 6 mortos e 12 feridos, no decurso da Op Pato Azul (***).


2. Memória dos lugares >  Gampará (38ª CCmds, agosto/dezembro de 1972)

por Amílcar Mendes [, foto atual, à esquerda]


(i) A cerveja de marca Mijo

Em Gampará não existe gerador. As noites são mesmo noite e, tirando umas chamas improvisadas nas garrafas de Cristal, nada se vê. No arame farpado duplo, os sentinelas esfregam os olhos para tentar distinguir vultos junto ao arame farpado. Pendem do arame centenas de garrafas de cerveja vazias que são o último grito em tecnologia de alarme. Nesta terra do nada, nada há. Temos uns bidões vazios, fizemos umas caleiras em chapa para apanhar a água da chuva e é dessa água que enchemos os cantis e nos lavamos.

A população beafada, embora seja muito hospitaleira, é muito ciosa das suas coisas e não abre mão dos animais, somos então obrigados a ir ao desenrasca até porque já atingimos a saturação dos petiscos de Gampará: cubos de marmelada com bianda, bacalhau liofilizado com bianda, chouriço intragável com bianda e tudo acompanhado por cerveja com temperatura ao nível do mijo...

Dizia-se então em Gampará,  quando os hélis vinham trazer mantimentos, que vinham entregar cerveja marca Mijo. Assim se vive em Gampará!


(ii) Feliz Natal e um Ano Novo cheio de 'propriedades'...

Todas as noites,  e sempre à mesma hora, na ausência de música, ficamos entretidos a tentar contar as morteiradas que brindam o destacamento do Xime! Ficamos à espera quando acaba lá e os tubos sejam virados para o nosso lado... Nunca na Guiné atingi um estado de magreza igual. Nunca na Guiné as condições de vida foram tão miseráveis.

Entramos no mês de Outubro [de 1972]  e vei o cá uma equipa da Emissora Nacional para gravar as mensagens de Natal para a nossa família. Não foi fácil. Todos íamos para um canto repetir vezes sem conta: Queridos Pais, irmãos e irmãs e restante família, desejamos um Natal feliz e um Ano cheio de 'propriedades'!... Esta ultima palavra era emendada mil vezes, que isto com os nervos e emoção não é fácil !

E como a ladainha era igual para todos, só muito depois é que muitos se lembravam que só tinham irmão ou irmãs, mas isso não era problema. Estavam presentes as Senhoras do Movimento Nacional Feminino. Animavam-nos porque a meio da mensagem muitos desatavam a chorar. Uma das Senhoras era de uma simpatia sem igual.(Só anos mais tarde soube que era a Cilinha!) .

(iii) O dia mais feliz: quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau...

Em Gampará um dia verdadeiramente feliz para os militares era quando chegava a LDG e vinham as meninas de Bissau, trazidas pelo Patrão, e que tinham por missão aliviar o stress do pessoal.

As meninas chegavam, instalavam-se numa tabanca, o pessoal passava pelo posto de enfermagem (?), recebia o sabão asséptico, o tubo da pomada para meter pelo coiso acima a seguir ao acto... Entretanto formava-se a bicha e trocavam-se larachas para matar o tempo, do tipo Quando chegar a minha vez com tanta gente, 'aquilo' parece o arco da Rua Augusto!.

A seguir era rezar para que o esquenta não aparecesse...

(iv) O nosso regresso a Bissau

19 de Outubro de 1972.  Soubemos hoje que metade da 38ª CCmds regressa amanhã e outra metade irá permanecer aqui a fim de dar o treino operacional à CCAÇ 4142 até 3 de Novembro de 1972. O meu Grupo de Combate será um dos que regressa.

Gampará, com todas as privações, teve o mérito de reforçar ainda mais os laços de amizade e confiança da 38ª CCmds. Aprendemos na privação a dar valor às pequenas coisas que a vida nos dá. A amizade entre os praças, sargentos e oficiais é,  na 38ª CCmds, visível  a quem observa a Companhia de fora. Essa amizade irá refletir-se em diversas ocasiões e irá levar a Companhia a muitos sucessos na actividade operacional.

20 de Outubro de 1972. Pela MSG imediata 3831/c , a 38ª CCmds regressa a Bissau, donde segue para Mansoa [, CAOP1,] para um período de descanço, ficando apenas a realizar segurança imediata ao Aquartelamto. (Esse período de descanso só durou três dias, logo aseguir correram connosco para Teixeira Pinto, de tão má memória para a 38ª CCmds). (****)

Amílcar Mendes
1º Cabo Comando
38ª CCmds
Guiné 72-74

2. Comentários do editor:

A CART 3417  foi mobilizada pelo RAL 3. Partiu para o TO da Guiné em 26/6/1971 e regressou a 24//9/1973. Teve 4 comandantes, sendo o 1º o cap art António Ângelo de Almeida Faria...Esteve Mansabá, Bissau, Ganjauará, Quinhamel, Bissau e Quinhamel

A CCAÇ 4142/72 foi mobilizada pelo RI 1. Partiu para o TO da Guiné em 16/9/1972 e regressou a 25/8/1974. Comandante_ cap mil cav Fernando da Costa Duarte. Esteve sempre sediada em Ganjauará.
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Notas do editor:

Vd. poste de

(*) 3 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12246: O Nosso Livro de Visitas (168): Elisabete Gonçalves, filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe que pertenceu à CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74)

(**) Vd 19 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2775: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (3): Nem só de guerra vive um militar

Vd. postes anteriores. desta série:

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador

(...) 15 de Agosto de 1972 - Pelas 09H30 do dia 15 de Agosto 1972, a 38ª CCmds segue via fluvial na LDG Alfange com destino a Gampará nos termos da mensagem Confidencial Imediata 3054/c, de 9 de Agosto de 1972, do COMCHEFE (REPOPER). Chega pelas 14h30 deste dia fazendo a sua apresentação e, passando a reforçar o COP-7 [Zona Leste, Bafatá], rendendo a 2ª Companhia de Comandos Africanos. (...)

(...) Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe. (...)

16 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

 (...) 2ª quinzena de Agosto de 1972

Passa-se fome, mesmo muita fome. Saímos em patrulhamentos ofensivos dia sim dia não, para as regiões de Campana, Nhala, Guebambol, Ganjaurá, Sama, Gambachicha, etc. etc.

Dormimos em colchões pneumáticos mas já há muito que não tenho esse luxo porque as formigas roeram-me o colchão por baixo e estou a dormir no chão. A luz vem de candeeiros improvisados: uma garrafa de cerveja com gásoleo e com corda a servir de pavio.

Come-se muito mal, a não ser algum cabrito roubado ou alguns papagaios que se matam e o resto é bianda com marmelada, bianda com chouriço, bolachas com bianda e assim se vai vivendo. Perdi cerca de 10 kg até agora.

Tivemos problemas sérios com a população. O 1º cabo Simão (que meses mais tarde viria a morrer na estrada Teixeira Pinto -Cacheu) roubou um porco que se matou e assou no forno do padeiro para melhorar um pouco a diete do pessoal. Só que, e sabe-se lá como, o Homem Grande da tabanca descobriu e foi-se queixar ao comandante. Fomos obrigados a pagar o porco e de castigo fomos p'rá mata. (...)

(***) Vd. postes de:


9 de março de 2011 > Guiné 63/74 - P7916: Efemérides (61): 4 de Março de 1972, uma data trágica para a família pára-quedista: 6 mortos e 12 feridos, em Gampará, na margem esquerda do Rio Corubal (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pará-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia, resultaram seis mortes, Alf Mil Pára-quedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa, 2 feridos graves e nove com menos gravidade, Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira, Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço, de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE" (...).

sábado, 7 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10128: Vídeos da guerra (10): Vida e obra dos Viriatos - CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69) (Parte II) (Henrique Cardoso)


Vídeo (15' 03''): Henrique Cardoso. Alojado no You Tube > Nhabijoes


II parte do vídeo do ex-Alf Mil Henrique J.F. Cardoso sobre a história da CART 2339 (Fá Mandinga e Massambo, 1968/69) (*).

Cópia gentilmente cedida pelo seu/nosso camarada ex-Alf Mil Torcato Mendonça ou Carlos Marques dos Santos (um deles, já não posso precisar), para ser divulgado através do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. No total (partes I e II), o vídeo sobre a CART 2339 (1968/69) tem cerca de 50 m. Realização, digitalização e insonorização do Henrique J. F. Cardoso (Senhora da Hora, Matosinhos).

Esta subunidade esteve na zona leste da Guiné, setor L1 (Bambadinca), ao tempo do BCAÇ 2852 (1968/70) e da CCAÇ 12 (1969/71), subunidade de intervenção ao serviço daquele batalhão. Os Viriatos, nome de guerra desta subnidade de quadrícula, construiram de raíz o aquartelamento de Mansambo, entre Bambadinca e o Xitole. Participaram em grandes operações como a Lança Afiada (Março de 1969):

Sinopse da parte II:

(i) patrulhamento ofensivo e regresso ao quartel,

(ii) o Gr Comb do alf mil Cardoso vai reforçar Candamã, um das últimas tabanca fulas do regulado do Corubal, juntamente com Afiá [, possivelmente em junho de 1969];

(iii) construção do sistema de autodefesa da tabanca (arame farpado, abrigos, treino da população...)

(iv) a vida quotidiana da tropa em Candamã;

(v) uma chuva tropical (estamos em plena época das chuvas, em 1969);

(vi) coluna a Bambadinca,  com picagem do itinerário dentro do subsetor de Mansambo; (vi) regresso a casa, por avião, do alf mil Cardoso;

(vii) regresso do restante pessoal da CART 2339, por barco, no T/T Uíge.




Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Mansambo > Mansambo (sede da CART 2339, 1968/69) e Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal > Carta do Xime (1961) > Escala 1/50 mil. Pormenor > A distância em linha reta entre Mansambo e Candamã era de 10 km... pela picada seria 15 km.

Sabemos, pela história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), que em junho de 1969, a CART 2339 (Mansambo) tem, um Gr Com destacado na Ponte do Rio Udunduma, e outro Gr Comb em Candamã (com uma secção em Afiã); em julho, continua a ter um Gr Comb em Candamã, e outro em Galomaro (reforço do COP 7) (, neste caso, sabemos que é o ; em agosto, idem... Não sei exatamente em que data é o Torcato Mendonça deve ter ido para Candamã. Pode ter sido em junho, agosto ou até setembro...(Vd. aqui as fotos falantes de Candamã, aliás as melhores que temos, em toda a Web, sobre Candamã... faça-se o teste: Pesquisar > Google > Images > Candamã...).

Na história da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), e relativamente à atividade do mês de agosto de 1969, pode ler-se:

(...) Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, é atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de Julho. Esse brutal ataque (o PAIGC utilizou um bigrupo e armamento pesado) surgiu na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada. (...)

Foi um mês "quente", o de julho de 1969, no setor L1, o mês em que a CCAÇ 12 teve o seu batismo de fogo... Confirmei na história do BCAÇ 2852 (1968/70), Cap. II, pag. 90, bem como na História da Minha Unidade, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

As coisas andavam bravas lá para aqueles lados (vd. carta de Duas Fontes ou Bangácia, nome do sede do posto administrativo que, com a guerra, terá perdido importância, em detrimento de Galomaro):

Na madrugada de 30 de Julho de 1969, eu estava em , ainda as armas dos defensores da tabanca fumegavam... (só registo a actividade da guerrilha que, haveríamos de saber mais tarde, era comandada pelo Mamadu Indjai, na zona de acção da tua CART 2339, Mansambo):

(i) No dia 1 de Julho, às 20h00, um Grupo IN , estimado em 30 elementos, flagelou à distância o destacamento de Dulombi [, a sudeste de Galomaro / Duas Fontes]... durante duas horas (!). Os camaradas do PAIGC utilizaram Mort 60, LGFog , Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas. Causaram 1 morto e 7 feridos, todos civis. Retiraram na direcção Norte...

(2) Em 10, um outro grupo IN (não se sabe quantos) emboscaram um grupo de 4 civis de Dulombi, a partir de uma árvore, em Paiai Numba [, a sul de Padada, vd. carta da Padada]. Só dois dos civis consequiram regressar a Dulombi, para contar o sucedido...

(3) Quatro dias depois, a 14, por volta das 16h05, um bigrupo (cerca de 60 elementos) - que presumivelmente se dirigia a Dulombi - reagiu a uma emboscada nossa em (PADADA 2E4), com Mort 60, LGFog e armas automáticas durante cerca de 35 minutos... Antes de retirar para Sudoeste, o IN causa às NT 1 morto, 2 feridos graves (1 civil), 3 feridos ligeiros, além de danos materiais num rádio CHP (de mal o menos)...

(4) No dia seguinte, às 20h00, um grupo IN (estimado em cerca de 40 elementos) atacou as tabancas de Cansamba e Madina Alage, durante 60 minutos, com Mort 60, LFog e armas automáticas mas, desta vez, felizmente, sem consequências... O IN retirou na direcção da tabanca de Samba Arabe, levando consigo um elemento da população...

(5) A 20, pelas 20h00, tocou de novo a vez a Cansamba, flagelada por um grupo de 30 guerrilheiros, durante 20 minutos, sem consequências... Retirou na mesma direcção (Samba Arabe)...

(6) A 24, às 00h45, é atacado o destacamento de Dulombi, da direcção SSW. O IN, estimado, em 60 elementos, utiliza LGFog e armas automáticas.

(7) Nesse mesmo dia, às 17h20, o aquartelamento de Mansambo é flagelado, a grande distância, com Mort 82, a partir da direcção sudoeste. Sem consequências. Na outra ponta do Sector L1, o Xime é flagelado, às 19h45 por canhão s/r.

(8) Meia hora depois, a sul de Madina Xaquili, a cerca de 1 Km, um grupo IN não estimado reagiu a forças da CCAÇ 2445, causando 6 feridos ligeiros, entre os quais 2 milícias. Simultaneamente, este destacamento é flagelado à distância, com Mort 60 e LGFog. Há apenas danos numa viatura GMC. O IN retira na direcção de Padada. Três Grupos de Combate da CCAÇ 12 (na altura, ainda CCAÇ 2590) tiveram aqui, nesse dia, o seu baptismo de fogo... em farda nº 3 (!).

(9) No dia seguinte, à 1h20, é atacado o destacamento de Quirafo, durante 3 horas (!), por um grupo estimado em mais de 100 elementos, que utilizam 3 Canhões s/r, 3 Mort 82, vários Mort 60, RPG 2 e 7, Metr Lig e outras armas automáticas... Felizmente, há apenas 1 ferido, mas as instalações do destacamento ficam praticamente destruídas, bem como os rádios DHS e AN/RC-9 e quatro G-3... O arame farpado fora cortado em vários pontos...

(10) A 26, há uma nova flagelação do Xime, às 17h45, da direcção Sul. Com Canhão s/r e Mort 82. Durante 10 minutos. No Xime está a CART 2520, com menos dois pelotões (um destacado em Galomaro e outro - duas secçõas - na Ponte do Rio Udunduma).

(11) No dia seguinte, 27, às 16h50, Mansambo volta a ser flagelado, à distância, durante 10 minutos, com Mort 82. Sem consequências.

(12) Em 28, por volta das 22h30, o dcstacamento de Madina Xaquili vai conhecer o inferno: durante 1 hora e meia, é atacado de todas as direcções, por um grupo de cerca de 60 elementos, com Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas. Há dois feridos.

(13) A 29, às 10 da manhã, um grupo IN reagiu, durante 10 minutos, a um patrulha nossa, a 200 metros a SW de Dulombi, que acabava de sair na sequência do rebentamento de uma mina A/C. O IN, que utilizou Mort 60, LGFog e armas automáticas, causou 2 feridos civis.

(14) A 30, às 18h00, Mansambo sofre nova flagelação à distância, da direcção SW. Durante 20 minutos. Com Canhão s/r e Mort 82. Sem consequências.

(15) A fechar o mês (quente) de Setembro, é a vez da tabanca em audodefesa de Candamã [, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo, ] conhecer o inferno: a 30, às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas, causando um 1 ferido grave e 4 feridos feridos às NT e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil... Valeu o comportamento heróico dos homens de Mansambo - menos de um pelotão (uma secção estava em Afiá)!... Homens que eu conheci e abracei, nessa mesma madrugada, quando a aldeia ainda fumegava, na sequência de incêndio de várias tabancas!
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Nota do editor:

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6953: Estórias avulsas (41): A captura do incaracterístico guerrilheiro Malan Mané, no decurso da Op Nada Consta (Salvador Nogueira)



A Guiné "by air"... Um privilégio que não era para todos... O custo/hora de um helicóptero era equivalente ao vencimento (mensal) de dois alferes milicianos, cerca de 15 contos, no princípio de 1969... Foto do ex-Fur Mil Ap Inf Arlindo Teixeira Roda (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) que deve ter apanhado uma boleia até Bissau...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. O nosso leitor SNog [Salvador Nogueiera,], no seu "auto-exílio" na província, é avesso a publicidade, e raramente me autoriza a publicar as mensagens que trocamos há já uns bons tempos (*). 

Em 30 de Julho de 2009, veio à baila a Op Nada Consta, em que ele participou como oficial pára-quedista do BCP 12, quando passou pelo TO da Guiné, em 1969. Mandou-me então a narrativa da captura do "incaracterístico" roqueteiro Malan Mané, que haveria mais tarde de ser ferido ao meu lado, na Op Pato Rufia, em 7 de Setembro de 1969... Nessa altura o SNog não me autorizou a sua divulgação, por razões que só ele conhece, e que entende não explicitar (nem eu sequer lhas perguntei).

Mais recentemente (7 de Julho de 2010) o SNog terá mudado de ideias, ao escrever-me o seguinte, depois de me dar o nega a um pedido de publicação de uma outra mensagem dele (com referência ao seu CV militar):

"Para publicar havia de ser a minha narrativa da captura do Malan Mané - mais circunstanciada!, lembras-te do croquis que te enviei? - mas só se alguém aparecesse de novo a divagar sobre o assunto de longe e a sonhar alto. Houve até um poeta que descrevia o piloto a soprar a mata com o rotor do héli e a gritar para avisar a tropa - azar, era eu... e li. E agora?- de que havia uns gajos emboscados... Há gente que nunca mais faz dezassete anos" (...).

Meu caro SNog (só nos conhecemos por mail...) está na altura de desencantar a tua narrativa, agora que alguém quis ressuscitar o pobre do Malan Mané (o Torcato Mendonça jura que o viu vivo, em Bissau, uns meses depois de ter quase morrido lá para os lados do Poindon, na região do Xime)... Entende isto como um pequeno contributo teu para alimentar a nosso projecto (partilhado) de reconstituição das memórias da guerra de África. Como dizem os economistas da nossa praça, não há almoços... nem blogues grátis. De resto, estavas-me a dever essa história (*)... Ela aqui vai, com um Alfa Bravo do Luís.


B. Estórias avulsas (***) > A captura do incaracterístico Malan Mané,

narrativa de SNog


1 - A história da captura do incaracterístico, até falarem tanto dele, Malan Mané... tratou-se de um guerrilheiro esfarrapado que escolheu, em vez de fazer o disparo, levantar-se com as mãos no ar da posição em que se encontrava, atrás de um RPG2 com o cão armado e que à voz ‘anda cá, pá!’ se aproximou apavorado. Era também um de três ou quatro (?), dos quais o terceiro terá fugido.

O do RPG2, este de quem se fala, ocupava a posição mais internada na mata, no extremo da linha de emboscados; do seguinte só encontrámos a cama de capim e o da extremidade mais próxima da orla, atrás de uma Degtyarev RPD, foi abatido.

Do terceiro elemento, nesta ordem, estranhamente não me lembro – não foi capturado nem abatido; terá também fugido ou ‘sonhei-o’ pois fui inspeccionar a instalação deles e creio ter visto 4 camas... adiante! Será todavia o único detalhe com algum significado que tenho consciência de olvidar. O capturado foi ainda interrogado imediatamente, no local, retardando o avanço.

No desencadear da acção, a minha equipa foi a primeira a ser colocada e avançou, a dar espaço no trilho, após a segunda colocação, a da equipa do Sarg Sofio; terá sido aproximadamente à aterragem do terceiro helicóptero que se deu o episódio que descrevo.

Se considerarmos os cerca de cinco metros entre cada homem instalado e sabendo que o Sofio se aproximou de mim para coordenação, estariamos então a uns 25 ou 30 metros da orla, segundo o esquema seguinte que,




por si só, corrige várias divagações que por aí se têm lido acerca do incidente (**).

2. (A propósito de Mamadu Indjai). O chefe de bi-grupo Sanpunhe –assim identificado pelo Malan Mané - apareceu juntamente com outro guerrilheiro perante mim no decorrer da operação, numa ocasião em que mandei parar e fui investigar um palpite dentro do mato, à nossa direita; uns vinte ou trinta metros fora do trilho apareceram dois elementos que vinham ao mesmo e que deram connosco – o Sanpunhe foi abatido cara-a-cara por disparos que fiz e/ou pelo disparo do RPG7 do homem que me acompanhava; o segundo guerrilheiro pisgou-se... (***)

Resultados: herdei uma pulseira que ainda tenho e uma Kalashnikov com que fiz toda a operação da Guiné. Compreenda-se... era difícil resistir ao ronco, apesar de então já ter estado em Angola e em Moçambique.


Texto e infogravura: Salvador Nogueira (2009). Todos os direitos reservados


[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5464: O Nosso Livro de Visitas (74): O blogue não deve ser a Praça da Figueira (Salvador Nogueira, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1969)

(**) Vd. poste de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai... (Luís Graça)

(***) Recorde-se que a Op Nada Consta foi uma operação conjunta do COP 7 (Bafatá), da CART 2339 (Mansambo, Subsector do Sector L1), da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 53 (subunidades de intervenção ao serviço do Comando do BCAÇ 2852, 1968/70, sediado em Bambadinca).

No sítio do BCP 12 (comandado do pelo Ten Cor PQ Fausto Pereira Marques, de 4 de Junho de 1968 a 5 de Dezembro de 1969), pode ler-se o seguinte sobre a sua actividade operacional no TO da Guiné:


(...) A actividade operacional do BCP 12 ao longo da sua permanência na Guiné foi intensa, conduzindo a resultados reveladores da sua aptidão para combate.

Nos primeiros anos os Pára-quedistas foram empregues fundamentalmente em operações independentes no âmbito da Força Aérea, a qual tinha meios próprios de reconhecimento, ataque ao solo e transporte das suas forças Pára-quedistas.

Os grupos de combate eram normalmente empregues em operações que exigiam grande mobilidade e rapidez de actuação. Quando um grupo de guerrilheiros era detectado ou actuava contra aquartelamentos das unidades do Exército, as forças Pára-quedistas eram colocadas no terreno, através de helicópteros, ou noutros casos, dada a geografia própria da Guiné, através de lanchas da Armada. As forças Pára-quedistas eram usadas por períodos de tempo limitado mas de grande empenhamento.

Para além de operações independentes no âmbito da FAP, os Páras participaram também em operações conjuntas com forças do Exército ou da Armada. Destas destaca-se a operação PARAFUZO, efectuada na ilha de Caiar em Março de 1967, com forças dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais nº 4 e 7. Da acção resultou a captura de 20 elementos inimigos.

A partir de meados de 1968 e com o General António Spínola como novo Comandante-Chefe na Guiné, o modo de emprego dos Pára-quedistas foi alterado.

As Companhias [121, 122 e 123] do BCP passaram a integrar os então criados Comandos Operacionais (COP) com outras forças militares, sob o comando de um oficial superior. Muitas vezes oficiais Pára-quedistas desempenharam essas funções. As forças eram então empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com as Unidades de quadrícula do Exército. As companhias do BCP 12 foram assim muitas vezes atribuídas de reforço às unidades instaladas junto às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conakry.


Foram inúmeras as operações desencadeadas neste período: a operação JUPITER, com 4 períodos no corredor de Guileje, no âmbito do COP 2, a operação TITÃO com o COP 6, a operação AQUILES I, com o CAOP 1, a operação TALIÃO, com o COP 7, entre tantas outras, com bons resultados.

Merece particular destaque a operação JOVE, realizada em Novembro de 1969 com forças das CCP 121 e 122. No dia 18 de Novembro a CCP 122 capturou o Capitão Pedro Rodriguez Peralta, do Exército Cubano, comprovando a ingerência de forças militares estrangeiras na guerra na Guiné.

Apesar das CCP continuarem a ser atribuídas aos COP que se iam activando consoante as necessidades, o Comando do BCP esforçou-se por continuar a levar a cabo algumas operações independentes, actuando como força de intervenção em exploração de informações obtidas e seria neste tipo de operações que se obtiveram alguns dos melhores resultados do Batalhão.

Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. 

Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas. 

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. 

A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado. (...).

(Destaque a vermelho, do editor, L.G.)

Um dos álbuns fotográficos de pessoal do BCP 12 pode ver visualizado aqui.

(****) Último poste desta série > 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 – P6933: Estórias avulsas (93): Uma história da minha guerra (António Barbosa)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4618: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Cansamba, subsector de Galomaro, 1 de Agosto de 1969

Guiné > Zona leste > Galomaro > 2º Gr Comb da CART 2339 (Julho/Agosto de 1969) > Fotos Falantes I (10, 11, 12) > Aspectos da vida do 2º Gr Comb, destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo a tabanca em autodefesa de Cansamba.


Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.




Estórias de Mansambo II > CANSAMBA I - O 1º de AGOSTO
por Torcato Mendonça (*)


Fotos Falantes I (10, 11, 12)


No dia 1 de Agosto de 69, fomos destacados para a Tabanca em autodefesa, de Cansamba [ subsector de Galomaro]. Mas como e porquê?

Façamos uma breve introdução.

A meio de Julho, dia 13, saímos de Candamã e Afia (**), tabancas em autodefesa, depois de uma estadia de um mês, e regressámos a Mansambo. Pouco descansámos, pois, dia 16 partimos em diligência para Galomaro em reforço da CCaç 2405 e do COP7.

Ficámos então dependentes da 2405, cerca de vinte e cinco militares do 2º Grupo e três ou quatro picadores. Trinta militares ou trinta e dois no total [vd. fotos].

Logo, no dia seguinte ou no outro, assistimos a uma operação, helitransportada, dos pára-quedistas. Efectivamente, era outra tropa. O treino, os meios, a autoconfiança. Isso e muito mais faziam a diferença.

Cerca de meia hora depois, da primeira saída dos helis com tropas já, no regresso, traziam material apreendido. Até uma gazela que o IN estava a esfolar veio... Assim valia a pena. Tinham, em comum connosco o sermos feitos da mesma massa. Óptimos militares a merecerem o meu respeito. Pena nós não termos mais meios. Mesmo com o pouco íamos cumprindo. Curiosamente cumprimos e detesto o termo – tropa macaca – porque não nos sentíamos diferentes dos que eram apelidados de bons… E gostávamos de certas operações. Vidas!

O IN estava muito activo na zona, quer a Sul/Sudeste de Galomaro quer, mais longe, para oeste, à volta de Mansambo. Atacou várias vezes Mansambo, Candamã e Afiá e, naquela zona, atacou Cansamba, onde estava um Grupo, creio que de uma Companhia de periquitos e Madina Xaquili.

Tínhamos acompanhado a Companhia que para lá foi, em 22 de Julho [de 1969], para trazer as viaturas para Galomaro. Não gostámos daquela Tabanca… já tínhamos mais de dois terços de comissão e o cheiro da mata era sentido de forma mais forte. Creio que antes do regresso, o dissemos a um alferes ou furriel, T-shirt de Operações Especiais, a memória pode falhar. Certo é que o IN foi lá experimentar… hoje, tanto tempo depois, parece-me ter sido a CCaç 12.

O IN, com os corredores abertos, mostrava-se com certo à vontade. Na margem esquerda do Corubal (zona leste) onde não haviam aquartelamentos nossos. Na margem direita, vendo a Carta da Guiné, sabendo as nossas posições, é fácil compreender a progressão das forças do PAIGC, aproveitando a época das chuvas. E não só, não só…

No primeiro dia de Agosto, fomos mandados para Cansamba a substituir o Grupo que lá estava. Saíram de lá felizes, os piras.

Antes trocámos breves palavras, recebemos algum material e eles foram-se. A partir daí era connosco. Vimos que era forçoso haver mudanças rápidas. Era uma Tabanca enorme. A cerca de quinhentos metros estava uma outra pequena. A razão era que esta era habitada por futa-fulas. A grande tinha uma mesquita, simples ou humilde, e uma escola (madrassa). Era uma povoação com alguma importância, resultado da junção de várias tabancas.

Assim, demos início ao trabalho.

Os Furriéis (só dois, o Rei e o Sérgio) deram uma volta, falaram com a população, viram as defesas e o que observaram não os agradou. Eu via o material que tínhamos, esperava pelo regresso dos africanos que iam connosco, a passear pela tabanca na obtenção de informações e ia tomando apontamentos.

Depois todos juntos, estudámos rapidamente os elementos que dispúnhamos e estabelecemos uma estratégia. Para o imediato tínhamos que falar com o Chefe de Tabanca, ver o armamento que estava distribuído à população, organizar minimamente a defesa. Na segunda fase, para os dias seguintes, teriam que ser abertas mais valas, colocado mais arame farpado, organizada a defesa e tentar modificar aquilo. Assim, como estava, era um perigo. Num ataque forte entravam por ali adentro com facilidade.

Mandámos chamar o Chefe. Estranhámos a sua ausência e mais estranhámos a sua demora. Estávamos na zona das suas moranças e ele devia já ter aparecido. Demorou. Demorou tempo demais. Quando chegou vimos estar em presença de um homem que nos ia dar problemas. Talvez por isso a alegria da saída do Grupo de periquitos.

Para grandes males grandes remédios. Tivemos que lhe dizer que, a partir daquele momento quem mandava éramos nós. Compreendeu à segunda. Como? Bem… certamente porque não era parvo. Viria a ser, no futuro, um óptimo colaborador. Após ter compreendido porque estávamos ali, respondeu ao nosso primeiro pedido e rapidamente reuniu todos os homens com armas distribuídas. Era uma loucura ver tanta gente com Mausers, G3, dilagramas e muitas munições. Um bando. Nós, à volta de trinta…

Falamos àquele exército, o chefe traduzia e os picadores (milícias) confirmavam com sinais, olhares... nós percebíamos. A linguagem gestual ou por olhares é óptima…

A noite aproximava-se. Mandámos toda a gente em paz e já não fomos à tabanca dos futa-fulas.

Achámos melhor dividirmo-nos em três grupos, separados a uma distância prudente, com possibilidades de entreajuda. Tínhamos bolsa de enfermeiro mas não tínhamos enfermeiro. Tínhamos operador de rádio mas sem aparelho. Claro que estávamos desfalcados, os meios eram os possíveis. Assim se fazia a nossa guerra. A falta de meios, a normalidade.

O Chefe ficava a dormir na sua morança (escolha dele, claro…) mas eu dormia lá também. Cá fora, no telheiro, dois homens, a revezarem-se. As sentinelas eram feitas pelos três grupos, aos pares. De preferência um picador e um soldado. Claro que os turnos cabiam a todos.

Comemos, arrumámos o material, montámos uma precária defesa e preparámos o descanso. De repente uma saída e começou o ataque. Vinham dar as boas vindas. As ordens eram responder o mais forte possível. Alguém já tinha montado a nossa pesada. Ou seja, um bidão aberto totalmente num lado e só metade no outro. Lá dentro uma simples G3 em rajadas curtas, mas a fazer um barulho dos diabos. Estava lá um 82, do IN, que funcionava com as nossas munições e as deles. Nessa noite foi a triplicar.

Mas o pior não foi o inimigo. O pior foi a população. Vinham á porta das moranças e disparavam as Mauser ou as G3. Gritávamos para virem para as valas, mas nada. Pedíamos ao Chefe, que estava ao nosso lado, entre dois militares, para mandar parar o fogo da população. Nada. Nós, no meio, à frente os inimigos, logo atrás os amigos, posição óptima.

Dois ou três militares levantaram o Chefe acima da vala e então, como estivesse a ser capado, berrou e bem. Calaram-se os amigos e pouco depois os inimigos, talvez a esperar melhor ocasião, fizeram o mesmo. Estavam dadas as boas vindas ou feito o teste aos recém-chegados. Por isso, logo no dia da chegada fomos recebidos assim. O nosso 1º de Agosto.

Um morto da população e um ferido. Disparar dilagramas com bala real era terrível. No outro dia começou a instrução, para a não repetição de situações daquelas e melhorar o uso e conservação do armamento. Além disso começámos a estudar onde e como abrir valas e abrigos. Antes visitámos a Tabanca dos Futa-Fulas. Tinham falta de munições e de outras coisas. Parece que tinham estado em Madina do Boé e vindo para a zona após a evacuação do aquartelamento. Gente habituada aos tiros. Se necessário podia contar com eles na protecção de um flanco. Assunto a ser tratado posteriormente.

Recebemos a meio da manhã a visita do Comandante do COP 7, creio que um Major Pára-quedista, porque em Galomaro ouviram o ataque. Não tinhamos rádio. Pusemo-lo ao corrente da situação e fizemos os pedidos de material.

Estivemos até ao dia quinze em Cansamba. Foram quinze dias óptimos. O apoio da 2405 foi excelente. Em Cansamba tivemos ocasião de contactar com a população, falar com Homem grande que ensinava árabe e o Corão aos miúdos. Era homem de grande sabedoria, talvez um marabú. Tive oportunidade e tempo, de falar com ele e assim aprender a compreender melhor aquele Povo e a sua religião. Eu tinha (tenho) o meu nome tatuado, em árabe, no braço esquerdo e sabia fazer as saudações ou cumprimentos. Isso fez com que a aproximação fosse mais fácil. Interrompida, infelizmente, porque estive dois ou três dias fora, em Galomaro, a curar o meu quinto ou sexto ataque de paludismo. Regressei e notei as benfeitorias.

Reforçou-se a auto defesa, a população teve melhor instrução militar, impedimos que a Administração, através de um Cipaio que por lá apareceu (em Galomaro estava um Chefe de Posto), interferisse com a população… perceberam… e foram-se. Certamente causava-lhes prejuízo a população não pagar o imposto!

Quase nos considerávamos em férias. Recebemos nova ordem: apresentar em Bambadinca no Batalhão. Assim foi. Reunião e saída para Candamã.

Missão: procurar onde era o acampamento do Bi-Grupo, reforçado com artilharia que tinha feito tantos ataques na zona em tão pouco tempo. O Comandante, Mamadu Indjai. Descobrimos a acampamento, os Paras destruíram-no e militares da 2339 (3º Grupo) emboscaram-nos fazendo dois ou três mortos e vários feridos, entre eles o Mamadu Indjai.

O Coronel Hélio Felgas não teve razão com a ameaça – só saiem de lá depois de os encontrar… Enganou-se. Pena foi ter-se acabado Galomaro e o sossego de Cansamba. Um mês bem passado, metade em Galomaro, a outra em Camsamba.

Até ao fim da comissão foi sempre a andar…

[Continua]

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá

4 de Junho de 2009 Guiné 63/74 - P4459: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mussá Ieró, tabanca fula em autodefesa, destruída em 24/11/68

(**) Vd. poste de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa