Mostrar mensagens com a etiqueta Cap Salgueiro Maia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cap Salgueiro Maia. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 15 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25275: Os 50 anos do 25 de Abril (1): Nos 50 Anos de Abril... O Meu Herói de Abril: Cap Salgueiro Maia (António Inácio Correia Nogueira)


Salgueiro Maia - A partir de foto do Afredo Cunha (1974). 
Wikipédia (com a devida vénia...) 


1. Mensagem do nosso camarada António Inácio Correia Nogueira, Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 (CTIG, 1971) e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 (RMA, 1972/74), com data de 14 de Março de 2024:

Caros camaradas
Grato vos fico pelo gesto que tiveram p´ra comigo.[1]
Como agradecimento ofereço-vos esta despretensiosa poesia que acabo de produzir.

Abraço amigo
António Inácio Correia Nogueira





TESTEMUNHOS

Nos 50 Anos de Abril… O Meu Herói de Abril

P´la noite dentro, serena e de vagaroso espaço,
Trouxeste as G3, as Chaimites e os velhos tanques d´aço,
E muitos jovens estremunhados, mas de rosto novo; e Santarém deixaste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

E ao som do rom-rom da coluna militar,
Numa mão agarraste a G3 e na outra a liberdade, e puseste-te a andar;
Nas sacudidelas da estrada sonhaste com a guerra em Guidage, na mártir picada,
P´ la tormenta do combate esburacada,
Da sua terra vermelha, salpicada de sangue, que trilhaste,
Nos senhores da Guerra, perversos, que encontraste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

Chegou a hora, olhas o despontar da imaginada madrugada,
O casario lisboeta, as colinas e o mar dos Descobrimentos de espuma prateada;
Tudo já te parecia novo, libertado,
Enquanto os ditadores dormiam, o sono na tirania, sossegados.
Paraste, sem medo; puseste firme a bota na calçada e, logo a vitória vislumbraste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

A Capital do Império, a Praça,
De repente ela é tua; o concebível revés, de repente é graça!
Sobes ao Carmo, o sangue da picada que lembraste, está de cravos vermelhos festejada,
O povo clama, arrebatado, liberdade, liberdade, liberdade!...
Embriagado, lança o mito o “povo unido jamais será vencido”.

As armas, lá longe no calor do capim, calaram,
Os soldados de além-mar regressaram.
O povo é todo teu,
Ai, quem diria, o ditador pereceu.
Porque tu, Maia, nunca quebraste!...
Fizeste tudo para além do que baste.

Tu és o herói, a essência, o corpo maior,
O âmago das coisas boas de Abril,
Da liberdade celebrada,
Há 50 anos.
Tu és um Salgueiro que não desfalece, não desalenta.
Eterno serás,
Porque não voltaste atrás.


Ó Maia, sabes, o meu herói de Abril és tu!... Sempre.
____________

Nota do editor:

[1] - Vd. Post de 7 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25247: O nosso livro de visitas (221): O nosso camarada António Inácio Correia Nogueira pôs à disposição da tertúlia a Tese que apresentou à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia

segunda-feira, 11 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25263: Notas de leitura (1675): Capitães/MFA – A conspiração na Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
O tema está longe de ser novo, já foi pelo menos abordado o longo depoimento de Carlos Matos Gomes e Jorge Golias, aqui reproduzidos
.[1]
O Coronel Duran Clemente elenca as sucessivas etapas da constituição do núcleo dinamizador e como ele evoluiu até agregar as unidades fundamentais sediadas em Bissau, dos três ramos das Forças Armadas. Não se reproduzem aqui os textos de Moisés Cayetano Rosado sobre Salgueiro Maia pois igualmente já se fez recensão do livro que o investigador dedicou ao capitão de abril; as considerações de Mário Moitinho Pádua sobre o colonialismo português também já apareceram numa recensão dedicada ao seu livro.

Um abraço do
Mário



Capitães/MFA – A conspiração na Guiné

Mário Beja Santos

O boletim n.º 86 deste ano da revista “O Pelourinho”, da Deputação de Badajoz é dedicada ao estudo de conflitos coloniais. O seu diretor, Moisés Cayetano Rosado convidou vários intervenientes portugueses, como Duran Clemente, Mário Moutinho Pádua ou Luís Farinha, além de ele próprio ter dedicado um texto à consciencialização do Capitão Salgueiro Maia, a quem dedicou um trabalho que já está traduzido em português.

Duran Clemente, hoje Coronel reformado, tece uma apreciação sobre a conspiração na Guiné que acaba por completar e confirmar depoimentos de Carlos de Matos Gomes e Jorge Sales Golias, aqui já apresentados no blogue.

Tudo terá começado com a reação e repúdio dos oficiais do quadro permanente ao Congresso dos Combatentes do Ultramar. Escreve textualmente o autor:
“Almeida Bruno, Dias de Lima, Manuel Monge, Otelo Saraiva de Carvalho e outros, puseram ocorrente o general Spínola do descontentamento que apoderou dos oficiais em geral. Tratava-se de um congresso que mais não era do que uma encenação do governo com aproveitamento de antigos oficiais milicianos. Este descontentamento chegou a Lisboa, chegou também a Ramalho Eanes, Hugo dos Santos e a Vasco Lourenço, que encabeçavam na metrópole um vasto movimento de protesto. 400 assinaturas de oficiais do quadro permanente assinaram em Bissau”.
Enviou-se mesmo um telegrama para o Porto a partir de Bissau em que os subscritores diziam taxativamente que se consideravam totalmente alheios às conclusões do congresso. Duran Clemente chegara a Bissau a 28 de julho de 1973. Começaram as reuniões no Agrupamento de Transmissões, presentes Jorge Golias, Duran Clemente, Matos Gomes, Jorge Alves, José Manuel Barroso, este capitão miliciano. Debruçaram-se sobre um documento que Duran Clemente tinha feito à hierarquia militar e distribuído no Congresso de Oposição Democrática em Aveiro. Com consentimento dos presentes criou-se um núcleo dinamizador, assumiu-se como prioridade editar um documento destinado a todos os oficiais, no sentido de os sensibilizar para o que se estava a passar. É nesta fase em que se procura endereços de todos os oficiais em serviço na metrópole ou nas colónias que é publicado o Decreto-Lei n.º 353/73, que facultava a entrada de oficiais do Quadro Especial de Oficiais no quadro permanente através de curso intensivo na Academia Militar.

Iniciava-se uma fase de grande protesto, fora um tremor de terra que pôs este núcleo em ação e os oficiais começaram a reunir na sala de jogos do Clube Militar, efetuaram-se 4 reuniões no espaço de 8 dias, 3 delas no Agrupamento de Transmissões. Elaborou-se uma carta protesto assinada por 46 capitães a que se juntaram ainda as de 4 subalternos. Na metrópole, começara a haver reuniões de capitães; em setembro, foi eleita a 1.ª Comissão Coordenadora do Movimento de Capitães da Guiné. Houve informação da reunião de Évora, que se realizou em 9 de setembro, onde se encontraram mais de 130 oficiais do quadro permanente. Em Bissau entendeu-se dar conhecimento ao Comandante Militar da existência de reuniões. O Brigadeiro Alberto Banazol deu a devida autorização para se reunirem na Biblioteca do Quartel General. Banazol mostrou-se cordial e convidou-os para um jantar volante em sua casa, jantar que teve um final conturbado por ter havido intervenções acaloradas, chamava-se à atenção dos altos comandos que se estava a deixar resvalar para um caso semelhante ao da Índia. O oficial general mostrou-se evasivo e acabou por ser vítima de si próprio, em 25 de abril não quis mostrar que estava do lado dos capitães e até do seu irmão, o Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol.

Entrara-se numa atmosfera conspirativa, procurava-se angariar o maior número possível de adeptos. A Marinha aderiu em força, a Força Aérea destacou sempre em Jorge Alves e Faria Paulino e depois Sobral Bastos e o paraquedista Albano Pinela. No mês de outubro, Duran Clemente efetuou uma reunião com 14 oficiais pilotos-aviadores do quadro permanente, acompanhado de Faria Paulino. Constituiu-se igualmente o Movimento de Oficiais Milicianos, os seus principais mentores eram os alferes Barros Moura e Celso Cruzeiro, e o Capitão Miliciano José Manuel Barroso. Há a reunião de Óbidos em 24 de novembro de 1973, punham-se 3 hipóteses, a conquista do poder para uma Junta Militar criar no país as condições que possibilitem uma verdadeira expressão nacional, dar oportunidade ao governo de legitimar perante a nação perante eleições livres precedidas de um referendo sobre a política ultramarina, utilizar reivindicações exclusivamente militares como forma de alcançar o prestígio do exército e depressão sobre o governo.

E escreve Duran Clemente:
“A decisão de que na Guiné também optaríamos pela tomada do poder pelas armas já estava tomada há muito; daríamos, no entanto, a possibilidade à hierarquia militar para se pronunciar. Quem não estivesse connosco seria devolvido a Lisboa. No caso de insucesso das operações pelo Movimento em Portugal a nossa estratégia era a tomada do poder na mesma. Para isso, tínhamos de ter o completo domínio do comando em todos os setores e ramos das nossas Forças Armadas, instaladas no teatro de operações da Guiné. Iriamos ter.”
Houve alguns momentos de aflição, houve que travar a ansiedade do Tenente-Coronel Banazol que queria tomar o poder ocupando o Palácio do Governo.

E assim se chegou ao 25 de Abril. Tanto o Comandante-Chefe como o Comandante-Militar não aderiram ao Movimento. A Companhia de Polícia Militar tomou pacificamente as instalações do Comando-Chefe, Bettencourt Rodrigues seguiu uns dias depois por avião para Lisboa. O MFA colocou o Almirante Almeida Brandão como Comandante-Chefe interino e o Major Mateus da Silva como representante da Junta de Salvação Nacional, até 7 de maio, data em que chegou o Tenente-Coronel Carlos Fabião graduado em Brigadeiro, vinha ocupar as funções de Governador da colónia.

O depoimento de Duran Clemente traz um anexo com a síntese das reuniões havidas em agosto de 1973.

Manuel Duran Clemente
____________

Notas do editor:

[1] - Vd. post de 21 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12751: Notas de leitura (566): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 4 de 4 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24283: Efemérides (391): No dia 25 de Abril, Faria celebrou a memória dos Alcaides e do Capitão Salgueiro Maia e Camaradas (Manuel Luís Lomba)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66), datada de 3 de Maio de 2023, dando notícia de uma homenagem pelo 650.º aniversário do feito dos Alcaides de Faria,  assim como ao Capitão Salgueiro Maia, a cargo do Grupo Alcaides de Faria, de que o Lomba é presidente, e da Junta da União de Freguesias de Milhazes, Vilar de Figos e Faria:


Faria celebrou a memória dos Alcaides e do Capitão Salgueiro Maia e Camaradas

O 25 de abril de 2023 foi a oportunidade da celebração conjunta da memória daqueles heróis nacionais pelo Grupo Alcaides de Faria e a Junta da União de Freguesias de Milhazes, Vilar de Figos e Faria. A solenidade foi iniciada às 11H00, com o hastear da Bandeira Nacional junto ao memorial pelo descendente dos Alcaides de Faria, Eduardo Felgueiras Gayo, dignificada com o Hino Nacional pelo instrumental da Banda do Galo do CCO, a deposição da coroa de flores pelo presidente e o vogal da Junta de Freguesia e a alocução alusiva do presidente do Grupo Alcaides de Faria:

“O mês de abril português é fértil de eventos históricos. O 25 de abril de 1127 será celebrado um dia: indícios empíricos apontam-no como o dia em que D. Afonso Henriques assumiu os castelos do Neiva, de Faria e outros, baseou-se e neste castelo proclamou-se “Príncipe dos Portugueses” de Entre Douro e Minho, mais de dois terços do Condado de Portugal. Um dia chegará em que o 25 de abril celebrará também a fundação da nacionalidade.

O feito dos Alcaides de Faria culminou em abril de 1373, há 650 anos, com o levantamento do cerco ao seu castelo e a retirada dos invasores para a Galiza. O Alcaide Nuno Gonçalves foi dar batalha a essa Primeira Invasão Castelhana do Norte, foi derrotado e aprisionado na freguesia de Carapeços, convenceu o general invasor a conduzi-lo ao castelo, consciente da fatalidade da sua exortação ao filho Gonçalo Nunes:
- Filho alcaide! Maldito sejas tu e sepultado no inferno como o traidor Judas, se estes que me vão matar entrarem nesse castelo sem tropeçarem no teu cadáver!...

O Alcaide Nuno Gonçalves de Faria doou conscientemente a sua vida à pátria, salvou o seu castelo e a sua guarnição reteve a invasão com a sua resiliência. Caso o inimigo tivesse progredido livremente e o Porto tivesse caído, o Tratado de Paz de Santarém não teria acontecido. Ante o assassínio do alcaide pela sua heroicidade, o fidalgo Diogo Lopes Pacheco, matador sobrevivo da linda Inês, que incluía a invasão como conselheiro do general galego, passou a mediador das pazes, o rei castelhano estava a contas com o cerco anfíbio a Lisboa, que o desenformou é plausível, que a invasão do Norte estava encalhada em Faria e que as tropas de Barcelos e do Bispo do Porto estavam a cortar-lhe a linha de retirada por Ponte do Lima.

A motivação foi comum a D. Afonso Henriques, aos Alcaides de Faria, ao capitão de abri Salgueiro Maia e camaradas: a liberdade e a dignidade dos Portugueses. Há 49 anos, a exortação do “capitão de abril de “vamos acabar com o estado a que isto chegou” galvanizou os seus comandados, avançaram de Santarém sobre Lisboa, ele expôs o peito à metralha em toda a manobra, o seu feito culminou no Largo do Carmo, a dar o fim ao impopular regime político e a conceder a rendição com dignidade ao seu chefe”
.

Seguiu-se a romagem ao Cemitério Paroquial, para homenagear os filhos da terra e combatentes da Pátria na sua última morada, a canora Banda do Galo encabeçou-a e dedicou-lhes músicas fúnebres, os sinos dobraram a finados e a celebração culminou com a chamada nominal dos combatentes da I Grande Guerra e da Guerra do Ultramar: Joaquim Luís de Faria, António Peixoto, Américo Ponte, António Marques, Cândido Ferreira, Domingos Figueiredo, Joaquim Gonçalves, Joaquim Brito, Joaquim Lomba, José Amorim, Manuel Boucinha, Manuel Ferreira, Manuel Peixoto e os omissos.

Manuel Luís Lomba


____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24277: Efemérides (390): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da Freguesia de Paus, Concelho de Resende, levada a efeito no passado dia 29 de Abril (Fátima Soledade / Fátima Silva)

sábado, 29 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24267: (In)citações (240): O meu 25 de Abril de 2023 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)


1.
 Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS, TSF  (Piche e Bissau, 1970/72), com data de 28 de Abril de 2023:



O meu 25 de Abril de 2023

Sim, eu sei que não nos devemos meter a “falar” de política (já agora, nem de desporto ou religião) aqui no Blogue. Pode ser fraturante!

E, quando se fala do “25 de Abril”, aparecem sempre umas almas pouco piedosas, a dizer que é preciso contrapor o “25 de Novembro”… Claro que “Abril” é de 1974 e “Novembro” é de 1975, mas isso não lhes interessa nada. Faço notar que sem o “25 de Abril” não seria provável o “25 de Novembro”, por isso não vejo qualquer utilidade nesse “contraponto”, cada coisa em seu tempo.

Mas resolvi hoje, aqui e agora, dar público conhecimento de que este ano, finalmente, “desci a Avenida” nas ações comemorativas. E porquê? Em rigor não sei responder. Um impulso? Alguma necessidade de afirmação? Alguma “penitência”?

Na verdade, foi esta a primeira vez que participei no desfile. E gostei.

Integrei um pequeno grupo que se acolhia numa faixa da “Associação Salgueiro Maia”, que me pareceu apropriado, e considero que tal foi muito positivo.

Apesar de todo o desprezo a que os sucessivos poderes votaram o Homem, ao longo da descida da Avenida até ao Rossio, sempre que das laterais descortinavam a faixa com a sua figura e as palavras identificadoras, foram inúmeras as vezes, incontáveis mesmo, que os aplausos cresciam, as palavras incentivadoras e elogiosas se faziam ouvir. E não raras vezes aludiam às “maldades” que lhe fizeram.

Também foram muitas as fotos que foram tiradas, por naturais e muitos estrangeiros, alguns dos quais queriam saber mais sobre a figura.

Repito, senti-me bem, relembrei o que lhe devia, pela coragem demonstrada no Terreiro do Paço quando foi ao encontro do “tal Anselmo”, pelas atitudes de firmeza e de correção durante a ação no Largo do Carmo, onde, por sinal, também me encontrava na ocasião.

Aquando da minha estadia em Santarém, no 1.º Ciclo do CSM, o Maia foi o instrutor de granadas, na carreira de tiro e na Quinta das Ómnias. Por tal, não me surpreende nada que se mostre em filme (verdade, ou verdade ficcionada?) o Maia a ir ao encontro do “tal Anselmo” com uma granada mão, como medida preventiva para qualquer loucura do “defensor do regime” que, valha a verdade, só não aconteceu por firmeza e coragem do “Homem do tanque”.

Na foto que envio pode-se ver a faixa referida na qual não apareço por estar a tirar a foto mas, durante o percurso, fui segurando uma das pontas.

Hélder Sousa
Ex-Fur Mil Transmissões TSF

____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24242: (In)citações (239): O nosso blogue faz hoje 19 anos, sabiam?!... Não é uma eternidade, é uma enormidade... de tempo, equivalente a 10 comissões no CTIG...

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23170: Humor de caserna (48): o major art José Joaquim Vilares Gaspar, o "Gasparinho", visto por Salgueiro Maia: loucura ou contestação do sistema?

1. Trancrição de um excerto do poste P3262 (*), da autoria do nosso saudoso amigo, Leopoldo Amado (1960-2021), historiador guineense,  vítima da pandemia de Covid-19:


(...) O exemplo mais sonante de loucura, traço muito comum à literatura de guerra colonial, é-nos dado por Salgueiro Maia, ao referir-se à caricata figura do major Gaspar, cuja irreverência abeirava-se da loucura, aliás, motivo pelo qual acabou ser hospitalizado:

(...) o major Gaspar vai comandar o CAOP 2 em Mansabá, onde, dando boa conta do recado, é solicitado para se deslocar a Bissau, à reunião semanal do Com-Chefe, onde deveria ser salientado o seu compor­tamento. Só que a coluna que, vinda de Farim, o devia transportar a Bissau nunca mais chegava. 

Farto de esperar, avança para Mansoa só com o condutor, percorrendo um itinerário onde eram frequentes as emboscadas, pois passava ao lado do Morés. À sua chegada a Mansoa, umas centenas de elementos da população agitam-se, pe­gando nas suas mercadorias com vista a ocupar lugar na coluna. Aí, o major Gaspar acha conveniente mandar parar o jipe. A população acerca-se e ele explica: 

«Meu povo, permaneçam mansos, porque a coluna ainda não vem aí, só vem o Gaspar.» 

Continua só em direcção a Bissau. Começa por visitar os seus amigos páras à entrada da cidade, depois o seu amigo director do Hospital Militar, os seus amigos comandos, etc. 

Entra em Bissau feliz e, desejando dar saída à sua alegria, descobre que o único sítio da Guiné onde havia uma peanha para um polícia dirigir o trânsito tinha um PSP guineense, que o major Gaspar considerou estar a fazer mal o seu trabalho. 

Fez parar o jipe ao lado da peanha e fez sair o polícia do sítio e, de pistola-metralhadora ao pescoço, o major Gaspar foi dirigir o trânsito. Lá, como noutros sítios, os condutores, apesar de na maioria serem militares, não eram obe­dientes, e assim o nosso amigo fartou-se de desobediências. Tanto, que atirou uma rajada por cima de uma camioneta da engenharia militar que não lhe obedeceu. 

Continuou em funções, mas surge mais uma camioneta, do Depósito de Adidos, que também não lhe obedece, e aí vai o resto do carregador. 

O Palácio do Governo, onde se encontrava o general Spínola, distava uns 400 m em linha recta, pelo que os disparos eram nítidos e originaram que a polícia do Exército fosse chamada ao local.

Postas perante a realidade, as entidades competentes determi­naram a baixa à neuropsiquiatria do major Gaspar. Mas alguns, suficientemente conhecedores da maneira de ser do «doente», con­seguiram autorização para o director do Hospital Militar conven­cer o major a descansar uns dias no Hospital, onde os amigos o visitaram com assiduidade, criando talvez o único período de ver­dadeiro descanso e convívio que este homem teve ao longo de vários anos de guerra e de guerras com o sistema. 

As histórias do major Gaspar foram para muitos combatentes o escape natural nas vicissitudes da vida em campanha; quem o conheceu guarda dele a imagem do lutador pela dignidade e pela justiça, a certeza de que a sua luta foi imortal (...) ”[19] )**)

[ Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Realce a amarelo, para  efeitos de publicação deste poste no blogue: LG]
________

Nota do Leopoldo Amado:

[19] Maia, Salgueiro, O Acaso, In Capitão de Abril – Memórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, pp. 56 e 57.
___________

Notas do editor:


quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23145: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte IV: Histórias pícaras: (vii) Os Mais dos... Progressistas (divisa da companhia e também título do jornal de caserna)



O jornal de caserna da CCAV 3420 (Bula, 1971/3), Os Progressistas - Quinzenário de Divulgação, Cultura  e Recreio da CCAV 3420. Director: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia. SPM 1898.


Detalhe do guião da CCAV 3420, que tinha duas divisas: "Os Progressistas" e "Perguntai ao Inimigo Quem Somos"...




Guião da CCAV 3420 (Bula, 1971/73), comandada pelo cap cav Salgueiro Maia


1. O jornal de caserna podia ser (e deve ter sido)  uma forma interessante de manter alto o moral das tropas, no CTIG,  e fazer a ligação com a Metrópole  (embora não devesse lá chegar). Alguns jovens capitães do QP, como o Salgueira Maia, o Mário Tomé, o Carlos Trindade Clemente, o Jorge Golias e outros (como o nosso António J. Pereira da Costa,  membro da Tabanca Grande) perceberam a sua importância (*).

A lista de "jornais militares" ou "jornais de caserna" devia ser mais extensa do que aquela que se conhece. Alguns títulos já aqui foram referidos como O Jagusdi, O Saltitão, O Serrote, O Seis de Camtanhez, Os Progressitas...

De qualquer modo, esta faceta do Salgueiro Maia, como director de um jornal de caserna chamado Os Progressistas (CCAV 3420, Bula, 1971), é capaz de ser um aspecto menos conhecido (e até desvalorizado) do seu currículo militar. Tanbém há quem estranhe que ele tenha conseguido dar à sua companhia, para mais de cavalaria, esse nome, Os Progressistas. Pelo sim pelo não, e talvez para "despistar" no verso do guião da CCAV 3420 pode ler-se uma segunda divisa: "Perguntai ao inimigo quem somos". 

Em Portugal, na época, em pleno marcelismo, o termo "progressista" tinha uma certa conotação político-ideológica: por exemplo, falava-se dos "católicos progressistas", do pós-Vaticano II, para os distinguir dos mais ortodoxos e tradicionalistas... Mas o vocáculo que é adjetivo e nome é relativamente neutro: progressista é aquele que é partidário do progresso, que professa ideias de progresso... Mas na época entendia-se que era toda a gente do "reviralho", os que eram contra  a "situação" (não só o regime político vigente como a "guerra colonial")... e como tal "inimigos da Nação".

Imagino que este, como os outros jornais de caserna,  tivesse um formato A4 e fosse feito a stencil ( hoje diz.se "estêncil", o termo já está grafado nos nossos dicionários)... Nessa altura, a máquina a stencil (ou duplicador) estava muito vulgarizada na Guiné... Todas as companhias e batalhões tinham de ter um duplicador, pro causa das ordens de serviço e outra documentação.  Ainda não havia as fotocopiadoras... 

Na secretaria da minha companhia, a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Cntuboel e Bambadinca, 1969/71) havia uma, foi graças a ela que eu pude fazer um edição, quase clandestina, da nossa história da unidade, (com cerca de meia centena de página, escrita e dactilografada por mim)...Fizeram-se umas escassas dezenas de exemplares de uma brochura que foi distribuída pelos graduados à revelia do cap inf Carlos Alberto Machado de Brito (um bom homem que hoje é cor inf ref, e que eu espero    que ainda esteja bem de saúde).

Do quinzenário O
s Progressistas não sei sei quantas edições se fizeram. De qualquer modo, o José Afonso era um dos seus colaboradores.   E revelou-se um bom contador de histórias, como já aqui pudemos comprovar (**). 

Hoje republicamos mais um texto, que deve ter surgido no "jornal da caserna" por altura do Natal de 1972 e em que ele faz uma "ronda" pelos "craques" da companhia, no fundo, as figuras mais "castiças". É a história nº 7 das "Histórias pícaras" (**).


2. Mas, "en passant", deixem-me ainda aqui fazer uma confidência:   o Salgueiro Maia foi, circunstancialmente, meu colega, no ano lectivo de 1975/76, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS), embora eu pouco ou quase nada privasse com ele, porque eramos de cursos diferentes (eu, de ciências sociais; ele,  de antropologia), com o estatuto de trabalhadores-estudantes. E penso que andávamos em anos diferentes, ele já tentara inscrever-se no ISCSP em 1969, antes de ir para a sua primeira comissão, em Moçambique.

Íamos às aulas à noite e a algumas Reuniões Gerais de Alunos (RGA), numa altura em que o ISCSP passava por um período de vida muito conturbado (saneamento de praticamente todos, senão todos, os docentes com assento no Conselho Científico, pelo menos os professores catedráticos  e associados...), o que levou no final do ano lectivo de 1975/76 (ou nas férias...) ao seu encerramento, por ordem do então Ministro da Educação, o socialista Sottomayor Cardia (1941/2006), e ao consequente início de um duro processo de luta estudantil contra a tutela e o regresso das múmias (como, depreciativamente, eram então chamados os professores doutorados, alvo de saneamentos selvagens, de natureza claramente político-ideológica, incluindo o Prof Doutor Adriano Moreira, antigo Ministro do Ultramar).

Além disso, num ambiente, claramente esquerdista como era então o ISCSP, virado do avesso, com diversas fações a digladiarem-se (da UEC ao MRPP, do MES à UDP...), o Salgeiro Maia do 25 de Abril era ofuscado pelo Salgueira Maia do 25 de Novembro... Esta ambivalência não terá facilitado as aproximações pessoais...

Salgueiro Maia, como bom alentejano e como militar, oriundo da Academia Militar, era, por outro lado, um homem reservado e discreto... E rigorosamente apartidário.  O início do ano letivo de 1975/76 foi claramente  agitado pelo contexto, interno e externo, incluindo as "sequelas" quer do"verão quente" quer do "25 de novembro". 

O  facto de ele ter estado na Guiné não me dizia nada: definitivamente eu esquecera a Guiné!... Foi um processo de denegação por que muitos de nós passaram. Vivi os cinco anos pós-Guiné com culpa e denegação: Guiné ? Não, nunca ouvi falar... Perdi, com isso, a oportunidade única de ter conhecido (isto é, privado com) um herói vivo... Creio que nem ele, na altura, tinha completa consciência do papel histórico que tinha desempenhado no 25 de Abril de 1974. E comportava-se, ali, como um "anti-herói"...Nunca me apercebi que trivesse tiques de vedeta. Era um estudante como os outros... Aliás, um trabalhador-estudante.  Mas devo acrescentar que era preciso coragem, naquela época, naquele ano letivo de 1975/76 ( e mesmo nos seguintes), para dar aulas... 

Em 1976/77, frequentei o então ISEF - Instituto Superior de Economia e Finanças, na rua do Quelhas, e só depois no ano seguinte fui ara o ISCTE, onde me licenciei em sociologia, em 1980.  Perdi, pois,  o rasto ao Salgueiro Maia que entretanto começara a ser, logo em 1976,  vítima de "bullying" castrense: a hierarquia militar fez-lhe a vida negra, procurando humilhá-lo e discriminá-lo... Mas isso são outras histórias.


Histórias pícaras >  (vii) Os craques, os "Mais" dos "Progressistas"

por José Afonso

Era uma vez... Assim começam todas as histórias e a minha também, para não fugir à tradição. Certamente estão a pensar que vão ter uma história de Natal, mas enganam-se: esta história é um sumário de muitas histórias, começadas em Março de 1971 em Santa Margarida, e continuada em Bula, Mansoa, Cacheu, Capunga; Pete e Ponta Consolação. 

 A minha história refere a existência de uma colecção de craques, são eles eles "Os Mais... dos Progressistas". 

 A abrir, o camarada BIGODES, assim chamado por ter possuído em tempos um farfalhudo bigode, estilo Gengis Khan, e ter uma maneira de viver que o faz andar sempre de pelos eriçados; não é mau tipo apesar de não topar o Lino nem os turras; nas horas vagas faz versos que até costumam rimar. 

 Vem depois o VELHINHO, a instituição mais respeitável de Capunga City; é sapateiro remendão, mata vacas, esfola porcos etc. Tem um ar de Golias de trazer por casa, usa os calções mais "pop" em todo Teatro de Operações. Há tempos por causa de um macaco...,  bem, ia sendo o fim da macacada.

 A seguir temos o CAJADO, rapaz esbelto, guerrilheiro de todas as panelas, usa faca na liga, que já fez manga de ”mortos”. Passa a vida a refilar com todo o mundo, nunca se sabe bem porquê. 

 Continuemos com o MOUCO que em tempos o foi, até um certo dia! Bem não falemos de coisas tristes. Pois o Mouco é homem que trabalha com o morteiro 81, a arma mais técnica que a Companhia possui; é só olhar para o seu aspecto de homem conhecedor de morteiro 81, por não se impressionar com o barulho das granadas a sair do tubo. O Mouco é um homem desiludido: passou 17 meses a convencer o pessoal de que é Mouco e ninguém acreditou. 

 Temos a seguir o TERRINAS, o homem mais trabalhador da Companhia, e o mais comedor, também conhecido por RUÇO; será por isso que é o homem mais procurado pelas bajudas de Pete? É um trabalhador nato, domina todos os ofícios mas considera-se com pouco valor comparado com o da sua noiva. É um homem feliz. 

 Temos ainda o clarim MATA, não toca a lavar mas quase. Há 17 meses que toca o clarim que faz uivar todos os cães das redondezas, e não consegui ainda deixar de nos mimosear com as suas fífias. É um homem calmo no tipo dos barman dos bares do Texas, talvez por isso seja “o homem do tosco”. É especialista em convencer os “gaseados”, para não arranjarem problemas. 

 Vem agora o RATO o homem que não gosta de andar de Jeep e que está perto de lerpar o cabelo, porque não fez ainda o “Menino Jesus” para o presépio de Pete. Gosta pouco de beber e é sem dúvida o mais crava da Companhia. Passa o mês a cravar, no fim deste, paga a quem deve e, como fica sem dinheiro volta ao princípio. Bem esperamos que com o 13.º mês o rapaz acerte a escrita. 

 Ao falar do Rato temos que falar no BARBEIRO, a alma gémea do Rato, que é o único no género, pois só corta cabelos quando está sem patacão. É o protótipo do soldado do futuro, pequeno para criar pouco alvo; com um capacete onde ele cabe quase todo, cheio de granadas à volta do corpo parece o homem dos pneus Michelin. Com o dinheiro ganho a cortar os cabelos já poderia ter ido à Metrópole, mas como é possuidor das maiores sedes do CTIG, só foi à cerveja; passa a vida a dizer para lhe darem ferramenta nova, pois não tem dinheiro para a comprar. 

 Temos agora o BÁRTOLO, especialista em sopa de nabos, e que afina quando lhe dizem que é triste  que deixem entrar miúdos para a tropa, ou que ele vai fazer de "Menino Jesus" no Presépio. 

 Já me esquecia do GRÁCIO. Este é o das mil e umas maneiras para conseguir ir a Bula, ou jogar futebol. É sempre voluntário quando a coisa dá para o torto, mas fora disso anda sempre a tentar desenfiar-se. 

 Estes são OS MAIS, e por hoje ficamos por aqui, mas, há muitos mais, desconhecidos, de que daremos público conhecimento oportunamente. Esta foi a prenda de Natal publicitária para os craques.

Aos simples mortais desejamos um Bom Natal e um Melhor Ano Novo. Em resumo: Que a Comissõa Não Nos Pese.

José Afonso

(Continua)

[ Revisão / fixação de textos e títulos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]

___________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 1 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20025: Jornais de caserna publicados no CTIG (de 1961 a 1974) (n=47) (Jorge Santos / Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

5 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23142: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte III: Histórias pícaras: (iv) A "guerra de Bissau": guardando as costas dos nossos "maiores" ; (v) Capunga: o furriel de calções à "pop"; (vi) O "Velhinho", antigo refractário

4 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23140: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte II: Histórias pícaras: (i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão; (ii) Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota; (iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião

terça-feira, 5 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23142: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte III: Histórias pícaras: (iv) A "guerra de Bissau": guardando as costas dos nossos "maiores" ; (v) Capunga: o furriel de calções à "pop"; (vi) O "Velhinho", antigo refractário


Guiné > Região de Cacheu > Bula > CCAV 3420 (1971/73) > Natal de 1971: o cap cav Salgueiro Maia, falando à sua tropa


Foto (e legenda): © José Afonso (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Infografia: Rede de Segurança de Bissau (COMBIS, Cumeré), c. 1971.  Cortesia de José Afonso. 

Ver aqui carta de Bissau (1949), escala 1/50 mil




1. Na altura em que passam 30 anos da morte do Salgueiro Maia (1944-1992), continuamos a publicar algumas histórias dele e da sua companhia, já aqui contadas em 2009, pelo José Afonso (ex-fur mil, 3º Gr Comb,  CCAV 3420 (Bula, 1971/73)-

O nosso camarada, que é até agora o único representante da sua companhia na Tabanca Grande, foi bancário na CDG, no Fundão, está reformado, e vive hoje em Freixial de Cima, Castelo Branco, onde gere o património agrícola da família (foto à esquerda) (*)


(Continuação)

(iv) A "guerra de Bissau": guardando as costas dos nossos "maiores"


Havia determinadas datas em que se fazia a chamada Guerra de Bissau. Datas como Natal e Páscoa, datas do aniversário do PAIGC e datas em que Bissau sofreu alguns ataques.

Assim fazia-se deslocar tropa para os sítios donde o IN alguma vez atacou Bissau ou para zonas de onde era possível atacar. Assim, 2 Pelotões da CCav 3420 por duas vezes foram mandados para Nhamate. Foi o 1.º pelotão por 2 dias duma vez e o 3.º de 19 a 24 de Novembro de 1971.

Fizemos Bula – Binar - Nhamate a pé, para ali passar 5 dias. Em Nhamate, estava a Companhia de Artilharia 3330, não só aqui como nos destacamentos de Manga, Unche e Changue mas era em Nhamate a sua sede de comando. (Esta CART 3330 teve como 1ºcomandante o cap art José Joaquim Vilares Gaspar, o célebre "Gasparinho", de que temos algumas histórias para contar; proovido a major, foi para o Cop de Mansabá)

Achamos estranho quando no primeiro dia, ao pôr-do-sol, toca o clarim para a formatura do arriar da Bandeira. É formada a secção em frente mas o engraçado é que depois da bandeira descida, em vez de o Furriel mandar direita volver, manda meia volta volver. E, nesta posição, de costas para o pau da bandeira, cantava-se:
- E viva a Pátria, viva o nosso General! 

Ao mesmo tempo mandavam como que um coice e gritavam:
- PUM!!!


(v) Capunga: o fur mil Afonso de calções... à "pop"

Cap cav Salgueiro Maia, Lisboa,
Terreiro do Paço, 25 de Abril de 1974.
Foto de Afredo Cunha


Um dia no Destacamento de Capunga aparece um helicóptero a sobrevoar a Zona e, de seguida, faz-se para pousar no minicampo de futebol. Desconhecia-se quem vinha nele, pois não havíamos sido informados. 

O furriel Afonso, que na altura estava a comandar o Destacamento, dirigiu-se tal como estava para receber quem nele vinha. Está vestido como normalmente se anda nos destacamentos. De chinelos, sem bivaque, de t-shirt e calções que já tinham sido calças, agora transformados em calções que, com as vezes que tinham ido a lavar e como não tinham baínhas, se encontravam todos desfiados.

Vinha no helicóptero o Coronel Paraquedista Rafel Durão, Comandante do CAOP1, de Teixeira Pinto, 
e o Comandante da Companhia 3420, 
cap Salgueiro Maia.  Ao ver o Furriel naquela 
figura,  o Coronel pergunta se está apresentável... 
Antes que o furriel Afonso diga alguma coisa, 
Salgueiro Maia olha  para o Coronel e diz:
- Não vê, meu comandante, que está com uns calções...à"pop" ?!


(vi) O "Velhinho", antigo refractário

Havia na Companhia um soldado que quis fugir à tropa e, então deu o salto para França. Mas, quando o irmão foi nomeado padre e disse a 1.ª Missa, não resistiu e, porque era de Monção, atravessou a fronteira para assistir à missa. 

Com a informação da Pide, o nosso amigo, foi preso e acabou por ter que fazer a tropa pelo que apareceu na nossa Companhia já com os seus 30 anos. Era por isso conhecido como o Velhinho. Este era um elemento do 3.º Grupo de Combate, que nas operações gostava de ir sempre à frente com a HK21 e faca de mato à cintura e dizia para o Capitão:
- Se um dia apanho um turra morto, o capitão vai deixar-me cortar uma orelha para fazer um porta-chaves e os testículos para fazer uma bolsa.

Era homem para isso, só que não estava autorizado a fazê-lo.

(Continua)

[ Revisão / fixação de textos e títulos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
_______

Guiné 61/74 - P23141: O que é feito de ti, camarada? (16): José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (Eduardo Silva / Luís Graça)




José Afonso, ontem e hoje



1. Mensagem do nosso camarada  Eduardo Silva, ex-fur mil, CCAV 3420 e CCAÇ 3 (Bula, K3 e Bigene, 1971/73), em comentário ao poste P23138 (*)


Realmente também perdi todo o contacto com o camarada José Afonso. (*)

Embarquei com ele e restantes membros da CCav 3420 sob o comando do nosso saudoso Cap Salgueiro Maia.

Sou o ex-furriel Eduardo Silva. Estive com a CCav 3420 durante cerca 5 meses até que,  por ordem do General Spínola, muitos Alferes e Furriéis foram chamados para ingressarem num treino de integração nas tropas africanas.  Esse treino teve lugar em Bolama. 

Dali segui para o K3 a 3 km sul de Farim. Também fiz a protecção à construção da estrada em Mansoa, onde reencontrei a minha companhia de origem e o meu Cap Salgueiro Maia. Nessa altura eu estava integrado na CCAÇ 3,  companhia de africanos. Apenas os Furriéis, Alferes, Sargentos e Cabos de transmissões e Maqueiros eram brancos.  

Findo esse trabalho regressei ao K3 e dali fui para Bigene onde fiquei até ao fim da comissão. Tempos difíceis.

Um grande abraço a todos os camaradas da Tabanca Grande.
Eduardo Silva



Guião da CCAV 3420 (Bula, 1971/73), 
que foi comandada pelo cap cav Salgueiro Maia (1944-1922)



2. Comentário do editor LG:
 
Desde novembro de 2015, pelo menos, que o mail do José Afonso deixou de estar ativo:

josebaptistaafonso1949@gmail.com

Pus-me  saber notícias dele no Fundão, onde tenho uma mana que é enfermeira e  que conheceu o nosso saudoso Torcato Mendonça... 

Sabia que ele estava reformado, pelo menso desde 2006,  da Caixa Geral de Depósitos, agência do Fundão. Foi nesse ano que nos descobriu e contactou. Também sabia que era ele que organizava os convívios da CCAV 3420.

Entretanto descobri o seu número de telemóvel, através do portal Ultramar Terraweb, liguei-lhe e ele atendeu-me.  Tivemos uma longa e proveitosa conversa... Agora é agricultor, em Freixial de Cima, Castelo Branco. E usa outro endereço de email. Fiquei a saber que vai organizar no dia 28 de maio, em Abrantes, mais um convívio da companhia. É o 20º que ele organiza. O Salgueiro Maia organizou três, em vida, e depois da sua morte houve um interregno. 

Gostei muito de falar com ele. É um excelente contadot de histórias. E contou-me mais algumas histórias do Salgueiro Maia e dos seus bravos... Histórias de Bula, de Capunga, de Bissau, que eu gostaria que ele pusesse no papel, a acrescentar às histórias que já nos contou e que eu estou agora a republicar... 

Percebo agora melhor o respeito e admiração que tinham por ele, Salgueiro Maia,  os seus homens. Porque era recíproco: ele defendia sempre os seus homens, das arbitrariedades dos senhores oficiais superiores... (A CCav 3420, "independente", estava adida a uma batalhão em Bula...).

No último dia em Bissau, antes do regresso à metrópole, o capitão fez um almoço de despedida com as praças, no Pelicano (se bem percebi), foi a companhia que pagou. Não era uma prática habitual... E à noite jantou com os graduados... Perderam o último autocarro para os Adidos (que levava a malta que ia ao cinema à noite), ficaram à espera de táxis, perto da Praça do Império e do palácio do Governador... A cantar canções "proibidas" na época... Alguns já com um grãozinho na asa... Mas quem tinha voltado a vestir o camuflado para socorrer Guidaje, merecia tudo... É bom lembrar essa história que não vem nos livros da CECA...

Fico feliz por ter (re)localizado o José Afonso (**). E também por receber a mensagem do seu antigo camarada e amigo, Eduardo Silva, a quem já forneci os contactos do José Afonso, e quem já convidei para integrar a Tabanca Grande.



3. Mensagem que enviei ao Eduardo Silva, por voltas 20h00 de ontem, e que obteve imediata resposta: ele aceitou o meu convite para integrar a Tabanca Grande, e compromete-se a mandar as duas fotos da praxe.

Eduardo:  já te pus em contacto, por email, com o José Afonso. E mandei-te também  seu nº de telemóvel. (**)

Ele é um excelente contador de histórias. E estou a recuperar algumas... Reformou-se por volta de 2006, da CGD, trabalhava no Fundão onde ainda tem casa. Dedicou-se, com paixão à história da companhia e da guerra da Guiné, tem organizado os encontros da malta, mas também descobriu outra vocação que agora lhe ocupa o tempo quase todo: a de agricultor. O que é bom, é um forma útil, ativa, produtiva e saudável de gerir o chamado envelhecimento (estamos a envelhecer desde que nascemos, e esse processo foi agravada com a maldita rifa que nos calhou na nossa história de vida, a Guiné...).

Gostei de o conhecer, ao telelé... Pode ser que nos encontremos, um dia, no Fundão. Mas ele agora vive no Freixial de Cima, Castelo Branco. E vai organizar o próximo encontro da companhia, em Abrantes, no dia 28 de maio. Já é o 20º encontro que organiza. Ele tem muito orgulho nessa missão. A viúva do Maia comparece sempre.

Outra coisa: quero que te juntes à malta da Tabanca Grande. Manda duas fotos digitalizadas, uma do tempo da Guiné, e outra mais ou menos atual. Tens aqui um histórico da Tabanca Grande, o António Marques Lopes, que esteve em 1968 na CCAÇ 3, a comandar o pelotão dos "Jagudis"... Hoje é coronel DFA, reformado... Escreveu um notável livro de memórias autobiográficas. Se acompanhas o blogue, sabes quem é. Aqui tens o seu nº de telemóvel, ele vai gostar de falar contigo (apesar de estar a enfrentar problemas de saúde) (...)

Um "alfabravo". Luís Graça 
__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


4  de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23138: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte I: Um cartão pessoal... para a história: "Sinto-me feliz não só pelo acontecimento, mas por me permitir ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné", disse-me ele, agradecendo um telegrama de felicitações, enviado logo a seguir ao 25 de Abril de 1974

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23140: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte II: Histórias pícaras: (i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão; (ii) Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota; (iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião


Guiné > Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > c. 1965 > A ganadaria da "companhia do quadrado"..

Fonte: Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira: "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)" (edição de autor, il.. Lisboa, 2017, 606 pp.). Com a devida vénia... (*)

1. Eis  algumas histórias,  já aqui contadas em 2009, pelo José Afonso (ex-fur mil, 3º Gr Comb, foto à esquerda), sobre o cap Salgueiro Maia e os demais bravos da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). (**)


(i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão

 Quando a Companhia de Cavalaria embarca em Lisboa, leva já consigo a sua 1.ª receita: um jogo de Matraquilhos que em 6 dias de viagem esteve sempre ao serviço. Trabalhava de dia e noite sem parar. Foi um bom Fundo de Maneio. 

Quando chegámos a Bula, o mesmo jogo foi posto em frente do alçado da caserna dos soldados da Companhia, continuando ali a dar a receita pretendida.

Talvez vendo a fonte de receita que ali tínhamos, o Comandante do Batalhão   [BCAÇ  2928] pede a Salgueiro Maia que mande retirar dali os respectivos matraquilhos, pois estavam em local central do Batalhão e não davam muito bom aspecto.

Não se tendo conseguido nessa altura demover a tomada de posição do Comandante do Batalhão, lá tiveram que ir os Matraquilhos para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard. Aqui a receita era insignificante já que os homens eram muito menos, e também nem sempre o pessoal da Companhia ou Batalhão se deslocava cerca de 300 metros para jogar matrecos.

Salgueiro Maia tinha de arranjar maneira de os matrecos regressarem à origem. Como o Batalhão tinha falta de padeiros e os dois da Companhia estavam emprestados ao Batalhão, Salgueiro Maia vai dar a volta ao Comandante, dizendo que, com a falta de pessoal que tinha, necessitava dos padeiros da Companhia para alinharem para o mato. Levava já na manga a hipótese de deixar os padeiros onde estavam e, como contrapartida, os Matraquilhos regressarem ao Batalhão e colocados nas traseiras da caserna.

A esta proposta o Comando do Batalhão cedeu e uma vez mais Salgueiro Maia venceu.


(ii) Uma heli-evacuação  e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate,  é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que,  ao ver o soldado Santos sem roupa,  diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.


(iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião

Em Abril de 1972 aos elementos da Companhia que estavam no período de descanso, Salgueiro Maia pede voluntários para ir ao Km 13 da Estrada Bula – S. Vicente onde o 1.º Pelotão da Companhia estava emboscado e necessitava de apoio devido a um grupo de Balantas, que vinha do Senegal onde tinha ido roubar vacas, ter caído no campo de minas e algumas vacas andarem na estrada. Assim vão elementos da CCAV 3420 até ao local.

São apanhadas 2 vacas que são carregadas numa GMC. Satisfeitos os elementos da Companhia, com Salgueiro Maia à frente entram em Bula, gritando:
- Queremos carne.

À entrada do Batalhão   [BCAÇ  2928]  está o Comandante que manda parar a coluna de 4 viaturas. Quando se pensava que ia dar um louvor aos voluntários, houve-se uma reprimenda do Comandante por a tropa vir a fazer muito barulho e, dá ordens para que a coluna entre na sede do Batalhão (a CCAV 3420 era uma Companhia de Cavalaria independente mas de reforço ao Batalhão de Infantaria). Toda a actividade mais perigosa era desempenhada pela 3420.

Contrariando as ordens do Comandante, Salgueiro Maia manda avançar a coluna para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard 2641 que ficava aí a 300 metros do Batalhão pois, era ali que as vacas iriam ser comidas. Ao regressar ao Batalhão o Comandante dá ordem a Salgueiro Maia para que entregue as vacas porque diz ele que todo o material capturado ao IN tem de ser entregue ao Batalhão. Salgueiro Maia diz então que as vacas não foram capturadas, mas sim oferecidas e que foi o pessoal da Companhia que as foi buscar estando de descanso e o Batalhão não mandou sair nenhumas forças.

Mais diz Salgueiro Maia:
- As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião.

José Afonso (2009)

 (Continua)


[ Revisão / fixação de textos  e títulos, paar efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
__________

Notas do editor:

Guiné 61/74 - P23138: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte I: Um cartão pessoal... para a história: "Sinto-me feliz não só pelo acontecimento, mas por me permitir ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné", disse-me ele, agradecendo um telegrama de felicitações, enviado logo a seguir ao 25 de Abril de 1974




Reprodução de um cartão pessoal, manuscrito, de Salgueiro Maia, ex-comandante da CCav 3420 (Bula, Mansoa, Pete, Farim, Binta, Bissau, 1971/73, 1971/73), agradecendo ao José Afonso, seu ex-fur mil, do 3º Gr Comb, o telegrama que este lhe enviara, felicitando-o pela sua participação no golpe militar do 25 de Abril de 1974 e pelo sucesso do movimento dos capitães... Documento s/d, mas próximo do 25 de Abril de 1974, talvez maio de 1974.(*)

Salgueiro Maia voltara, entretanto, à unidade de origem, a  EPC - Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Repare-se que ele ainda utilizou papel da sua ex-companhia, tendo por timbre, cortado por um traço, o brasão da CCAV 3420, "Os Progressistas", sediada em Bula, SPM 1898.

O nosso camarada José Afonso, ou José Baptista Afonso, por sua vez,  é bancário, reformado da CGD, dividindo, em 2009, o seu tempo entre Castelo Branco, de donde é natural, e o Fundão, onde trabalhou e tinha residência.. Não temos notícias suas desde esse ano. Nasceu em 1949, e deixou de ter o endereço de email que tinha. Não temos o seu nº de telemóvel.


Teor do cartão, sem data:

 [ Ao canto superior esquerdo, Brasão  da CCAV 3420, Os Progressistas, SPM  1898 (Particular)]:

"Caro amigo: Só agora tenho tempo de agdecer o agradável telegrama. Sinto-me feliz não só pelo acontecimento, mas por me permitir ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné. Do pessoal da Comp[anhia] guardo as melhores recordações mesmo depois de fazer o balanço dos maus bocados. Um dia que nos encontremos poderemos esclarecer muitas situações.

"Há pouco esteve aqui o ex-fur[riel] Gomes. O 1º [sargento] Beliz mandou vir e foi  expulso do curso para oficial mas deve agora [depois do 25 de Abril] ser readmitido. O 1º Pascoal continua aqui [na EPC, Santarém] como dantes.

"Sem mais, um abraço do amigo ao dispor. (Ilegível)"


 [A foto acima é, de  há muito,  um ícone,  foi tirada pelo grande fotógrafo português Alfredo Cunha, no 25 de Abril de 1974: é apenas um detalhe da foto original. Cortesia de Wikipedia.] 

Foto (e legenda): © José Afonso (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guião da CCAV 3420 (Bula, 1971/74). 
Coleção de Carlos Coutinho, com a devida vénia


1. O capitão Salgueiro Maia, de seu nome completo Fernando José Salgueiro Maia (Castelo de Vide, 1 de julho de 1944 - Santarém, 3 de abril de 1992), ficará na história de Portugal como um dos nossos heróis do séc. XX.

Passado quase meio século depois do 25 de Abril de 1974, e trinta depois da morte do mais famoso capitão de Abril, parece haver hoje um amplo consenso na sociedade portuguesa sobre o seu lugar na história da nossa Pátria. 

O homem que comandou a coluna de cavalaria que veio de Santarém, cercou os ministérios do Terreiro do Paço e levou Marcelo Caetano a render-se no quartel do Carmo, sede da GNR, é um exemplo das melhores virtudes pátrias que pode ter uma militar: coragem (física e moral), serenidade, bom senso, liderança, abnegação, honestidade intelectual, coerência, amor à república, amor à Pátria...

Mas não nos compete, a nós, blogue, escrever aqui "hagiografias" (Nem biografias, não somos historiadores.) Para nós, foi um dos nossos camaradas na Guiné (regressado em outubro de 1973), e isso basta, não nos podendo todavia esquecer, muito menos ignorar ou escamotear, que ele se irá distinguir depois pelo seu papel, decisivo, nobre, orajoso e impoluto, no 25 de Abril de 1974. 

Morreu, precocemente, aos 47 anos, vítima de cancro. Quiçá amargurado, pelas injustiças de foi vítima, sobretudo por parte do poder instituído, não apenas militar como político.




José Baptista Afonso, ex-fur mil at cav, 3º Gr Comb,
CCAV 3420 (1971/73). Natural de Freixail de Cima, Castelo Branco,
tem casa também no Fundão onde trabalhou, 
e conhecia o nosso saudoso Torcato Mendonça.


2. Vamos, por estes dias, recordar a  ação do cap Salgueiro Maia, nomeadamente na Guiné, enquanto comandante da CCav 3420 (Bula, Mansoa, Pete, Farim, Binta, Bissau, 1971/73, 1971/73). E sobretudo a partir dos testemunhos de quem o conheceu no CTIG. 

Infelizmente só temos um representante da CCAC 3420 na Tabanca Grande: o nosso camarada José Afonso (fotos acima), de resto um excelente contador de histórias.

E começamos justamente pela reprodução de um cartão pessoal, escrito pelo Salgueiro Maia, já depois do 25 de Abril de 1974, talvez em Maio, enviado ao José Afonso que o havia felicitado  pela acção na Revolução dos Cravos (documento acima reproduzido).

Nas neste primeiro poste de homenagem a este homem da nossa geração e nosso camarada da Guiné, de que muito nos orgulhamos,  é bom sabermos algo mais sobre a CCAV 3420 que ele comandou. 

Depois iremos repescar algumas das histórias do José Afonso sobre o Salgueiro Maia e outros bravos da CCAV 3420, esperando, por outro lado, que ele, José Afonso,  volte a dar notícias,  o que não acontece há muitos anos (desde, pelo menos, 2009).

PS - Já pusemos as notícias em dia, e tenho o atual endereço de email, além de "carta branca" para republicar as suas histórias do Salgueiro Maia e dos demais bravos da CCAV 3420.


Ficha de unidade > Companhia de Cavalaria n.º 3420

Identificação:  CCav 3420

Unidade Mob: RC 4 - Santa Margarida

Cmdt: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia

Divisa: "Progressistas" - "Perguntai ao Inimigo Quem Somos"

Partida: Embarque em 04Jul71; desembarque em 09Jul71 | Regresso: Embarque em 030ut73


Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 12Jul71 a 06Ag071, no CMI, em Cumeré, seguiu em 11Ag071 para Bula, a fim de efectuar o treino operacional e render a CCav 2639.

Em 29Ag071, iniciou a actividade de intervenção e reserva do BCaç 2928, substituindo a CCav 2639 a partir de 20Set71, e actuando nas regiões de Choquemone, Cuboi, Ponta Matar-Ponate e outras, bem como nas acções de contrapenetração e na segurança e protecção dos trabalhos da estrada Bula-Binar,

De 05Mai72 a 08Jul72, foi deslocada para Mansoa, em reforço do BCav 3852, com a missão principal de garantir a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Mansoa-Namedão-Bissorã, recolhendo a Bula quando os trabalhos atingiram Namedão e voltando à dependência do BCaç 2928 e depois do BCav 8320/72.

Em 09Jul72, rendendo a CCaç 2789, assumiu a responsabilidade do subsector de Pete, com destacamentos em Ponta Consolação e Capunga, com vista à execução e controlo dos trabalhos de construção, dos respectivos reordenamentos e promoção socioeconómica das populações. 

Em 07Dez72, assumiu, em acumulação, por saída do CCaç 3328 e extinção do subsector de Ponta Augusto Barros, a responsabilidade daquela zona de acção, mantendo a sede em Pete e guarnecendo então os destacamentos de João Landim, Capunga e Mato Dingal.

Em 23Mai73, foi substituída nos reordenamentos pela 1ª Comp/BCav 8320/72 e seguiu, em 25Mai73, para Farim e depois para Binta, a fim de reforçar as forças do COP 3 empenhadas no início dos trabalhos da reabertura do itinerário Binta-Guidage; em 29Jun73, foi rendida nesta missão pela CCav 3568, recolhendo então a Bissau.

Em 30Jun73, substituiu no sector de Brá a CArt 3521, ficando integrada no dispositivo e manobra do COMBIS, a fim de garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 30Set73, foi substituída no subsector de Brá pela CCaç 3476, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 99 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 515/516
_________

Nota do editor: