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quinta-feira, 8 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22083: Listagem de postes do nosso blogue com o(s) descritor(es)... (1): "Cristina Allen"... (uma das "nossas mulheres" que, de uma maneira ou doutra, "foram à guerra", e que era de uma viva inteligência, grande cultura e sentido de humor mordaz: deixou-nos no passado dia 5 de abril)

 

Peça de artesanato guineense que a Cristina Allen ofereceu, em 2009, com muito carinho,  ao blogue, na pessoa do seu editor,  num gesto de apreço pela nossa homenagem à memória da sua filha, mais nova, Maria da Glória (Locas) (1976-2009). 

A peça,  de olaria, devia ter originalmente alguma funcionalidade, que desconhecemos, e que na altura não me foi explicado pela Cristina: tem 4 orifícios no bojo, na parte inferior, e dois, muito mais pequenos, na parte superior (, possivelmente  para entrada de água e saída de vapor)... Seria uma queimador de ervas aromáticas ?... Não, diz o Fernando Gouveia, que conhece muito bem o artesanato guineense: "É uma bilha de Teixeira Pinto!"... Obrigado, Fernando e Regina Gouveia (Vd. poste P4670,  de 11 de julho de 2009).




Lisboa > Adro da Igreja do Campo Grande > 8 de Julho de 2009 > c. 19h30 > A Cristina Allen, tal como a conheci,  na missa do 7º dia por alma de sua querida Locas... Uma grande dignidade na dor e no luto... E sempre de perto acompanhada pela sua filha, mais velha,  Joana, que é psicóloga  na Guarda Nacional Republicana.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2009 /2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].






1. A Cristina Allen, membro da nossa Tabanca Grande,  desde novembro de 2008. deixou-nos passado dia 5, aos 78 anos (*).  Os últimos 12 anos da sua existència foram assombrados pelo desgosto de perder uma filha, e depois pela sua doença crónica degenerativa, 

Mulher crente, esperemos que tenha encontrado agora os caminhos da paz eterna.  A sua passagem pelo nosso blogue foi episódica (tem menos de duas dezenas de referências), mas deixou-nos alguns textos, fortes e desassombrados, e nomeadamente a evocação que fez, com ternura e humor,  dos seus 53 dias de "lua de mel", algo rocambolescos,  passados em Bissau ( cidadezinha pela qual, apesar de tudo, conseguiu apaixonar-se).

Poucas mulheres, como ela, aceitariam ir casar-se em Bissau, em plena guerra, em situação penúria e desconforto, com o noivo em véspera de ser hospitalizado. E, para mais,  voltar sozinha a casa, em Lisboa. Ao marido (, impossibilitado de ir de férias, por razões disciplinares,)  ainda lhe faltavam alguns meses de comissão de serviço militar. Ficam aqui, à nossa disposição, estes textos, que são de antologia, e que nos permitem, de algum modo, colmatar o vazio da sua ausência.  

Por outro lado, poucos de nós conviveram com ela, tirando o Beja Santos, o Jorge Cabral e poucos mais. Os membros mais recentes da Tabanca Grande nunca tiveram, por certo, a oportunidade de ler nenhum destes postes (, perdidos entre mais de 22 mil).  

Conhecia-a pessoalmente em circunstâncias muito tristes (em 8 de julho de 2009), antes tínhamos falado uma ou outra vez ao telefone.  Quero recordá-la aqui como uma grande senhora e "uma das nossas mulheres" que, de uma maneira ou de outra, "foram à guerra".

Era natural de Aljustrel. Foi professora de liceu. Deixa uma filha, Joana, e uma neta, Benedita. E um grande saudade aos amigos que com ela tiveram o privilégio de conviver.

Sobre ela escrevi em 9/1/2009: 

(,,,) Sentiu-se útil e acarinhada por todos nós, ao apreciarmos o seu gesto (generoso e corajoso) de facultar ao seu ex-marido as cartas e aerogramas que ele lhe escreveu durante dois anos de comissão militar na Guiné. E não foram poucas: algumas centenas...

Quem já leu os dois volumes do "Diário da Guiné", do nosso camarada e amigo Beja Santos, sabe quão preciosas foram, para ele (e nós, seus leitores em primeira mão), essas cartas e aerogramas, como fonte de informação minuciosa sobre a actividade diária, operacional e não operacional, primeiro em Missirá e depois em Bambadinca, à frente do Pel Caç Nat 52, entre meados de 1968 e meados de 1970.

A Cristina Allen (...) é uma mulher, de inteligência viva, de grande cultura e com um sentido de humor mordaz... É um privilégio, para nós, ela querer partilhar as emoções que sentiu e as experiências por que passou no curto espaço de tempo (53 dias) que (sobre)viveu em Bissau, entre Abril e Junho de 1970.

"Dias de brasa", chamei-lhe eu, com alguma propriedade. A Cristina não nos pediu, mas isso está implícito: "Meus bravos, saibam-me ler, nas linhas e entrelinhas"... A Cristina não é nossa camarada, mas é doravante uma amiga nossa (e da Guiné). Precisa também do nosso afecto e carinho, na véspera de uma intervenção cirúrgica a que vai ser submetida. Vamos desejar-lhe que tudo corra bem. E que volte rápido e bem, e sempre que o desejar, ao nosso convívio.

Já agora deixem-me, como leitor, dizer que este pedaço de prosa é de antologia. O próximo biógrafo de Spínola não o poderá ignorar. Ora releiam o modo como a Cristina, em duas pinceladas de mestre, fez um soberbo retrato-robô do nosso Com-Chefe: 

(...) "Havia um toque (A recolher? Por causa dele? Nunca perguntei). Mas via aquele homem passar para a mão esquerda o pingalim, encostá-lo firmemente à perna, pôr-se em sentido, crescer, enchendo o peito de ar, o ventre liso, o braço direito, o cotovelo, a mão, na mais perfeita continência que jamais vi. Ficava desmesuradamente imenso, desmesuradamente rígido, só o monóculo coruscava.

"Estarrecida, não sabia que fazer dos pés, das mãos, da mala, da mini-saia, parava, cruzava as mãos, endireitava-me (postura por postura, não baixaria a cabeça, olhava-o nos olhos, ou, melhor dizendo, no olho e no monóculo). Acudiam-me ideias bizarras – que o meu avô materno fora lanceiro e, certamente, teria sabido fazer aquilo mesmo; que ele, Spínola, escorregara em Missirá, numas cascas de batata e fora ao chão, pose, pingalim, monóculo e tudo, soltando palavrões… que aquele homem era o… 'Caco Baldé'!

"Apertava os lábios para não me rir: este é o Caco, 'Caco Baldé'" (...)

Enfim, era uma mulher de grande nobreza e sensibilidade, capaz de escrever, em público, estas palavras extraordinárias:

(...) Caro Luís Graça, as histórias de amor a que alude , morrem, por vezes, mas de nada me arrependo. Ainda hoje voltaria a subir as escadas da pequena Catedral de Bissau, mesmo que fosse, apenas, para viver o primeiro dia da “estação das chuvas”. Um trovão enorme e seco, torrentes de água lavando tudo e, à noite, a visão transcendental e única de um céu riscado de relâmpagos, na luz azul-turquesa, feérica e metálica, como se um deus antigo revelasse a sua ira e escrevesse “basta!” na caligrafia da natureza, solta em fúria. (...) 


2. Listagem de postes do nosso blogue com o descritor "Cristina Allen":

24/12/2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (5): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

(...) Na cidade, a vida aparentemente almofadada e facilitada por amigos do Mário e também meus, nada podia ocultar os abafados ruídos de combate a quinze quilómetros de distância, nem a visão dos feridos e emocionalmente perturbados no Hospital Militar.

Na companhia do Mário ou sem ele (internado ou já em Bambadinca), andava em bolandas, com as malas, de casa de amigos para o hotel; do hotel para a casa de amigos. Repito que não foi fácil ter vivido em Bissau. A noiva radiante, que o Mário descreve no segundo volume do seu Diário da Guiné, depressa murcharia. Permitiu a sorte que se formasse, como reduto de consolo, uma tabancazinha de gente amiga, em passagem ou residente, militar e civil. Relembro esses amigos (...)

9/1/2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...

(...) Cheguei a Bissau a 15 de Abril, casei a 16, parti para Lisboa a 8 de Junho. Cinquenta e três dias. Se achar interesse a isto que escrevo, pode editar, pois já esclareci com o Mário esta questão. Terá havido uma semana e poucos dias de alegria e em todos os restantes, a quotidiana eternidade de desespero controlado. O meu marido sofria do que hoje chamamos, sem complexos, “stress de guerra”. E um súbito muro se atravessava entre nós. Não sei se o escreveu, mas, de olhos desmesuradamente abertos, mandava-me embora e dizia que queria morrer e ser enterrado em Missirá. Pior ainda, eu obrigara-o a casar e o nosso casamento não era válido porque não estava consciente. Doença de guerra, pura e dura.

Levei-o ao Padre. Experiente conhecedor de almas, o Padre Afonso, muito calmo, tinha ali o livro de registos e foi dizendo que, se ele queria ir morrer a Missirá, que fosse. E, quanto ao casamento, abrira uma folha nova nos assentos, bastava arrancá-la… o nosso “Tigre” deu um salto, eu temi pelo Padre, mas tudo se acalmou. “Vão lá almoçar”, disse. Porém, discretamente, fez-me um gesto e percebi que ia telefonar. (...)

8/2/2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!

(...) Nessa manhã em que seria hospitalizado, o Mário e eu faríamos as malas e procuraríamos outro quarto, na “Berta”. Estava ali um espaço fresco e sombrio, com uma larga cama. Sem desfazer as malas, desci para o almoço e deparei com uma execrável salada de feijão-frade com atum. Os feijões, minúsculos e mal cozidos, o atum, na prática inexistente, cebola avonde, a gritar pela intervenção rápida da escova e pasta de dentes! Pousei ainda os talheres, mas (“saco limpo cá tá firma!”) enfrentei o questionável cozinhado.

Uma mãozinha leve tocou-me no ombro. Era a Berta, untuosa, que me perguntava se gostara do almoço (“sim.”), se o meu marido vinha almoçar (“não, foi hospitalizado.”), por quanto tempo (“não sei”) e, por fim, o tiro certeiro: num quarto de casal, eu não podia ficar, seria perder dinheiro com uma pessoa que ocupava um quarto de duas… mas ela conhecia uma senhora que alugava quartos, pessoa muito decente, e eu poderia ir comer ali as refeições (“é o vais!”,  pensei…). (...)

19/2/2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?

(...) A poucos dias do seu aniversário (31 de Maio), consegui, por intermédio de um vizinho, bacalhau. E foi, enquanto preparava o enorme pirex de arroz, receita longa e complicada, que, súbita, irrompeu a estação das chuvas. O Mário não estava.

Chovia em catadupas. Corri para a rua, molhei-me toda, voltei ao forno, a roupa a secar-se-me no corpo.

Trinta e um de Maio de 1970. Quanta chuva, Mário? Vinte e cinco.

Um dia, dois dias, quantos, antes que ele partisse? Não recordo. Na sua ausência, um outro amor crescera – Bissau, a suja, colorida, mal crescida cidade africana, o cinzento opaco do Geba, junto ao cais, o céu atravessado de helicópteros, suspensas notícias, indo e vindo, silêncio povoado pelo longínquo matraquear do medo.

Nela aprendi que o belo não é o perfeito, que o belo pode ser, também, o feio em ignota desmesura, estado de alma, inquieta quietude, inesperada transigência. (...)
te cantarei bela
em cada esquina.
Bissau, como te vi,
luzeiro e sombra densa,
Bissau da paz
e luta ardente,
Bissau benvinda,
oculta para sempre. (...)

Outros postes:

7/4/2021 > Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

6/7/2017 > Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)

9/1/2013  > Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)

1/10/2009 > Guiné 63/74 - P5038: História de vida (23): Maria da Glória, uma saudosa filha com um dom especial para o fado (Cristina Allen)

23/7/2009 > Guiné 63/74 - P4726: In Memoriam (28): Saudades da nossa Locas (1976-2009): com a dor e o riso também se faz o luto... (Cristina Allen)

9/7/2009 >Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

6/7/2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

25/12/2008 > Guiné 63/74 - P3668: (Ex)citações (9): Obrigado, Cristina, por esta doce e terna prenda de Natal (Torcato Mendonça / Hélder Sousa)

8/11/2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue

11/07/2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis

28/03/2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970

__________

Nota do editor:

(*) Vd. postes  de:

  7/4/ 2021 > Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

7 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

1. A propósito do falecimento de Maria Cristina Allen, acabámos de receber do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) esta sua mensagem:


A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa

Mário Beja Santos

Conheci a Cristina em março de 1968, acabara de chegar de Ponta Delgada, uma prima anunciara-me que constituíra um estupendo grupo que reunia aos sábados, intimava-me a comparecer. Disse que sim, jantei em casa da minha irmã, perto do Largo do Rato, desci depois a Braancamp e entrei num bar do Hotel Flórida e conheci gente que a Teresa Filomena arrebanhara, bem-disposta e coloquial.

Apresentados e conversados, seguimos para o Aeroporto da Portela, o seu bar panorâmico ainda era muito concorrido. Fiquei ao lado de uma jovem pequena e airosa que logo me questionou de que paragens vinha, impressionou-me muito não só pela sua beleza mas pela conversa cativante. Por intermédio da Teresa Filomena lá estabeleci novo encontro fora do grupo, e poucas semanas depois, vindo ao fim da tarde de dar instrução no Regimento de Infantaria N.º 1 (Amadora), a Maria Emília Brederode Santos e o José Manuel Medeiros Ferreira deixavam-me à porta de um café onde passei a namorar com a Cristina. Depois fui apresentado aos pais, a minha futura sogra dispensou-me um formidável acolhimento no período que precedeu a minha saída da força militar onde estava incorporado e a aguardar transporte para a Guiné, em rendição individual. E a 24 de julho desse ano, a assistir ao choro convulsivo dos meus entes queridos, embarquei no Uíge, dado curioso comecei a bordo a encontrar-me com gente do BCAÇ 2852, iremos passar mais de um ano bem próximos, eles em Bambadinca e eu no Cuor. Chegado a Bissau, e assim que me deram o número do SPM (o 3778) telefonei à Cristina. E assim nasceu uma correspondência que foi essencial para escrever os meus dois volumes do Diário da Guiné, tudo lhe contava, ao pormenor, desde os arranjos do quartel, as idas a Mato de Cão, as carências, as flagelações, o trabalho do professor com crianças e graúdos. Todo este volume de correspondência trocada foi entregue ao Luís Graça, ficou como fiel depositário, pedi-lhe que se eu partisse para as estrelinhas entregasse tudo no Arquivo Histórico-Militar. Tomou-se a decisão de casar em Bissau, o que aconteceu em 20 de abril de 1970, dia em que se esbarrondou um sonho de Spínola e que custou a vida a três majores, um alferes e vários guias, barbaramente retalhados numa força do PAIGC, algures entre Pelundo e Jolmete. Conto no segundo volume do meu diário as peripécias que me permitiram casar, o David Payne, então médico do batalhão, combinou com o comandante deste, que eu precisava de ter uma baixa à neuropsiquiatria em Bissau, andei envolvido, nos meses de março e abril, e até 3 dias antes de partir, num conjunto de operações, e meti-me num Dakota em Bafatá com a guia para o HM241, casei, tive uns dias de lua de mel e depois a Cristina passou a visitar-me no hospital, onde se passaram cenas do arco da velha. Ela regressou e montou a nossa casa, conviveu-se com casais amigos ainda em Bissau, foram amizades que permaneceram.
1970 > Cristina Allen em Bissau

A Cristina entrou no blogue quando ambos fomos devastados pela morte da nossa filha mais nova, alguém, a propósito, suscitou um comentário e a Cristina respondeu. Entregava-me as folhas escritas à mão e eu punha tudo no computador e enviava para os editores do blogue. Teve um poder catárquico, este tipo de intervenção.

Nos últimos anos, a saúde da Cristina sofreu um forte abalo. Quando a conheci já ela padecia de lúpus eritematoso sistémico, habituei-me àquelas crises e sobretudo à necessidade quase permanente de muito repouso, não foi fácil, até porque as filhas repontavam, a mãe saía pouco, houve que fazer um esforço de sensibilização às crianças para aquela estranha doença. Surgiu-lhe vasculite, foi um golpe psicológico rude, uma mulher bonita com as pernas inchadas, avermelhadas. Aumentou o consumo de tabaco, isolou-se e em 2019 era percetível que havia um certo transtorno psíquico para além da gravidade do quadro das comorbilidades. A 24 de dezembro de 2019 houve que chamar o INEM, transportada para Santa Maria, ali permaneceu entre a vida e a morte, os problemas respiratórios eram muito graves, um quadro de pneumonia em cima de um enfisema pulmonar. E o transtorno deu em demência, quando teve alta, um mês e meio depois, houve que encontrar a solução de um lar, e ali permaneceu até que em 5 de abril, inopinadamente, o Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, teve uma paragem cardiorrespiratória, nada se pôde fazer.

Haverá velório nesta quarta-feira, entre as 17 e 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande. Quinta-feira, no mesmo local,celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação. Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina, ela nunca esqueceu a Guiné e sentiu-se muito reconfortada no blogue, adorou a sala de conversa.

Um abraço do
Mário

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Nota do editor

Vd. poste de 7 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

IN MEMORIAM

Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021)


1. Em mensagem de ontem, 6 de Abril de 2021, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), trouxe até nós a triste notícia do falecimento da sua ex-esposa Maria Cristina, no Lar de Santa Catarina Labouré:

Aos meus amigos,

A Cristina faleceu no Lar de Santa Catarina Labouré, onde vivia desde Fevereiro do ano passado, vítima de paragem cardio-respiratória.

O Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, sofrendo de problemas respiratórios graves, enfisema pulmonar, vasculite, demência.

Haverá velório na quarta-feira entre as 17 e as 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande, quinta-feira, no mesmo local, celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação.

Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina,
Mário


********************

2. Nota dos editores:

Cristina Allen foi esposa do Mário Beja Santos, casaram na Catedral de Bissau no dia 20 de Abril de 1970.

Tiveram duas filhas, a Maria da Glória, que infelizmente já nos deixou,  e a Joana, mãe da pequena Benedita que é alegria do avô Mário.

Cristina Allen, membro de longa data da Tabanca Grande,  tem 15 referências no nosso Blogue, incluindo  um dos postes dedicado à sua filha Maria da Glória (Locas) após o seu prematuro desaparecimento.

Pelos contactos de trabalho, constantes, com o Mário, íamos sabendo da evolução do estado de saúde da Cristina, podendo assim testemunharmos a dedicação dele à sua companheira e mãe de suas filhas.

Porque o Mário é merecedor da nossa maior gratidão pelo muito que tem feito por este Blogue, deixo-lhe, assim como à sua filha Joana, em nome dos editores e da tertúlia, as nossas mais sentidas condolências.

1970 > Cristina Allen em Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22041: In Memoriam (389): Ilídio Sebastião Vaz (1945/2021), ex-fur mil enf, CCaç 14 (Bolama e Cuntima, 1969/1971): morreu em Havana, Cuba, em sequência da Covid-19 (Eduardo Estrela)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)


"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à Coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332.Guardo-o religiosamente comigo..." (*)

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro  Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego.  Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho.


Carta


José Casimiro > Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.

Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).



Aerograma


José Casimiro > Guileje, 22/4/1973

Meu querido pai: Hoje foi um dia de fartura cá no Guileje, recebi nada mais nada menos do que 10 cartas, uma das quais era uma que eu tinha mandado à avó, e que foi devolvida, pois não existe o nº que me disseram, no Largo das Fonsecas. Adiante...

Pai, recebi as "cacholas", até dá para gozar. Recebi o salpicão - estava uma delícia. Quando eu chegar aí, não deve haver peixes no rio nem nomar. Quanto a a fotos de pretas [, desenho de um corpo  feminino parcial.], eu já tinha arranjado, e mandei os rolos para Cufar, para o irmão da Ana levar aí a casa, mas ele não pôde ir de férias, e vai mandar aqui para Guileje, e eu mando para Bissau, pois aqui já não revelam

Quando puder mandar rolos, mande. A Olinda (Montijo) tem-me escrito. A mãezinha que gaste  do meu dinheiro para remédios, é um desejo meu que gostava que fosse cumprido, ok ? Retribua os cumprimentos à D. Elisa e família. Mando-os também para todos os vizinhos com que eu me dava bem. Para todos em casa um grande beijo (A BIG KISS) [, desenho de uns lábios]. Sempre vosso,  J. Casimiro.



Carta


José Casimiro > Gadamael, 26/6/73


NOW WE HAVE PEACE [, em inglês, finalmente temos paz]

Minha querida mãezinha:


É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana, até ando mais feliz, pois embora não quisesse, ela não me saía do pensamento, pois gosto muito dela.

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B[anco] B[orges]. & Irmão.

 Um beijo para ser dividido igualmente entre todos, do militar J. Casimiro.


[Na vertical, na margem esquerda: Pax, Now we make love not war [Paz, agoramos fazemos amor e não guerra; na margem direita, PAZ]


1. O ex-fur mil op esp José Casimiro Carvalho [. foto à direita, c. 1973[, com residência na Maia, confiou-me, no I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de outubro de 2006), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o abandono de Guileje pelas NT. A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre dezembro de 1972 e maio de 1973.

Depois do regresso à metrópole, em 1974, ele entrou para Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana (BT/GNR),  primeiro como soldado e depois como agente patrulheiro. Está aposentado. De qualquer modo, quem o conhece (e conheceu na Guiné), nunca dirá dele que era um daqueles milicianos "politizados", com posições críticas face à guerra colonial e ao regime político de então. Como, de resto, a grande maioria dos milicianos e demais militares, incluindo os do quadro permanente, que durante 13 anos fizeram a guerra do ultramar (ou guerra colonial), na esperança, em todo o caso,  que o poder político acabasse por encontrar uma solução (política) para aquela maldita guerra que prometia eternizar-se...

Apresentamos acima um exemplo de um carta, devidamente selada (correio aéreo), e de um aerograma, amarelo, sem franquia,  enviados pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350) à família. A carta tem data de 22/5/1973, e foi remetida de Cacine, onde ele estava retido. Nesse mesmo dia, Guileje fora abandonado pelas NT.  O aerograma tem data de 22/4/1973, e é expedida de Guileje. Uma segunda carta é já de Gadamael, e tem data de 26/6/1973. (**)

No aerograma, dirigido ao seu "querido pai",  o nosso camarada tem uma conversa trivial, diz que está feliz por ter recebido nada menos do que 10 cartas, além das encomendas postais... Há uma evidente cumplicidade entre dois homens, pai e filho, mas não há inconfidências relativamente à situação militar...

Já nas cartas, há matéria que poderia ser considerada muito "sensível" e "classificada", como por exemplo o abandono de Guileje por parte das NT...e, um mês depois de terríveis combates  em Gadamael, o J. Casimiro Carvalho informa a sua "querida mãezinha" de que finalmente há paz, e que está a haver rendição de tropas, que a sua companhia, a CCAV  8350,  vai para o Cumeré, e que vai haver bebedeira, pela certa, e que ao mesmo tempo houve mortos e feridos graves, incluindo dois capitões, um dos quais evacuado para a metrópole!...

Ora, se eu alguma vez escrevesse uma carta destas para casa, era um terramoto, deixava os meus pais e irmãs a sangrar de dor!...De qualquer modo, muitos de nós nunca escreveriam cartas deste teor, não só para poupar a família mas também por autocensura.

Em suma, o J. Casimiro Carvalho, que não esconde nada aos pais,  parece usar o aerograma para a "conversa da treta" e as cartas para as inconfidências, as informações sobre a situação militar, etc.  Era algo de intuitivo para os militares,  o aerograma, na sua perceção, prestava-se mais à devassa, à violação... Ou seria o contrário ?


2. As questões que se podem pôr hoje, em relação à satisfação e confiança no Serviço Postal Militar (SPMS)  (***), são as seguintes: 


(i) o nosso correio era seguro ?



(ii) o aerograma, sem franquia,  era mais seguro 

do que a carta selada ?



(iii) a malta fazia autocensura ou, pelo contrário, escrevia, 

nos aerogramas e cartas,  tudo o que lhe apetecia ?



(iv) o correio era rápido ? quanto dias demorava a chegar ? (dependendo de a distribuição ser feita por avioneta
 ou por coluna auto)



(v) as cartas, os aerogramas, os valores declarados e  as encomendas postais não se extraviavam ?



(vi) houve camaradas que escreveram mas não chegaram a pôr no corrreio aerogramas e/ou  cartas com medo de serem abertos e lidas pelas autoridades militares e/ou  pela PIDE / DGS ?



(vii) era frequente (ou, pelo contrário, era raro) dar-se informações detalhadas sobre a situação político-militar tanto na Guiné como na Metrópole ?

A resposta a estas questões dá pano para mangas,,,e para alimentar o nosso blogue neste verão...


3. Relendo as  cartas que o meu cunhado José Ferreira Carneiro escreveu  à irmã, Alice Carneiro (****), constato que o aerograma, em Angola, não seria tanto fiável quanto a carta; podia levar um mês a chegar, enquanto a carta (, por via área,) demorava três dias a chegar a casa dos pais...

O correio era muito importante, nos dois sentidos. O aerograma tranquilizava as nossas famílias. Mas também é verdade que podia veicular boatos de toda a espécie, a par de informações que, para as chefias militares, deviam ser classificadas ou reservadas...

Recordo-me de, em finais de maio de 1969, quando cheguei à Guiné, o terror do "periquitos" eram então as histórias que se contavam de Gadembel e de Madina do Boê. Tanto a retirada de uma e outra ainda estavam na memória de muita gente. O nosso grã-tabanqueiro, Henrique Cerqueira, por sua vez, tinha mais confiança no aerograma do que na carta. Mas as nossas namoradas e esposas não gostavam nada de receber o aerograma em vez da carta, que o diga o nosso Manuel Joaquim! (*****).


José Carneiro, 1º cabo trms, de rendição individual,
Camabatela,  norte de Angola, 1969/71
José Carneiro > Camabatela 16/06/70

Querida mana Chita: 

 Estou a escrever uma carta porque os aeros [aerogramas] chegam a demorar cerca de um mês até chegarem ao seu destino, isto quando não são devolvidos. Estou mesmo muito aborrecido com isto. Pensei agora só escrever cartas, mas de 15 em 15 dias. Assim as cartas só demoram 3 dias a chegar a vossa mão. Tens que escrever é para a caixa postal. Que achas? Assim não repetimos as notícias. Quando receberes carta minha, peço-te que telefones aos pais para ficarem descansados. Está bem assim? (*)



Henrique Cerqueira > Comentário de 6/12/2012 (**)

[ foto à esquerda: Henrique Cerqueira,  ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe
e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:



(...) Para mim o aerograma tinha uma grande vantagem em relação à carta envelope normal. É que no aerograma havia maior possibilidade de enviar informações que o Estado (PIDE/DGS) considerava de teor político e assim os censurava. 

Tinha que haver o cuidado de colar bem as margens. Assim os censores tinham uma maior dificuldade em violar o aerograma e, como eram aos milhares, havia que contar com a "burrice preguiçosa" dos tais indivíduos. Este foi um conselho dado por um agente da DGS que na altura estava em Bissorã.(Era um novato e ainda com as ideias pouco contaminadas). 

Aliás quando o tive de acompanhar a Bissau no pós-Abril e sob detenção, tive mais uma vez a possibilidade de verificar que o indivíduo politicamente era mesmo um pouco "inocente". Ou seja era mais um "recrutado" pelo objectivo monetário e não político. 

Eu próprio senti na pele essa pressão de recrutamento um pouco antes do 25 de Abril. Felizmente resisti conforme pude, pois que até ameaças de repatriamento da família para a metrópole eu recebi. Como já disse, eu tinha a mulher e filho comigo em Bissorã nos últimos nove meses da comissão.

Um abraço a todos e viva o "aerograma" que até era de borla. (****)

4. Haverá, por certo, outros camaradas com opinião qualificada sobre a organização e o funcionamento do Serviço Postal Militar (SPM) , a sua alegada independência face à PIDE / DGS, e à própria hierarquia militar, as demoras do correio, os eventuais extravios, e sobretudo o risco de violação da correspondência. 

Em suma, o SPM era mesmo o do nosso contentamento? Era o melhor serviço que a tropa nos prestava? Nunca nos fizeram um inquérito... de satisfação... Mas, meio século depois, ainda vamos a tempo de fazê-lo, mesmo que o SPM tenha sido extinto em 1981 e a guerra acabado em 1975, com o regresso dos últimos soldados do império...

Mas haverá por certo muitas cartas e aerogramas ainda por salvar... Vamos fazer um apelo aos filhos e netos dos nossos camaradas, esposas, madrinhas de guerra, antigas namoradas, amigos, amigas,  etc., para que salvam o "património epistelográfico" dos nossos "rapazes"...

O que é feito dessas 21 mil toneladas de correio que circularam durante a guerra colonial? As "cacholas", os salpicões, os queijos, o bacalhau, etc., isso comeu-se e fez-nos muito bom proveito... A "guita" gastou-se em "putas e vinho verde", como diria esse rapaz holandês de nome impronunciável por um "tuga" e que nunca foi à guerra, um tal Jeroen Dijsselbloem... Mas as cartas e aerogramas que escrevemos e recebemos, camaradas?!... O que é feito delas?... A maior parte foi parar ao caixote do lixo, mas outros apodrecem nos nossos baús...

Parabéns aos camaradas e às amigas que já aqui partilharam parte do seu espólio postal: o Mário Beja Santos, a Cristina Allen, o Manuel Joaquim, o Renato Monteiro, o José Ferreira Carneiro, a Alice Carneiro, o J. Casimiro Carvalho, o António Graça de Abreu, o José Teixeira, o Armor  Pires Mota, o Silvério Dias, o Albano  Mendes de Matos e outros (cito de cor!)...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de  2010 >Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

(**) Vd. postes de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Vd. também poste de

1 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9837: Cartas de Gadamael: maio e junho de 1973 (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, 1972/73)

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

(...) O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos, difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. (...)


(*****)  Vd. poste de 19 de junho de  2013 > Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

(...) O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais. (...) 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)


Alcunha  (do árabe al-kunia, sobrenome) s. f. > Epíteto, geralmente fundado nalguma particularidade física ou moral do indivíduo ao qual ele se atribui.
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O Velho, o Bispo, o Homem Grande de Bissau, o Aponta Bruno, o Caco, o Caco Baldé...

De todas estas alcunhas  já ouvimos falar, a propósito do homem que foi o comandante chefe de muitos nós, e em relação ao qual há (ou havia) uma estranha relação de amor-ódio: António de Spínola, ou Spínola, simplesmente. [, foto à esquerda]

Admirado por uns, idolatrado por outros, temido por muitos, odiado por outros tantos, caricaturado por alguns... Morreu como marechal do exército português, pertence agora à história, e como tal merece-nos o respeito de todos aqueles que da lei da morte se foram libertando.

Não sei como o PAIGC o tratava, em Conacri, na Rádio Libertação, por que alcunha (se é que a tinha, como devia ter,  já que todos na guerra têm alcunha, e por mais razão ele, objeto de especial ódio de estimação por parte do IN).  De qualquer modo, estamos ainda em  tempo de averiguar (ou simplesmente especular) sobre a origem da alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epíteto por que era mais conhecido, Caco Baldé,  não só entre os tugas como entre os fulas e outros grupos da população guineense que Spínola (re)conquistou com a sua política Por uma Guiné Melhor...

Fomos desencantar postes dos muitos que a ele se referem (são já cerca de 150)  como figura incontornável (quer se goste ou não) do cenário de guerra na Guiné, e nomeadamente durante o seu consulado (1968/73). Aqui vão alguns excertos. A amostra é de conveniência, não aleatória, logo não representativa...

Caco Baldé (ou simplesmente Caco)  era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O Velho, era como ele era tratado entre o seu estado maior.  O Bispo era nome de código, e era assim  que o tratavam os nossos camaradas da FAP.

Caco Baldé... Caco queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, aliados de Spínola... Esta é explicação commumente aceite por todos nós...Mas há outras teorias, como a do Cherno Baldé... 

2. Cristina Allen [, a ex-esposa de Mário Beja Santos, foto à direita, c. 1970]

(...) Dançando o tango com o Caco Baldé (...)

(...) Apressava-me, na saída, não fosse encontrar Spínola, que, diariamente, visitava os seus doentes. Atrasei-me três vezes e três vezes me aconteceu encontrá-lo à porta de armas (chamava-se assim?) do hospital. Andávamos, ao que parecia, cronometrados…

Havia um toque (A recolher? Por causa dele? Nunca perguntei). Mas via aquele homem passar para a mão esquerda o pingalim, encostá-lo firmemente à perna, pôr-se em sentido, crescer, enchendo o peito de ar, o ventre liso, o braço direito, o cotovelo, a mão, na mais perfeita continência que jamais vi. Ficava desmesuradamente imenso, desmesuradamente rígido, só o monóculo coruscava.

Estarrecida, não sabia que fazer dos pés, das mãos, da mala, da mini-saia, parava, cruzava as mãos, endireitava-me (postura por postura, não baixaria a cabeça, olhava-o nos olhos, ou, melhor dizendo, no olho e no monóculo). Acudiam-me ideias bizarras – que o meu avô materno fora lanceiro e, certamente, teria sabido fazer aquilo mesmo; que ele, Spínola, escorregara em Missirá, numas cascas de batata e fora ao chão, pose, pingalim, monóculo e tudo, soltando palavrões… que aquele homem era o… “Caco Baldé”! Apertava os lábios para não me rir: este é o Caco, Caco Baldé…

Mas este era apenas o primeiro acto desta farsa. O segundo, começava com a questão “Passas tu ou passo eu?”. No terceiro, resolvia eu recuar, só então ele passava e, perfeito cavalheiro, punha-se de lado e cumprimentava: “Muito boas tardes, minha senhora”. E eu respondia-lhe: “Muito boas tardes, Senhor Governador”. Afinal de contas, era fácil dançar o tango com Spínola. Dobrado contra singelo, diria que, em seus tempos, o teria dançado na perfeição, sem pisar os pés do par…

Deixemos, por ora, o Mário na sua cama, entre dois outros perturbados, que, continuamente, discutiam…

Quando, escassos anos volvidos, leria atentamente Portugal e o Futuro, fecharia o livro, e, olhos cerrados, para mim mesma o interpelava: “Então, meu Caco, só agora?!”

Para todas as coisas há o seu tempo. Nos anos de brasa que decorreriam, e, mais ainda, nos outros que vieram, ele seria, talvez, uma das mais contraditórias e inquietantes personagens.

Recordo, hoje, os quatro majores que, num gravíssimo erro de cálculo – ou num quase infantil erro de cálculo – ele enviou para o martírio e penso em tantos jovens anónimos que perderam suas desgraçadas vidas. Nos estropiados, nos cegos, nos perturbados, nas nossas lágrimas.

E, todavia, ele, feito Marechal António de Spínola, será sempre, para mim, a mais trágica figura do braseiro que outros atearam, sem ele, com ele, ou em seu nome.

Que Deus e a História sejam clementes para com este homem. (...)
cionário Priberam de Língua Portuguesa


3.  Luís Graça [, foto à esquerda, Bambadinca, 1970]

(...)  Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)

Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande, o Caco Baldé). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi.

Mas o que é que faz correr este velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ?

Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

A visita-surpresa do Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname. (...)

4.  Jorge Cabral [, foto à direita, Xime, c. 1971]

(...) Quando Sexa o Caco, em Missirá, ia perdendo o dito...

Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.
-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados.

(Estou tramado, o quartel está uma merda. Que visto? Apresento-me em estado de nudez? Não há tempo a perder. O pássaro já poisou e o General avança. Enfio uns calções antigamente verdes, umas chinelas, e claro uma boina, para poder fazer a devida continência).

Eis-me assim, garboso Comandante, apresentando a tropa, e os milícias, todos eles mal fardados, como era habitual. Sua Excelência, pede um intérprete, pois vai botar discurso. E começa:
- Debaixo desta bandeira… - e aponta o braço na direcção onde pensava que a mesma existia. Fica-lhe o braço no ar, mas continua:
- ... A Pátria… - , e notando a atrapalhação do tradutor, pergunta-lhe:
- Sabes o que é a Pátria?
- Não - responde aquele.

(Lixei-me! Vou ser despromovido, talvez preso. Dentro de mim um turbilhão de maus presságios começa a fervilhar. Mentalmente preparo réplicas. Não é necessária bandeira, pois a Pátria está dentro de nós, e por isso, meu General, é indefinível, responderei).

Mas o Caco nada me pergunta. Vem acompanhado de três majores e um capitão. Querem ver tudo. Primeiro a Escola. Onde funciona?

(Escola? Qual Escola? Pensa rápido, Jorge! Inventa!)

- Sabe, meu Major, estas crianças também frequentam o ensino corânico, que decorre ao ar livre. Por isso considerei que a nossa escola não devia ser enclausurada, pois tal podia traumatizá-las.
- Ainda assim…- começou o Major, impedido de continuar por um olhar do Com-Chefe.
- E o Heliporto? - indagou um outro Major - Parece muito atrasado.
- É que, meu Major, faltam os materiais e também operários especializados.
- Operários especializados? Então e os seus soldados?!
- Todos homens de Fé, meu Major. Tirando a actividade operacional, dedicam-se à reflexão.

Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.

(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!)
Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.

Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu. Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.

(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).

Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.

Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!

Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa dewhisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló (3). Contou-me o Branquinho (4) que quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem! (...)


5. Manuel Lucena / Carlos Fabião [, foto à esquerda, c. 1971/73, quando era comandante do Comando Geral de Milícias, na sua 3ª comissão no TO da Guiné]

(...) Manuel de Lucena: O general Bettencourt Rodrigues disse-me uma vez que tinha as mais vastas dúvidas sobre isso da popularidade do general Spínola na Guiné e estava a falar das populações. Um grande
chefe, mas …

Coronel Fabião: O Caco Baldé! [, Alusão irónica ao monóculo (caco …) do general e ao apelido mais comum na Guiné (Baldé), como se fosse «Silva»]. (...)



6. Cherno Baldé [, foto atual, à direita]

(...) “Caco Baldé” tem origens no meio e língua fulas, é uma alcunha bem conseguida e duplamente interessante. Caco,khaco ou haco, originalmente, quer dizer cor castanha (a cor das folhas secas), na língua fula, e servia inicialmente para designar a cor da farda das autoridades administrativas e/ou da tropa colonial.

Mais tarde, para simplificar, este termo seria simplesmente utilizado para designar, de forma disfarçada e caricatural, as autoridades coloniais ou seus representantes.

O apelido Baldé seria lindamente encaixado em acréscimo, certamente, seguindo a lógica da brincadeira muito habitual entre grupos que se consideram primos por afinidade (sanguínea ou territorial) - “Sanencuia”.

Por exemplo, os Djaló são primos dos Baldé por afinidade sanguínea, da mesma forma que o grupo fula, na sua generalidade, é primo do grupo etnolinguístico mandinga que abrange Saracolés, Soninqués, Bambaras etc., por afinidade territorial.

Também é bastante lógico se tivermos em conta que a maior parte dos chefes tradicionais fulas (régulos) e colaboradores das autoridades coloniais, no chão fula, ou pertenciam a esta linhagem ou tinham este apelido, de modo que é uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma caricatura dirigida a linhagem dos Baldé, na minha opinião bem conseguida, por um primo, resultante da brincadeira entre grupos de afinidade, usando a figura da maior autoridade portuguesa, de então, no território da Guiné.

Não tenho a certeza e trata-se de uma conjectura da minha parte como pista para uma pesquisa mais aprofundada. (...)

___________

Nota do editor:

Último poste da série 30 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7697: O Spínola que eu conheci (23): No serviço de estomatologia, no HM 241, e eu a segurar-lhe o monóculo (Mário Bravo)

(...) Aproveito para contar um episódio ocorrido com o Marechal Spínola [, na altura general]. Como todos sabemos, o Marechal usava de modo constante um monóculo que era a sua imagem de marca. Um dia teve necessidade de consulta de Estomatologia e lá foi ao Hospital Militar. Era sempre um momento de alguma confusão e eu lá estava a tentar aprender a tirar dentes.

É evidente que quem o tratou foi o Chefe, mas havia necessidade que alguém tomasse conta do monóculo e logo me tocou a mim. É engraçado que senti aquele receio de ser o fiel depositário de tão solene objecto. Mas consegui não o deixar cair !!!

O Hospital Militar de Bissau, era na época um exemplo fantástico de modernidade e eficácia. (...)


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5038: História de vida (23): Maria da Glória, uma saudosa filha com um dom especial para o fado (Cristina Allen)

1. Mensagem de 22 de Julho de 2009, enviada pelo Mário Beja Santos:

Luís, Meu querido amigo, junto o texto que a Cristina me pediu para digitar. Tens aí as 2 fotografias da Glória [, à esquerda], de óculos escuros, uma, com um pano guineense, a outra. A Cristina está muito comovida pelo acolhimento que o blogue deu à sua dor e à memória da nossa adorada Locas. Um abraço muito sentido do Mário



2. Texto de Cristina Allen, mãe da Maria da Glória Allen Revez Beja Santos (1976-2009) (*), que nos deixou vai fazer 3 meses (no próximo dia 2 de Outubro de 2009):


Caro Luís Graça,

Tenho, perante mim, duas fotografias da autora do texto que vai ter a gentileza de publicar, envolvendo o nosso blogue (foi este o seu último trabalho universitário) (**). E um disco de António Chaínho com a seguinte dedicatória: “Para a colega Glória, com um beijinho do António Chainho. 16-08-2003”. É que ele queria ensinar-lhe alguns truques na “Academia do Fado e da Guitarra” e lançá-la, mas ela, já doente, fugiu-lhe.

A Glória cantava quando queria. Iniciara-se no Colégio de S. João de Brito, junto de antigos alunos e teve, por padrinho D. Vicente da Câmara. Numa dessas noites de fado que o Colégio promovia, recordo-a no palco numa fila que começava com António Pinto Basto, praticamente todos os Câmaras e terminava com ela e Tozé Martinho. Recordo-a, esbelta, num longo vestido, preto e justo, envolta num manton de manilla antracite, bordado a seda tom sur tom, nos seus longos dedos os meus anéis mais faiscantes, as mãos juntas no peito, agradecendo, com fervor, os aplausos.

Mas com a nossa filha, o picaresco e o inesperado aconteciam quase sempre, de mãos dadas. Uma professora sua, e minha amiga conterrânea, fez-me um gesto discreto, indicando o fundo escuro do salão, atrás do palco. Escapara-se com um muito jovem (e atrevido!) Zé da Câmara e, receosa, lá foi a mãe que teve de presenciar uma insólita cena. O Zé dizia-lhe que com aquele vestido pouco se via dela e “mostra as pernas”, pediu. E ela, que não se preocupava nada e não era provocadora, levantou cuidadosamente a saia e, devagarinho, rodou e mostrou-lhas. Pu-los na ordem com um valente raspanete.

Recordo-a, ainda, num espectáculo em S. Jorge, nos Açores, cantando com outros amadores, após o espectáculo de Carlos do Carmo, um fado da mãe deste e ele, nos bastidores agarrado aos seus pulsos: “Continue, minha menina, com essa garra só vi a minha mãe”. Tinha então 17 anos.

E perdoe-me, Luís Graça, se narro mais outro episódio dos caprichos de uma inconsciente diva.

Num passeio que fiz com outros colegas meus a Leiria, levei-a e fomos acabar a noite num local onde se cantavam baladas de Coimbra. No intervalo, disse, alto e bom som, que também queria cantar. Que não podia, diziam, que as mulheres não cantam fado coimbrão e no rebuliço que se gerou ouviam-se gritos que diziam: “Canta! Canta!”.

Generoso, o dono da casa, lançou-lhe sobre os ombros uma capa e ela, com um tenor zangado, escolheu a “Samaritana”. O rapaz viu-se aflito, porque era baixote e a voz dela ia do contralto ao mais fino murmúrio. A certa altura, estava o tenor vermelho e em bicos de pés, esticando-se todo, mas lá se aguentaram os dois num belíssimo dueto. A assistência estava entusiasmada, toda a gente em pé. E, depois, sacrilégio dos sacrilégios, entregou a capa e passou o resto da noite a cantar fado de Lisboa.

Ela tinha os ímpetos do seu pai e da sua mãe.

Nas fotografias que lhe enviamos há uma que tem por fundo um pano da Guiné. Adorava-os coloridos, mudava-os, trocava-os, cobrindo paredes, mesas e o topo de uma estante baixa encastrada no vão de uma janela. Nessa foto, estava de partida para a Holanda. Tinha ainda 21 anos. A outra é muito mais recente, talvez de meados de Junho passado. Estava, como sempre, de back-pack, com o seu portátil e roupas atiradas à pressa e ao acaso, lá para dentro. Ao seu rosto de 32 anos voltara a serenidade e a doçura. Estava mais jovem. Encontrara alguém que lhe devolvia a serenidade e a afastara dos riscos. De luxo, só os óculos escuros, que coleccionava.

Quanto ao texto académico que vai ter a amabilidade de publicar, e que diz respeito ao blogue, é possível que haja imprecisões, sobretudo na entrevista que gentilmente lhe concedeu.

Isto porque alguém lhe emprestara um gravador antigo e ela nem sequer o experimentou. Quando se lançou à transcrição, a sua voz e a do Luís vinham de muito longe, abafadas por silvos agudos e equívocos ruídos que nos fizeram, a ambas, rir às gargalhadas. Penosamente, lá se procurou descodificar a sua entrevista e, se imprecisões houver, ela não se importará nada que as corrija. A Glória era humilde, nestas coisas de estudos e estava de regresso à Faculdade, após anos de ausência.

Perdoe se me alonguei sobre os seus fados. Mas ela estava mais lá que nas andanças académicas.

Grata por publicar este seu último trabalho à volta da Guerra Colonial e das memórias dos ex-combatentes. (***)

Cristina Allen


Nota: Também fez com a ajuda do pai um outro trabalho sobre o Islão, outro ainda sobre o filme “O clube dos poetas mortos” e deixou no computador um estudo inspirado por uma intragável obra filosófica sobre Ética e Moral, em que eu colaborei.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes sobre a Maria da Glória:

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

10 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4664: Blogoterapia (116): Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são (José Martins)

(**) Entrevista ao Luís Graça, no 1º trimestre de 2009, sobre a criação e o funcionamento do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A publicar em breve.

(***) Vd. poste anterior da série > 22 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4400: História de Vida (14): Refazendo a vida correndo o mundo (José Eduardo Alves)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4726: In Memoriam (28): Saudades da nossa Locas (1976-2009): com a dor e o riso também se faz o luto... (Cristina Allen)

Lisboa > No eléctrico amarelo da Carris > Uma das últimas fotos da Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009), de chez les vivants... (*)

Foto: Cristina Allen (2009). Direitos reservados



1. Mensagens do nosso camarada Mário Beja Santos:

17 de Julho:

Meu caro Luís, oxalá não se tenha cometido nenhuma besteira no texto que acabamos de digitar. 2ª feira envio-te a fotografia que a Cristina sugere que acompanhe este agradecimento a todos os que nos confortaram. Não te esqueças do trabalho da Glória, de que ela andava tão orgulhosa. Recebe um abraço de profunda amizade e gratidão, Mário

20 de Julho:

Meu caro Luís, a Cristina pede-te a gentileza, quando lhe publicares a notícia que te enviei na passada 6ª feira que ponhas esta imagem que junto, era o lindo sorriso da nossa filha, foi seguramente uma das últimas fotografias. Tenho uma novidade para te dar: vou oferecer ao blogue, tão cedo quanto possível, as minhas recordações anotadas da minha missão na Guiné-Bissau, em 1990 e 1991. Não será para já, primeiro quero acabar a Mulher Grande e depois voltaremos à Guiné, onde procurei dar o meu melhor numa possível política de consumidores, tudo parecia ir arrancar bem, tudo falhou, com grande mágoa minha. Recebe um abraço do Mário



2. IN MEMORIAM (28) (**) > DE DOR, GRATIDÃO, ESTÓRIAS, RECADOS E RISOS SE FAZ LUTO
por Cristina Allen



Amigas e Amigos,

Pensara despedir-me de outra forma deste blogue (***). Há, numa gaveta, dois textos inacabados, um risonho, outro mais sério. Deixá-los estar na gaveta, até um dia.

No dia 26 de Janeiro deste ano atribulado, acordando de uma intervenção cirúrgica, escrevera, no tabuleiro do pequeno-almoço, uns modestos versinhos a Bissau, em modos de despedida. Posteriormente lhes dei alguma forma, já que os efeitos da anestesia me tinham obliterado sílabas. Bastava, pensei, Adeus Bissau!

Mas fui-vos acompanhado no blogue e a súbita, escancarada morte de Nino Vieira me aguçou a curiosidade. Que diriam vocês?

Eram longos – e muitos – os vossos comentários. Perdoai a minha crítica mas, se foi grande e justo o vosso louvor das capacidades de estratégia militar do Presidente assassinado, alguns de vós reflectiram uma quase irmandade de guerreiros adversos afundados no choro, o que me deixou perplexa.

É que vira na televisão a imagem de um preto gordo (assim ficara ele?!), com um anel imenso, um desmesurado “N”, em relevo, desafiando, desatento, a desgraça do seu povo, tirano e corrupto (dizem), o seu ego avassalador a trair, por longos anos, o ideário de Amílcar Cabral, que deveria ter cumprido. Não só ele o fez, mas ele mais que outros.

Conheço, no mínimo, duas vítimas suas e de muitas outras sei. “Paz à sua alma”, pensei. Quem era eu para o julgar? Também meu ego não é dos mais pequenos e sou a mulher dos 24 anéis, alguns bem desmesurados.

Pensei em enviar-vos o seco comentário de Mário Soares, de quem discordo tantas vezes: “Viveu na violência, morreu na violência”. Mas dei de ombros, não fosse despertar animosidades ideológicas, e rumei aos escritos aparentemente leves do Jorge Cabral, já que a seriedade não precisa de ser carrancuda... Adiante!

Na missa do 7º dia do passamento da minha filha e do vosso camarada Beja Santos, foi um consolo receber, cá fora, tantos abraços e gente cuja escrita conhecia, mas não rosto. A solidariedade e compaixão são, no meu sentir, das mais belas virtudes que, por dentro, nos aquecem.

Ao ver-vos ali, um pensamento súbito me acudiu – estes regressaram vivos; outros não. E um lamento de Adriano: “(...) nunca mais acenderei no meu o teu cigarro (...)”.

É que assistira, há 40 anos e alguns escassos meses, à missa de corpo ausente do melhor amigo do Mário, que cuidou de mim até partir para Moçambique, como alferes miliciano, [o Carlos Sampaio, na foto à esquerda].

Fora-se, com a estranha convicção de que lá morreria, e, terrível augúrio, a ideia de que nunca mais nos veríamos.

Tudo isso aconteceu. Uma mina (ter-se-ia ele adiantado ao picador?) desmantelou o seu delgado corpo, instante de beleza masculina, fez esvoaçar, nos ares de Cabo Delgado, os sonhos da poesia, da filosofia, de uma renovada livraria. Parou para sempre a sua mão que, à espátula, pintava texturas e tonalidades de azul. Acabou-se, para sempre, a voz irreverente do seu fado vadio. Veio de férias, ainda, e de tantos encontros combinados ao telefone, nenhum aconteceu. Soube que destruíra toda a sua pintura, restando apenas uma tela que eu guardava no meu quarto.

Outra citação poética me acode: ”(...) jaz morto e arrefece / o menino de sua mãe (...)” [, do poeta Fernando Pessoa].

Jazeu morto e não tiveram sua mãe, e irmãs, aquela necessária e crua certeza dolorosa de afagar, beijar a sua gélida face, de enovelar nos dedos os seus belíssimos de ouro quente.

Nós, pais e irmã, mais venturosos fomos no cumprimento inexorável fio de dor, caminho aberto ao luto que a benigna natureza manda. Não afagámos, na imaginação e nas memórias, a dureza da notícia, mas um corpo, carne da nossa carne, sangue do nosso sangue, num frio e sempre eterno sono, rasando o infinito.

Falo-vos dessa missa terrível do corpo ausente, porque ela ocorreu na véspera da celebração do contrato civil, por procuração, das minhas núpcias com o pai das minhas filhas. A minha mãe convidara para o almoço escassos parentes e amigos. Veio o notário.

Mas arrastara-me penosamente da cama e penosamente me cuidara, tremendo de frio e em lágrimas banhada. E, em lágrimas, fiz o necessário. Naquele mudo pranto, já nem sequer as limpava, estranha noiva!

O Mário tinha telefonado, contente, e eu só lhe perguntava, ansiosa, se recebera a minha carta. Receava estragar-lhe a festa que, em Bambadinca, se fazia. Não sei se disse ou não, mas ele sabe. Sei apenas que a carta cautelosa chegou num outro dia.

Fui ao blogue, no passado fim-de-semana.

As condolências, a vossa poesia, o belíssimo comentário da liturgia desta outra missa, a vossa capacidade de estar perto e reconfortar foram um benfazejo lenitivo. Ser gregário compensa e salva-nos, por vezes, do mais aterrador solipsismo em que a alma se estilhaça.


E, inesperada e súbita, estala no blogue uma violenta briga de homens que a tecnologia temperou. Mas a ira estava lá, senti-a. E também eu fui contagiada. Mas passou.

A mente vagueou, rápida. Quem seria o “Pirata Vermelho” que teria escrito, a ponto de ser censurado? Conjecturas...Talvez tivesse achado excessivo tantos escritos, por causa de uma rapariga morta. Quiçá antigos diferendos, ideológicos ou pessoais, alguma rejeição das emoções à solta. E lá descobri, por fim, um nome: Salvador. Nome belíssimo.

É chegado o momento dos recados.

É exactamente para o Salvador que ora escrevo:

“Sabe que também a minha filha gerava a controvérsia? Em tempos em que era muito esbelta e estranhamente bela, por causa da sua exuberância e pressa de viver, andaram à briga forte e feia (Ria-se, ando agora a tentar ajudar no concerto de corações partidos...). O Salvador contribuiu para evocar, em mim, um quase divertido, mas arriscado cenário, que faz pano de fundo às suas estranhas “epifanias”.

Por isso, do coração lhe perdoo esta “pedrada no charco” por dentro do meu luto. Faltava neste doloroso puzzle uma peça solta. E o Salvador colocou-a ou fê-la surgir na mansidão latente. Não fez de “Pirata”, fez de Peter Pan!

Aceite, por favor, um conselho de uma mulher pouco sábia e, também ela, controversa – não se esconda nunca, pois não é preciso. E, com esse belo nome que lhe deram, salve-se, por si próprio, de si próprio. Corre o risco de ser menos amado, ou não ser tão generosamente reconfortado em suas penas, se e quando as tiver, pois jamais se sabe quando elas chegam.

Outro recado para o Luís Graça, desta vez.

Sabe que, na minha família há uma tradição em pompas fúnebres e momentos lutuosos, de gafes, informações corrigidas, risadas abafadas? Por algumas respondo eu, atrapalhada. Por outras, não. Carinhosamente, aqui vão os meus reparos e informes.

- A minha filha chamava-se Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (deve estar a rir-se desta troca de apelidos!).

- A senhora que leu aquela curta e comovente passagem e não vos desejou, por ora, dar o texto, é alentejana, de Grândola, a meio caminho entre esta sua amiga e o Torcato. Faz voluntariado nos hospitais e até em favelas brasileiras. Tem uma voz lindíssima, foi – e talvez ainda seja – solista no coro da Igreja do Campo Grande. Chama-se Maria da Graça Espada Gersão Lapa.

- O Abudu Soncó não é neto do régulo Malã mas o seu filho “mais menino”. A poligamia é uma coisa complicada, quando se trata de genealogias. Era professor, sonhou dar melhor futuro aos filhos, trabalhou duro na construção civil, já sofreu dois enfartes. Mas continua a sonhar, o filho mais velho vai estudar em Argel, em breve.

- Por favor, não se arme em casamenteiro! A Sofia Arede, realizadora da SIC, na “Grande Reportagem” e jornalista, e o Pedro Calhau, igualmente jornalista, não são casados. Talvez um deles quisesse, mas o outro não (Risadas dos amigos e também minhas! Quem sabe se a picaresca Glória, amiga de ambos, não estará, também, a rir-se!).

A todas e a todos deixo um abraço de agradecimento e uma charada em italiano medieval, mesmo para os não crentes:

“(...) Laudato si, mi Signore, per sora nostra
Morte corporale, da la quale nullo ome vivente
po´ scampare. Guai (1) a quelli che morranero
ne le peccata mortali! Beati quelli che troverà
ne le tue sanctissime voluntati,
ca la morte seconda no li farrá male.”



S. Francisco de Assis, “Cantico delle Creature”
Versão original (*****)


Até breve! Cristina Allen

(1) ”Guai” – guiai. S. Francisco não foi Doutor da Igreja. Não havia nele qualquer traço de maniqueísmo teológico da negra Idade Média. Como conversará ele, um dia, com Herr Ratzinger?


2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Cristina, pelo teu soberbo texto, pela ternura contida com que falas de nós, pela grande dor que mal consegues conter ao evocar a tua Locas, pela altiva nobreza com que desancas o ex-Pirata Vermelho que seguramente nunca foi camarada da Guiné nem sabe o que é a compaixão, enfim, pela fina ironia com que elencas (e brincas com) as nossas gafes, a começar pela troca de apelidos da tua Locas... Já fiz as correcções que a leitura do teu texto me sugeriu... As nossas desculpas... Espero que a nossa blogoterapia te ajude, de algum modo, a superar este tremendo vazio que te deixou, a ti, ao Mário, à Joana, aos demais familiares e amiogos, a perda da Locas. Um chicoração do Luís Graça.


____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)


6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

10 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4664: Blogoterapia (116): Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são (José Martins)

(**) 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4685: In Memoriam (27): Recordando o Major Raul Passos Ramos (José Borrego)

(***) Postes da Cristina Allen, que é membro da nossa Tabanca Grande, publicados no nosso blogue:

9 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!

19 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3933: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (4): Cenas, pouco edificantes, de caserna, que não contarei...

24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (2): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

(****) Citação, julgo eu, retirada de:

Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar (1903-1987), romance publicado pela primeira vez em França em 1951.

(*****) Tentativa de tradução:

Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã,
a morte terrena [corporal], da qual nenhum homem vivo
pode escapar. Guiai [ou ai d'] aqueles que morrerem
em pecado mortal! Bem-aventurados aqueles
que seguirem as tuas santíssimas vontades
pois a segunda morte não lhes fará mal
[ou não morrerão uma segunda vez].


Francisco de Assis (c.1181-1226), Cântico das Criaturas