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domingo, 3 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25233: In Memoriam (500): Eduardo Cesário Rodrigues, mais conhecido por "Salazar" (1941-2024), ex-alf mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1967 / 69) (Joaquim Pinto Cavalho)



Eduardo Cesário Rodrigues, "Salazar" (1941-2024), ex-alf mil CCAÇ 1420 / BBCAÇ 1857 (Fulacunda) (jan-abr 67), e CCAÇ 6 (Bedanda) (mai67 - jun68)


Guiné > s/l > s/ d> O "Salazar" à esquerda



Guiné > Região de Tombali > Bedadanda > CCAÇ 6 > c. 1967/68> O "Salazar", do lado esquerdo, sentado, com boina,  a “tocar” no instrumento de que não sei o nome.



Portugal > Mealhada > 29 de junho de 2013 > 3.º Encontro dos Bedandenses, organizado pelo António Teixeira, "Tony" (1948-2018), ex-alf mil CCAÇ 3459/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda (1971/73). 

Fotos (e legendas) : © Joaquim Pinto Carvalho (2024). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaraada da Guiné.]


1. Mais uma notícia triste que nos chega por telemóvel e depois por email de 26 do passado mês de fevereiro, por parte do Joaquim Pinto Carvalho 

tem 64 referências no nosso blogue; é membro nº 633 da Tabanca Grande; foi alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73); natural do Cadaval, é advogado, poeta e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã; é autor de uma brochura com a história da unidade, a CCAÇ 3398, distribuída no respetivo XXV Convívio, realizado no Cadaval, em 18/9/2021; vai voltar no dia 9 à Guiné, passando por Bossau, Buba e Bedanda, com um grupo de graduados da ua CCAÇ 3398)]


Data - 2 de março de 2023, 20h21:

Olá, Luís!

Seguem breves elementos informativos sobre o "Salazar", que morreu no  passado dia 26 (*),   e algumas fotos em anexo ...

Nome: Eduardo Cesário Rodrigues, conhecido por  "Salazar". (O "nickname" Salazar nasceu no seio da família e era assim conhecido entre os amigos e até na tropa)

Data nascimento: 18/07/1941

Data do óbito: 26/02/2024

Incorporação: 03/05/1965

Disponibilidade; 28/02/1969

Embarque em Lisboa a 11/01/1967 a bordo N/M "Rita Maria" | Desembarque na Guiné no dia 19/01/1967

Patente: Alferes miliciano

Subunidades e locais: 

CCAÇ 1420 (BCAÇ 1857) – Fulacunda

CCAÇ 6 – Bedanda, 4º Pelotão,  de 01/05/1967 a 01/06/1968.

27/08/1968 – evacuado para o Hospital Militar Principal  (HMP), em Lisboa por doença em serviço.

Foi ferido na operação “Salto",  na zona de Caboxanque (Cantanhez), em data que não
 conseguimos precisar.

É o que tenho por agora. Pode ser que venha a obter mais dados. A foto ao pé do estandarte foi tirada num almoço convívio na Mealhada, organizado pelo Toni...

Ao dispor

Um abraço

Pinto Carvalho 
 

Guião da CCAÇ 6 (Bedana, 1967/74) , "Onças Negras", cuja lema era, de acordo com o guião acima reproduzido,  "Aut vincere aut morire" [Vencer ou morrer]. A antiga 4ª CCAÇ foi extinta a partir de 1abr67, passandP a designar-se por CCaç 6,

Foto: © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados.[ Edição e legendagem: Blogue luís HGraça & Camaradas da Guiné]



Peniche >  28 de setembro de 2013 > Convívio dos bedandenses da CCAÇ 6 e outras subunidades > Tasca secreta do Belmiro >  A chegada do Eduardo Cesário Rodrigues (de alcunha, Salazar), vendo-se o seu filho, de costas.


Peniche >  28 de setembro de 2013 > Convívio dos bedandenses da CCAÇ 6 e outras subunidades > Tasca secreta do Belmiro > Foto nº 8 > O "Salazar", o filho e a afilhada


Peniche >  28 de setembro de 2013 > Convívio dos bedandenses da CCAÇ 6 e outras subunidades > Tasca secreta do Belmiro > O Hugo Moutra Ferreira,  o "Salazar", o João Carapau, o Gualdino (sempre convenientemente acompanhado) e o Lassana

Fotos (e legendas) : © Hugo Moura Ferreira (2013). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaraada da Guiné.]


Neste convívio de Peniche, organizado pelo Bemiro da Silva Pereira (1946-2022), houve 34 presenças... A recordar:

Aníbal Magalhães Marques (1972/74 ?), mais 3 familiares (n=4)

Belarmino Sardinha ((ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), Cadaval) +  esposa (n=2)

Belmiro Silva Pereira (alf mil, 1968/69, Peniche,), mais  a esposa e filho (n=3)

Eduardo Cesário Rodrigues (Salazar) (alf mil, 1967/68), mais o filho e a afilhada (n=3)

Fernando de Jesus Sousa (fur mil, 1971/73) +  esposa (n=2)

Gualdino José da Silva (fur mil 1967/69, Algarve) mais 1 casal amigo (n=3)

Hugo Moura Ferreira (alf mil, 1967/68, Lisboa) + esposa, Lorena (n=2)

Joaquim Pinto Carvalho (alf mil, 1972/73, Cadaval) +  espoa, Maria do Céu (n=2)

João António Carapau (alf mil médeico, 1967/68, Portela, Loures) (n=1)

João José L. Alves Martins (alf mil art, BAC 1, 1968/69, Lisboa) n=1)

José P. B. Guerra (1º Cabo, 1971/73) (n=1)

Lassana Djaló (, o mais bedandense de todos os bendandenses, Lisboa) (n=1)

Luís Graça (fur mil, CCAÇ 12, 1969/71, Alfragide/Amadora) mais Alice (n=2)

Luís Nicolau (o homem do SPM, 1972/73, Benedita, Alcobaça) (n=1)

Renato Vieira de Sousa (cap inf, 1967/68, hoje cor ref, Lisboa) (n=1)

Rui [Gonçalves dos}  Santos (o mais vellhinho dos bedandenses, 1962/64, Lisboa) (n=1

Victor Luz (fur mil, 1967/68), mais esposa e 1 casal amigo (n=4)

Não compareceram mas estavam pré-inscritos (n=6)

Amadeu M. Rodrigues Pinho (alf mil, 1967/68)

António Rodrigues (O Capitão do Estandarte: o último Alferes / Capitão, fiel depositário do estandarte e da Cruz de Guerra)

Carlos Nuno Carronda Rodrigues (alf mil , hoje cor ref)

José Caetano

José Vermelho [ex-fur mil, CCAÇ 3520, Cacine; CCAÇ 6, Bedanda; e CIM, Bolama, 1972/74,]

Toni [António,] Teixeira [, ex-alf mil,  CCAÇ 3459/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto; e  CCAÇ 6,  Bedanda,  1971/73;  Espinho)
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2. Comentário do editor LG:

Joaquim, apanhaste-me de "baixa"...Lamento muito a morte de mais um dos nossos camaradas que passaram pelas "africanas"... O "Salazar", como era carinhosamente  tratado pelos "bedandenses", não é do meu tempo nem do teu, mas convivvemos com ele, tu muito mais do que eu. (Eu esporadicamente, em 2013, nos convívios da Amadora e em Peniche).

Não chegou a perfazer os 83 anos, este nosso veterano. Aqui fica a tua homenagem, e a de todos nós. Ele  não será inumado na "vala comun do esquecimento", mesmo que a interação com o nosso blogue tenha sido muito diminuta. Fica aqui, neste cantinho do ciberespaço, o registo de quem se lembrou na vida e na morte.

Transmite às "Onças Negras" e demais "bedandenses"  as nossas  condolências, bem como à sua família natural, esposa, filho, afilhada. 

Juntei  mais umas fotos dos nossos convívios.  Se, nesta viagem de saudade, que vais empreender à Guiné-Bissau, com início no dia 9, conseguires chegar a Bedanda, tira algumas fotos das vossas comuns geografias emocionais. E partilha depois com todos nós. Boa viagem, melhor regresso. 

Amadora > Venda Nova > Restaurante "O Gomes", às portas de Benfica > 19 de dezembro de 2013 > "O Eduardo Cesário Rodrigues, mais conhecido por "Salazar". Este nome que lhe é dado desde os anos 50, faz quase parte do nome dele. Eu costumo colocar no final do nome dele Salazar entre aspas. Como se fosse um título!". (**)

Foto (e legenda): © Hugo Moura Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaraada da Guiné.]

Amadora > Venda Nova > Restaurante "O Gomes", às portas de Benfica > 19 de dezembro de 2013 > Da esquerda para a direita, Gualdino da Silva, o lugar (vazio) deixado em memória do Tony, e o Joaquim Pinto Carvalho 

Foto: © Manuel Lema Santos (2013). Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaraada da Guiné.]

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Notas do editor:



quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25080: Historiografia da presença portuguesa em África (404): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
O Tenente da Armada Real que está à frente da comissão delimitadora das fronteiras luso-francesas é um homem culto, aberto a sentir-se surpreendido pelas belezas africanas, profundamente magoado com as velhacarias perpetradas pelos franceses, foram hábeis a barrar-nos o caminho para o Futa-Djalon, continuando a beneficiar de poderem comerciar no Forreá. Descreve tudo quanto observa, nem vai faltar um ataque de abelhas, já estiveram no Cantanhez, apercebe-se que Dandum não oferece qualquer saída para chegar ao Futa, continuam em território francês onde igualmente se observam devastações a cargo dos Biafadas contra Fulas, ali o ódio não tem fronteiras entre território português ou francês. A missão prossegue, um dos delegados franceses já foi a Bissau fazer partir o material e os abastecimentos que têm a povoação de Geba como destino.

Um abraço do
Mário



Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (2)

Mário Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8.ª série, números 11 e 12, 1888-1889, acolhem um documento de grande valor histórico intitulado “Viagem à Guiné Portugueza”, o seu autor é E. J. da Costa Oliveira, Oficial da Armada Real, Comissário do Governo para a delimitação das possessões franco-portuguesas da costa ocidental de África. Fez-se a viagem de Bolama até ao Sul, o Tenente Costa Oliveira não esconde o seu deslumbramento com tanta beleza natural e vai perseguir com as suas ricas observações que permitem ao leitor de hoje perceber o que era a vida no Sul não só da Guiné portuguesa como da Guiné francesa.

Logo um dado sobre a hospitalidade: “Na Guiné, como todos sabem, a nenhum estranho é permitida a entradas nas tabancas ou praças sem prévia autorização dos chefes; por isso, quando o régulo Sayon soube da nossa chegada aos seus domínios, enviou uma enorme embaixada para nos cumprimentar e introduzir na povoação, onde nos esperava com a sua corte.” Descreve a receção que se pautou pela pompa e circunstância, fala-se do Cantanhez que o oficial da armada irá visitar e apresenta-se o rio Cacine: “É como o rio Grande de Bolola, um enorme esteiro ou braço de mar aonde vão desaguar numerosos ribeiros. A borracha é principalmente o produto indígena que ali se permuta por bertanjil (pano azul de algodão), armas de fogo, etc.”

Chegou a hora de fazer um comentário bastante crítico ao comportamento dos negociadores franceses que nos quisera vedar as saídas para o Futa-Djalon:
“Cortada a Guiné portuguesa na fronteira Este do Futa-Djalon pelo meridiano dos 16º O de Paris, cercada pelos outros dois lados pelos franceses ou tribo da sua proteção, e cumprindo-se o Tratado de 1881 com almami do Futa, a quem Mudi-Yaiá obedece, devemos ter a certeza que o comércio em grande escala deriva para todo o território francês, se não fizermos imediatamente um esforço inaudito para obstar à corrente apenas começada.”

E não deixa de comentar que Mamadu Paté obedece a Mudi-Yaiá. Partiu a expedição para Kandiafará. Foram acompanhados o primeiro-ministro do rei Talibé, o bom Ciré e pelo marabu Abakari abalaram de Amadu-Bubu no dia 24 ao amanhecer e depois de uma penosa marcha devido a inúmeros esteiros e pequenos regatos que tiveram de vadear, de vaza mole e por povoados de crocodilos, alcançaram Kakondo e ali pernoitaram. Observa que saindo do Kakondo o país começa a elevar-se suavemente para Este, a vegetação é mais robusta e variada, anuncia a feracidade do solo, os campos estão trabalhados pela mão do homem e veem-se grandes pilhas de maçaroca de milho miúdo defendidas do cacimbe da noite por coberturas de palha, e não deixa de comentar que esta abundância e bem-estar pode ser alterada a qualquer momento pelas correrias dos Biafadas que não deixam os Fulas em descanso.

Veja-se agora esta descrição de Costa Oliveira:
“Anseio inexcedível, principalmente em Kandembel – a povoação mais bonita que atravessámos – a originalidade dos vestuários das raparigas Fulas, abundância de magnífica água, gado vacum e outros animais domésticos, campos imensos cobertos de lindíssimas flores, centenares de rolas e outras aves de penas brilhantes e de variadas cores, voando de árvore para árvore em bandos enormes, um céu azul puríssimo, iluminado por um sol de fogo e uma brisa fresca e embalsamada, tornam esta região a mais formosa que percorremos em toda a nossa viagem no sertão. Embevecidos nesta paisagem ridente e encantadora, caminhámos até ao pôr do sol e, descendo uma ladeira bastante íngreme, avistámos de repente e a pouca distância as primeiras cubatas de Simbely.
Simbely está situada em território francês e na margem esquerda de um ribeiro que vai desaguar ao Cogon, perto de Kandiafará. Fulas e Biafadas tinham reunido os seus homens de guerra para mutuamente se desagravarem de ofensas por eles reputadas graves, mas realmente sem nenhuma importância. Era o ódio de raça, a mira no roubo e nada mais que impelia Mamadu Paté, rei do Forreá, e Mamadu Jolá, chefe dos Biafadas, a marchar à frente dos seus exércitos, a caminho de Buba, aonde se havia de decidir o pleito, que aparentemente tanto os magoava.”


Refere que pernoitaram em Simbely, o acolhimento foi corretíssimo. Nada mais consta desta viagem até Kandiafará que demorou 14 dias, foram respeitados pelos chefes das povoações por onde transitaram; encontram os membros da comissão francesa antes de entrar em Kandiafará que ele descreverá deste modo:
“Kandiafará, situada na margem direita do Cogon ou Compony, deve ser um lugar insalubre por causa dos pântanos que o rodeiam. Todos, à exceção de M. Galibert, sofriam de febres paludosas, a ponto de M. Noury ter de se recolher à cama com uma espécie de perniciosa. Foi carinhosamente assistido por todos e pelo nosso enfermeiro que recebeu ordem de pôr à sua disposição a nossa ambulância.” Depois de apresentar Dandum, hoje povoação portuguesa, volta a criticar o comportamento dos franceses que guardaram para si apenas a estrada de Kadé, mais uma outra forma de impedir o acesso dos portugueses ao Futa-Djalon e tece o seguinte comentário: “Eis aqui os estupendos resultados de se fazerem tratados de delimitação sem o conhecimento prévio do que se pretende delimitar!” E aproveita a circunstância para também denunciar o comportamento dos régulos do Futa-Djalon que estabeleceram acordos de exclusividade com os franceses, para efeitos comerciais. E volta a tecer as suas críticas: “Que diferença de procedimentos! Uns, os franceses, estabelecem que é proibido a qualquer súbdito de outros países o viajar e comerciar livremente no território Futa; nós, abrimos o Forreá a todo o comércio e garantimos até a segurança dos agentes e suas mercadorias!”

Os membros da comissão francesa continuavam doentes, resolveu-se partir numa pequena caravana.

A 1 de março de 1888 as duas comissões delimitadoras partiram de Kandiafará para o interior a fim de determinarem o curso médio dos rios Cogon e Kolibá, M. Galibert partiu para Bissau para fazer conduzir a Geba a carga de mantimentos pertencentes à expedição francesa.

Inevitavelmente iria aparecer um ataque de abelhas: “As abelhas tinham atacado a caravana, e era forçoso ceder-lhes o acampamento, que elas disputavam com pertinácia! De repente desapareceram e julgando eu o incidente acabado atravesso a ponte. Ainda não tinha chegado perto de M. Brosselard e já as abelhas voltavam a atacar-nos com mais fúria e em enxames mais numerosos! O burro, completamente coberto daqueles terríveis himenópteros, saltava, corria, deitava-se no chão, espojava-se, levantava-se para se tornar a deitar, coitado, parecia doido! Nós todos corríamos em diversas direções, fugindo para longe.” Lá se fizeram algumas fogueiras e o fumo afugentou as abelhas. Após o almoço, Costa Oliveira e M. Brosselard foram visitar o rio Cogon que distava do acampamento cerca de 2 km: “É um formoso rio, o Cogon! As suas margens altas de mais de 3 metros são tapadas por densa vegetação e árvores seculares. Deve ter, neste lugar, uns 200 metros de largo e ser bastante profundo, pois mesmo na margem não teria menos de 2 a 3 metros.”

Levantaram acampamento e abalaram para Kumataly, uma importante povoação fortificada.

Carta da Guiné Portuguesa, século XIX, Arquivo Histórico-Ultramarino
Carta da província da Guiné, 1912
Carta da colónia da Guiné, 1933

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25054: Historiografia da presença portuguesa em África (403): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25038: Notas de leitura (1655): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores observam a evolução da situação político-militar entre 1966 e 1967, do lado português renascera a motivação com a chegada do helicanhão e do Alouette III, para suporte das operações de superfície, do lado do PAIGC remodelaram a estratégia introduzindo sistemas antiaéreos, nomeadamente na península do Quitafine; a propaganda do PAIGC brandia nos areópagos internacionais de ter autoridade em metade do território, um hábil mantra propagandístico, de muito difícil contestação, quer forças especiais quer as forças em quadrícula quando atingiam um objetivo podiam destruir os meios existentes mas tinham rapidamente que retirar, a guerrilha montava dispositivos que iam de emboscadas ao uso de morteiros. Para o Comando-Chefe e para a Força Aérea havia problemas delicados como os que foram postos pela Operação Estoque, bombardear horas a fio os tais lugares que dispunham de sistemas de defesa antiaérea punham problemas humanitários, o bombardeamento podia-se saldar numa autêntica carnificina da população civil, daí terem-se lançado panfletos a pedir a esta população que se deslocasse do local. Evidentemente que o fator surpresa ficou comprometido.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta


Recapitulando a evolução dos acontecimentos de 1966 para 1967, observam os autores que do lado português se ganhara confiança com a chegada do Alouette III, do Fiat e da possibilidade de utilizar na atividade operacional o helicanhão. Do lado do PAIGC, e após o tremendo susto provocado pela entrada em cena do helicanhão, Amílcar Cabral readaptou a estratégia do PAIGC, a guerra expandiu-se, apareceu na propaganda do PAIGC um conjunto de territórios tratados como zonas libertadas, onde o partido nacionalista alegadamente dominava e governava através de políticas rudimentares abarcando a economia, a saúde, a educação, apareceram mesmo os chamados armazéns do povo. Já em 1966, o PAIGC reivindicava a libertação de mais de metade do território, uma estatística veementemente contestada pelas autoridades portuguesas, mas de difícil refutação, as próprias forças portuguesas sabiam perfeitamente que mesmo quando desalojavam ou destruíam instalações precárias dos guerrilheiros, milícias e populações, mal abandonavam os locais esses mesmo guerrilheiros, milícias e populações regressavam, alterando o seu posicionamento, procurando assim também enganar os meios aéreos e não serem atingidos por bombardeamentos.

Seja como for, estas zonas ditas libertadas representavam uma componente essencial do PAIGC na sua estratégia mais ampla, divulgada como o progresso militar e a capacidade administrativa política que legitimava o movimento de libertação. Amílcar Cabral afirmava: “Nas nossas regiões libertadas temos agora os ingredientes de um Estado. O nosso povo tem uma personalidade política e vida económica e cultural, é o povo que governa o povo.” A natureza desta mensagem dava confiança a quem estava sob a égide do PAIGC, começaram a surgir filmes e reportagens que se publicavam e mostravam em diferentes países, e toda esta dinâmica encorajava o apoio de benfeitores estrangeiros, foi a alavanca para o sucesso do PAIGC a longo prazo.

A única forma de Portugal refutar ou procurar contrariar a propaganda do PAIGC quanto a reivindicações de domínio territorial tinha de se exprimir através da ocupação militar, criando destacamentos de diferentes dimensões e intervindo militarmente, na tentativa de desmantelar as posições do PAIGC. Em 1966, as forças portuguesas tinham adotado uma estratégia predominantemente “posicional”, fortificando as guarnições não só nas principais povoações como criando ou reforçando destacamentos e povoações em autodefesa, procurando intimidar a guerrilha por meio de emboscadas ou minas, ou contrariando emboscadas e minas por parte do PAIGC. Como explicou o Chefe de Estado-Maior do Exército, General Câmara Pina, durante uma visita em Abril à Guiné: “Para nós, é fundamental neste momento garantir a segurança das populações; é por isso que empregamos as nossas forças em missões mais estáticas, independentemente da utilização operacional das forças especiais.”

Um jornalista britânico que visitou na época a Guiné teve uma leitura menos positiva da situação, escrevendo que as forças terrestres portuguesas estavam acantonadas e sitiadas em 60 vilas, povoações e quartéis fortificados, só a reagir às ações do PAIGC, deixando à Força Aérea a iniciativa para projetar rapidamente a presença portuguesa em áreas dominadas pelos rebeldes.

Surgiu, entretanto, uma capacidade antiaérea do PAIGC, particularmente nas chamadas zonas libertadas do Sul. Cabral e outros líderes partidários tinham prometido defender e alargar estas áreas libertadas a todo o custo, e uma vez que os portugueses optaram por atacá-los principalmente pelo ar, os guerrilheiros do PAIGC teriam de lhes resistir. E, para esse efeito, concentraram os seus meios e atividade de defesa antiaérea em certos pontos do Sul, onde o PAIGC estava mais entrincheirado. De 1963 a 1965, quase dois terços de todos os incidentes antiaéreos relatados ocorreram no Setor Sul. Houve uma ofensiva aérea de três dias para neutralizar posições antiaéreas na região do Cantanhez (Operação Resgate, de 17 a 20 de dezembro de 1965), esta operação foi a primeira centrada em procurar neutralizar as defesas antiaéreas do PAIGC, o sucesso foi relativo, não foi destruído o poder dos guerrilheiros. Ao longo da primeira metade de 1966, os insurgentes continuaram a expandir e consolidar a sua presença nas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine. O Quitafine teve grande importância para a guerrilha, assegurava transporte costeiro e fluvial, área influente para corredores de ligação à República da Guiné, por isso estava no topo das prioridades para a defesa antiaérea do PAIGC.

O Coronel Abecasis observou que os militantes de Cabral começavam a desafiar a FAP com arrogante ousadia, a Operação Resgate provocara danos a várias aeronaves portuguesas que sobrevoavam a região. As posições antiaéreas do PAIGC também ameaçavam as operações aéreas portuguesas de apoio às guarnições de Cacine e Cacoca. No total, os disparos antiaéreos relatados pela FAP aumentaram de 103, durante 1965, para 110, em 1966, e novamente dois terços ocorreram na zona Sul da Guiné. Ao mesmo tempo que acelerava o ritmo da atividade antiaérea, o PAIGC melhorava o seu arsenal. Inicialmente, havia guerrilheiros com armas ligeiras, em meados de 1964 os insurgentes estavam equipados com metralhadoras antiaéreas (AAMGs) de 7,6 mm e 12,7 mm, depois o Bloco Comunista nos anos seguintes fez a entrega de canhões antiaéreos de 14,5 mm da série ZPU, de design soviético: o ZPU-1, de cano único, e o ZPU-2, de cano duplo, e o ZPU-4, de quatro canos, o que veio ampliar significativamente o alcance da defesa aérea do PAIGC.

Este sistema da defesa antiaérea funcionava sobre rodados, limitava-se em grande parte para operações bem-definidas, usavam-se estradas ou trilhos no Sul. A ameaça antiaérea aumentou em termos de alcance e sofisticação com um aumento correspondente de risco para as aeronaves da FAP (ver o quadro n.º 4 e o gráfico dos incidentes relatados).

A Zona Aérea lançou uma série de operações para mitigar a ameaça no Sul da Guiné, começando com a Operação Estoque, em agosto de 1966, destinada a destruir ou desmantelar a organização do PAIGC na península do Quitafine. A operação foi concebida como um ataque de 12 horas em duas fases. Na primeira fase, que durou das 19 até à meia-noite de 9 de agosto, C-47 modificados com bombardeiros noturnos tentaram neutralizar as posições antiaéreas do PAIGC, a iniciativa era considerada essencial para uma segunda etapa, como a que consistiu principalmente numa operação de reconhecimento na superfície e missões de intermissão nos corredores de abastecimento e infiltração a partir da República da Guiné. Participaram também na operação da Força Aérea, além dos C-47 e dos T-6, os recém-chegados Fiat. O Quitafine era uma área que albergava significativa população civil e tanto Schulz como Abecasis reconheceram que bombardeamentos indiscriminados podiam resultar em inaceitáveis carnificinas, dando aos sobreviventes uma razão convincente para apoiar a guerrilha. Estoque foi precedida, tal como ocorrera em 1964 na Operação Tridente, do lançamento de folhetos no dia 7 de agosto, aconselhando os não combatentes a desocupar aquela área. Como observou mais tarde Abecasis, o principio da surpresa foi sacrificado por razões humanitárias.

Distribuição e atividade das forças do PAIGC entre maio de 1966 e fevereiro de 1967 (Matthew M. Hurley)
Atividade militar do PAIGC/FAP entre 1963 e 1966 (ataques de morteiro e bazuca, emboscadas, minas e ações defensivas), segundo Matthew M. Hurley
Os sinistrados portugueses em 1966 (mortos e feridos) totalizaram 1266, incluindo ações em combate e acidentes (Coleção José Matos)
Uma escola do PAIGC em zonas libertadas na região norte (Coleção Roel Coutinho)
Tabela com o sistema antiaéreo do PAIGC entre 1963 e 1970
Família na zona libertada de Cubucaré a segurar vestígios de uma bomba de napalm lançadas pela Força Aérea Portuguesa (Coleção Mikko Pyhälä)
Fogo antiaéreo do PAIGC referindo incidentes entre 1963 e 1967 (Matthew M. Hurley)

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 29 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25027: Notas de leitura (1654): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24970: O que é feito de ti, camarada ? (19): Manuel Maia, o "bardo do Cantanhez", ex-fur mil, 2ª C/BCAÇ 4610/72 (Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74)


Guné > Região de Tombali > Vista panorâmica de Cafal Balanta: em primeiro plano,  o nosso camarada Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610.




Guiné  > Região de Tombali > Cantanhez > Cafal Balanta > O "resort" do Manuel Maia,  o poeta  que irá cantar, em sextilhas, tanto  o "seu" Portugal como a "sua" Guiné). (O Manuel Oliveira Maia é  autor de: (i) História de Portugal em Sextilhas, 2009; e (ii)  "Guiné que aprendemos a amar", 2013)

Fotos (e legendas): © Manuel Maia (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem com'plementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







Manuel Maia



1. O Manuel Maia (o nosso bardo do Cantanhez, Manuel de Oliveira Maia, ex-fur mil da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), entrou para a Tabanca Grande em 13/2/2009; tem 123 referências no nosso blogue.

Já há uns largos anos que deixámos de o ter no nosso radar... embora continuássemos, até 2020, a dar-lhe os parabéns pelo seu aniversário natalício (que é a 30 de de junho).

A última mensagem que recebemos dele (uma mensagem algo apocalíptica, junqueiriana, misteriosa, estranha, perturbadora, amarga) foi  sob a forma de um comentário ao poste P13346 (*), a agradecer a amizade e a camaradagem que lhe votávamos na Tabanca Grande: 

(...) Camarigos,

Há um ditado português antigo que diz que quem tiver amigos não morre na cadeia... A vossa amizade provou-o.

Sei que, se por qualquer contingência do destino, agora que o país caminha para a desagregação total depois da perda de identidade motivada pelo cataclismo bem pior que o terramoto do séc. XVIII, ocorrido à porta da entrada no último quartel do passado século, também conhecido por golpada e perpetrado por uns quantos traidores, depois disso diria,o pequeno passo para o abismo da perda da independência está a perder centímetros de tal forma que deixará de ser passo engolido pelos acontecimentos tenebrosos do dia a dia...

Não consigo calar o que sinto, tenho o coração muito perto da boca e da mesma forma que zurzo em tudo aquilo que me parece errado, reafirmo que a vossa amizade é um bem inquebrantável e de que não abdico.

O meu mais profundo reconhecimento a todos.

Que Deus vos proteja e vos dê saúde para que no dia em que me levarem de castigo para uma cela correcional por ter o coração demasiado perto da boca, me possais aparecer a levar os cigarros que não fumo e os abraços que sei serem verdadeiros. Abraço-vos a todos | 1 de julho de 2014 às 14:54



2.     O Manuel Maia costumava frequentar os convívios da Tabanca do Centro:  o último terá sido o 53º encontro, em maio de 2016, conforme o atesta o poste P797, de 31 de maio desse ano, do blogue da Tabanca do Centro.

 A partir desta data os amigos e camaradas que lhe eram mais próximos deixaram de ter notícias dele. Não compareceu, por exemplo, â sessão de apresentação do livro escrito em parceria por ele e pelo JERO (José Eduardo Oliveira) (1940.2021) (Foto da capa, à direita.)

 No poste P1123. de 11 de abril de 2019, do blogue da Tabanca do Centro, pode ler-se:

(...) "Mau grado os esforços do JERO para encontrar o Manuel Maia, que terá deixado Portugal em 2016, não há a certeza que o apreciado poeta, autor da “História de Portugal em Sextilhas” e da “GUINÉTerra que aprendemos a amar” venha a estar presente em Alcobaça." (...).

Para além desta versão, também já ouvi, mais recentemente,  a de que estaria internado num lar por razões de saúde. A informação foi-me dada há escassas sermanas pelo José Ferreira da Silva, escritor, membro do Bando do Café Progresso, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), subunidade que era comandada pelo cap art Manuel de Azevedo Moreira Maia, também  falecido há pouco, no posto de tenente-general na reforma.

Também era membro do Bando do Café Progresso. (Os escassos comentários que encontrámos dele são de 2011.)

Se alguém souber do paradeiro do nosso camarada Manuel Maia,  o bardo do Cantanhez, que nos  dê notícia (***).

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Notas do editor;

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24872: Historiografia da presença portuguesa em África (395): O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
É bem conhecido que desde a governação de Sarmento Rodrigues havia a preocupação permanente de enviar missões científicas à Guiné, desde a antropologia à saúde, à investigação das potenciais riquezas do subsolo, é bem farta a lista de publicações destinadas a identificar problemas e a propôr soluções. Creio que esta contribuição para o estudo do problema florestal da Guiné suscitará mais do que curiosidade, poderá permitir aos ambientalistas e aos silvícolas guineenses uma fundamentação para a denúncia das derrubas que se fazem no país por pura ganância.

 As denúncias são bem claras: a mais célebre superpotência comercial da Ásia, que se diz amantíssima da paz e fiel amiga do progresso dos povos, socorre-se de intermediários que compram à socapa ou às claras estas preciosas madeiras exóticas que serão transportadas para satisfazer as necessidades das classes possidentes chinesas. Toda a gente sabe o que se passa com o drama florestal da Guiné, mas o melhor é não falar na questão, ela dá réditos valiosos a quem permite este tráfico criminoso.

Um abraço do
Mário



O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950

Mário Beja Santos

Este livro intitulado Contribuição para o Estudo do Problema Florestal da Guiné Portuguesa, editado em 1956 pela Junta de Investigações do Ultramar, interessará essencialmente aos engenheiros silvícolas e aos agrónomos em geral, mas espelha uma realidade das florestas do tempo, terá certamente a sua chamada de atenção para os peritos de hoje, assoberbados com a gravidade do problema florestal, sujeitos a ameaças de ganância e a pressões ambientais de elevada intensidade. 

Aquele trabalho da brigada de estudos florestais que se deslocou à Guiné portuguesa nos primeiros meses de 1954 tinha a intenção de ali realizar os primeiros estudos concretos sobre o reconhecimento florestal da Guiné, a produção madeireira já era muito apetecida; e havia também a incumbência de avaliar o comportamento do complexo ecológico perante a alteração mais ou menos profunda do coberto florestal. 

Como acontece em muitos destes estudos, da ambição de muito fazer, havendo pouco tempo, os peritos limitaram-se às regiões florestais de Farim e do Cantanhez, justificando Farim pelo comprovado valor económico e o Cantanhez pela sua tão especial composição florística e fisionomia.

Falando das regiões climáticas da Guiné, os autores lembram que há duas grandes zonas climáticas: Sahelo-sudanesa e Sahelo-guineense. A Guiné integrar-se-á nas duas sub-regiões climáticas daquelas zonas, Baixo Casamansa e Guineense Marítima. O clima do Baixo Casamansa é uma variante marítima do clima Sahelo-sudanês, tal como o clima Guineense Marítimo é uma variante marítima do clima Sudano-guineense. 

Os autores dissertam longamente sobre as parcelas de estudo, obviamente que não podem abdicar da sua terminologia técnica, aqui dispensável. Reportam que o território da Guiné é ocupado na maior parte da sua área por um tipo de vegetação que se engloba na “formação aberta” do tipo da “floresta seca aberta”. E adiantam: 

“Esta formação, bastante complexa e com muitas variantes florísticas, é caracterizada principalmente pela sua fisionomia, em que predomina um estrato arbóreo de 20 a 30 m de altura, relativamente espaçado, um estrato arbustivo, frequentemente muito denso”; lianas e cipós, hoje muito pouco representados.

Quanto ao caráter florestal, concluem ser o bissilão a essência que tem maior interesse, pela sua elevada frequência e valor económico; o pau de sangue é também notável pela sua abundância; o pau-incenso é uma essência de grande porte. Refere igualmente o pau-de-sangue-branco, a tabá (uma essência que consideravam extremamente importante na biologia da floresta), não esquecendo a farroba de lala.

Analisando o equilíbrio entre a floresta e a presença do Homem, destacam o amendoim, então a principal fonte de riqueza da província, não deixando de observar:

“Sendo importantíssima a sua cultura, é curioso notar que algumas das características mesológicas não são das melhores para tal cultura; no entanto, esta cultura tem toda a tendência para se expandir e é, em nossa opinião, uma das causas do empobrecimento florístico da província, devido ao sistema de agricultura itinerante que se utiliza.

" Tais processos culturais constituíam, antes de a agricultura indígena ser chamada aos produtos de exportação o método mais cómodo eficiente pelo prolongado período de pousio que dava à terra, permitindo o retorno da floresta. Hoje as terras não têm pousio suficiente e daí resulta um desequilíbrio que se traduz na intensa laterização do solo, simultaneamente com o profundo empobrecimento florístico. Ao estabelecer as suas lavras de mancarra, o indígena lança fogo à floresta, não cuidado em limitar a área da queimada somente ao terreno de que necessita, pelo que, uma vez queimadas as pequenas árvores e arbustos que protegiam os solos, fica aberto o caminho para o estabelecimento de um estrato muito denso de gramíneas, que em muito inibem a possibilidade da regeneração florestal.”

E traçam um vaticínio algo pessimista:

“O futuro da riqueza florestal da província apresenta, quanto a nós, perspetivas pouco animadoras, pois, por razões várias, a regeneração natural não permite a manutenção das essências valiosas, nem ao menos no seu nível atual.”

E chegam à previsão que dentro de 40 anos o bissilão correrá o risco de ter praticamente desaparecido da floresta guineense. 

"Havia, pois, de encarar a realidade do empobrecimento da floresta da Guiné, propondo: limitar os seus funestos efeitos, condicionando as queimadas; delimitar determinados lotes de terreno e retirar de todo o direito do seu uso; proceder a repovoamento florestais de essências valiosas.”

E escalpelizam os elementos do que deveria ser uma política eficiente contra o uso tradicional e incontrolado das queimadas.

“A ilha de Bolama, hoje uma savana, é exemplo frisante do empobrecimento ambiental de que vimos falando. Ainda seria possível multiplicar estes exemplos alargando as nossas considerações a outras regiões da Guiné, como sejam as regiões interiores do Gabu e do Boé, onde o maior relevo e menor pluviosidade são fatores que facilitam a citada degradação; é necessário estabelecer uma larga rede de proteção florestal, judiciosamente escolhida, de modo a definir quais os terrenos que deverão ser entregues à agricultura ou os que deverão ser entregues à exploração florestal.”

Já no termo do seu trabalho, os autores estimam que era possível adotar “reservas florestais”, sem se correr o perigo de prejudicar a natural expansão da área agrícola e de exploração madeireira da província. E abonam a seguinte argumentação: 

“Além destas reservas florestais de caráter geral, deverão ser estabelecidas ainda reservas integrais de proteção da fauna e da flora. É evidente que na Guiné estas reservas integrais não poderão ser muito extensas. Deverão ser estabelecidas sempre que haja qualquer tipo de flora que, pela raridade ou composição florística, ou, ainda, pela riqueza ou raridade da fauna, seja útil preservas da destruição. São exemplos destas reservas integrais a mata de Umpacaca, pelo seu raríssimo povoamento de pau-ferro, a mata do Cantanhez, pelas suas características de floresta com fácies higrófila, talvez a região mais setentrional do tipo da floresta densa do golfo da Guiné e a lagoa de Cufada, pela sua rica avifauna.” 

Alertam para os riscos que corria a mata do Cantanhez perante o assalto das derrubas agrícolas.

Enfim, uma obra que merecia estar nas bibliotecas dos agrónomos guineenses que se debatem com terríveis problemas para os quais, na generalidade dos casos, não têm o apoio político que o gravíssimo problema florestal guineense justifica

Imagem retirada do livro em análise
O poilão
O transporte de madeiras na Guiné-Bissau, os ativistas e ambientalistas do país contestam a liberalidade desta comercialização
Imagem do Pau de Sangue
O caju
Edição do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas Dr. Alfredo Simão da Silva, Bissau, 2019
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24852: Historiografia da presença portuguesa em África (394): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)"; Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné, Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24871: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VI: Cobumba... onde é que isso fica?


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956)  > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda,  Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014).


Parte VI - Cobumba? Onde fica isso?

(...) O pior da nossa comissão estava para vir.  No fim de março de 1973, a nossa Companhia foi informada que íamos ser transferidos para Cobumba, nome para nós desconhecido, mas logo nos disseram que ficava na zona sul,  próximo do Cantanhez, e estava tudo dito, uma das piores zonas de guerra na Guiné. (*)

Deixámos Mansambo, e depois de cerca de uma semana em Fá Mandinga e mais três ou quatro dias em Bissau, era chegado o dia de rumarmos ao Sul na LDG que nos haveria de levar até Cobumba. 

Iniciámos a viagem ao começo da tarde do dia 7 de abril de 1973, sábado, acompanhados daquilo que era indispensável para início da nossa instalação no terreno. Ao anoitecer chegámos algures à foz do rio Cumbijã e ali tivemos de ficar o resto da noite. 

Ao mesmo tempo que a LDG parava, levantou-se uma trovoada violentíssima ao ponto de ficarmos todos assustados com a agitação do mar que até aí tinha sido de calma absoluta, depois dos marinheiros terem descido as âncoras e a trovoada acalmar, passámos uma noite com a normalidade possível.

No dia seguinte fizemos o resto da viagem rio acima acompanhados por um navio patrulha da Armada até Cobumba, sítio onde nunca tinha estado aquartelada tropa portuguesa. Chegámos ao início da tarde, estava na região muita tropa especial (paraquedistas, do BCP 12) mantendo segurança ao nosso desembarque. 

À medida que as quatro viaturas que levávamos (duas Berliet e dois Unimog 404) iam saindo da LDG, eram carregadas e seguiam fazendo uma pequena viagem de cerca de quatrocentos metros onde eram descarregadas.

As viaturas tinham sido dias antes levantadas em Bissau por quatro condutores que para esse efeito tinham saído mais cedo da Companhia. Durante a descarga foram esses condutores a manobrar as viaturas (eu, não indo a conduzir,  fui um dos que foram nas primeiras quatro carradas), à medida que descarregavam voltariam ao rio para novo carregamento.

Sendo eu o condutor que naquele momento estava mais próximo da primeira que descarregou, o capitão, comandante da Companhia, disse-me para eu seguir com ela para o cais, tendo eu perguntado ao condutor que fizera o primeiro trajecto se ele queria que eu fosse ao rio, respondendo-me que não, que ia ele. Com toda aquela confusão nem sequer pensávamos em minas, pois a estrada teria sido supostamente bem picada e já tinham passado as quatro viaturas uma vez.

O condutor Cabral, e o Varela.  das transmissões,  eram os únicos ocupantes que seguiam na viatura de regresso ao rio, percorreram cerca de trinta ou quarenta metros e a viatura acionou uma mina que,  pelo estrago feito,  talvez fosse antipessoal, mas mesmo assim ficou alguns dias inutilizada, tendo o Cabral e o Varela ficado feridos, e voltado logo para Bissau, rumo ao Hospital Militar num helicóptero que passados poucos momentos chegou ao local. 

O Varela,  não tendo nada de grave, no dia seguinte voltou para a Companhia; o Cabral não mais voltou, foi ferido com gravidade numa vista tendo sido enviado para o Hospital Militar Principal de Lisboa.
 
O desembarque do resto do pessoal e de carga continuou, mas com atenção redobrada dado as coisas começarem a correr mal logo de início; o resto da operação de desembarque decorreu sem sobressaltos de maior. 

Na primeira noite a Companhia ficou toda no mesmo sítio. Na manhã do dia seguinte quase toda a formação (criptos,  radiotelegrafistas, condutores, padeiros, mecânicos, enfermeiros, alguns elementos de transmissões, uma secção de artilharia tendo a seu cargo o morteiro de 107 milímetros, o comando da Companhia e mais dois pelotões de atiradores) foram instalar-se a cerca de quatrocentos metros. 

Os outros dois pelotões ficaram no mesmo sítio, assim como uma secção de especialistas de armas pesadas tendo como função ocupar-se de um canhão sem recuo, a precisar de reforma.

A cerca de trezentos metros do pessoal da nossa companhia estavam mais dois pelotões que, estando connosco,  pertenciam a outra companhia, ou seja, estávamos distribuídos em três sítios,  formando um triângulo separados por poucas centenas de metros, um desses três era como que o equivalente à CCS do Batalhão,  já que aí se situava o comando da Companhia, e quase toda a formação.

Depois foi instalarmo-nos o melhor possível,  o que não foi fácil, estávamos habituados a ter luz, abrigos com alguma segurança e menos guerra, ali tudo era diferente, houve que fazer valas apressadamente, montar tendas, fazer um forno para cozer o pão, tendo sempre como companhia a inseparável G3. 

No primeiro mês o PAIGC não nos incomodou… durante esse tempo foram feitos outros trabalhos, mas aquela calma… deixava antever qualquer coisa que nós não sabíamos muito bem o que seria!

Entretanto,  conforme estava previsto, vim a segunda vez de férias à Metrópole; numa zona sem vias de comunicações viárias, isolada com guerra por todos os lados, restava-nos fazer o trajecto pelo rio ou via aérea("mas pelo ar só em casos especiais"), e lá fui numa coluna de pequenos barcos de fibra,  os “sintex”, até ao aquartelamento de Cufar, onde existia uma pista de aviação (creio ser a melhor do sul da Guiné). 

No mesmo dia embarquei num avião Nordatlas até Bissau, foi a aeronave mais barulhenta das sete em que viajei durante o meu tempo de guerra que foram: o DC 6, o Dakota, a avioneta DO 27, o Boeing 727, o Nordatlas, o Helicóptero, e o Boeing 707, que nos trouxe de regresso à metrópole no final da comissão.

Passados dois dias em Bissau, embarquei em Bissalanca rumo a Lisboa onde cheguei ao cair da noite: se da primeira vez que vim de férias,  o meu pensamento estava quase sempre no dia em que teria de regressar a África, agora a confusão era ainda maior; mesmo junto da minha esposa e do meu filho muitas vezes a minha ausência era quase total, foi um tempo de tal confusão que quase nada me lembro daquilo que por essa altura terá acontecido.

Se da primeira vez conhecia bem o sítio para onde iria voltar; da segunda apenas sabia ir para uma das zonas de maior actividade operacional do IN. Ainda bem que durante as férias não tive qualquer notícia daquilo que por lá se passava, pois se tal tivesse acontecido a partida teria sido ainda mais dolorosa.

Terminadas as férias lá fui uma vez mais rumo a Bissau onde cheguei ao fim da manhã, no mesmo dia tive transporte para Cufar e de novo no barulhento Nordatlas, como os homens por mais que fossem eram sempre poucos naquela zona, à tardinha arranjaram-me boleia para Cobumba, desta vez de helicóptero com uma breve passagem por Bedanda, onde o heli que me levava se manteve no ar enquanto o helicanhão foi a terra, cheguei a Cobumba ao fim do dia.  (...) (**)

(Seleção / revisão / fixação de texto /negritos: LG)
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Notas do editor:

(*) Excerto de 21 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9635: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (3): De Mansambo para Cobumba

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24826: Notas de leitura (1631): Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Insiste-se que a entrevista concedida por Carlos de Matos Gomes se mantém como peça modelar para analisar o processo de descolonização da Guiné a partir da formação do Movimento dos Capitães e depois do MFA na região, o entrevistado explica as razões por que se ofereceu para ir para o Batalhão dos Comandos africanos, pretendia conhecer a estratégia spinolista que lhe estava subjacente no contexto da africanização da guerra e numa lógica conducente à possibilidade de algo com o PAIGC. 

Fala-se da rotina das operações, da complexidade dos problemas pluriétnicos dentro desta tropa de elite, retoma-se a génese e a estruturação do MFA, esclarece que havia uma demarcação entre um grupo contestatário de que ele fazia parte e a linha spinolista, muito pouco presente depois de Spínola sair da Guiné, em agosto de 1973; fala-se do que aconteceu em 26 de abril e da descolonização que envolveu os Comandos e os Fuzileiros. É sem margem para dúvidas um documento que merece ser compulsado com diferentes testemunhos de Carlos Fabião e com o livro de Sales Golias, sobre esta temática.

Um abraço do
Mário



Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Li pela primeira vez este texto que vem integrado na obra Vozes de Abril na Descolonização, com organização de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, uma edição do CEHC – IUL, 2014, provavelmente no ano seguinte, e fiz texto para o nosso blogue. Correu muita água debaixo das pontes, não se podia imaginar que a questão tivesse arrumada, é obrigatório que haja outras perspetivas sobre a descolonização da Guiné, mas o facto é que esta entrevista se mantém modelar e de indiscutível historicidade. 

Primeiro, porque este oficial do Exército não foi desmentido minimamente quanto ao processo organizativo na Guiné do Movimento dos Capitães/MFA; nenhuma opinião veio contrariar o que ele escreve sobre os acontecimentos do dia 26 de abril, fenómeno inédito comparativamente ao que se passou em Angola e Moçambique; e numa altura em que se retoma a questão polémica dos Comandos Africanos, com alardes de mentira descarada e de escamoteamento do rigor dos factos, até em pretensas teses de doutoramento, este oficial do Exército relembra tudo quanto se passou ao nível da desmobilização do Batalhão de Comandos Africanos e das duas unidades de Fuzileiros Africanos, preto no branco. Razões, parece-me, que justificam voltar ao texto da entrevista de Carlos de Matos Gomes.

Prosseguindo o teor da entrevista, e já contextualizado o tempo e o modo da génese da formação do Movimento dos Capitães e da MFA na Guiné, Carlos de Matos Gomes é questionado sobre o percurso de Marcelino da Mata, responde sem hesitações:

“O Marcelino da Mata é uma pessoa superiormente inteligente, uma pessoa informada, reage sempre em busca do seu interesse, sempre! Ele sabe que foi utilizado de determinada maneira, por determinadas pessoas, para fazer determinadas coisas, fê-las e foi, sempre, obtendo recompensas. Ele age, claramente, como um homem que sabe que está envolvido numa guerra que o ultrapassou, e vai procurar os aliados que lhe são mais convenientes em cada momento. Como era um homem superiormente inteligente e também corajoso, não tem as lealdades deles e a admiração e respeito é por aqueles que ele considera iguais ou superiores a ele. Por vezes, diaboliza-se o Marcelino da Mata, mas ele é exatamente igual aos comandantes de guerrilha, porque vem exatamente do mesmo sítio, tem as mesmas lógicas, os mesmos comportamentos”.

Desvela seguidamente os tipos de operações em que esteve envolvido, destaca a reocupação do Cantanhez, a ida às matas da Caboiana, a operação Ametista Real. A partir da retirada de Guileje quando o Batalhão de Comandos intervinha já era em situações críticas, afirma, tornava-se imperativo levar o batalhão inteiro. Era a resposta ao agravamento da situação militar, passar-se de operações com 50 homens para operações com várias centenas. Tece observações aos aspetos da etnicidade no recrutamento das tropas africanas, os Comandos e os Fuzileiros africanos tinham por base as milícias, os pelotões de caçadores, as companhias étnicas e caçadores locais.

“Havia tipos que chegavam aos Comandos já com vários anos de permanência, iam aprendendo, iam falando, ganhando uma consciência de militares portugueses que era a tentativa que nós fazíamos. Nós integrámo-nos nessa corrente de fazer o Estado através das Forças Armadas, isto aconteceu em quase todos os países africanos e era também a ideia do general Spínola”.

Os entrevistadores procuram apurar se as diferenças étnicas se esbatiam nessas unidades de elite, obrigatoriamente pluriétnicas, o entrevistado responde:

“Era uma gestão feita em cima do gume da navalha. Tivemos esse problema, mas o PAIGC também o teve e acabaram por se matar uns aos outros. Por exemplo, tínhamos o primeiro grande comandante de uma unidade de Comandos, o João Bacar Djaló, que era Fula. Fez exatamente esse percurso, foi comandante de milícias, foi depois militar e depois foi para os Comandos. O esquema de uma companhia de Comandos comandada por João Bacar Djaló tinha alguma coisa que ver com a organização militar portuguesa, com as Forças Armadas portuguesas, mas tinha muito que ver com a organização da sociedade islamizada.

Ele funcionava como comandante de Companhia, mas também como mestre, tinha um conjunto de discípulos que depois ia premiando. E como premiava? Promovia-os a furriel e depois promovia os furriéis a sargentos. Discípulos esses, que lhe pagavam, como se pagava na idade média, como nas corporações, e isso era assim em vários lados”
.

Depois de expor a sua visão sob a composição étnica existente no seio de batalhão de Comandos Africanos, e depois de recapitular a génese e a estruturação do MFA na Guiné, chegamos ao 25 de abril, as Forças Armadas na Guiné aderiram maciçamente:

“O 26 de abril estava previsto e pensado para, caso houvesse um problema grave aqui em Portugal, a ação de alternativa teria de ser na Guiné. Estou convencido de que, claramente, o general Spínola não estava interessado naquela ação na Guiné. Fizemo-lo sabendo isso, porque assim tornávamos irreversível o processo da descolonização e marcávamos uma posição no processo”.

E elenca as diligências efetuadas nas alterações dos Comandos, e abre espaço para a reflexão sobre as tropas africanas:

“A grande questão que se colocou logo desde o início era: há aqui dois exércitos. Há um exército africano da Força Africana de Spínola, que tinha um batalhão de comandos, as companhias africanas, as milícias, havia à volta de 12 mil homens e o PAIGC tinha menos. A questão era que estes homens não tinham perdido a guerra militarmente, combatiam de igual para igual. Eles, os nossos, não se sentiam, de modo nenhum, derrotados no campo de batalha. E nós, oficiais dos comandos – depois até fiquei como comandante – sabíamos disso e sabíamos que era muito difícil e seria sempre muito difícil estabelecer uma forma de convivência.

Eu penso que nos acordos, no Acordo de Argel está referida a situação dos militares e nós confiávamos que isso iria correr bem. Confiámos! Foi sempre dada a oportunidade a esses militares, principalmente aos quadros e aos tipos que tinham mais impacto, que tinham combatido mais anos contra o PAIGC de que, se quisessem, vir para Portugal. O que é curioso é que não optaram por isso e a mim não surpreendeu, porque sabia mesmo no Batalhão de Comandos, que era a elite das elites, 60 ou 70% daquela gente tinha contactos com pessoas do PAIGC”
.

Havia o entendimento entre os responsáveis portugueses e as principais figuras dos comandos africanos, que a convivência seria possível no futuro. E segue-se a conclusão dramática: 

“Daí que o processo trágico e dramático da eliminação destes homens, militares portugueses guineenses, penso eu, tenha sido uma fuga para a frente da elite dirigente do PAIGC. Esta elite vai encontrar sempre um inimigo externo para justificar as lutas pelo poder interno”

Foram o bode expiatório naquela tensão permanente entre cabo-verdianos e guinéus. O entrevistado recorda declarações de Luís Cabral que deplorava ter encontrado os cofres vazios, uma administração sem quadros, isto quando tivera oportunidade de negociar um período de coabitação com Portugal, até ganhar foros de autonomia, não quiseram, queriam ver-se livres da entidade colonial por pura ambição da chegada ao poder.

O Batalhão de Comandos foi extinto, ficara escrito que iriam ser reintegrados numas novas Forças Armadas, houve quem recusasse, caso do tenente Jamanca que foi pouco depois abatido.

E aqui se dá por concluído o essencial do texto da entrevista de Carlos de Matos Gomes a uma equipa de universitários que quiseram ouvir protagonistas que tinham estado na primeira linha no processo da descolonização nos 3 teatros africanos.


Carlos de Matos Gomes
Entrada do aquartelamento do Batalhão de Comandos da Guiné
Insígnia do Destacamento de Fuzileiros Especiais 21, a que pertencia Domingos Demba [Ensá] Djassi, 2.º Sargento
2.º Sargento Domingos Djassi
Capitão João Bacar Djaló em Catió, ainda tenente. Foi o 1.º comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24820: Notas de leitura (1630): Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (1) (Mário Beja Santos)