Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Silva. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Silva. Mostrar todas as mensagens

domingo, 24 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24997: Boas Festas 2023/24 (12): Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887; José Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF e Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879


1. Mensagem natalícia, em forma de poema, do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68):

ANTIDEUTERONOMIO II

adão cruz

No tempo em que as sardinheiras das varandas dos pobres
faziam parte dos nossos sonhos
florindo em poemas de sol e de cor
no tempo em que as andorinhas
teciam grinaldas de vida nos beirais
no tempo em que os rios bordavam a terra de areia branca
no tempo em que a brisa sussurrava
por entre as flores
e as fontes murmuravam seus amores
a aurora da nossa inquietação tinha o cheiro a maçãs
e o pulsar das coisas vivas
e o levíssimo sorriso dos jardins do paraíso.
Tudo amávamos em nobre sentimento de exaltação
o mundo era transparente e fácil de amar
e cheirava a feno
a razão ondulava a frágil seara
em suave alento na quietude universal da liberdade
como harmoniosa mulher suspirando ao vento.
Tão inocente amor
tanta alegria
quem pensaria que os rios de pranto
haveriam de chegar um dia
em negra nuvem de calado voo.
Não podemos deixar que a nuvem negra
se abata sobre nós e o pensamento…
e o pensamento nos agarre no desértico silêncio
sentados ao vento
no falso sol da varanda da ilusão
e da erosão da consciência adormecida.
Não podemos deixar que a todos nos transforme
em filhos da morte
filhos de nenhum lugar e de toda a parte
figuras do vale das sombras
esgueirando-se nas sombras de outras sombras
sonâmbulos fantasmas
sem gestos de vida que nos façam acordar.
E quando for dia de sol bem alto
porque haverá sempre um dia
a rasgar a deuteronómica nuvem negra
que ameaça os campos do futuro
e o sereno assombro das pedras
e os peixes verdes dos poemas
e os rubros sorrisos que cheiram a mar
e os passos dos que aprendem a andar
e os rios que correm nos olhos de uma criança
e a memória sem tempo
jamais a exaltação da santidade
estará na morte e nas cinzas da cidade.
E não haverá espinhos nos olhos
e aguilhões nos flancos da vida…
E não haverá armas de destruição maciça
no coração das mães dos filhos exterminados.
Na diáfana manhã de um novo dia
apenas a plangente harmonia de um Stabat Mater.


********************

2. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS, TSF  (Piche e Bissau, 1970/72):

Meus amigos
Estamos em plena época de "Festas Felizes", "Boas Festas", "Feliz Natal", "Bom Ano Novo", etc., coisas do mesmo género, que se costuma ouvir muito por estes tempos.
São expressões sentidas?
São expressões vazias de sentido?
O que leva as pessoas a repeti-las, ano após ano, na maior parte das vezes sem darem conta do que podem realmente significar?
Repetem por simples impulso automático? Por hábito? Por convenção social?

Os meus amigos mais antigos já sabem que eu, por estas alturas, fico sempre um pouco menos sensível a esses tipos de manifestações.
Por isso, sinto-me menos propenso a veicular, a verbalizar (de viva voz, ou por escrito), tais desejos de aparente bondade, piedade, até de solidariedade.

Então, por tal, peço que me desculpem de não ser um "contributor da moda" e não interagir assim tanto nesse sentido, sendo que não tomo a iniciativa de desejar "Feliz Natal" e limitando-se a agradecer o que me enviam.

Com votos de boa saúde, para vós e familiares, e de um melhor Ano Novo, que se avizinha e que seja de facto um Novo Ano.

Saúdo-vos com um "Festas Felizes"
Hélder Sousa


********************

3. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71):

Meus Caros Amigos e Camaradas
Tabanqueiro Mor Luís e Carlos Vinhal

2023 - É Natal - A todos os meus amigos e camaradas da Tabanca Grande e seus familiares desejo um Feliz Natal e um Ano Novo 2024 com paz e saúde

Com um grande abraço
Carlos Silva

____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24994: Boas Festas 2023/24 (11): José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56; Eduardo Estrela, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 14 e João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil do BENG 447

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24828: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVIII: um centro de instrução de Comandos em Mansabá, nas barbas do PAIGC, às portas do Morés


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Placa toponímica assinalando a entrada de Mansabá para quem vinha de Cutia


Guiné > Região do Oio > Mansabá > c. 1970/72 > Vista da tabanca.  

Fotos (e legendas)  © Carlos Vinhal  (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > Farim > c. 1969 / 71  Nas margens do Cacheu, em Farim.

Foto (e legenda)  © Carlos Silva (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, aoi serviço do COE, que era comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado...


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVIII:

 Um centro de instrução de Comandos em Mansabá, nas barbas do PAIGC, às portas do Morés 

No final de 1972, eu era 2º sargento,
estava com muitos anos de guerra, sentia-me muito cansado

Num dia daqueles entrei no gabinete do major Almeida Bruno, comandante do Batalhão de Comandos, e pedi-lhe que me transferisse para uma companhia africana. Depois de olhar para mim, mandou chamar o 1º sargento e pediu-lhe o meu processo.

Começou a folheá-lo e, uns momentos depois, mandou chamar o tenente Jamanca. Nisto entrou o Marcelino da Mata [1] e, logo a seguir o Jamanca.

O major, dirigindo-se ao Jamanca, perguntou-lhe porque é que ainda não tinha sido entregue o meu processo de promoção. Como o Jamanca ficou calado, o comandante voltou a fazer a pergunta e o Jamanca continuou calado. Nessa altura, o Marcelino disse que no batalhão já se vendiam os postos e que era por isso que não gostava de lá estar [2].

O comandante não ficou muito satisfeito com esta saída do Marcelino e mandou-o estar calado.

Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se.

Uma semana depois, talvez, estava na cantina quando me chamaram ao telefone.

−Amadu, sabes com quem estás a falar?

Eu não reconheci a voz e respondi que não, que não sabia quem me estava a telefonar.

− É do Comando-Chefe, é o Ramos[3]!

− Olá. meu capitão, está bom?

E, depois começámos a falar, até que me convidou a ir ter com ele.

Fui sem demora. Quando o vi, ele perguntou-me se eu queria escolher um furriel e dez soldados, que fossem da minha total confiança e passasse a sair com ele[4], para o mato.

Nesse mesmo dia chamei o furriel Facene Sama. Eu gostava do Facene, tanto como se fosse meu filho. Disse-lhe:

− Escolhe dez homens da tua completa confiança e apresenta-te na parada com eles, com as vossas armas e mais dois RPG2 e uma HK 21. Quando estiverem prontos, chama-me. Entretanto, fui buscar a minha arma, os equipamentos e um rádio AVP 1.

O grupo já estava formado quando me dirigi ao encontro deles. Passei-lhes revista, inspeccionei as armas e os respectivos equipamentos e disse-lhes que estivessem prontos para saírem no dia seguinte às 07h30.

No dia seguinte, começámos a sair com o Marcelino da Mata e com o capitão paraquedista Ramos. Por cada saída eu recebia mil escudos e o furriel e os soldados quinhentos.

Estas acções duraram três a quatro meses, com uma a duas saídas por semana, ao mesmo tempo que me mantinha nos Comandos em Brá e saía sempre que o meu grupo estava escalado.

Tive conhecimento que ia haver um curso em Mansabá, logo nos inícios de 1973. Eu andava muito cansado e, quando vi o meu nome na lista de instrutores, pedi para me trocarem. Quando teve conhecimento do meu pedido, o capitão Matos Gomes mandou-me chamar.

− De que é que eu estou cansado, meu capitão? De tantas correrias, de marchas forçadas!

− Não vais correr, Amadu, quem corre são eles, tu vais mandar, vais controlar as corridas e as marchas.

Três dias depois, lá fui eu, outra vez, numa coluna de viaturas, para Mansabá. Chegámos atrasados, já passavam das 16 horas. Tinha havido um acidente com alguns feridos, na curva de Nhacra, logo a seguir à povoação.

Eu levei a minha mulher e o Braima Baldé e o Bailo Djau também levaram as deles. Depois de chegarmos fomos procurar alojamentos.

No dia seguinte começou o curso[5]. Nos três primeiros dias comemos muito mal, não havia carne. Não estávamos a passar muito bem e, então fui falar com o capitão, comandante da companhia, a ver se nos podia arranjar carne.

Que havia um homem, chamado Malan, que matava o gado e que, quando precisavam de carne, falavam com ele.

Eu, o alferes Carolino Barbosa e os sargentos Braima Bá e Bailo Djau andámos de casa em casa, à procura do homem até que o encontrámos sentado na varanda. Cumprimentou-nos mas não nos mandou entrar.

Quando lhe fizemos o pedido, disse que não, que só mataria com a autorização do capitão. Nós dissemos-lhe que tinha sido o capitão que nos tinha indicado o nome dele, mas mesmo assim recusou, dizendo que o capitão tinha que falar directamente com ele.

Vimos um furriel ali perto, dentro de um jipe e pedimos-lhe que transmitisse ao capitão que estávamos ali por causa da carne, mas que o homem dizia que só na presença do capitão é que o caso se podia resolver.

Não demorou muito, chegou um jipe com um alferes que, a mando do capitão, disse que o homem podia matar vacas para o nosso consumo. No dia seguinte, de manhã, tínhamos a carne que precisávamos. E á tarde, quando estava com o capitão Matos Gomes perguntei-lhe se era possível organizar uma coluna para Farim. Porque eu tinha parentes lá, que tinham muito gado. Arranjava pastor, trazia-o para Mansabá e era capaz de arranjar carne de vaca a 11 escudos o quilo.

Saímos no dia seguinte, de manhã, em coluna, e ainda não eram 11h00 já estávamos em Farim. Contactei os parentes, juntámo-nos à beira dos correios, falei-lhes do que precisava, começámos a negociar e chegámos a acordo. E pedi para eles me arranjarem também alguém, voluntário, que fosse comigo para Mansabá.

O gado estava numa bolanha ali perto. Ajudaram-me a escolher vinte e duas vacas e depois atravessámos o rio, ao encontro da coluna que estava na outra margem do rio Cacheu.

A partir dessa altura, passámos a fornecer a carne à companhia, a uma cantina e à serração. Quando abatíamos uma vaca dividíamos a carne.

No decorrer da instrução de comandos havia quase sempre azares. No curso que estávamos a dar[6], um soldado[7] de meu grupo foi atingido mortalmente por um colega e um outro foi ferido na prova individual[8].

Num dia em que o capitão Matos Gomes se tinha deslocado a Mansoa, saímos para fora do arame farpado e andámos na mata. O nosso capitão ainda não tinha regressado mas, como estava no programa do curso, jantámos à pressa para nos prepararmos para a instrução nocturna.

O alferes[9], que o nosso capitão tinha deixado a substituí-lo, perguntou-nos o que íamos fazer.

− Vamos sair para a instrução nocturna.

− Não me responsabilizo pela saída do quartel, à noite. Só quando o nosso capitão vier[10]!

Contrariados, porque a instrução nocturna fazia falta, fomos aos quartos mudar de roupa. Depois dirigi-me a casa do padre da Mesquita, que era meu amigo. Estivemos a conversar e, quando chegou um homem que o vinha visitar também, despedi-me e comecei a dirigir-me para o quarto. Quando estava quase a entrar na estrada alcatroada, de um momento para o outro vi o céu muito claro e logo a seguir tiroteio à volta do arame farpado. O fogo de armas automáticas e os rebentamentos não me deixavam regressar para o quartel.

Decidi voltar a casa do padre. Quando cheguei, vi-a a arder, de uma ponta a outra. Voltei para a Mesquita e encontrei muita gente lá dentro, militares europeus e outras pessoas. Como não havia bombeiros, alguns militares vieram do quartel com água. Toda a gente tentava apagar o fogo, que tinha tomado conta da casa.

Quando o PAIGC cessou o ataque, soubemos que tinham sido atingidas mortalmente três pessoas, um casal idoso e um rapaz[11].

Voltaram a atacar o aquartelamento quando o curso estava a terminar. Desta vez, utilizaram armas pesadas, mas tiveram pouca pontaria, as granadas caíram todas fora do quartel e da povoação.

No final do curso, regressámos a Bissau e começámos os preparativos para o treino operacional que iria começar com uma das maiores operações de comandos. Quase 500 homens, o batalhão inteiro, comandado pelo major Almeida Bruno. 

(Continua)
_________

Notas do autor e/ou do editor VB:

[1] Nota do editor: Marcelino da Mata, na altura 2º sargento, chefiava o grupo “Os Vingadores”, sediado na Amura, que dependia do COE, comandado pelo major Almeida Bruno.

[2] O ambiente entre nós nem sempre foi o melhor. Havia rivalidades étnicas que se cruzavam com os problemas que ocorriam em qualquer unidade militar.

[3] Nota do editor: capitão António Joaquim Ramos, paraquedista, em missão no COE do Comando-Chefe

[4] A missão era levar a efeito assaltos a acampamentos IN, juntamente com o grupo “Os Vingadores” do 2º. sargento Marcelino da Mata.

[5] Nota do editor: foi o primeiro curso realizado em Mansabá. Os anteriores tinham sido realizados em Fá Mandinga. A ideia de Mansabá partiu do major Almeida Bruno, para marcar a diferença relativamente ao anterior, pois este era o primeiro curso realizado sob a responsabilidade do Batalhão de Comandos da Guiné, criado em 2 de novembro de 1972. A ideia era estabelecer um Centro de Instrução de Comandos e a localização tinha a ver com a situação operacional. Era um desafio ao PAIGC, um centro de instrução de Comandos nas barbas do Morés.

[6] Nota do editor: em 21 abril 1973.

[7] Nota do editor: Saranjo Baldé, durante a limpeza da sua arma, segundo a versão oficial.

[8] Prova individual, numa pista de combate no exterior do quartel, com obstáculos e progressão com tiro real.

[9] Nota do editor: alferes da 35ª CCmds, comandante de um grupo de combate.

[10] A instrução nocturna era feita habitualmente na zona da pista, na direcção da estrada para Bafatá, ou nos terrenos junto à estrada Mansabá-K3-Farim. Aproveitava-se, assim, a instrução para criar instabilidade no PAIGC.

[11] No quartel caíram várias granadas e um foguete de 122 abriu um buraco na parede do bar.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 22 de outubro de  2023 > Guiné 61/74 - P24780: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII: assalto, da 1ª CCmds Afriicanos, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor, ao irã da Caboiana, em outubro de 1972

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24623: Fauna e flora (23): o hipopótamo-comum, pis-cabalo em crioulo (Hippopotamus amphibius) apanhado nas bolanhas de Farim (Carlos Silva, ex-fur mil arm pes inf, CCaç 2548 / BCaç 2879, Jumbembem, 1969/71)


Guiné : Região do Oio > Farim > 1970 > "Quem não se acredita que não havia hipopótamos no rio Cacheu? Aqui está o malandro que dava cabo dos arrozais". Foto do precioso álbum do Carlos Silva, ex-fur mil arm pes inf,  CCaç 2548 / BCaç 2879 (Jumbembem, 1969/71).(*)

Foto (e legenda): © Carlos Silva  (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Pis-Cabalo (em crioulo) ou hipopótamo-comum (Hippopotamus amphibius) > Um dos mamíferos protegidos na Guiné-Bissau. Não confundir com o hipopótamo-pigmeu, dado como extinto na Guiné-Bissau há 50 anos (**). 

Fonte: Guia de Identificação dos Animais da Guiné-Bissau. República da Guiné-Bissau, Direcção Geral dos Serviços Florestais e Caça, Deparatmento da Fauna e Protecção da Natureza, s/l, 34 pp. s/d. (Já não está disponível em formato pdf, no sítio do IBAP,  fomos recuperá-lo através do Aqruivo.pt).

https://ibapgbissau.org/Documentos/Estudos/Animais%20da%20Guine-Bissau.pdf


Temos uma série dedicada à "Fauna e flora", em especial da  Guiné-Bissau. Esperamos mais contributos dos nossos amigos e camaradas da Guiné que fazem também deste blogue uma importante fonte de informação e conhecimento  (***).
__________



segunda-feira, 19 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24414: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano; Parte XXX: A guerra pela população (pp. 204-206)


Guiné > Região do Oio > Farim > Aproximação à pista de Farim. Foto de Carlos Silva, ex-fur mil, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71) (publicada, a preto e branco, no livro, na pág. 205)

Guiné > Região do Oio > Farim > O rio Cacheu em Farim.  Foto de Carlos Silva, ex-fur mil, (publicada, a preto e branco, no livro, na pág. 204)


Guiné > Região do Oio > Farim > O rio Cacheu em Farim.  Foto de Carlos Silva (publicada, a preto e branco, na pág. 206)

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim.



1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano:


Parte XXX:  A guerra pela populaçãpo (pp. 204-206)


Depois de várias saídas, a nossa companhia comandada pelo Tenente Zacarias Saiegh, partiu para Bissau, com a missão de executar duas acções, uma na zona de Bissum Naga[1] e outra na área de Farim.

Na zona de Bissum Naga, tivemos contacto com o PAIGC por duas vezes. Num dia, um dos nossos grupos, junto ao rio, capturou armas e granadas ao PAIGC. No dia seguinte, outro grupo nosso foi apanhado pelo IN, quando estava numa fonte a transportar água[2] e teve um ferido.

Duas companhias incompletas, a 1ª e a 2ªCCmds, comandadas também pelo Saiegh, embarcaram de avião para Farim, onde chegámos às 11h00. Depois, seguimos, a pé, da pista para o cais, onde ficámos até cerca das 16h00.

Entrámos para uma embarcação comercial e partimos, como quem ia para Binta[3]. A meio do rio, o barco encostou à margem esquerda, amarrámo-nos às árvores e saltámos para terra. Depois de reagrupados, rumámos na direcção de Oio Tiligi[4]. Entrámos na mata, fizemos um alto para comer qualquer coisa e mudamos para um local onde pernoitámos.

Logo de manhã, bem cedo, dirigimo-nos para a zona onde tinham sido referenciados acampamentos do PAIGC.

A certa altura, não muito longe desses locais, ouvimos barulho de vozes e tomámos as disposições para o assalto. Não sabíamos se era pessoal armado ou só população. Como os sons das vozes vinham de vários locais, separámos o nosso pessoal.

Fomo-nos aproximando na direcção das vozes, deparámos com barracas com população civil e, sem dar um tiro, recuperámos as cerca de trinta pessoas que encontrámos.

Em marcha rápida saímos do local, com o objectivo de evitar contacto armado, uma vez que tínhamos entre nós crianças, velhos e mulheres. Sabíamos que eles conheciam a zona melhor que nós e mantivemos o ritmo da marcha até encontrarmos um local que nos pareceu relativamente seguro para dormir um pouco. 

Como estávamos no mês do Ramadão demos às pessoas a nossa ração de combate para quebrarem o jejum.

Ao romper da aurora dirigimo-nos para a margem do rio Cacheu e, depois de muito andar, avistámos o barco, que estava encostado a umas árvores, numa zona em que o rio faz uma curva. Não foi fácil meter toda a gente na embarcação mas conseguimos.

Chegámos ao cais de Farim, entre as 15 e as 16h00 e apresentámo-nos no comando do batalhão[5]. Um capitão disse que quem tivesse onde dormir que podia ir e regressar no dia seguinte, aí pelas oito horas.

Eu e mais alguns colegas fomos para o bairro de Sinchã, onde a maioria dos moradores era da minha etnia. Não estavam à nossa espera e não tinham condições para nos dar comer e alojamento mas nada nos faltou e dormimos bem até de manhã.

No dia seguinte, conforme estava determinado, encontrámo-nos na pista à espera dos aviões que chegaram por volta das 09h00[6].

(Continua)
_________

Notas do autor e/ou do editor literário (VB):

[1] Nota do editor: a cerca de 17km a norte de Binar.

[2] Nota do editor: esta acção na zona de Bissum Naga, executada pelas 1ª e 2ª CCmds, foi elaborada pelo COE, comandado pelo Major Almeida Bruno, e decorreu entre 18/22 Outubro 1971 na mata do Choquemone.

[3] Nota do editor: destacamento da CArt 3358.

[4] Tiligi, palavra mandinga que significa pôr-do-sol.

[5] Nota do editor: BArt 3844.

[6] Nota do editor: acção no Tancroal (rio Jagali, Ganturé-Cacheu), sector de Farim, comandada pelo Major Almeida Bruno, entre 29 Outubro/01 Novembro 1971.

[Seleção / Revisão e fixação de texto /  Subtítulo / Negritos:  LG]
_________

sábado, 13 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24311: Homenagem a dois 'guineenses' de adoção e paixão, o algarvio António Camilo e o nortenho Xico Allen (1950-2022): "Diário da Viagem até à Guiné-Bissau por terra e por ela", em 20 dias (Herculano Prado). Parte I: De Portimão a Bambadina, em 7 dias, de 18 a 24 de setembro de 2017


Xico Allen (1950-2022)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Capela > 2010 > O Luís Branquinho Crespo  (advogado, Leiria) e o António Camilo (empresário, Lagoa) colocando a imagem de N. Sra. de Fátima, na sua base. Foi oferecida por ambos,
 
Foto (e legenda):  © António Camilo (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 1 de Março de 2008 > O António Camilo, empresário, algarvio, natural de Lagoa, na morança que construiu, no Clube de Caça do Saltinho, na margem direita do mítico e sempre deslumbrante Rio Corubal. Ei-lo aqui à porta de casa, e com seu/nosso amigo Carlos Silva (em primeiro plano). O Camilo voltaria, em 2009, à Guiné-Bissu, na sua 8ª expedição. Em 2008 estuvemos aqui com ele por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008). 

Foto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Tenho, na minha caixa de correio, desde 07/09/2018, 18:21, um texto, longo, com  o diário da viagem à Guiné-Bissau, feita "por terra e por ela" (sic), de 18 de setembro a 6 de outubro de 2017, por 4 portugueses, em dois jipes, o António Camilo, o Xico Allen, o Herculano Prado e a esposa, Luzinha, prima do António Camilo (que foi fur mil da CCAÇ 1565, Bissau, Jumbembém, Canjambari, Bissau, 1966/68).

O diário, da autoria de Herculano Prado, chegou-me, reencaminhado pelo Xico Allen, juntamente com o teor do mail em que ele agradecia ao autor e â esposa, companheiros de viagem:

 (...) 28 de janeiro de 2018 às 14:58
 
Boa tarde,  amigos.

Agora mesmo acabo de ver que me foi transmitida a história de nossa viagem á Guiné. Foi muito gratificante ler o que o dr. Herculano Prado escreveu, me fazendo relembrar em pormenor a deslocação até Bissau.

Muito obrigados por tudo e por vos ter conhecido também. São pessoas que ficam no coração. Espero vos encontrar em breve.

Beijos e abraços, Xico.


2. O Herculano Prado, hoje advogado, foi fur mil, CAÇ 3550 / BCAÇ 3885 (Zambué, Tete, Moçambique,  1972/74). Não é membro da nossa Tabanca Grande, mas fica desde já convidado para a integrar, não só por esta viagem e a publicação deste texto (em duas partes), como pela ligação (profissional e afetiva) à Guiné (desde pelo menos 2010), e a amizade que criou e manteve com dois dos nossos tabanqueiros, o António Camilo e o Xico Allen (1952-2023).  

Agora que o Xico nos deixou (a nós e à Terra da Alegria), julgo que será oportuna  a publicação desde "diário" no nosso blogue, partindo do pressuposto que era vontade do Xico que o texto fosse publicado no nosso blogue, com a anuência (pelo menos tácita) do Herculano Prado.  Por outro lado, esta é a viagem que alguns de nós já fizeram, e que a maioria gostaria de ter feito em vida, e que por uma razão ou outra (a começar pelos problemas de saúde e segurança) nunca fez ou nunca chegará a fazer.

Tinha na altura pedido ao Xico Allen para nos enviar fotos da expedição. Por esta ou aquela razão, as fotos nunca chegaram. Vamos ter que recorrer, por isso, a  fotos de outras expedições.  Deixamos aqui a manifestação da nossa gratidão ao Herculano Prado. E damos-lhe os parabéns pela excelència do texto, que ganha em vivacidade, fluência e objetividade (e que por isso seria uma pena ficar na "gaveta"...). Enviamos, entretanto,  um alfabravo fratermo ao Camilo (de quem não temos tido notícias) desejando-lhe saúde e longa vida para poder continuar a fazer as suas expedições à Guiné-Bissau onde tem casa (em 2017 era a sua 22ª viagem).


DIÁRIO DA VIAGEM À GUINÉ BISSAU 
POR TERRA E POR ELA

  © Herculano Prado (2017)

Preâmbulo

O António Joaquim Sousa Camilo, primo da Luzinha, foi um dos primeiros a fazer uma viagem por terra à Guiné Bissau, se não o primeiro, dado não termos conhecimento de viagens anteriores, depois do 25 de Abril, onde tinha cumprido serviço militar.

Na primeira viagem que fez à Guiné, em 1998, o Camilo conheceu o Xico Allen de quem ficou amigo, começando aqui uma amizade que perdura e que os levou a congeminarem uma viagem por terra. 

Quando regressaram a Portugal começaram a fazer os preparativos para fazerem a viagem, tendo procurado alguns patrocínios para a custear, com publicidade no jeep, e aceitando donativos para apoio à população, em especial às crianças. Esta iniciativa começou a ganhar projeção, tendo aparecido um novo interessado em os acompanhar, que era um repórter fotográfico, chamado Artur. As pessoas ao tomarem conhecimento ofereceram donativos, os meios de comunicação pegaram no assunto e foram transmitindo informações sobre o decorrer da viagem, que começou em Lagoa, em frente à Fatacil. 

À partida estiveram presentes dois canais de televisão, a RDP e as rádios locais, com relevância para Rádio Lagoa, que ia acompanhando a viagem, com uma ligação ao Camilo, por volta das 10 horas, todos os dias. Fizeram-se transportar no jeep do Camilo, que ia a abarrotar, inclusive, levavam malas e sacos no tejadilho. Segundo o Camilo, nem mais uma garrafa de água cabia. A viagem demorou dez dias e foi uma aventura e descoberta constante, como normalmente acontece aquando da primeira vez.

O amor àquela terra e às suas gentes levou-o a, posteriormente, organizar algumas caravanas humanitárias, das quais a Luzinha ia tendo conhecimento, através do Facebook. Entusiasmada com as viagens, referiu-me que, por ela, se eu quisesse, poderíamos um dia acompanhar o Camilo. O Camilo, sabendo o nosso interesse, quando teve uma oportunidade convidou-nos, mas, por impedimentos da nossa parte, só agora podemos aceitar.

A viagem, a nossa primeira, a vigésima segunda do Camilo e a décima segunda do Xico Allen, foi iniciada com dois jeeps, marca Mercedes, sendo um ocupado pelo António Joaquim Sousa Camilo e pelo Francisco Jorge Allen (Xico Allen) e outro por mim, Herculano Afonso Lourenço do Prado e pela Luzinha, Maria da Luz Reis Braz Silva Lourenço do Prado, minha mulher.

O itinerário da viagem seria: Espanha, Marrocos, Sara Ocidental, Mauritânia, Senegal e Guiné Bissau. Na Guiné Bissau ficámos em Bambadinca e não em Saltinho como pensávamos.

O jeep que nos foi destinado ficaria por nossa conta, quer para a condução, quer para todo tipo de despesas com ele relacionadas: combustível, barco, seguros etc.

A ideia do diário surgiu ao fim do primeiro dia de viagem quando, ao estarmos a pernoitar em Marraquexe, enviei um e-mail a alguns amigos, tendo alguns sugerido que fizesse um diário e que lhes fosse dando conhecimento do que se ia passando. Achei a ideia interessante e, por isso, no fim do segundo dia, relatei os factos mais importantes e enviei-os convencido de que teriam chegado aos destinatários. Como não obtive os comentários que seriam expectáveis, enviei o e-mail para o remetente, não tendo chegado, o que me levou a concluir que o mesmo teria acontecido em relação aos outros destinatários e que o mesmo aconteceria com os e-mails seguintes. 

Em face desta situação, continuei a fazer o diário, deixando, contudo, de o tentar enviar para os meus amigos, que estavam à espera de noticias. Assim, os e-mails foram transformados neste diário, que, se outro interesse não tiver, servirá para mais tarde os meus filhos e netos recordarem, que um dia os avós, já no crepúsculo da vida, se abalançaram a uma viagem, que, se já não era perigosa, como aconteceu no passado, era e foi muito emocionante e cansativa.

Aproveitámos a viagem para levarmos os jeeps cheios com donativos para as crianças de Bambadinca, que aguardavam transporte.


Infografia: o percuros habitual das expedições terrestres de antigos combatantes, como o António Camilo, desde o Algarve até à Guiné Bissau, atravessano o sul deEspanha e depois ,a partir de Tanger, fazendo a costa atlântica de Marrocos, Mauritània e Senegal .

Infografia: Visão (3 de fevereiro de 2011) (com a devida vénia...)


1º dia, domingo/segunda-feira, 17/18 de setembro de 2017

A viagem começou em Portimão, às nove e meia de domingo, passando pelo porto de Tarifa, onde apanhámos o barco até Tanger. A passagem, por carro e ocupantes, custou € 200,00. Chegámos ao porto de Tarifa por volta das 5,30 horas, aguardando até entrarmos para o barco às oito horas. As burocracias alfandegárias foram fáceis, porque não precisámos de vistos.

Ao sairmos do Porto, não fomos ao centro da cidade de Tânger, contornando-a em direção ao Sul, mas a vista que dela se tem do barco dá para ver a sua grandiosidade.

Para nós,  portugueses, quando passamos por sítios, que fazem parte da nossa história e olhamos para o passado, não podemos deixar de nos sentir orgulhosos pelos feitos dos nossos antepassados (esquecendo as atrocidades que cometeram e que eram comuns a todos os beligerantes da época). 

A necessidade, porque eramos um pais pobre, com menos de dois milhões de pessoas, o aventureirismo, ambição e visão de alguns, especialmente do Infante D. Henrique e, posteriormente, de D. João II, levaram-nos, inicialmente, para o Norte de Africa, onde ocupámos Tânger, Ceuta e outras praças e, posteriormente, a contornar o continente africano e a chegar à India. O declínio do império começou ali, nos campos de Alcácer-Kibir, quando um rei imaturo e militarmente incompetente não soube comandar um grande exercito, que, com outro comandante, provavelmente, teria vencido.

A viagem até Marraquexe foi feita sempre em autoestrada, não se notando grandes diferenças em relação ao sul de Portugal.

A meio da viagem apanhámos um grande susto, porque entrámos na reserva de combustível e nunca mais aparecia uma bomba para abastecermos. Foi um alívio quando o conseguimos fazer.

Fizemos o nosso primeiro almoço de piquenique, dos abastecimentos de que estávamos providos, até ao fim da viagem e para os dias na Guiné.

No momento em que enviei o primeiro e-mail, estávamos a passar a noite em Marraquexe e na amanhã seguinte continuámos em direção ao Sul, passando por Agadir.

Ao entrarmos em Marrocos perguntaram-nos se trazíamos armas ou drones.


2º dia, terça-feira, 19 de setembro de 2017

No Segundo dia da viagem, saímos de Marraquexe às sete da manha rumo ao Sul, passando por Agadir, Tiznit e outros locais de menor importância.

Atravessámos a cordilheira do Atlas na sua parte mais ocidental e menos elevada, com paisagens agrestes, grandiosas e de grande beleza.

Passámos por Agadir, cidade costeira e moderna, depois de ser reconstruída em consequência do terramoto que a destruiu, em 26 de fevereiro de 1960.

“A intensidade do abalo foi apenas de 5,7 na escala de Richter, mas, por a cidade se situar precisamente sobre a falha geológica e o epicentro do sismo, e por a maioria dos seus edifícios serem velhos e frágeis, a destruição foi quase total. Na Kasbah e nos bairros centrais de Yachech e Founti não ficou nada de pé. Mais de 15 mil pessoas morreram e muitas ficaram feridas e desalojadas. Foi o mais mortífero terramoto da história de Marrocos.”

O porto é muito bonito, como pudemos apreciar de uma das elevações que o rodeiam. Ali, a Luzinha, pela primeira vez, passeou montada num camelo, conjuntamente comigo.

Nesse miradouro, comprámos umas rochas de cristais coloridos.

A viagem até ao meio do dia foi feita por autoestrada, com inúmeras portagens pagas. Porque € 1,00 vale 10,50 dirames, acaba por não ser muito caro. Nestes dois dias já fizemos cerca de 1500 km, sendo mais de mil por autoestrada.

Como fica documentado por fotos, vamos fazendo piqueniques, estando provisionados com o essencial.

Ficámos a pernoitar em Tantan Praia, com a praia ali ao lado, que, tal como em Portugal, já estava em fim da época balnear.

Pernoitamos num hotel baratucho, onde fizemos uma refeição na varanda de um dos nossos quartos. O quarto não tinha água quente, mas estava limpo e nós só pretendíamos dormir, para além de termos acesso à Internet.

A partir de agora as estradas já não são tão boas, mas estão razoáveis, tendo sido mais fácil do que seria expectável. Mais para Sul será mais difícil.

São horas de dormir porque o recomeço da viagem está marcado para as sete e no programa está uma visita ao Bojador.


3º dia, quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Iniciámos o terceiro dia saindo de Tantan, às 6,30, ainda de noite,

Fomos visitar o Bojador, que ficou a fazer parte da nossa história, para as descobertas, a partir do momento em que foi dobrado pelo Gil Eanes, em 1434, acabando com o medo que dominava os marinheiros, que acreditavam que o mundo acabava ali.

Aqui, num restaurante que a ASAE fecharia sem remissão, aproveitámos para comer um pargo frito que estava divinal, acompanhado com pão local e vinho tinto de Pias. Quando entramos ouvimos vozes que nos pareceu serem portuguesas. De facto, eram dois portugueses que estavam a trabalhar para uma firma irlandesa, que está a montar grandes pás eólicas, para a produção de energia elétrica.

A partir daqui, durante muitos quilómetros, fizemos a viagem próximo do mar, já dentro do verdadeiro deserto, não ainda como nos é mostrado nos filmes e postais : grandes dunas de areia fina, mas terra árida, com vegetação dispersa e rasteira

Percorremos cerca de setecentos quilómetros e fomos pernoitar no Barbas, que, no geral, tinha boa aparência para o deserto, mas que considero ter sido o pior quarto de hotel aonde já dormi, que fica a oitenta quilómetros da fronteira da Mauritânia.

Aqui o Hi- Fi não tem capacidade para permitir contactos normais.

Assisti à derrota do Real Madrid com o Bétis, golo marcado na última jogada, e conclui que a maioria dos assistente torcia pelo Barcelona, tendo em atenção o regozijo manifestado com o golo marcado.

Aqui, o Xico deu comprimidos ao empregado da bomba de gasolina, que estava com dores de cabeça.

Como o dia seguinte iria começa cedo, cedo tivemos de ir descansar.


4º dia, quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Saímos, por volta das sete horas, para chegarmos cedo à fronteira, aonde nos esperava o Arturo, um marroquino, que fala português, que nos tratou da burocracia nas duas fronteiras.

Estas ajudas acabam sempre por sair caras e por vezes parecem ainda complicar mais: o seguro por cada viatura, que custou € 40,00, ficou em € 80,00.

Apesar desta ajuda, só nos despachámos depois das duas da tarde.

Aqui deu para sentir o clima do deserto, quente e ventoso. Tínhamos que tapar os olhos porque a areia andava por todo o lado. Na viagem íamos vendo camelos e, infelizmente, vimos alguns esqueletos devido a acidentes. Durante este dia percorremos parte do Sara a que estamos habituados a ver nos filmes e fotografias.

Entre as duas fronteiras existe uma zona de ninguém, aonde vimos um carro das UN, que ainda se encontra nesta zona, tendo em atenção o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário, que mantem a luta contra a anexação do Sara Ocidental. Nesta zona, encontrámos muitos carros abandonados, em consequência da falta de documentação e por outros motivos.

Ao longo da viagem vimos inúmeros quarteis, havendo vários em Layunne, pequena cidade, que seria a capital oficial do Sara Ocidental, se fosse independente.

Quando estávamos na fronteira para sair da Mauritânia encontramos um vizinho do nosso casal, em Vale da Laranja, o Sr. Jorge, que também ia a caminho da Guiné, aonde tem negócios.

Durante a viagem fomos mandados parar por dezenas de barragens que controlam a passagem. Para evitar demoras levamos dezenas de impressos preenchidos com os nossos elementos identificativos, que entregamos no ato da abordagem. Muitas vezes são levantadas complicações com o objetivo de nos sacarem dinheiro.

Por volta das oito horas chegamos a Nouakchott, capital da Mauritânia, onde ficámos num ótimo hotel, o Royal Suites Hotels, muito melhor do que os anteriores, onde encontrámos tudo o que tem um quatro estrelas da Europa. Antes de jantarmos no nosso quarto, utilizando o que trazíamos, tomámos um grande banho para nos aliviarmos da grande quantidade de areia que se espalhava pelo cabelo e pelo resto do corpo.

Fizemos uma refeição no quarto com os produtos que levávamos.


Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006...Dia 5, De Roc Chico a  Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa foto oesta, de um  grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...   
 

Porto-Bissau... 9 de abril de 2016...Dia 5, Roc Chico a 
Nouakchott,
capital da Mauritânia... 

























Fotos (e legendas): © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados.    [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


5º dia, sexta-feira, 22 de setembro

Saímos de Nouakchott, às seis da manha, para chegarmos o mais cedo possível à fronteira com o Senegal, aonde o Camilo, primo da Luzinha, tinha contactos anteriores, para tratar dos seguros das viaturas e das burocracias da passagem entre fronteiras.

Quando estávamos a fazer o controlo na saída da Mauritânia, ao ser necessário entregar os passaportes, passámos por um grande susto, porque o Francisco Allen, não encontrava o seu passaporte. Durante mais de uma hora vimos em todos os sítios possíveis sem sucesso, inclusive, telefonámos para o hotel onde pernoitámos. Depois de uma última busca no jeep, iniciada pelo comandante do posto da Alfandega da Mauritânia, que se mostrou de uma grande simpatia e disponibilidade, muito diferente da maioria dos anteriores, encontrámos o passaporte metido entre uma ranhura do tablier. 

Foi um alívio para todos, o que nos permitiu passar para a fronteira do Senegal, onde surgiram mais complicações e gastos, tendo que pagar gratificações e taxas de viaturas que importaram em cerca de duzentos euros por cada, nos quais se incluiu a comissão do mediador. 

Quando, finalmente, reiniciámos a viagem, continuámos a entregar as fichas identificativas que tínhamos preparadas, até que encontrámos um controlo que nos pediu o passaportes e começou a colocar vários entraves com o objetivo claro de nos extorquir dinheiro, o que me irritou, não sendo muito inteligente da minha parte, porque trazíamos garrafas de vinho escondido, que, se fosse encontrado, nos poderia levar à prisão, atendendo a que os países de religião muçulmana são muito intransigentes, no que diz respeito ao álcool. 

Depois de muita discussão entreguei-lhe três pacotes de leite, tendo sido questionado se aquilo era bom. Em face das dúvidas, pedi-lhos de volta, o que ele não fez. Depois de nos entregar os passaportes arrancámos, quando se preparavam par nos fazerem novas exigências.

Durante o trajeto, o deserto foi-se amenizando até próximo do Senegal, não sendo surpresa encontrarmos a barragem de Diama e um parque protegido, que percorremos por cerca de quarenta quilómetros, por picada, no fim do qual nos foi exigida o pagamento de trinta euros, por viatura, acabando por pagarmos o total de dez euros.

A partir da entrada no Senegal, tendo em atenção o que já acontecia no Sul da Mauritânia, deixamos o deserto e passámos a encontrar a vegetação própria da região subsariana: pequenas árvores e muita vegetação de várias espécies.

Finalmente, já com muitas horas de viagem e de atraso, em relação ao previsto chegámos a Saint Louis, cidade costeira, que, no tempo da colonização francesa chegou a ser a capital do Senegal. Quando atravessamos a cidade para nos dirigirmos ao hotel onde pretendíamos pernoitar, ficámos impressionados com a pobreza e sujidade que encontrávamos, imaginando como seria o Hotel para onde o Camilo e o Francisco nos levavam. Durante o trajeto, ao longo de um grande estaleiro de barcos abandonados coabitavam o lixo, as cabras, os burros e as pessoas.

Depois de o hotel inicialmente escolhido se encontrar fechado para férias, fomos ficar no Diamarek, que lhe fica continuo, acabando por ficarmos num bangaló bastante espaçoso e com dois quartos, ao lado da praia, com um piscina espaçosa e com água morna. Podemos considerar que encontrámos um oásis depois do deserto! Porque gostámos das condições do hotel, porque tinha Hi-Fi de banda larga e porque o preço negociado ficou em 60,00, marcámos mais um dia para disfrutarmos das ótimas condições.


6º dia, sábado, 23 de setembro

Estando em Saint Louis, aproveitámos para visitar a parte antiga da cidade, da época colonial, aonde se encontram dois bons hotéis dessa época e um bom restaurante, bem próximo da sujidade que referenciámos.

Comprámos alguns artigos locais, nomeadamente uma máscara da tradição africana. Depois do almoço disfrutámos da piscina e, eu a Luzinha, demos um passeio pela praia, que é a perder de vista e de areia fina, que se encontrava cheia de lixo

Ao fim do dia, graças à capacidade do sinal Hi-Fi, consegui, através de um site de desporto, o Events Guide, ver o Sporting 1 – Moreirense 1, com pouca atenção, à espera para ver o Benfica 2 – Paços de Ferreira 0. Foram dois bons resultados!

Como eu não abdiquei de ver o jogo do Benfica – Paços de Ferreira, preparámos o jantar com produtos que trazíamos e jantamos à fresca, em frente do Bangaló.

Devo ter um problema no envio de e-mails, porque, apesar da boa capacidade da rede Hi-Fi, não tenho conseguido enviar e-mails, apesar de os receber.

Consegui aceder ao Citius e fiquei aliviado por não ter nenhuma notificação. Uff!!

Deitámo-nos cedo, porque era necessário levantar cedo.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Outubro de 2015 > Restaurante "Ponte de Encontro", do casal Célia e João Dinis (1941-2021).  

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2016) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


7º dia, domingo, 24 de setembro

Quando me levantei, por volta das cinco horas locais, seis horas em Portugal, estava sem equilíbrio, o que me deixou preocupado. Contudo, pouco tempo depois, recuperei permitindo-nos sair por volta das 5,30 horas. 

Depois de atestarmos os depósitos, pela sétima vez, seguimos em direção ao Sul com o objetivo de irmos pernoitar a Bambadinca, já na Guiné, onde o Camilo tem uma casa. 

A estrada ao longo do Senegal não está má, o que nos permitiu avançar dentro do previsto, fazendo alternância na condução em função do cansaço de cada um. Apesar de tanto eu como a Luzinha também conduzirmos, a maior parte da condução tem sido feita pelo Camilo e pelo Francisco.

Para evitar as muitas complicações e controlos levantados na Gâmbia, fizemos um desvio para a contornar. Seguimos o trajeto de Saint Louis, Kebemer, Touba, Kaffrine, Tambacounda, descendo depois para Velingara, KounKané, Wassadou, chegando, por fim, a Pirada,  fronteira da Guiné, onde se passou com facilidade, porque o Camilo, com a sua capacidade de persuasão, conseguiu passar sem pagar a escolta que nos acompanharia a Gabu. Isto é mais uma forma de extorquir dinheiro aos viajantes, já que não existia escolta para nos acompanhar. O Camilo começou logo ali a distribuir pelo chefe do posto algumas das roupas que trazemos, também como forma de agradecimento.

A estrada de Pirada a Gabu, ou melhor a picada, está num estado inimaginável para quem nunca esteve em Africa. São sessenta quilómetros de buracos uns a seguir aos outros e ainda com água porque a época das chuvas só agora terminou. 

Demorámos mais de duas horas para fazer esta distância. Viemos a saber mais tarde, quando encontrámos o Sr. Jorge, que um dos jeeps que um seu empregado trazia, partiu ali o cárter.

Ao chegarmos a Gabu, o Camilo não parou na alfàndega, o que deveria ter feito, vendo-se obrigado a regressar, porque a nossa passagem foi barrada. Aqui perdemos muito tempo e tivemos que pagar o que não tinha sido pago em Pirada. Penso que, mesmo assim, as coisas podem ter sido facilitadas depois de ter falado com o Tenente Coronel Sado, que é um amigo do meu primo Fernando Mota, Eng.º Silvicultor, que esteve com ele na tropa, aqui, na zona de Saltinho. 

Não telefonei para este amigo do Fernando, até porque perdi o telemóvel, mas a oportunidade surgiu quando veio meter conversa comigo um graduado da Guarda Fiscal, que não é daquele posto e que fez formação na Guarda Fiscal, em Lisboa, juntamente com o Tenente Coronel Sado e com o graduado daquele posto. Ao referir-lhe que trazia cumprimentos para o amigo, de imediato ligou para ele com o qual conversei algum tempo. Após a nossa conversa eles voltaram a falar e o telefone foi passado ao comandante da Alfandega. As coisa resolveram-se e no final, o comandante do posto, deu os seus contactos ao Camilo, o que deixa pressupor que as próximas passagens, se as fizer, já serão mais fáceis.

Reiniciámos a viagem com destino a Bambadinca, pretendendo passar por Bafatá para jantarmos no restaurante da D. Célia, aonde chegámos por volta das nove e meia, à mesma hora em que partimos no domingo anterior. Comemos um estufado de vitela, acompanhado de arroz e batatas fritas e de umas Sagres geladas. Recusámos a salada para evitar problemas de saúde. A comida estava ótima e o restaurante é muito frequentado pela qualidade da comida. As instalações, mesmo aquela hora, estavam limpas, mas os anexos e a casa de banho são uns barracões decrépitos. Se lá voltar, porque os achei simpáticos, vou sugerir que façam umas melhorias nas instalações. 

O marido da D. Célia, o Sr. Dinis, é natural de A. dos Cunhados. Fez cá a guerra, uns anos antes do 25 de abril e por cá ficou. Quando comentei a qualidade das instalações com o Camilo ele deu-me uma justificação que se aplica a este caso: “branco quando está muito tempo a viver entre os nativos fica pior do que eles”. Não direi pior, mas igual.

A parte final da viagem até Bambadinca foi aquela em que tive mais medo de um acidente, atendendo a que nos cruzávamos com outras viaturas com os máximo ligados e o Francisco, mesmo podendo fazê-lo não os ligava, o que só fez mais tarde, o que diminuía o nosso campo de visão, agravado por as bermas serem baixas ou inexistentes e por circularem na estrada bicicletas e pessoas sem qualquer sinalização. 

Finalmente acabámos por chegar bem, tendo percorrido 4 250 quilómetros, mais os que gastámos na travessia do Mediterrâneo até Tanger.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Março de 2007 > As antigas instalações para sargentos, que faziam parte do edifício (integrado) onde estava instalado o comando do Batalhão do Sector L1 (no meu tempo, BCAÇ 2852, 1968/70, e BART 2917, 1970/71)... 

O fotógrafo foi o Carlos Silva, hoje advogado... Segundo ele, "o caramelo que está com o télélé, é o nosso camarada António Camilo, de Lagoa, da CCAÇ 1565 (Jumbembem), que vai à Guiné anualmente, 2 e 3 vezes, integrando expedições humanitárias. O tipo é mais apanhado do clima do que eu"... 

Na altura escrevemos: "Segundo me disse o Xico Allen, em 27 de Dezembro de 2007, quando estive com ele e o resto da minitertúlia de Matosinhos, o Camilo será um dos elementos integrantes da caravana (sete jipes e carrinha, num total de vinte e tal pessoas) que, em princípio, partirá de Portugal para a Guiné-Bissau, por via terrestre. e,m 2008.. O Carlos Silva sei que também vai... Espero que o cancelamento do Rali Lisboa-Dacar, devido à alegada insegurança ma Mauritânia, não venham resfriar o entusiasmo e afectar os planos dos n0ssos camaradas que querem também assistir ao Simpósio Internacional de Guileje".

Foto (e legenda): © Carlos Silva (2007). 
Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
____________

terça-feira, 7 de março de 2023

Guiné 61/74 - 24124: Memórias cruzadas: A base (logística) de Sinchã Djassi / Hermancono, na fronteira com o Senegal (contributos de Carlos Silva, Leopoldo Amado e A. Marques Lopes)


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953) / Escala 1/50 mil >  Posição relativa de Jumbembem e do "corredor de Lamel" (que partindo da estrada Farim-Jumbembem, acompanhava o curso do rio Lamel, afluente do rio Jumbembem, passando por Fantambã e Farincó até à fronteira)... Já em território senegalês havia a base (logística) de  Sintchã Djassi (assim chamada talvez em homenagem a Abel Djassi, nome de guerra de Amílcar Cabral ?!...) ou Hermancono  (também grafada como Hermacono ou até Hermangono). Na fronteira com o Senegal, estão sinalizados os números dos marcos, de 105 a 112. Era por aqui que se localizava a base.

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Excerto de manuscrito do Carlos Silva, ex-fur mil Carlos Silva, ex-Fur Mil Arm Pes Inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71). (Trata-se de um livro, inédito, sobre a sua experiência de vida na Guiné, aonde, de resto, foi por diversas vezes, a seguir à independência, em trabalho e em turismo de saudade). O nosso camarada é advogado de profissão; tem um valioso espólio documental (fotográfico e literário sobre a Guiné); é um histórico da nossa Tabanca Grande, para a qual entrou em 20/7/2007.

O manuscrito do IN, encontrado no corredorde  Lamel, em 3/3/1970, vem reproduzido também na História da Unidade, BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71), Cap II, pág. 20. Escrito em muito mau português, diz o seguinte (revisão / fixação de texto: LG):

Hermancono, 3-3-70

Oficiais, soldados e fantoches do exército colonial, estão a fazer muito ronco na estrada. Devem saber, e preparem-se,   [a base de] Canjambari já recebeu novo dirigente militar para vos 'tirar no abuso'.   Já estão muito atrevidos no caminho tanto de Bricama como de Sulucó. Temos que vos mostrar qual é o vosso lugar.

Ao nosso primeiro encontro todo o vosso comando tem de vir.

Assinado: FARP. Aviso ao Exército Colonial.




Excertos da História da Unidade - BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71), HU-Cap II -Pág. 20: 

(i) No dia 14 de março de 1970, pelas 8h30, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem, 1969/71) detetaram um acampamento IN a Oeste do marco fronteiriço nº 107. Lançado um golpe de mão, foram feridos 2 elementos IN, e capturado 1 LGFog e 2 granadas de RPG 2, entre outro material. O IN reagiu com armas automáticas e morteiro ligeiro, batendo a área do acampamento a partir da Repúbica do Senegal.

(ii) No dia seguinte, 15, forças da milícia de Cuntima, comandadas pelo cmdt da CCAÇ 2549, executaram uma patrulha de reconhecimento ao longo da fronteira até ao marco nº 105. Detetaram dois elementos IN, que perseguiram.

(iii) A 20 do mês, às 13h30, e durante a interdição do corredor de Lamel, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem) detetaram e perseguiram um grupo IN estimado em 80 elementos. que se deslocavam de Sul para Norte, a 400 metros da sudoeste da ponte. O IN não reagiu ao fogo das NT, e retirou para Norte. De Jumbembem form feitos 13 tiros de obus para a zona de retirada do IN. E, a seguir, a FAP, chamada a intervir, fez um ataque ao solo entre o rio Lamel e Fantambã. Feita uma  batida imediata, foram encontradas 10 granadas de RPG 2, entre outro material.

Infografias: Carlos Silva  / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2023) 


1. O Carlos Silva teve a gentileza, no domingo passado, de me mandar cópia dos dois documentos que acima reproduzimos. Afinal, ele lembrava-se desta base (ou barraca), ou pelo menos do seu nome,Hermancono ou Hermacono. Ficaria no limite do subsetor de Jumbembem, mas já em território senegalês. Nos mails que trocámos, ele esclareceu:

(...) Luís, este nome   [Hermancono]  ficou-me na orelha, Consultei o meu livro e  História do Bat Caç 2879 e cá está ele.

Como referi participei na operação que fizemos à zona, mas não encontramos qualquer vestigio. Segue o panfleto que apanhamos em Lamel. (...)

(...) Eu andei por lá em fins de 1969, Mas quando fizemos a operação, não ouvi falar na base de Hermancono. Não está muito longe de Cumbamori. No meu livro dos Roncos de Farim  eu falo na 1° operação a Cumbamori em dezembro de 1967. (...)

(...) Durante toda a comissão nunca ouvi falar em tal base, apesar de ter ido lá. (...)

(...) As fotos do poste P24110 são de 1973, de certo os gajos deambulavam entre Cumbamori e Hermancono, esta designação não é guineense. (...)

Ao telefone, disse-me que já tinha andado  naquela estrada Ziguinchor-Dacar, duas vezes, quando foi à Guiné. Numa delas entrou por Cuntima, se não erro.

2. Pesquisando no nosso blogue, descobri que o toponónimo, Hermancono (*),  já sido citado mais do que uma vez: pelo historiador guineense, e nosso amigo, Leopoldo Amado (1960-2019), e pelo A. Marques Lopes, que reproduz   o Subintrep nº 32, de junho de 1971. Aqui vão alguns excertos:

(i) Leopoldo Amado, poste P 1566 (**)

(...) Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos. 

Assim, o PAIGC inicia, a partir desta altura, as acções contra Bissau e Bafatá, há muito anunciadas, num momento em que procede à desconcentração das unidades dos CE 199/A e 199/B, que se haviam deslocado para as áreas de Sano e Cumbamori (Senegal), dando por findo o esforço realizado na área de Barro-Bigene-Guidaje.

Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandona­da desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno. 

Como consequência desta nova ocupação de Sinchã-Djassi, aumentou de forma considerável o trânsito pelo “corredor” do Lamel, que passou a ser o mais usado, seguindo-se-lhe, em menor grau de utilização, o de Canja. (...) (**)

(ii) A. Marques Lopes, poste P3258 (Subintrep nº 32, junho de 1971 - Itinerários de abastecimento do PAICG) (***)

(...) 

- Para a Frente de Morés/Nhacra

Para o Sector do Morés são utilizados os “corredores” de Lamel e Sitató, podendo também com menos frequência utilizar o de Sambuiá, segundo os itinerárioa que se referem:

“Corredor” de Lamel

Morés – estrada Mansabá/Farim sensivelmente em direcção a Biribão – Biribão – cambança do rio Canjambari nas proximidades da tabanca de Béssia – Bricama – cambança do rio Jumbembem – cambança do rio Lamel – estrada Jumbembem/Farim – Fambantã, seguindo depois um carreiro até um local nas proximidades da fronteira onde a coluna aguarda a chegada do material. 

Este vem da arrecadação existente na base de Sinchã Djassi e é transportado até ao referido local em viaturas, sendo ali entregue às colunas que o esperam. 

O regresso é feito pelo itinerário inverso, tendo o percurso (ida e volta) uma duração de cerca de seis dias. Os locais de pernoita pensa-se que serão em Biribão  [a sudeste do Olossato] e Fambantã.

O IN utiliza para movimentar as suas viaturas de reabastecimento às bases desta Frente a chamada “Estrada Grande”, isto é, a estrada que, a partir de Koundara, segue por Linnkiring – Velingará – Dabo – Kolda – Bantankoutou – Sonco – Sare Tening – Tanaf – Ierã – Samine – Ziguinchor. É pois a partir deste itinerário principal que saem ramificações que conduzem às diferentes bases. Assim,

- Para Faquina: Kolda – Bantankoutou – Sonco – Lenquerim – Faquina

As viaturas vão apenas até Bantankoutou. Os reabastecimentos a partir daqui são transportados por carregadores que em Lenquerim cambam a bolanha de canoa para passarem à base de Faquina.

- Para Sinchã Djassi (Hermancono): Kolda – Sare Tening – Hermacono

- Para a base de Cumbamori: 
Kolda – Tanaf – Ierã – Mankolecunda – Cumbamori

- Para Dungal: 
Kolda – Tanaf – Dungal

- Para Sano: Kolda – Samine – Sano

- Para Sikoum Bafatá: Kolda – Tanaf – Samine – Goudomp – Sekoum

O material e víveres vindos da República da. Guiné (Koundara) passa, como vimos,  em Dinnkiring e Kolda, locais onde é feito pelas autoridades da República do Senegal controle das viaturas e material transportado; a partir de Kolda o material é usualmente acompanhado por pessoal do Exército Senegalês, embora em escolta à distância.

No terminal da “Estrada Grande” encontra-se Zinguinchor, sede do comando da Inter-Região Norte, mas que no quadro da logística do PAIGC não parece desempanhar papel relevante dado que, segundo os elementos disponiveis, apenas apoiará os grupos sediados em M’Pack e Kassou.

O reabastecimento das Frentes do interior da Inter-Região Norte é feito por colunas de carregadores através dos “corredores” tradicionais de infiltração e suas variantes, sendo sempre feitos em movimentos vindos do interior, razão pela qual se descrevem estes “corredores” no sentido inverso àquele em que, até aqui, se tem descrito p fluxo dos reabastecimentos.

Estão detectados os seguintes:
  • “Corredor” de Sitató, com início em Faquina
  • “Corredor” de Sambuiá, com início em Cumbamori
  • “Corredor” de Lamel, com início em Sinchã Djassi [ / Hermancono]
  • “Corredor” de Sano, com início em Sano [pelo lado Este, entre Barro e Bigene - A.Marques Lopes]
  • “Corredor” de Canja, com início em Pirgui [pelo lado Oeste, entre Barro e Sedengal - A. Marques Lopes]
_______________

Notas do editor:

(*) Vd.  poste de 1 de março de  2023 > Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem

(...) Comentários de Carlos Silva:

Conheci bem o nosso Sector de Farim e principalmente o nosso subsector de Jumbembem onde estivemos de 2/01/1970 a 16/6/1971.

Quando estivemos em Farim chegámos a fazer uma operação ao Dungal que fica na fronteira na qual eu não participei.

Fomos a Lambã duas  vezes, onde se dizia haver por lá uma base, andamos para diabo e nada.

Estivemos destacados no K3 / Saliqunhedim, e fizemos operações para esse lado para a bem conhecida Fátima onde tivemos contacto com IN e todas as Companhias por lá andaram.

Picagens para Lamel ponto de encontro de Farim/Jumbembem. Patrulhas e operações nessa área até ao rio Jumbembem/Farim/Cacheu.

Em Novembro de 1969, estava o meu 4º Pelotão destacado no K3 e a minha CCaç 2548 foi fazer nomadização para a fronteira norte Sitató/Cuntima onde tivemos o 1º morto a 28 de Novembro.

Palmilhamos todo o subsector de Farim enquanto ali permanecemos. A partir de Janeiro/69 até ao nosso regresso palmilhamos todo o nosso subsctor de Jumbembem que ia da picada Farim - Jumbembem - Cuntima até ao Senegal.

Fui diversas vezes emboscar para Farincó Mandiga, Fanbamtã,  Sare Soriã que fica a oeste de Jumbembem.

Muitas vezes para Sare Mancamã, Saman que fica a norte e fomos fazer operações para a fronteira para os Marcos 109 e 110,  Sare Sofi,  onde tivemos contactos com IN, bem como
fomos lá 2 ou 3 vezes buscar população.

Palmilhamos em picagens, patrulhas Jumbembem/Lamel; Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari; Jumbembem/Norobanta, e em todos estes percursos levantámos muitas minas e tivémos azar com 2 camaradas, um ficou sem o pé no percurso Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari e outro já a chegar ao termo da picagem Jumbembem/Norobanta.

Das operações à fronteira aos marcos, saímos de Jumbembem via Sare Mancamã, Samã e regressávamos via Galgega e apanhávamos as viaturas em Norabanta de regreeso a Jumbembem.

Tivémos contactos Fanbamtâ e Sare Soriâ bem como ao longo das picadas, principalmente Jumbembem/Lamel.

Nunca ouvi falar em Hermacono / Hermangono, mas perguntei aos meus amigos de Jumbembem que me disseram que existe no Senegal próximo da fronteira uma tabanca com esse nome, que não aparece nos mapas.

Como disse fomos a Lambã duas  vezes e não ouvi falar dessa tabanca. Para mim, Lambã ficou-me na memória porque da 2ª vez que lá fomos o meu camarada Furriel Enfermeiro já falecido, quando da retirada perdeu a pistola na bolanha e andamos a pisar o terreno até encontrá-la. (...)

(...) Cumbamori fica a uma dúzia de quilómetros a noroeste de Guidaje. Sambuiá (corredor de Sambuiá) fica a oeste de Bigene e a sul de Talicó, na picada de Farim - Bigene - Barro - Ingoré. Já fiz esta picada 2 vezes em férias, a primeira em 1997 ainda não havia a ponte de S Vicente,  e a 2ª vez já atravessei a ponte. (...)

(...) No nosso Sector de Farim enfrentávamos os Corredores de Lamel e Sitató. Em Lamel no meu tempo ficava lá emboscado e patrulhava a zona diariamente e alternadamente um pelotão de Farim; Nema ou Jumbembem.

Colunas e picagens desde 1970 até regressarmos, fazia-se colunas diárias para abastecimentos alimentares, transporte de cibes e materiais para a construção das tabancas.

De Jumbembem saíam 3 pelotões para picagens para sul, Lamel/Farim; para norte Norobanta/Cuntima e para este Sare Tenem / Canjambari.

Para além desta actividade das picagens, patrulhas, operações etc, ainda tivemos a tarefa de construir um aldeamento completo, demolição das tabancas velhas e construção de tabancas novas. (...)