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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2032: História de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves

Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem enviada, em 26 de Julho, pelo Tino Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71:



Camarada Luís:

Serve este para responder às tuas dúvidas sobre o meu irmão, 2º. Sargento Mil Sérgio Neves (1). Mas primeiro que tudo, o meu agradecimento, pelo facto de editares o material que te mandei sobre o meu irmão.

Já tinham sido publicadas várias estórias sobre ele no sítio Moçambique – Guerra Colonial , enviadas por mim.

Sobre a relação que o meu irmão tinha com o Cmdt Daniel Roxo, quero fazer primeiro uma pequena introdução. O Sargento Neves era uma pessoa muito dada, e amigo do seu amigo, e por onde passava arranjava sempre grandes e bons amigos, pois era um grande falador, um extrovertido, e também um bom copo ou garrafa, conforme a situação. Quero com isto dizer que por norma é neste embiente que se convive, e se fica a conhecer os outros e se fica amigo do amigo, pois pode-se apresentar uma pessoa a outra, trocar-se algumas palavras, e depois fica por ali, se não houver algo como Vamos beber um copo (escusado será dizer que nessa altura era o que se fazia mais).

Portanto, quando o meu irmão se encontrava com o Cmdt Daniel Roxo, que não era todos os dias, porque o Cmdt DR, muitas vezes, passava semanas a fio no mato, havia copos com toda a certeza, e nessas alturas era então que o Cmdt DR o convidava para ir com ele para o mato (desconheço se para fazer alguma operação em especial, ou simplesmente para fazer alguma patrulha à zona).

Mas que eram grandes amigos, eram, porque quando ele me falou do Daniel Roxo pela primeira vez, ele descreveu-o assim: UM GRANDE AMIGO!... E alguns anos depois do 25 de Abril 1974 veio cá a Portugal um irmão do Cmdt Daniel Roxo que visitou o meu irmão.

Como operacional, só me contou que uma vez houve uma grande operação com Forças especiais (Páras, Fuzos, etc) e também FAP. Estando todas as tropas posicionadas a cercar o objectivo, começaram a fazer fogo com tudo ao seu alcance, mas numa determinada altura o meu irmão, que estava junto do Comandante da operação, reparou que não havia resposta do IN, sugeriu que acabassem o fogo e, se depois não houvesse resposta do IN, ele com a sua Secção iria lá entrar e sair pelo outro lado.

O Comandante aceitou a sua sugestão e avisou o resto das tropas de que se iria fazer aquilo.O resultado foi que o meu irmão fez precisamente o que prometeu, havia lá só meia dúzia de elementos IN (não me recordo se foram abatidos ou capturados) e várias armas e munições. Quando o meu irmão e a respectiva Secção apareceu no outro lado, nem queriam acreditar no que ele tinha feito.

Uma ressalva em relação ao editado no Blogue: Quando se diz Era bom, julgava eu, porque ele dizia-me que só se lembrava que era militar quando fazia de Sargento de Dia, porque na Secção dele era o único militar, e ele era o Chefe, e falava da esposa do Major Tal, da filha do Capitão tal, etc. etc.... Deve ler-se: (...) "porque na Secção dele era o único militar e o Chefe do restante pessoal que era civil, como por exemplo 'esposa do Major, a filha do Capitão, etc.', em suma os familiares dos oficiais de maior patente".

Quanto à fama e alcunha de Mercenário, talvez tenham exagerado muito. Foi ele que me disse que tinha ficado conhecido pelos amigos como o Mercenário.

Quanto ao escrito Em Mueda os cordeiros que chegam são os lobos que saem - Adeus Checas, ele disse-me, quando me mostrou a foto, que tinha sido ele que o tinha feito, daí estar junto da frase, como senda a sua assinatura, ele mesmo.

Aí vai mais uma foto do Mercenário.

Sem mais de momento

Um abraço

Tino Neves

Almada

___________

Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)



7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1928: História de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

Moçambique > Mueda > Cart 2369 (1968/69) > 4º Grupo de Combate > A suite dos barões...


Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saiem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito.

 Moçambique > Mueda > CART 2369 > Sérgio Neves, posando junto aos símbolos da sua unidade

A caminho da Guiné, em 1964, num navio mercante (que não sabemos qual é). Pessoal da CCAÇ 674, Fajonquito, 1964/66) (presume-se). Sentado à mesa, o Sérgio está ao centro, é o 4º. a contar da esquerda.

Guiné > Zona Leste > Fajonquito > 1964 > CCAÇ 674 > O Fur Mil Neves

Fotos: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada, em 13 de Fevereiro último, pelo Tino Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71:


Camarada Luís Graça:

Por ter voltado a focar as fotos de meu irmão, junto dos Monumentos da Guiné, Bagabaga e Poilão, e na altura do seu envio não as ter comentado, como sendo do meu irmão como militar (Furriel Mecânico Auto) em Fajunquito, em 1964 (1), passo agora a fazer um pequeno comentário sobre quem foi ele:

Há falta de dados sobre ele porque tanto a correspondência como a sua Caderneta Militar que estavam em poder da minha mãe, se extraviaram. Ficaram simplesmente algumas fotos, das quais nada consta escrito no seu verso (data ou local onde foram tiradas). Ele não tinha esse costume.

Portanto, não tenho qualquer indicação sobre o Batalhão ou a Companhia pertencia, mas pesquisei através dum ficheiro em excel cedido pelo Pedro Santos, quando do nosso Encontro da Ameira. Pesquisei pelo ano do fim de comissão, unidade de mobilização (Évora) e nome do Capitão (José Rosado Castela Rio)... Fiquei com a noção de que seria a Companhia de Caçadores 674, que esteve em Fajonquito, região de Bafatá. A ser verdade, o período da comissão será 1964/1966.

Para que algum camarada de sua companhia o venha a conhecer junto algumas fotos desse tempo .


O seu Nome:

SÉRGIO FAUSTINO DAS NEVES
Furriel Miliciano Mecânico Auto
Natural de Luzde Tavira
Residia em Cova da Piedade – Almada


Ele fez mais uma comissão de serviço em Moçambique, como 2º Sargento Miliciano,
de 1968/1970, tendo passado por Lourenço Marques, Mueda, Vila Cabral , Nampula e Meponda - Lago de Niassa . Não sei exactamente por que ordem.

Camarada Luís Graça:

Vou-lhe pedir desculpa, e ao mesmo tempo um favor, apesar do blogue ser de ex-Combatentes da Guiné, gostaria que fizesse referência a este facto de Moçambique, pois é possível algum dos camaradas dele, de Moçambique, lerem o nosso blogue, e me contactarem, o que me deixaria muito feliz.

Vou contar um pouco o historial do meu irmão em Moçambique, porque da Guiné pouco sei. Só me contei alguma coisa quando eu estava na Guiné e ele em Moçambique. Um dia disse-me para ir a Bafatá a um Café, que ele frequentava muito quando lá ia, porque o dono também se chamava Neves. Fui lá mas o proprietário desse café já não era o mesmo, e não me souberam dizer para onde o senhor Neves tinha ido.

O meu irmão era da Construção Naval (Arsenal do Alfeite) e, depois da Comissão da Guiné, emigrou para França (Grenoble), tendo ido trabalhar para um Estaleiro Naval como soldador. Enquanto lá esteve, para além do frio e neve que apanhou, estava muito só e sem dinheiro. Mas escrevia-se com camaradas da recruta que lhe diziam muito bem de Moçambique, tendo lá ficado como colonos, no fim da Comissão. O Estado dei-lhes terras para se fixarem lá e eles estavam muito bem.

Ora ele começou a pensar nessa hipótese de também para lá ir. Assim o pensou e assim o fez. Escreveu para o Ministério da Guerra, a pedir para voltar para o Exército. Foi chamado e colocado nos Serviços Mecanográficos do Exército, e logo pediu para ir para Moçambique. Foi passados 8 meses para Lourenço Marques.

Em Lourenço Marques, passou por vários Serviços incluindo dar Instrução Militar aos Recrutas. E por último, em Lourenço Marques, foi para o Serviço de Intendência, Secção de Cargas, ou seja tratar das Comissões Liquidatárias das Companhias de Fim de Comissão.

Era bom, julgava eu, porque ele dizia-me que só se lembrava que era militar quando fazia de Sargento de Dia, porque na Secção dele era o único militar, e ele era o Chefe, e falava da esposa do Major Tal, da filha do Capitão tal, etc. etc.

Mas ele, como operário do ferro, para ele era um suplício a papelada e os problemas, problemas esses que, como vou contar, o fizeram sair dali.

A história começa com um Major de uma Companhia Independente que já tinha mandado regressar todos para a Metrópole, ficando ele sozinho a tratar de tudo o que dizia respeito à Comissão Liquidatária. Mas estava tudo muito atrasado, e o dito Major foi lá mandar vir junto do meu irmão, reclamando que já tinha a viagem marcada para o regresso, e que o meu irmão estava a demorar muito a dar o despacho, e por essa razão pediu para que o Comandante dos Serviços o atendesse, tendo este acedido ao seu pedido.

Sendo o meu irmão chamado ao gabinete do Comandante, mostrou-lhe todo o processo dessa tal Companhia. Conclusão: o dito Sr. Major tinha quase toda a carga da Companhia encaixotada, com a direcção de sua casa, sendo alguns dos objectos uma arca frigorífica, um barco pneumático e mais algumas coisas, todas sem valor nenhum, como devem calcular.

O meu irmão, em face disto, disse ao seu Comandante que queria ir para o mato, que aquilo não era para ele (ser cúmplice de todas aquelas roubalheiras).

O Comandante (não sei o seu nome, só sei que era muito amigo do meu irmão, segundo me dizia este), ante este pedido e tentando demovê-lo dessa intenção disse-lhe:
- Só para Mueda! - e ele respondeu-lhe:
- É para aí mesmo que eu quero ir! - ... E fizeram-lhe vontade.

Mueda era, para Moçambique, como Guileje era para a Guiné: para todos aqueles que fossem castigados, um dos castigos era serem transferidos para Mueda . E o meu irmão ofereceu-se para ir para lá, daí ficar com a alcunha de o Mercenário.




Francisco Daniel Roxo nasceu em Mogadouro, Trás-os Montes, em 1 de Fevereiro de 1933. Foi para Moçambique em 1951. Aprende a conhecer o território como ninguém, em especial o Niassa, no norte. Foi caçador profissional até 1962. Com a guerra, irá tornar-se, a partir de 1964, um lendário e temível comandante de um grupo de forças especiais de contra-guerrilha (30 homens da sua confiança), lutando contra a Frelimo, à margem das regras da guerra convencional. É conhecido como o diabo branco. Pelos seus feitos na contra-guerrilha, e embora não sendo militar, recebe das autoridades portuguesas duas cruzes de guerra e uma medalha de serviços distintos.

Depois da independência de Moçambique, e já com 41 anos, alista-se no exército da África do Sul. Faz parte de um grupo de operações especiais. Notabiliza-se na Operação Savana, no sul de Angola, na luta contra o exército angolano e os seus aliados cubanos, em Dezembro de 1975. É o primeiro estrangeiro a receber a Cruz de Honra da África do Sul (julgo que a mais alta das condecorações militares). Acabaria por morrer em 23 de Agosto de 1976, numa emboscada, no sul de Angola. Deixou uma viúva e seis filhos. Na foto acima, ele aparece com a farda do exército da África do Sul e o post de 1º sargento. Julgo que não chegou a ser militar do exército português, embora trabalhasse para (e em coordenação com) o exército português. Falta uma biografia, isenta, desta figura de português do tempo colonial que ainda hoje inflama a cabeça e o coração de muita gente que viveu em Moçambique (LG).

Fonte: Adaptado de In memory of three special forces and 32 Batallion soldiers (2005I.



Não sei se pela alcunha que tinha e ficar muito conhecido, quando foi para Meponda, zona do Lago Niassa, o meu irmão acabou por conhecer (e ficar muito amigo de) um senhor, muito mais conhecido em todo território de Moçambique. Era ele, nem mais nem menos , o famoso Comandante Roxo, o Daniel Roxo, mais tarde Sargento Daniel Roxo [do exército da África do Sul].

Eram tão amigos que, quando o Comandante Roxo ia para o mato, convidava o meu irmão para ir também, assim sem mais nem menos, como se fosse para beber um copo. E o meu irmão não se recusava, ia também, até que um dia, numa coluna militar, rebentou uma mina anticarro num Unimog, e ele foi projectado a 30 metros da viatura. Foi em Mocimboa da Praia, sendo depois transportado por helicóptero para Nampula, onde o Cmdt Roxo ia todos os dias visitá-lo. Porque, para além de ser muito amigo dele, também queria que ele (meu irmão) ficasse com o pelotão dele, pois já estava a ficar velho (dizia ele).

Pronto, fico por aqui, muitas outras estórias teria para contar.

O meu irmão faleceu em 25 de Junho de 1997, com um temor na cabeça.

Camarada e amigo Luís Graça, se achar que esta pequena estória do meu irmão em Moçambique está fora do contexto do nosso blogue (que é dedicado à Guiné), não a publique, pois só pensei no facto de algum militar de carreira que tenha estado em ambas (Guiné e Moçambique) possa ter conhecido o meu irmão. Se sim, gostava que muito me contactassem, pois também já pensei entrar em algum blogue de Moçambique.

Junto fotos da Guiné e Moçambique. Ccomo se vê nas fotos, o meu irmão Sérgio pertenceu em Mueda ao CART 2369. Junto também uma foto do Cmdt Daniel Roxo.

Um abraço
Tino Neves
Almada

2. Comentário: Tino, como é que eu te poderia recusar um pedido destes ? A guerra bateu à porta da tua família por três vezes... Tens todo o direito a contar a estória do teu mano, e procurar camaradas que o conheceram. Boa sorte nessa pesquisa. Ah, e desculpa o atraso na publicação do teu post...

De qualquer modo, seria interessante saberes mais sobre as relações do teu irmão com o Daniel Roxo que para uns era um herói e um patriota, para outros um mercenário e um criminoso de guerra... Há inúmeros sítios na Net sobre o Daniel Roxo, e quase todos de homenagem e de admiração... No mínimo, é uma figura controversa, mas que merece ser conhecida, analisada e estudada... A história (mesmo a petite histoire) da guerra colonial também passa por homens como ele...

Vê, portanto, se descobre mais coisas sobre o relacionamento entre o teu irmão e o Daniel Roxo... O teu irmão, como militar, participou em operações de contraguerrilha com o Daniel Roxo ? Ou as suas relações eram só de pura amizade ? Por que é que o teu irmão era alcunhado de Mercenário ? Desculpa lá estas perguntas um pouco incómodas para ti, que és irmão do Sérgio, mas já que te expões, contando um pouco da atribukada vida dele, tens de tentar responder, se souberes... De qulaquer modo, cuidado, camarada, que este é um dossiê que pode estar armadilhado... Pode ser uma verdadeira caixa de Pandora ... L.G.

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)