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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12672: Tabanca Grande (424): Carmelino Cardoso, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2701/BCAÇ 2912, Condutor ao serviço do então Major Carlos Fabião, (QG/Bissau, 1970/72), grã-tabanqueiro n.º 644

1. Mensagem, de 27 de Janeiro de 2014, do nosso camarada e novo tertuliano Carmelino Cardoso, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2701/BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72), que cumpriu a sua comissão de serviço no QG/Bissau como condutor do então Major Carlos Fabião:

Bom dia Luís Graça,

Só agora me é possível responder à tua satisfação e com razão, de me responderes, pois fui mais um militar que andava perdido e foi encontrado... e que tenho como me pedes muito para contar.

Vou então contar a razão porque fiquei sempre em Bissau.

Quando assentei praça no CICA 4 em Coimbra, todos nós, os 600 condutores, já sabíamos que íamos todos para o ultramar, razão pela qual um, mesmo na instrução, desertou.

Se fosse hoje eu fazia o mesmo, mas, naquela altura pensei que ele nunca mais via o sol se fosse descoberto. Puro engano porque logo a seguir veio o 25 de Abril.

Mas continuando, depois de ser incorporado na CCAÇ 2701/BCAÇ 2912, fui para a Guiné.
Éramos então 8 condutores na nossa Companhia e, já a caminho no barco Carvalho de Araújo, o nosso comandante de Companhia mandou formar a mesma para dos oito condutores tirar dois para ficarem em Bissau... Foi difícil escolhê-los porque eram todos casados.

O Comandante começa a coçar na cabeça e diz:
- Homens casados com um filho um passo em frente...

Demos todos. Mais coçou a cabeça como a querer arrancar os cabelos.
Repetiu:
- Homens casados com dois filhos um passo em frente...

Fui eu o único.
Fui então escolhido para ficar em Bissau por seis meses, mas depois de estar no quartel do Comando-Chefe, aqueles oficiais nunca me deixaram sair. Devido à minha prontidão e de ser muito prestável, eles tinham muito poder pois era dali que saíam todos os projetos para a guerra no mato..
Continuando... e ficou mais um condutor que era meio deficiente.

Quando chegámos a Bissau, e como era costume com todos os batalhões, fomos para o quartel dos Adidos, para as tendas, a fim de nos organizarmos e dali partirmos para o mato.

Entretanto o meu batalhão partiu para o mato e eu fiquei nos Adidos com as instruções de aguardar que alguém me fosse buscar. Fiquei por ali esquecido durante uns 5 dias, dormia em cima de um jipe e ia comer ao quartel mas ninguém sabia.

Ao sexto dia então lá aparece alguém a chamar pelo meu nome e fui para o QG que ficava no topo da rua de Santa Luzia. Dali fui escalado para o então Comando-Chefe que ficava na Amura, na Polícia Militar.

Bissau - Fortaleza D'Amura
Foto: Didinho.org, com a devida vénia

Estava na secretaria um capitão com apenas a 4.ª classe, a quem muito devo, que era quem dirigia a colocação de todos os condutores. Este capitão era alentejano e muito humano... muito bom para todos os militares. Enquanto for vivo nunca me esquecerei dele... e digo mais, quando me lembro dele vêm-me as lágrimas aos olhos. Eu devo-lhe muito... pois o que eu lá passei a ele lhe devo. Até me deu um louvor (uma viagem à metrópole no avião militar).

Continuando... depois de andar por ali uns seis messes, sem colocação... andava aos recados praticamente e quando algum condutor adoecia ia eu fazer o serviço, pois havia duas carrinhas para transportar os oficiais da messe para o quartel.

Em determinada altura o capitão chamou-me e disse-me com aquele tom calmante alentejano e a rir-se:
- O senhor Carmelino vai para condutor do nosso Governador, para o General Spínola.

Foi então que lhe pedi para não me escalar para tal e fui então para condutor do Sr. Major Fabião.

O meu trabalho era de todos os dias com um Volkswagen 1300 ir buscar o Major à messe e levá-lo para o quartel, tinha que fazer as compras alguns dias na semana com a esposa e tinha que lavar o carro todos os dias porque não podia andar sujo, enfim... trabalhos de um recruta.

Ao Major Carlos Fabião [foto à direita, ainda com o posto de Capitão], que Deus o tenha lá no paraíso, também devo muito...
Contei- lhe a minha precária vida de militar, com mulher e dois filhos na metrópole, e pedi se me dispensava do serviço todas as tardes e me dava autorização de conduzir um táxi, pois tinha lá tirado a carta profissional há pouco tempo.

Bom Major... aprontou-se logo... fiquei dispensado mas com a condição de cumprir a minha obrigação do dia a dia e o carro sempre limpo, tendo o cuidado de lhe entregar a chave com o carro sempre com gasolina suficiente, pois ele fazia muitas viagens para o aeroporto.

Fiquei então dispensado e conduzia o táxi das duas da tarde até à meia noite.
Eu era desarranchado, comia num restaurantezito na rua de Santa Luzia perto do QG e também dormia numa tabanca perto da porta de armas do QG. Ganhava 950 escudos por mês, mais 150 de prémio de condutor. O que me valia era o dinheiro que eu ganhava no táxi, pois só o comer na pensão era 950 escudos por mês.


Carmelino Cardoso junto ao Mercedes do COM-CHEFE, que conduziu durante algum tempo

Para finalizar, quero aqui referenciar, que enquanto for vivo, não esqueço quatro pessoas a quem eu devo muito... São elas o Capitão responsável pela distribuição das viaturas; O Sr. Major Fabião; um Alferes que estava na secretaria, que era daqui de Aveiro, cuja esposa era de Macau e tinham oito filhos que pareciam chineses. Tenho muita pena de nunca mais ter sabido nada dele nem dos filhos, pois ainda deve ser vivo. Apesar de me ter ajudado, eu também lhe fiz muitos favores porque os alferes não tinham direito a viatura mas eu também lhe levava os filhos à escola e ia buscar o comida à messe dos oficiais para todos eles. Era um jeito que eu fazia pois ficava a caminho.

Também nunca me esqueço do dono da tabanca onde eu dormia, chamava-se Manuel e tinha três mulheres... eles era de cor negra, respeitava-me muito e eu gostava dele porque era muito educado... aliás que me desculpem os meus camaradas, mas eu tenho um carinho muito especial por aquela gente da Guiné, que era uma gente muito humilde. Gente de Bissau, com quem eu falava muito quando ia às compras à praça, no pilão e até a João Landim, salvo erro era assim que se chamava esta terra que distancia uns 20 kms de Bissau, já que mais para a frente eu não ia porque tinha medo da Guerra.
De qualquer maneira, destas quatro pessoas, das que já morreram, que Deus atenda à minha súplica e as tenha no Céu, em paz e as recompense do bem que fizeram. Às que estão vivas, que devem de estar, este Alferes e os filhos, aqui vai um brande abraço de Aveiro.

Para o Manuel, dono da tabanca em Bissau, um grande abraço, gostava de visitar.

E para o governo português, que seja digno de recompensar com uma pensão vitalícia os veteranos de Guerra que deixaram mulher e filhos para ir defender aquilo que o próprio governo deu de mão beijada!
E para todos aqueles que lerem esta mensagem, um grande abraço, que que nunca esqueçam que é mais fácil ganhar uma guerra com uma psicologia do que com as armas!

Presentemente toco saxofone Alto e barítono na Mini-Banda da Silveira - Oiã - Aveiro e normalmente tocamos em festas aqui pelos arredores, como arruadas, missas e procissões, além de outros eventos. Daí a minha foto actual, também fardado.

Um abraço para vocês todos!
Carmelino Cardoso


2. Comentário do editor:

Caro camarada Carmelino,

Brilhante e completa apresentação nos fizeste tu.

Em tempos foi publicado um poste resultante de uma mensagem que nos mandaste (P12486) onde mostravas a tua revolta pelo facto de teres de deixar esposa e dois filhos para fazeres a guerra.
Se era difícil para quem era solteiro, imagino a dor e a mágoa de quem deixava uma família formada, temporariamente desorganizada, quando não para sempre.

Felizmente a sorte sorriu-te e fizeste a tua comissão em Bissau, longe do perigo e sem sobressaltos.
Nem tudo foi mau para ti.

Quanto ao reconhecimento monetário pelo nosso esforço no ultramar, caro amigo Carmelino, esquece e pede para que te tirem o menos possível daquilo que agora auferes.

Para me consolar, costumo pensar que não foram "estes" que nos mandaram para a guerra, foram os "outros".

Como parece que estás apto a mandares-nos os teus textos e fotos, já sabes que estamos ao teu dispor para os receber e publicar.

Em nome dos editores e da tertúlia, deixo-te um abraço de boas-vindas e os votos da melhor saúde para continuares a tua faceta cultural na música.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12658: Tabanca Grande (423): Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), natural da Lourinhã, a viver em Fafe, grã-tabanqueiro nº 643

domingo, 22 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12486: O nosso livro de visitas (173): C. Carmelino, da CCAÇ 2701 (1970/72), a companhia do Saltinho... Esteve sempre no QG, em Bissau, na Amura, onde foi condutor do major Carlos Fabião

1. Mensagem de hiojem, do nosso leitor e camarada C. Carmelino:

Data: 22 de Dezembro de 2013 às 13:11
Assunto: Camarada da Guiné

Um ex combatente revoltado...

Bom  dia amigo, cheguei até aqui porque,  ao conversar com um amigo,  aconselhou-me a pesquisar na Net, pois andava  há muito tempo para obter informações da minha companhia do serviço militar da Guiné.

Estive na Guiné desde maio de 1970, tendo regressado em maio de 1973.

Pertenci à companhia 2701 que esteve em Saltinho, mas eu estive sempre em Bissau, ma Amura onde estava a policia militar, fui condutor do major Fabião, pertencia ao Comando-Chefe. Em todo este tempo nunca soube nada do meu batalhão nem da minha companhia... Fui sempre um militar perdido.

Hoje sinto-me uma pessoa revoltada, pois deixei mulher e filhos para ir defender aquilo que agora deram por não me darem o devido valor, assim como a tantos outros. Hoje sou um ex-combatente que só sei dizer, que por onde Portugal passou só deixou miséria. Vejamos só um bocadinho: chegou ao Brasil,  hoje é o que se vê,  um país pobre; chegou às colónias,  deixou lá miséria; agora chegou à Europ, UE,  e é o que se vê,  o país na penúria...Já fomos governados pelos Filipes de Espanha, hoje somos governados pelos troikanos (os da troika);  enfim,  o nosso país tem uma carreira,  ao longo da sua história,  de miséria!

Foram três anos de serviço obrigatório, não por castigo, mas por falta de transporte, que quando acabei a comissão, miserável este governo,  nem transporte tinha para um militar que deixou mulher e dois filhos para ir defender o nada... Sim,  o nada que em nada acabou... Acabou em miséria.
Hoje sou um português revoltado,  a olhar para o passado miserável deste país... que com a ganância de alguns políticos nunca chega a lado nenhum.

Sem mais,  por agora um abraço de um abraço de um ex-combatente revoltado pelo passado  e mais pelo presente que não terá futuro!

2. Comentátrio de L.G.:

Carmelino, obrigado pela tua visita, revolta e desafo... Ainda conheci a tua companhia, a CCAÇ 2701. Aliás, fomos nós, a  CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), a dois grupos de combate, quem, em maio de 1970, fez uma coluna logística, de Bambadinca ao Saltinho, escoltando os "periquitos" da CCAÇ 2701 e levando reabastecimentos até ao local de destino.

Gostava que, cumprindo as regras do nosso blogue, aceitasses o meu convite para te sentares debaixo do poilão da Tabanca Grande. Basta, para isso, acrescentares à foto (antiga) que mandaste, mais uma, atual... e falares um pouco dos teus tempos de QG, como condutor do major Carlos Fabião. 

Enfim, junta-te aos teus antigos camaradas da Guiné, que já são mais do que um batalhão. Entre amigos e camaradas (veteranos da guerra colonial  na Guiné)  somos 635, dos quais infelizmente quase 3 dezenas já faleceram. O melhor Natal possível para ti e para os teus, Luís Graça.
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Nota do editor:

Último livro da série > 13 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12441: O nosso livro de visitas (172): Pedido de informação de Djarga Seidi, guineense da diáspora, com esclarecimento prestado pelo nosso colaborador José Martins