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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9368: Documentos (13): Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)





Guiné > Chão Manjaco > Pelundo > 1973 > O Coronel Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74), comandando exercícios com fogos reais, no Pelundo, na zona oeste da Guiné.

Fotos: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem, com data de 8 do corrente, enviada por Luís Gonçalves Vaz, que estava no 25 de  Abril de 1974 em Bissau, sendo filho do Cor Cav Coronel Henrique Gonçalves Vaz, então Chefe do Estado-Maior do CTIG:



 (...) Conforme prometi envio-vos mais um artigo sobre a "Situação Militar no Teatro de Operações da Guiné no ano de 1974". Limitei-me a adaptar e transcrever certos excertos de um Dossiê Secreto, que faz parte do arquivo do meu pai,   autenticado pelo Chefe da 2ª Repartição, o Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela. Leiam-no e vejam, dentro dos vosso critérios,  se tem interesse para publicação no Blogue. Acho que a classificação deste Dossiê, com o tempo deve ter sido "desclassificado", podendo ser publicado, não acham? (...)


2. Situação Militar no Teatro de Operações da Guiné no ano de 1974 > Parte I



Adaptação e transcrição de alguns Excertos do "Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG”, autenticado pelo Chefe da 2ª Repartição, o Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela.


A partir de Janeiro de de 1974, o PAIGC passava verdadeiramente à ofensiva, a qual se caracterizava pela definição de duas áreas de incidência de esforço, diametralmente opostas, uma no extremo Nordeste do Teatro de Operações onde desenvolvia a Operação “Abel Djassi” (pseudónimo de Amílcar Cabral) e a outra a sul, no Cubucaré, para o que inclusivamente tinha constituído um novo órgão coordenador das operações de guerrilha nesta Zona, o Comando Sul.

As ações foram desencadeadas, numa e noutra das Áreas referidas, com base em novas unidades, das FARP, e com largo emprego de Artilharia e Armas Pesadas, nomeadamente Morteiro 120 mm e Fog 122mm.

Foto (à direita): Nino e Cabral. Font6e: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Além destes meios,  os Mísseis SA-7 Strela eram frequentemente utilizados, o que limitava grandemente o apoio da Força Aérea às guarnições terrestres e, a 31 de Março de 1974, apareciam as viaturas blindadas,  em Bedanda (Cubucaré), o que confirmava o grande aumento de potencial, assim como a crescente capacidade táctica e sobretudo logística do PAIGC.


Nas restantes áreas do Teatro de Operações  da Guiné aumentava igualmente de modo significativo a atividade de guerrilha dispersa em superfície, com relevo para o emprego de engenhos explosivos e ações de terrorismo urbano que alastravam até à própria capital (Bissau). Como exemplo citam-se as 17 flagelações com armas pesadas a outros tantos Aquartelamentos ou Povoações, num único dia (20 de Janeiro de 1974, data do aniversário da morte de Amílcar Cabral), o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau (26 de Fevereiro de 74) que provocou um morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG (em 22 de Fevereiro de 74), onde parte do edifício principal foi destruído.




Foto (à esquerda): SA-7b Grail Strela.  
O SA-7b possuía um novo motor de propulsão e um novo sistema de identificação, o que lhe permitiu passar a aquisição de alvos de 3,6 km para 4,2 km, e aumentar a velocidade de 430 m/s para 500 m/s.

Fonte: http://www.armyrecognition.com/



No sul a ofensiva aí realizada permitia ao PAIGC o controlo efetivo de uma área de razoável superfície em que se inseria o “corredor” de Guileje, percorrido frequentemente por viaturas das FARP, e que confinava com outra vasta área abandonada pelas Nossas Tropas desde 1969 – o Boé.

Foto (à direita): Guiné, 1973 -  Guerrilheiros deslocando-se num carro blindado [, BRDM 2, de origem soviética] . Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné



Em Abril de 1974, dado o “Esgotamento das Reservas” do Comando-Chefe, previa-se que o relançamento da Ofensiva no saliente Nordeste, orientava para sul, tornaria iminemte o abandono de Canquelifá  e o consequente isolamento de Buruntuma. Admitia-se ser intenção do PAIGC, unir a bolsa assim conquistada com a Região do Boé, por sua vez ligada à Zona onde se localizava o Corredor de Guileje, mais a sul, concretizando deste modo, uma ocupação territorial efetiva que carecia para reforçar a imagem do Estado da Guiné Bissau, parcialmente ocupado pelas Forças Armadas Portuguesas.


Foto (à esquerda) - Jacto Fiat G-91 da FAP, abatido por míssil Strela. Fonte:   Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Nas áreas de incidência de esforços referidos, a situação era de tal modo grave - para a maioria das guarnições das Nossas Tropas, cujos sistemas de defesa não dispunham de “Obras de Fortificação”, que pudessem resistir com eficácia às novas armas pesadas do PAIGC, - que o Comandante Chefe alertava do facto o Estado Maior Geral das Forças Armadas, a 20 de Abril de 1974 (vésperas do Golpe Militar de 25 de Abril) por uma Nota que concluía nos seguintes termos:


“O facto de ter sido confirmada parte das notícias atrás mencionadas pela utilização de viaturas blindadas no ataque a Bedanad, confere certa verosimilhança às restantes notícias que referem a existência de Novas Armas Antiaéreas ou outras, pelo que aquela utilização e o conjunto de circunstâncias descritas na presente Nota, nomeadamente a análise das fotografias juntas, são motivo de grande preocupação para este Comando-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das Forças Armadas da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das Guarnições Militares que porventura sejam atacadas, quer às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos. “


Após os resultados obtidos pela guerrilha a partir do início do ano, com ações maciças desencadeadas a nordeste do território e no Cubucaré, a Sul, que se traduziram no abandono de Copá pelas nossas tropas e no desequilíbrio das guarnições de Bedanda e Jemberem, o PAIGC tinha planeado e preparava-se para lançar nova ofensiva, no final da época seca de 1974 (Maio e Junho), a fim de explorar aqueles resultados.

Foto (à direita): Guiné, Bedanda, 1970: Resposta do Obus 14 a ataque de foguetes Katiusha, de 122 mm. Foto gentilmente cedida pelo Cor Cav na reforma Ayalla Botto (CCAÇ 6) ao Hugo Moura Ferreira. Fonte: BLogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Logo que tomou conhecimento do Movimento das Forças Armadas (MFA), a 25 de Abril de 74, o Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) chegou a expedir ordens, no seguimento do que estava planeado, para que fossem desencadeadas ações com todos os meios disponíveis, com o objetivo evidente de tirar partido da situação em curso e explorar, de imediato, qualquer possível perturbação que admitiu pudesse existir no seio das nossas tropas.


No entanto a ofensiva planeada não chegou a concretizar-se e, inclusive,  a partir do início de Maio,  registou-se um nítido abaixamento da atividade de guerrilha.


Ao longo de todo o mês de Maio de 74 foi, de facto, notado um ligeiro aumento de atividade durante a segunda semana, seguido de novo decréscimo no final da mesma, o qual continuou posteriormente regular e constante.


A redução acentuada de atividade resultava de, em 21 de Maio, pouco antes do início da 1ª fase das conversações em Londres, o Secretariado do Governo do PAIGC ter difundido a seguinte ordem às FARP (documento com doze instruções):


(...) 11º) Devemos estar preparados para reagir violentamente contra todas as ações do Inimigo, 12º) Lembramos a todos os Militantes e combatentes que mais do que nunca é necessário estarmos vigilantes e que não podemos confraternizar com as Forças Inimigas enquanto não ficar claramente decidida a sua evacuação da Nossa Terra de acordo com os objetivos fundamentais da Luta que são: A Independência total e imediata do nosso Povo da Guiné e Cabo Verde. Estas decisões correspondem à situação Política e Militar do momento e devem ser estreitamente cumpridas. Saudações a todos os Camaradas. (...)

Apesar das determinações do SG [Secretariado Geral] do PAIGC, anteriormente descritas, não deixaram dúvidas sobre o adiamento das Operações de Guerrilha até nova ordem. Alguns grupos combatentes continuaram a ignorá-las durante vários dias, nomeadamente a Norte, na Região onde o corredor de Lamel intercepta o Itinerário Farim-Jumbembem, e no Sul, no Sector do Cubucaré.

Por outro lado o comando das FARP continuou a expedir ordens para o planeamento e preparação, até ao fim de Maio (de 1974), de diversas operações, em especial na Zona Sul, as quais seriam desencadeadas se o andamento ou o resultado das conversações de Londres (de 25 a 31 e Maio) não fossem aceitáveis.

Adaptado por: Luís Gonçalves Vaz  (Tabanqueiro 530)

(Continua)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9141: (De)Caras (10): Os camaradas do PAIGC não são nossos camaradas... mas podemos ou não falar aqui deles ? (Parte I) (Amilcar Mendes / Virgínio Briote)


Serra da Carregueira > Centro de Tropas Comandos > 29 Junho de 2011 > Eu e alguns camaradas Comandos Africanos que, passados 40 anos, continuam a amar a bandeira sob a qual combateram e e que mostram um orgulho desmedido em serem Portugueses, e com milhares de histórias de vida para figurar no nosso blogue. Dos nomes, não me lembro de dois, quando souber de todos mando a sua identificação. Amilcar Mendes. Saudações, amigo Luís,  e muito contente fiquei com o teu contacto. Abraço do Amilcar".

Foto: © Amílcar Mendes (2011). Todos os direitos reservados.

1.  Mensagem do nosso camarada Amílcar Mendes (ex-1.º Cabo Comando da 38.ª Companhia de Comandos, Brá, 1972/74; e hoje taxista na praça de Lsiboa):

Data: 31 de Outubro de 2011 18:17
Assunto: Comandante BOBO KEITA

Amigo Luis Graça , estimados co-editores do blog e todos os camaradas ex-combatentes da Guiné:

Com pedido de publicação gostaria de tecer algumas considerações sobre um assunto que já me começa a incomodar e, sinceramente, sem querer puxar ninguém para esta conversa permito-me [dizer] o seguinte:

Durante quase 10 anos todos os dia ouvia o Código Comando  e uma das partes que retenho era o seguinte: Mas respeita os estóicos e abnegados que servem sem preocupação de paga ou satisfação de interesses de qualquer natureza.

 Neste contexto respeito todos os que lutam ou lutaram na defesa de algo em que acreditaram ou julgaram ser o mais certo e aqui englobo todos os que passaram pelos campos de batalha e,  claro,  os antigos combatentes do PAIGC. 

Presto-lhes a minha homenagem enquanto combatentes e respeito-os como seres humanos mas daí a ter que enaltecer o seu papel na Guerra Colonial da ex-Guiné Portuguesa ?!... Escalpelizar o seu desempenho, modo de atuação e armamento que usavam para nos combater, etc.,  acho eu,  evidentemente, que é protagonismo a mais nas páginas deste blogue! 

Acho mesmo, amigo Luís ! Enquanto me lembrar das atrocidades cometidas - e sei do que falo, amigo Luís -,sobre camaradas meus e de todos nós, em particular os que combateram ao meu lado, os Comandos Africanos mas Portugueses, torturados, mutilados, assassinados a sangue frio em [carreiras]  de tiro porque, segundo o PAIGC,  os Comandos Africanos  eram, e cito, "cachorros de duas pernas"! 

Amigo Luís, o comandante Bobo Keita até será uma excelente pessoa mas para ser enaltecido nos blogues do PAIGC! Este é o blogue dos combatentes portugueses da ex-Guiné Portuguesa e é nessa qualidade que aqui estou. E é sobre nós e sermos nós a preenchê-lo é que me agradaria.  

De outro modo peço humildemende,  a partir de agora,  a minha exclusão deste blogue. As notícias somos nós e o que lá fizemos,  bem ou mal,  mas é o nosso bocadinho. Se se quer escrever sobre os Africanos que lutaram à sombra da bandeira portuguesa na Guiné, vamos até ao largo do Rossio em Lisboa e aí,  sim,  temos material para preencher páginas e páginas de blogue .(À consideração do Dr. Beja Santos). 

Para mim,  Bobo Keita aqui no blogue chega!  

Abraços para todos os bloguista e em especial ao meus camaradas comandos, naturais da Guiné, que tão mal estão a passar.  

Amílcar Mendes,  1º cabo comando da 38ª Companhia de Comandos na ex-Guiné Portuguesa em 72-74 com oito baixas mortais e cerca de 40 feridos em combate com as forças do PAIGC.






Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > "Dois homens dos comandos que ainda hoje vivem, à sua maneira, a mística dos comandos: o Virgínio Briote, nosso co-editor, dos velhos comandos de Brá (1965/67) e o Amílcar Mendes, da 38ª CCmds (1972/74)... Tive o grato prazer de lhe dar, a este útimo, o Alfa Bravo (abraço) que nos faltava... Conhecíamo-nos apenas do blogue, dos mails, do telefone" (LG)...


Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados


2. Comentário,  com data de 2 de Novembro, do nosso co-editor Virgínio Briote (que, por razões de saúde, já não pode estar tão ativo como ele e nós gostaríamos, nas nossas lides bloguísticas, mas que continua a ser uma voz respeitada na nossa Tabanca Grande):

O blogue está aberto à participação de todos o ex-combatentes. Mais que uma vez, alguns camaradas, nestas páginas, lamentaram a não participação dos ex-IN. E que eu saiba, o blogue não se destina a fazer a história dos acontecimentos vistos apenas por um dos lados, pelo menos tal não aparece como premissa. Assim, vejo com muito interesse que o blogue esteja aberto a todos os ex-combatentes, qualquer que tenha sido o lado de onde dispararam. Só assim pode vir a ter algum interesse histórico e, contribuir, inclusivamente, para um bom entendimentos dos [nossos dois] povos irmãos.



A guerra acabou em Abril de 1974, passaram já 37 anos. Houve acontecimentos muito dolorosos, excessivos, mas inevitáveis numa guerra que atingiu, em muitas alturas, violência extrema. Esses casos ocorreram, a grande maioria dos camaradas ouviu falar deles e alguns de nós até testemunhámos alguns. Protagonistas? De ambos os lados, naturalmente.



Sempre julguei que para a grande maioria dos combatentes, de um lado e do outro, a causa por que lutam é justa e todos têm o direito de a contarem com os olhos como a viram.



Tudo isto, caro Luís, para te dizer que não só dou as boas-vindas ao livro que acaba de ser publicado (que ainda não o tenho) como não vejo qualquer inconveniente que alguns dos textos sejam publicados no blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné.



Não vou dar seguimento escrito a qualquer opinião contrária à minha. Aceito-a simplesmente. Por isso fica ao teu critério: publicitar esta opinião ou guarda-la para ti.  Espero que já andes, sem dores, pelo teu pé. E que brevemente participes numa meia-maratona...



Um abraço do Briote
___________________

Nota do editor:


terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2010:

Queridos amigos,

Continuo deliciado, a ler e a rever um livro bem reflectido, bem estruturado e útil para pensarmos a Guiné onde combatemos e onde o imprevisível, na actualidade, não pára de nos surpreender.

Nós constamos da bibliografia deste autor, que nos trata com muito apreço.
Todos os confrades, permitam-me a sugestão, terão tudo a ganhar com esta leitura aliciante de alguém que escreveu um livro de história e ciências jurídicas numa linguagem muito clara e acessível.

Um abraço do
Mário


Do nacionalismo à luta armada, Che Guevara e Amílcar Cabral

por Beja Santos

Continuamos à volta do portentoso livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” de António E. Duarte Silva (Edições Almedina, 2010)*.

No texto anterior, procurou-se dar uma panorâmica dos principais eventos do século XIX ao século XX, na óptica dos grandes vectores da colonização, tendo em consideração a obra incontornável de Sarmento Rodrigues.

Nesta viagem que nos levará, no próximo texto, à apreciação das diferentes constituições bissau-guineenses, vamos agora resumir as principais etapas que vão do nacionalismo até à luta armada (a história da luta armada será encarada na recensão de outro livro de António E. Duarte Silva,  A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Afrontamento, 1997).

É o governador Raimundo Serrão quem sucede, em 1949, a Sarmento Rodrigues. Serrão teve uma governação pálida. Praticamente limitou-se a inaugurar as obras encetadas por Sarmento Rodrigues. Por este tempo, terão surgido os primeiros movimentos políticos de contestação ao poder colonial. Revelar-se-ão insignificantes. O PCP terá tido alguma influência junto da pequena burguesia que contesta o colonialismo graças à farmacêutica Sofia Pomba Guerra. Crê-se que terá sido ela a apresentar Aristides Pereira e Osvaldo Vieira a Amílcar Cabral.

Nesta época, guineense e “activo” do PCP era Vasco Cabral. A seguir a Raimundo Serrão vem um governador polido e de modos aristocráticos, Diogo Mello e Alvim, isto numa altura em que Amílcar Cabral e a mulher publicam artigos alusivos à agricultura na Guiné Portuguesa no Boletim Cultural.

Também por esta época alargam-se os quadros da PIDE mas quem dá informações sobre as manifestações de “subversão” é a PSP. Cabral aparece ligado à tentativa de uma associação desportiva e recriativa, autorização que foi negada. Em 1955 é criado o clandestino MING – Movimento para Independência Nacional da Guiné. O PAI – Partido Africano da Independência terá sido constituído a 19 de Setembro de 1956, o pensamento de Cabral está em marcha, insere-se na vaga pan-africana. As elites crioulas, os mestiços, os pequenos quadros, os comerciantes, empregados públicos, manifestam simpatia pelos princípios do PAI.

Cabral aproveita-se das boas relações que desenvolvera em Lisboa no Centro de Estudos Africanos, contacta outros grupos que pretendem a libertação das colónias portuguesas. Os chamados “civilizados” guineenses, sempre hostis aos cabo-verdianos, decidem formar um Movimento de Libertação da Guiné que se diluirá quando, em plena década de 1960 a Organização da Unidade Africana reconhecer o PAIGC como o único movimento de libertação de toda a Guiné.

As autoridades portuguesas continuam impassíveis, não se apercebem da crescente contestação e das suas diferentes orientações: é uma longa calma que precede a tempestade. Nem o massacre do Pindjiquiti (o autor privilegia a ortografia tradicional, era assim que se escrevia e é assim que se escreve hoje).

Ainda há muitos dados sobre este massacre por esclarecer mas parece incontornável que houve uma péssima gestão negocial do gerente da Casa Gouveia, o conhecido historiador António Carreira, e a PSP perdeu o controlo da situação chacinando os amotinados, atirando sobre manifestantes fugitivos, liquidando implacavelmente os feridos.

Valerá, a tal propósito ler, o que escreveu o nosso confrade Leopoldo Amado em http://guineidade.blogs.sapo.pt/arquivo/1019191.html. [Mas também Mário Dias, o único de nós que esteve lá nesse dia...]

Os partidos políticos estão em formação tanto o MLG como o PAI, os nomes sonantes são os de Rafael Barbosa e Amílcar Cabral. Cabral, no exterior, procura mobilizar a consciência do movimento de liberação. Em 1960, Cabral já está instalado em Conacri e o PAI dá lugar ao PAIGC. A luta pelo reconhecimento internacional ia começar. No interior, de 1960 a 1962, a luta política ganha consistência.

O MLG lança-se declaradamente na guerra em Julho de 1961, atacando São Domingos e depois Susana e Varela. MLG e outras organizações operam a partir do Senegal e da Guiné Conacri. No essencial, nunca se entenderão, o problema cabo-verdiano é o grande óbice, os cabo-verdianos fingem ignorar este dado primordial ou julgam-no ultrapassável.

Por essa época, em Dakar, o diplomata Luís Gonzaga Ferreira tenta uma aproximação entre os guineenses e Salazar, revelar-se-á um insucesso, Salazar escolhera o seu caminho. A subversão alastra rapidamente, o PAIGC apostava com bons resultados na propaganda e na separação das populações. Em Janeiro de 1963, ainda deficientemente equipados e com a maior parte dos quadros ainda em formação sobretudo na China e na Checoslováquia, começou a luta armada com um ataque a Tite, o que veio desorientar as Forças Armadas Portuguesas. Em Julho desse ano a guerra atingia o Oio e o PAIGC instalou-se no Morés; o sul da colónia entrou em convulsão, foi aqui que se deu o mais rápido separar das águas. As autoridades portuguesas não sabiam o que fazer.

Para o brigadeiro Louro de Sousa, comandante militar da Guiné, a guerra estava perdida. Em Maio de 1963 é capturado um sargento da Força Aérea, trata-se do primeiro importante prisioneiro de guerra. De Janeiro a Março de 1964 vai ter lugar a chamada batalha de Como, a Operação Tridente. Teve imensos custos para o lado português serviu para muito pouco já que o PAIGC se ia espalhando com sucesso pelas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine.

É nesta região, em Cassacá, que o PAIGC irá realizar o seu congresso, reorganizar a luta armada, reformular as estruturas partidárias e julgar os camaradas acusados abertamente de crimes inqualificáveis e até abomináveis crimes contra o povo. Foram julgados e fuzilados vários dirigentes.
Ainda hoje não está claro que crimes cometeram e à ordem de quem.

1964 foi o ano decisivo no alargamento da luta de guerrilhas. O PAIGC avançou para a região de Bissau mas a guerra não chegou ao interior da península como não chegará aos Bijagós, à ilha de Bolama e mesmo ao “chão fula”. Os grupos do PAIGC passam a actuar praticamente em toda a região Sul, abaixo do Geba e a oeste do Corubal. Em Abril, Arnaldo Schultz é nomeado como governador e comandante militar.

Schultz apercebe-se que o PAIGC fora bem sucedido no Sul e que tem um relativo controlo na região do Morés, actuando com subtileza em diferentes corredores que garantem o abastecimento das bases instaladas no interior. Por esta época as FARP estão em reorganização e o seu equipamento está, no mínimo, em paridade com as forças portuguesas. Os movimentos de libertação da Guiné, Angola e Moçambique passam a afinar posições, junto dos comités da ONU mas é indiscutivelmente o nome de Cabral que sobressai em todas as assembleias, pela sagacidade, conteúdo, leitura do futuro.

Quando Che Guevara percorre alguns pontos de África, já se tinha encontrado com Cabral. Os meios de comunicação não deram projecção a este encontro em que Guevara prometeu o envio de armas. Segundo Óscar Oramas (que virá a ser nomeado embaixador cubano, em Conacri) Guevara terá comentado que Cabral “era o dirigente africano de maior talento e que mais o tinha impressionado”.

A ajuda cubana virá, como é sabido. Será aliás em Cuba que em Janeiro de 1966 a I Conferência de Solidariedade dos povos da África, da Ásia e da América Latina e será aqui que Cabral terá ensejo de proferir uma das suas mais importantes intervenções ideológicas, inovando conceitos de matriz marxista, orientando-os para a realidade africana.

(Continua)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6790: Notas de leitura (135): Rui Patrício: A vida conta-se inteira, de Leonor Xavier (Mário Beja Santos)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5633: Núcleo museológico Memória de Guiledje (2): Inauguração no próximo dia 20 de Janeiro, com a Júlia Neto a representar o nosso blogue



1. Reprodução, com a devida vénia, de documento da AD - Acção para o Desenvolvimento (Agradeço ao Filipe Santos, da Escola Superior de Educação de Leiria, o envio do ficheiro em formato compatível com o html; o Filipe Santos é o webmaster da página dos nos nossos amigos da AD - Bissau. Ao Pepito, agradeço a autorização, para a reprodução, no nosso blogue, do texto e de uma selecção de imagens).


Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje > 20 DE JANEIRO DE 2010

A recuperação e transmissão da História, quando as testemunhas vivas começam a desaparecer, deve ser considerada como uma missão, um dever e uma obrigação. É preciso contribuir para que se compreenda o que se passou antes, conhecer os caminhos da história e reforçar os sentimentos que nos unem.



A Guiné-Bissau vive um momento em que um dos maiores desafios que se lhe depara é o de preservar e reforçar a sua identidade enquanto Nação, consciente de que o conhecimento e a compreensão da sua História é determinante para uma maior identificação colectiva.

(1) Construção da Capela com a laje de Zé Neto



(2) Colocação da cruz celta
recuperada



(3) Operação de colocação da cantoneira recuperada na Capela



O quartel de Guiledje que foi construído em 1964 no sul da Guiné-Bissau, na actual região de Tombali, a uma dezena de quilómetros da fronteira norte da Guiné-Conakry, é um símbolo nacional.


A luta armada pela independência da Guiné-Bissau tem início em 1963 e, em 1972, Amílcar Cabral, considera o quartel de Guiledje como o mais bem fortificado da frente Sul, afirmando: “Se este quartel cai, tudo à volta também cai”.

(4) Vista exterior do Museu

Em Maio de 1973, Guiledje cai. Quatro meses depois, em Setembro, reúne-se em Boé a primeira Assembleia Nacional Popular que declara a criação da República da Guiné-Bissau. Menos de um ano depois a guerra colonial acaba.

(5, 6, 7, 8, 9) Diversos objectos expostos: quépi e galões de capitão, doadas pelo Cap Mil Abílio Delgado (5, 8); talheres e cantil usado no mato (6, 7); rádio usado pela guerrilha (9)... Trata-se apenas de uma pequena amostra dos objectos expostos...


Porque, como diz um combatente pela independência, trinta e cinco anos depois, foram “estabelecidas as pontes emocionais entre aqueles que, em lados opostos da barricada, viveram com todo o seu ser, momentos de sangue, de sofrimento e de destruição, e que, hoje, se dão as mãos na construção de um mundo feito de compreensão, amizade e respeito mútuo, a história comum pode ser escrita, com objectividade, como legado às gerações vindouras”.


Porque é preciso explicar a História de forma interessante e compreensível é que surge o Núcleo Museológico “Memória de Guiledje” (1, 2, 3, 4).

Do antigo quartel de Guiledje, pouco resta hoje, senão alguns marcos escritos e material de guerra destruído.


Porque é preciso fazer a ligação entre o passado e o futuro é que se iniciou a sua reabilitação a qual, embora respeitando a estrutura e traça original do quartel, irá utilizar as suas diferentes componentes para novas vocações, dinamizando a vida comunitária local e constituindo uma referência histórica nacional.


Para isso muito contribuiu a vontade de todos os que por lá passaram, grande número dos quais foi fazendo doações pessoais de objectos a que estavam muito ligados sentimentalmente, dando fotografias, aerogramas, rádios-telefone, galões, bonés, fardas, colheres, marmitas, relógios, ou contribuindo para o arranjo interior do museu, com o diorama, os grandes posters, etc. (5, 6, 7, 8, 9)


Guiledje – o Futuro

O maior desafio será o de Guiledje se constituir como um pólo de desenvolvimento regional, compreendendo:

(i) O Museu Histórico que perpetuará a história da luta pela independência da Guiné-Bissau, em especial a ligada às zonas libertadas do sul do país, assim como a presença dos militares portugueses que construíram o quartel e nele viveram cerca de 10 anos.

O Museu permitirá aos visitantes o acesso a documentos fotográficos, mapas, textos escritos, vídeos e cartas pessoais dos protagonistas, guineenses, cabo-verdianos, cubanos portugueses, testemunhando e relatando as suas vivências da guerra, às armas e meios logísticos utilizados na altura por um e outro lado, aspectos ligados à religião católica e muçulmana e o acesso a livros sobre a História e Guerra Colonial.


(ii) A Sede da Área Transfronteiriça de Guiledje que irá promover a cooperação das comunidades, agricultores, jovens e mulheres, organizações de base, autoridades tradicionais e administrativas, técnicos e decisores políticos da Guiné-Bissau e da Guiné-Conakry para a conservação e gestão correcta dos recursos naturais e humanos, em especial na preservação dos corredores de animais selvagens, a desmatação e repovoamento florestal, o uso da terra para a agricultura, o cumprimento do regulamento de caça e que irá dinamizar o desenvolvimento comunitário e apoio às iniciativas locais.

(iii) O Centro de Aprendizagem Rural, com o objectivo de formar e capacitar jovens para actividades profissionais, agrícolas e associativas: construção de poços, carpintaria, serralharia, mecânica, construção civil, energia solar, condução de pomares de fruteiras e jardins hortícolas, transformação de produtos agrícolas e criação e liderança de organizações de base

(iv) Um Pólo de Turismo Histórico a partir do qual, todos os ex-miliares que combateram naquela zona poderão aceder aos antigos quartéis de Cacine, Gadamael, Gandembel, Iemberém, Cadique, Cabedú e Bedanda, bem como às barracas da guerrilha nas matas de Cantanhez, praticando um turismo de saudade, trazendo as suas famílias as quais poderão apreciar igualmente outros atractivos naturais, culturais e ambientais, do chamado turismo verde.

Programa do dia 20 de Janeiro de 2010, Dia de Amilcar Cabral

Há cerca de dois anos, em Fevereiro de 2008, o Simpósio Internacional de Guiledje (**) recomendou a criação de um Museu em Guiledje que perpetuasse a memória de todos quantos, guineenses, cabo-verdianos, cubanos e portugueses viveram momentos que marcaram o nascimento da Guiné-Bissau.

É neste contexto que o Governo guineense decidiu que a cerimónia central de evocação desta data se realize em 2010 em Guiledje, com a participação de combatentes da luta pela independência, de um grupo de companheiros cubanos liderados pelo lendário Comandante Móia e de antigos militares portugueses, dos quais salientamos a presença do Dr. Luís Graça, coordenador do mais importante blogue sobre a guerra Luís Graça e Camaradas da Guiné (***), assim como da Senhora Júlia Neto, esposa do Capitão Zé Neto [ 1929-2007], o primeiro militar português a dedicar-se de alma e coração à reconstrução da Memória de Guiledje, acabando por falecer sem ver concretizado o maior sonho que perseguia: regressar à Guiné-Bissau e a Guiledje.

Para os convidados vindos de Bissau prevê-se a sua chegada a Guiledje pelas 10 horas, a que se seguirá uma visita ao Quartel e a inauguração do Museu e da Capela.

Às 11h30 ocorrerão diversas manifestações culturais, protagonizadas pelo grupo de teatro dos combatentes de Cantanhez, pelas antigas lavadeiras do Quartel de Guiledje (Lisboa e Dalandinha) e outros milícias que interpretarão e tocarão em harmónica cantigas portuguesas (****), o grupo coral “Os Fidalgos” com músicas da Luta e grupos locais de danças balanta e fula.

Às 13 horas far-se-ão os discursos oficiais para logo a seguir se passar ao almoço de convívio, na antiga pista de helicópteros.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 9 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5616: Núcleo museológico Memória de Guiledje (1): Arame farpado e sistema de alerta com garrafas de cerveja (Pepito)


(**) Há um vídeo da TV Massar, a televisão local do Cantanhez, sobre a visita ao sul dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje, que ainda não passou aqui no nosso blogue, e que está disponível no sítio da Fundação Mário Soares > Arquivo e Biblioteca > Dossiers > Guiledje (Março de 2008) >

(...) A Fundação Mário Soares participou e apoiou o Simpósio Internacional "Guiledje: Na rota da Independência da Guiné-Bissau", que se realizou em Bissau, de 1 a 7 de Março de 2008.

Neste âmbito, O Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares preparou um conjunto de documentos e fotografias relacionadas com Guiledje, com recurso, designadamente, ao Arquivo Amílcar Cabral.

Links > Apresentação · Textos · Fotografias · Exposição · Documentos · Ficha Técnica · O Simpósio (...)

Sobre o Simpósio > vd. a reportagem realizada pela Televisão Massar acerca do Simpósio Internacional de Guiledje (Vídeo: 4' 10'').

(***) Infelizmente, o fundador e administrador deste blogue não poderá estar presente, em Guiledje, no dia 20 de Janeiro, por razões da sua vida académica. Fez algumas diligências para ser representado eventualmente por membros do blogue (o José Brás, o Xico Allen). Em última caso, estará condignamente representada pela Dª Júlia Neto, que aceitou essa incumbência e, inclusive, fazer para nós um pequeno relato da cerimónia. Aceitou igualmentre o nosso convitre para passar, a partir de agora, a figurar como membro da nossa Tabanca Grande, o que muito nos honra.
(...)
Aproveito para relembrar, aos mais novos, aos periquitos da Tabanca Grande, a história e o significado da capela de Guileje, erigida no tempo da CART 1613 (do Cap Art Corvalho e do 2º Srgt Zé Neto, 1967/68)... Infelizmente, o Zé Neto (com o posto de Cap Ref) foi o primeiro a deixar-nos... A morte levou-o aos 78 anos... Morreu em 2007. Tinha nascido, em Leiria, em 1927.

Em homenagem a este nosso querido camarada, a AD - Acção para o Desenvolvimento convidou a viúva, Júlia Neto, a estar presente na cerimónia oficial da inauguração, a 20 do corrente, do Museu de Guileje (incluindo a Capela, que será consagrada e aberta ao culto). Já falei com ela ao telefone, está muito orgulhosa pelo convite e aceitou representar-nos, a todos nós, blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.... Parte para Bissau no dia 17 (...)

(****) Temos um vídeo com a interpretação de antigas músicas dos tugas, por uma das lavadeiras e por um antigo milícia, exímio tocador de harmónica, que ficará em breve disponível no You Tube > Nhabijao e no nosso blogue... Foi o Pepito que nos mandou através do médico João Graça, em Dezembro passado.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4259: (Ex)citações (26): Caba Fati: Nunca poderia ser amigo do peito, mas também nunca senti ódio contra ele (Miguel Pessoa)

1. Reacção do Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) ao teor do poste anterior (*):

Luís

Recebi esta tua notícia e não consigo encontrar um comentário adequado para te enviar. Bom, pensei 5 segundos e afinal cá vai este, só para ti:

Pelos vistos, ele teve mais sorte com os portugueses do que com os seus compatriotas...

Abraço. Miguel

PS - Devo dizer que nunca o encarei a ele como o "homem que me quis matar". Numa guerra muitas vezes nem há ódio envolvido nas acções que fazemos; trata-se, não de "querer matar alguém", mas sim de "querer evitar que alguém nos mate". Por isso nunca tive qualquer ódio ou ressentimento contra o Caba Fati, embora também não houvesse motivo para querer fazer dele meu "amigo do peito".

Por causa disto, lembrei-me daquela máxima que por vezes usávamos com ironia:

"Herói não é aquele que morre pela sua Pátria mas sim aquele que faz o inimigo morrer pela Pátria dele".

Quer-me parecer que, no nosso caso, mais do que heróis, houve mártires (que lá ficaram ou vieram estropiados ou traumatizados) e sobreviventes (que ainda andam por aí a tentar saber o porquê do sacrifício que lhes foi pedido). (**)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)

(**) Vd. úktimo poste desta série > 25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4246: (Ex)citações (24): Sinto-me feliz por ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné (Salgueiro Maia)

Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)

1. Mensagem de Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, 1972/74 (aqui ao lado da esposa, Giselda, antiga enfermeira pára-quedista, também ela 'strelada' na Guiné), enviada em 20 em Abril último:

Caro Luís

Lamento se estas palavras te vão desapontar, mas devo dizer desde já que não estou muito interessado em encontrar-me pessoalmente com o oficial guineense que me abateu (*). Apenas referi num comentário que pensava que ele tivesse outro nome mas, como vês, nem sequer me dei muito ao trabalho de o fixar...

Ao fim de tantos anos o assunto está enterrado e há muito que deixei de procurar o "homem do Strela", mais propriamente no dia em que embarquei em Bissau de regresso a Lisboa, no fim da minha comissão.

De uma coisa não me podem acusar - é o de não respeitar o meu adversário; talvez por isso ainda esteja cá. E se um encontro se proporcionasse, cumprimentaria o meu ex-inimigo com o respeito que lhe é devido como cidadão e militar guineense. Mas, vais-me desculpar, um abraço nessa situação seria para mim uma atitude hipócrita que eu muito dificilmente teria.

E não é por mim, que eu aguento bem tudo o que passei... e muito mais... Afinal, cada um de nós estava a cumprir a sua missão.

Mas ao cumprimentar amistosamente o meu ex-adversário, ficaria sempre com a dúvida se não estaria a cumprimentar o mesmo que abateu o Ten Cor [Pilav] Brito, pouco depois. E isso seria muito dfifícil de aceitar para mim, pelo respeito que me merece a sua memória.

Este blogue defende a partilha de memórias e de afectos. Esta minha atitude, parecendo pouco amistosa (que afinal nem o é), não terá por isso razão de ser publicada. Assim, prefiro enviar-te este e-mail para ti directamente, não o tendo integrado como comentário a este Poste.

As leituras que tenho feito no blogue deixam-me no entanto antever a possibilidade de distribuir uns bons abraços a uns tantos tertulianos. Talvez isso possa suceder já no próximo Encontro da Tabanca Grande.

Um abraço
Miguel Pessoa

2. Resposta do Luís Graça, na volta do correio:

Miguel:

Não me desapontas, bem pelo contrário. É essa tua frontalidade e ao mesmo tempo fairplay que eu aprecio em ti. Longe de mim a ideia de que este blogue tem que ser "politicamente correcto"... Eu quis ser irónico e provocador ao mesmo, indo na tua onda. Ora, aqui tenho a resposta de um homem sincero, vertical, amigo do seu amigo, camarada do seu camarada, que não andou a brincar às guerras... Há coisas com que se não pode brincar... a começar pelos nossos sentimentos profundos... Se calhar eu próprio pisei o risco... I ' m sorry.

De qualquer modo, se queres a minha opinião gostava de poder publicar o teu comentário, até para reafirmar o nosso (do blogue) pluralismo. Não fazemos fretes a ninguém, e muito menos aos nossos inimigos de ontem... A minha admiração por ti subiu mais uns palmos.

Uma boa semana. Luís

3. Réplica do Miguel:

Caro Luís:

Não vejo inconveniente em que publiques o meu comentário anterior. Não gosto de comprar guerras inúteis, mas também não costumo fugir a elas. Gostaria no entanto de fazer um reparo ao meu próprio comentário. No calor da resposta, a quente, ao próprio Post, acabado de publicar, referi-me apenas à memória do Ten Cor Brito (na foto, à esquerda), o que é profundamente injusto para com os outros pilotos que na mesma época foram igualmente vítimas do Strela. Assim, a frase estaria mais correcta se referisse:

"Mas ao cumprimentar amistosamente o meu ex-adversário, ficaria sempre com a dúvida se não estaria a cumprimentar o mesmo que, poucos dias depois, abateu o Ten Cor Brito, o Maj Mantovanni, o Fur Baltazar ou o Fur Ferreira. E isso seria muito dfifícil de aceitar para mim, pelo respeito que me merece a memória destes meus camaradas".

Dispõe do texto, de preferência com esta minha correcção.
Um abraço
Miguel

PS - Só para ti, a máxima do dia: "Não escolhemos os nossos inimigos, mas já o mesmo não se passa com os amigos que queremos" - Miguel Pessoa, 20 de Abril de 2009 (E esta, hein?)




4.
Comentário do L.G.:

Miguel:

Obrigado. Vou publicar com a tua correcção e uma pequena explicação minha... Concordo contigo: Entre as poucas coisas que podemos escolher, estão de facto os amigos... Andas inspirado. Um abraço.

5. Nova mensagem , com duplo endereço:

Miguel: Quem conta um conto... Vamos à procura do Caba Fati... Vou pedir ajuda aos meus/nossos amigos de Bissau... Um abraço. Luís

Pepito: A tua gente... pode dar uma ajuda a localizar o major Caba Fati que apontou o Strela ao hoje Cor Pilav Ref Miguel Pessoa, em Guileje, em 25 de Março de 1973 ? Tens o contacto do Féfé Gomes... Um abraço para todos os nossos amigos da AD... Já vi o relatório [a AD, 2008], viu divulgá-lo... Luís

6. O meu/nosso amigo Pepito, da AD - Acção para o Desenvolvimento, acaba de me responder ao pedido meu para saber novas do homem que apontou o Strela ao Fiat G-91, pilotado pelo Ten Pilav Miguel Pessoa, na tarde do dia 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje:

Luís:

O Caba Fati faleceu durante a nossa guerra de 7 de Junho de 1998.



7. Eis a lacónico comentário que acabo de enviar, com o mail supra, ao Miguel:

Miguel: Já não poderás apertar a mão (e muito nenos dar um abraço) ao homem que te quis matar... Luís

PS - Esquecemo-nos, com frequência, que a Guiné-Bissau figura na lista dos países com menor esperança de vida média do mundo: menos de 45 anos, para os homens (em 2006)... contra mais de 75, em Portugal...
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)

Vd. també14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral

domingo, 19 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)

1. Comentário do Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav (BA, Bissalanca, 1972/74), 'strelado' em 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje:

Luís

Quando é referido no poste P4185 (*) "O artilheiro do PAIGG, encarregue de disparar o Strela (Caba Fati, hoje major, se bem percebi o nome)", fiquei um bocado admirado pois, quando lá estive em 1995 no Guileje, o grupo de altos comandos guineenses, onde se incluía o Nino Vieira, contou a história do meu abate e referiu um nome de que já não tenho a certeza absoluta - Camará? Kamará? - como tendo sido o atirador do Strela que me acertou (era qualquer coisa parecida com "camarada" mas, despistado como sou, nem escrevi o nome...).

Na altura referiram ainda que ele não estava de momento na Guiné mas sim em Angola, como cooperante.

Enfim, não tem grande importância, pois fosse Caba Fati, Camará ou Kamará, o facto é que fiquei cá para contar... O pessoal presente ficou um bocado chocado quando lhes disse descontraidamente que tinha andado lá mais um ano à procura dele, mas que, pelos vistos, não o tinha encontrado... Mas de que é que estavam à espera? Que lhe quisesse dar um abraço, como fazemos aqui no blogue ?!

Um abraço (Cá está!)
Miguel Pessoa

2. Comentário de L. G.:

Parabéns ao teu saudável sentido de humor... Não sei se já o tinhas antes de seres 'strelado' (**), mas um gajo como tu que teve a estrelinha da sorte e a varinha de condão da audácia para se safar de um ronco daqueles ('a sorte protege os audazes', dizia a malta dos comandos...), bem pode permitir-se o luxo de passar o resto da vida a contar histórias de humor negro...

De facto, o comentário, na frente do Nino e dos demais altos dirigentes do PAIGC, em finais de 1995, em Guileje, aquando da reportagem para televisão, é um peça de antologia, de fina ironia, de superior inteligência, muito apropriada para a ocasião, mesmo que os interlocutores a tenham engolido em seco

... Vieste-me embora, para Portual, sem poderes entregar pessoalmente o 'cartão de visita ao sr. Cabá Fati ou Camará, o apontador do Strela que te levou ao tapete, que te derrubou mas não te venceu... Ainda lá andaste mais um ano e tal à procura de desforra...porque ao fim e ao cabo ninguém gosta de perder nem a feijões...

Confesso que, ao voltar a ouvir o Nino no vídeo, desta vez consegui ouvir bem e 'apanhar' o nome do camarada, que te 'strelou': não há dúvida que foi tal major Caba Fati, nome de resto também referido por Féfé Gomes Cofre (no filme As Duas Faces da Guerra)...

A triangulação é sempre é uma boa forma de validação de fontes de informação. Pode ser que algum amigo, da Guiné-Bissau ou de Cabo Verde, nos possa dar uma ajuda a respeito0, confirmando ou informando este dado...

Não se pense que é um exercício, por nossa parte, de sadomasoquismo... Acusam-nos de, quarenta anos depois, ainda andarmos a chafurdar no tarrafo da história da guerra da Guiné... Se a guerra já acabou há muito (e terá acabado mesmo, de verdade ?, pergunto eu), por que é que vocês não se sentam, quietinhos, no sofá, a ver televisão e a gozar a vossa bela reforma ? Que raio de gente!

Afinal, ainda sabemos tão poucas coisas sobre o outro lado da guerra... Outros, por cá, com ar mais sobranceiro, académico, doutoral, mediático, dirão que isto são 'penuts' (mancarra), 'petite histoire', coisa de somenos importância... Mas por que carga de água quer o homem saber quem o derrubou como Strela ?

Eu discordo, e daí a razão por que dei o devido destaque à tua oportuna e interessane questão: afinal, quem é que me quis matar ? O Nino e o Féfé (que eu conheci pessoalmente no decurso do Seminário Internacional de Guileje, Bissau, 1-7 de Março de 2008) parece não terem dúvidas: foi o tal Caba Fati, hoje senhor major das Forças Armadas da República da Guiné-Bissau... Por que não procuras entrar em contacto com ele ? Já tivemos algum sucesso nessas buscas de inimigos do passado. Por exemplo, localizámos e entrevistámos há tempos, em Bissau, o homem que comandou a terrível emboscada do Quirafo, o comandante Malu (***).

Não tenho dúvidas de que o teu encontro com o major Caba Fati seria emocionante, e que desta vez lhe darias o até agora adiado Alfa Bravo, o abraço da paz e da reconciliação... Ou não ? Acredito que o homem olhasse para ti, meio encavacado e incrédulo (por seres um sobrevivente famoso), e te dissesse à laia de desculpa:
- Desculpa, camarada Pessoa, mas guerra é guerra...

Miguel: Adoraria filmar esse encontro!...

__________

Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral

(...) Esta e outras falhas de informação e coordenação são reconhecidas e comentadas por 'Nino' que evoca aqui também o derrube por um Strela, em 25 de Março de 1973, do Fiat G-91, pilotado pelo então Ten Pilav Miguel Pessoa, sob os céus de Guileje...

Segundo ele (e essa versão é também corroborada por Pedro Pires, no seu depoimento, na II Parte do filme de Diana Andrnga e Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra), a "operação de Guileje" começou com uma espécie de armadilha, montada à nossa Força Aérea. Os guerrilheiros sabiam que, após um ataque a Guileje, era pedido apoio de fogo a Bissalanca. Dez minutos depois, eram sobrevoados e bombardeados pelos Fiat.

Daquela vez, havia o Strela, um moderno míssil terra-ar, disponibiliado pelos soviéticos, tendo em vista a escalada da guerra... O artilheiro do PAIGG, encarregue de disparar o Strela (Caba Fati, hoje major, se bem percebi o nome) daquela vez não falhou... A euforia foi tão grande, entre as hostes do PAIGC, que eles nem se deram o trabalho de procurar o piloto e de aprisioná-lo, no caso de ainda estar vivo... (Vd., a este respeito, o testemunho do antigo guerrilheiro Féfé Gomes Cofre, na II Parte do filme da Diana Andringa e do Flora Gomes) (...).

(**) Vd. postes de:

29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strelado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

(***) Vd. poste de 12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

A Guerra estava militarmente perdida?

José Belo
ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70

Liberdade, Democracia...e guerras coloniais militarmente ganhas!

Das potências militares europeias quantas terão militarmente perdido as suas guerras coloniais? A Inglaterra na Índia ou em África? A França na Argélia? A Holanda na Indonésia? Apesar de disporem de recursos humanos e económicos avultados, todas se decidiram pelo abandono. Quer se creia ou não em "ventos da História", essas colónias não foram militarmente perdidas.

Dirão os idealistas que a força de emancipação dos povos é impossível de ser militarmente parada. Dirão economistas serem outras as regras "do Jogo", apesar de convenientemente vestidas com uniformes militares e bandeiras desfraldadas.

Liberdade – Democracia - Guerras Coloniais, é equação de provado não funcionamento histórico. Daí, uma guerra colonial a ser ganha"num Portugal livre, democrático, europeu?

Como participantes activos, como combatentes, numa tragédia histórica que nos ultrapassava, tanto no "tempo" como nas responsabilidades políticas deveremos sentir vergonha? Cito o Coronel de Infantaria David Martelo no seu livro "As Mágoas do Império": apesar de ser norma das guerras exprimirem-se pela destruição, a derradeira campanha em África, terá sido, com toda a certeza, o empreendimento militar português que mais construíu! A própria táctica de captação das populações não consentia outros procedimentos. Por esse motivo, os militares e ex-militares portugueses podem recordar, com justo orgulho, o bem-estar que ajudaram a levar até grande parte das populações autóctones.

Tenho que concordar com o "desabafo" de J. Mexia Alves meses atrás enviado á Tabanca Grande, na sua incompreensão quanto á necessidade de alguns se colocarem literalmente "de cócoras" perante os feitos da guerrilha, na busca de um, muitas vezes demasiadamente forçado pseudo politicamente correcto.

Os nossos antigos adversários são merecedores do nosso respeito, mas não de subserviências. Em verdade, em função dos resultados por eles obtidos não as necessitam! Na guerra que nos obrigaram a travar, e no campo estritamente militar, muito pouco haverá que nos pode envergonhar como Soldados de Portugal.

Mas um debate quanto a guerras passadas não militarmente perdidas? Não é sequer original! O Nacional-Socialismo de Hitler tomou o poder sob a bandeira da traição aos combatentes Alemães da 1ª Guerra Mundial, não militarmente derrotados. Os nostálgicos que na Rússia de hoje lamentam a perda do Império Soviético na Europa de Leste, depois de uma guerra fria não militarmente perdida. A direita civil e militar Norte-Americana afirmando continuamente que a guerra do Vietname estava longe de militarmente perdida!

Humor á parte, tem que se concordar serem interessantes companheiros de caminho nisto de debates quanto a guerras...militarmente perdidas ou não! A não se pretenderem tirar as conclusões políticas inerentes, resta, para este nosso debate estritamente militar soluções de contabilidade aparentemente simples.

Mas não será uma simplicidade enganadora? Um teatro de guerra, por definição é constituído por infindáveis e multi-facetados factores. Esses factores acabam por multiplicar-se "ad infinitum" quando a um Exército Regular se opõe uma força de Guerrilha.

Contam-se as armas de cada campo? Quantas metralhadoras? Quantos canhões? Mas chegará contar os canhões? Quantos estavam em condições verdadeiramente operacionais? (Recordo os imponentes obuses 14 de algumas guarnições, aos quais faltavam os aparelhos de pontaria e tabelas de tiro). Funcionariam todos os inventariados à guerrilha? Quantos especialistas de armas pesadas manuseavam o nosso tão distribuído morteiro 81? Será o rendimento operacional obtido por tais armas contabilizado do mesmo modo, independentemente do voluntarismo dos militares que as utilizavam? Qual a norma para uma contabilização comparativa quando as nossas armas pesadas respondiam a ataque nocturno ás nossas guarnições sem disporem de equipamentos de aquisição de objectivos? Os efeitos "estritamente militares" eram relativos, apesar de por vezes, lá íamos acertando. Por certo, como no caso da guerrilha.

Quatro, sete, vinte navios de guerra que garantem as deslocações nos rios e braços de mar serão contabilizados do mesmo modo que, duas, vinte, trinta primitivas canoas que, na escuridão da noite, permitem á guerrilha transportar os homens e materiais necessários? Como comparar os resultados práticos e estratégicos obtidos por estas armas assimétricas?

O inimigo, por contínua pressão militar, obrigou-nos a abandonar os aquartelamentos, por ex., de Gandembel e Madina do Boé. Na exploração do resultado, a guerrilha decide não ocupar os aquartelamentos, pois o seu interesse estratégico era desimpedir os eixos de infiltração de material, e não o de ocupar terreno, e esperar sentada pelos inevitáveis bombardeamentos.

Como contabilizar os resultados? Vitória na planeada retirada estratégica das força convencionais? Vitória da guerrilha por ter obtido os seus objectivos? Ao objectivo "estritamente militar" em que um exército regular quantifica "a vitória", opõe a guerrilha uma ideia de vitória sustentada pela arma fundamental ao seu dispor que é a propaganda.

Como contabilizar os resultados das diversas operações á ilha do Como? Ao Cantanhez? Vitórias? Derrotas? Quais os resultados estritamente militares perante os objectivos planeados? Ocupação de terreno? Interdição de terreno? Conquista das populações? Destruição de meios humanos e militares inimigos? Em operações das nossas tropas especiais, heli-transportadas, com avultados sucessos em acampamentos destruídos, inimigos mortos e material apreendido, a contabilização é mais uma vez de aparente facilidade, na perspectiva de um exército convencional. Mas as tropas especiais não são nem formadas, nem vocacionadas, para simplesmente ocuparem o terreno. Daí, o passadas horas, dias, ou mesmo semanas, acabarem por ser retiradas dos objectivos destruídos. A guerrilha volta. Apaga as cinzas. E grita vitória por ter obrigado o inimigo a retirar. Mesmo que as forças de guerrilha tenham que acabar por "apagar as cinzas" de uma centena de acampamentos no mato, se gritarem sempre "vitória" de um modo que as populações "vejam" essas vitórias, a nossa contabilidade assimétrica complica-se ainda mais.

Neste tipo de guerra, terá significado militar o quantificar a "vitória" em áreas ocupadas pelas força regulares? Como relacionar estas numa proporção relativa aos quilómetros quadrados em que a guerrilha se movimenta. Ocupação/Movimentação, mais uma das facetas de contabilização menos fácil. Como quantificar em termos estritamente militares, os efeitos psicológicos dos rebentamentos de minas anti-carro sob viaturas pejadas de soldados? Opondo-se-lhes o número de quilómetros de estradas alcatroadas, em que algumas das nossa colunas se deslocavam sem problemas de maior sob a segura protecção das vetustas Fox e Daimler?

A evolução do material de guerra fornecido á guerrilha pelos seus apoiantes, com a crescente aceleração em quantidade e qualidade, nos últimos anos da guerra, foi considerável. Seria suficiente, nos tais termos estritamente militares, para uma vitória frente ao exército convencional com evidentes carências na sua capacidade de renovação, adaptação e aquisição de material de guerra que lhe permitisse acompanhar a par e passo o evoluir da guerra de guerrilha para uma confrontação mais convencional?

Qual o significado real, neste debate, quanto ao facto de o inimigo possuir este, ou aquele tipo de foguetões anti-aéreos, ou anti-campos fortificados? Não se poderá negar que os nossos aviões ainda voavam dentro de certas limitações. Mas facto é que essas limitações não existiram durante um grande período da guerra, com todas as inerentes vantagens para as nossas tropas. Como contabilizar nos tais termos militares esta forçada diminuição de uma situação anterior....óptima? Quantos os aviões abatidos? Quais as nossas capacidades de substituicao? Quais os efeitos psicológicos para os pilotos que sabiam não dispor de contra medidas eficazes contra as armas contra eles utilizadas? Não haverá muito de subjectivo e portanto um pouco fora do campo de uma análise "estritamente militar", ao ser usado como exemplo o facto de utilizarmos os aviões de transporte Norte-Atlas, como plataformas de bombardeamento, lançando as bombas através da porta de carregamentos?

São muitas as dúvidas, as perguntas levantadas, as interpretações, os raciocínios subjectivos. Neste tipo de debate é fácil esquecer que o Mundo não parou no mês de Marco do ano de 74. Quais seriam as condições reais em Portugal sem a revolta militar de Abril? A tal guerra colonial..."a ser ganha"...ou não perdida, ....quantos anos mais?

Estocolmo, 3 Junho 2008

J.Belo
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Notas de vb:

1. A Guerra estava militarmente perdida. Era apenas uma questão de tempo. A artilharia do PAIGC ia até Mansoa, Farim, Bolama, Bissau...Os Strella, os pilotos do PAIGC, em formação, preparavam-se para levar os MIGs até Bissau.

A Guerra não estava perdida em termos estritamente militares. À medida que o PAIGC melhorava as máquinas da morte, o Governo Português avançava com os Red Eye e não estava afastada a ideia de novas investidas a Conakry.

A opinião internacional, as Nações Unidas, os aliados de Portugal cada vez menos aliados, a pressionarem o governo Português a aceitar uma negociação para o conflito.
A imperiosa necessidade de salvaguardar a jóia da República, Angola (onde a guerra estava limitada a acções de polícia).

A Família Portuguesa cada vez menos disposta a enviar os seus filhos, maridos e netos para uma guerra que achavam sem sentido. E o brio das Forças Armadas Portuguesas com os melhores soldados do mundo a garantirem que não seria nas bolanhas e nas matas que Portugal iria perder a guerra. ~

O número de refractários e desertores não parava de aumentar. Muitos deles na Suécia, França, Holanda, Bélgica... participavam em acções contra o colonialismo Português. E Tavira, Caldas, Mafra a abarrotarem de milicianos cada vez com menos vontade em lutar por um Império que lhes parecia dizer muito pouco...
Uma questão polémica, infindável.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)