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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18269: (In)citações (115): A nossa amiga e grã-tabanqueira Anabela Pires, de volta à Guiné-Bissau, seis anos depois do golpe de Estado de 12 de abril de 2012



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 10 de dezembro de 2009 > Mulheres...

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[Anabela Pires, janeiro de 2012, em Catesse, no sul da Guiné-Bissau, foto à esquerda de Pepito... Nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça), Alice Carneiro (Alfragide/Amadora), e do nosso saudoso Pepito, cidadã do mundo, "globetrotter", esteve três meses, entre janeiro e março de 2012, integrada, como voluntária, no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento, e a viver em Iemberém; foi o golpe de Estado de 2012 que a obrigou a sair da Guiné-Bissau; está lá de novo, desde 18 do corrente; tem 25 referências no nosso blogue, dela publicámos o "diário de Iemberém"; pacifista e feminista, ela não gosta que a gente lhe chame uma "mulher de armas"... mas é assim que a gente a vê, aqui da Tabanca Grande]


1. Mensagem da nossa amiga e grã-tabanqueira Anabela Pires, com data de hoje

Queridos familiares e amig@s,

Estou na Guiné desde o dia 18  (*). A primeira semana foi agitada com passeios por Kéré nos Bijagós, depois Cacheu, Cachungo, Quinhamel.

Os últimos dias tenho-os passado num remanso calmo na residência dos meus amigos, a ler, com algumas saídas para almoços ou jantares enquanto tento descobrir como vou ao Sul, a Iemberém, onde estive há 6 anos. 

Tive um encontro breve com a Isabel Levy (mulher do Pepito) e espero voltar a estar com ela com mais tempo. Para já pareceu-me bem.

Entretanto o clima político na Guiné está bastante tenso. Hoje deveria começar o Congresso do PAIGC, maior partido nacional que ganhou as últimas eleições mas há 2 facções em confronto e a temperatura começou a subir na última noite. 

Bem, os que vos quero dizer é que se ouvirem notícias não fiquem preocupados. Pode ser que isto seja só fumaça mas se não for eu estou muitíssimo segura mesmo estando em Bissau. E se entretanto for para Iemberém também estarei em segurança pois todas estas tricas não passam, regra geral, de Bissau. Nada de preocupações ou alarmismos, neste país estas coisas são recorrentes.

Beijinhos e abraços,
Anabela (**)

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sábado, 13 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11386: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (15): Em Catesse e em Cabedu... Os jovens por aqui, hoje, não querem fazer nada, talvez por influência do que lhes chega de outros mundos, através da TV


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 22 de Janeiro de 2012 > A Anabela Reis, bendita entre as mulheres...

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2012). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: LG]


Guine-Bissau > Aruipélagos dos Bijagós > Bubaque > 13 de dezembro de 2009 > 14h50_> Regresso, de barco, a Bissau. Uma juventude, aparentemente despreocupada, que viver o seu tempo...



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > São Domingos > 18 de dezembro de 2009 > O risco de perda de identidade ?... 1º Festival Cultural de S. Domingos, sob o lema "Nô Laba Rostu di Nô Guiné". Dopis jovens mulheres em dança tradcional ... Foto tirados pelo João Graça no penúltimo último dia da sua viagem à Guiné-Bissau (5-19 de Dezembro de 2009)


Fotos: © João Graça  (20009). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: LG]


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XV) (*)


25 de Março de 2012

Fiquei novamente mais de 8 dias sem nada escrever. Desde que comecei a dar as aulas de alfabetização às 8.30 da manhã deixou de me dar jeito escrever pela manhã.

A semana que passou, além de me dedicar às aulas de português, preocupei-me com a gestão financeira dos alojamentos e por isso o meu trabalho foi feito sobretudo com a Maria Pónu. Agora, sabendo o dinheiro que efetivamente temos em caixa teremos de decidir o que podemos comprar. Há muitas melhorias a fazer mas só podemos fazer aquelas para as quais houver dinheiro.

Com a Satú voltei a fazer doce de laranja mas em vez de cortarmos as cascas aos bocadinhos ralámos. É mais fácil de fazer muito embora eu prefira com as cascas aos bocadinhos. O doce ficou bastante bom, com o ponto certo. Já fiz os rótulos para pôr nos frascos mas ainda não os colámos pois a Satú tem estado doente.

Nas aulas de alfabetização percebi que havia dificuldades de aprendizagem e,  como não estava a perceber bem quais eram,  na 6ª feira fiz exercícios e agora já entendi as dificuldades de cada um dos grupos. Precisava de trabalhar mais tempo com o grupo mais atrasado mas não sei se quererão disponibilizar mais meia hora por dia. Tenho também uma enorme dificuldade em arranjar imagens para que possam associar as palavras às imagens. Sem internet estou bastante condicionada e o meu jeito para desenho é nulo.

Esta semana fiz também uma pequena reunião com as 3 formandas com quem irei à Gâmbia – a Satú, a Pónu e a Fatu de Farosadjuma. Nunca tive de preparar uma visita de estudo sem ter qualquer informação do que vamos visitar. Só sei que iremos a um ecoturismo na Gâmbia e ainda não sei quando.

Ontem, pela 1ª vez, saí de Iemberém, o que me soube muito bem apesar do calor e da “canseira”. Fui a Catesse, onde tinha estado no dia em que cheguei, fazer uma pequena reunião com a Associação de Mulheres. Elas estão a construir com o apoio da AD uma casa para hóspedes. Esta casa não se destina a turistas mas a locais que passem em Catesse a caminho da Guiné-Conacri ou de outras terras da Guiné-Bissau pois a AD está também a apoiar a reconstrução do porto e a aquisição de um barco. 

Nesta primeira reunião com as mulheres de Catesse o objetivo foi alertá-las para pensarem na forma como vão gerir a casa de hóspedes e nos acabamentos, materiais e utensílios que vão colocar considerando as dificuldades de manutenção. As pessoas acham muito bonito pintar as paredes de branco ou azul mas elas só estão limpas nas primeiras 24 horas – adultos e crianças, sempre com as mãos sujas da terra vermelha, põem as mãos nas paredes e pronto! Em menos de um ai está tudo um nojo. Elas decidiram o que fazer com a certeza de que terão de lavar paredes, trabalho que nunca fizeram e ao qual os seus corpos não estão habituados. 

Catesse é uma tabanca muito bonita, razoavelmente limpa e com um povo muito hospitaleiro. Assim que tenham um quarto pronto e a casa de banho estou disposta a ir para lá uns dias trabalhar com as mulheres. Quando entramos em Catesse encontramos quase uma avenida com árvores de um lado e de outro, as moranças ao longo da “avenida” e não se vê a sujidade que há, por exemplo, aqui em Iemberém, designadamente com os malditos “oleados” (sacos de plástico). 

Conheci finalmente a menina que nasceu no dia em que cheguei e a quem puseram o meu nome. A pequena Anabela tem bochechas como eu e é a 1ª filha de uma jovem de 17 anos, chamada Fatu. Fiquei preocupada pois tinha muitos bicos no corpo alguns dos quais bem infetados. Recomendámos à mãe que fosse com a bebé ao enfermeiro mais próximo e dei-lhe uma ajuda financeira para isso. Alice, agora também tenho uma Anabelazinha na Guiné, exatamente dois anos mais nova do que a tua Alicinha, pois nasceu a 17 de Janeiro.

Depois de Catesse, onde comemos (eu, o Abubacar e o Antero, motorista da AD, todos da mesma tigela, cada um com a sua colher) um arroz com pó de lolo (umas folhas que secam e pilam e que depois põem na comida para dar gosto) e mafé (molho, acompanhamento) de peixe fumado e óleo de palma, fomos para Cabedu, uma tabanca grande com 8 bairros, também bem bonita e organizada. Lá tivemos uma reunião com uma já antiga associação de mulheres que a AD ajudou há 20 anos na construção de uma casa de hóspedes que tinha como objetivos terem uma divisão para guardarem arroz para a época das chuvas e fazerem dinheiro para comprarem arroz para a época da “fome”. 

Na época das chuvas o arroz da campanha anterior escasseia e como tal sobe muito de preço. Então as mulheres da associação compravam arroz quando estava mais barato e guardavam-no para distribuírem entre as associadas na época em que subia de preço. Não se preocuparam e talvez não o soubessem fazer em manter/conservar a casa, a qual está hoje muito degradada e a precisar de grandes obras. Pediram agora ajuda à AD para isso mas é preciso que entendam que têm de saber conservar aquilo que têm. 

Pedi-lhes então que me contassem a história da associação e da casa para que percebessem que não tinham tido o cuidado da conservação e que isso era fundamental pois a AD não pode constantemente repor o que as pessoas deixam estragar. Estava na reunião o Homem Grande de Cabedu que pediu que eu fosse dar formação e apoiar as mulheres da associação pois elas estão um pouco desorientadas. Uma dúvida, no entanto, me ficou – as mulheres que formaram a associação e que a fizeram viver durante 20 anos, são de uma determinada época histórica e estão hoje com idade para descansar. Segundo o que elas mesmo disseram as jovens não têm o mesmo espírito que elas tinham e não querem trabalhar. Quem será então que vai trabalhar, gerir, manter a casa de hóspedes se ela for renovada? O Homem Grande disse que as jovens terão de o fazer mas se as suas aspirações forem outras? 

Segundo me disse o Abubacar depois, no carro, os jovens por aqui, hoje, não querem fazer nada. Talvez por influência do que lhes chega de outros mundos, através da TV e não só, os jovens desejem vidas diferentes mas a verdade é que essas vidas não lhes estão assim tão acessíveis – basta dizer que a escolaridade é muito baixa e que a maioria nem português fala. Terei de ter estes aspectos em atenção e ver com os responsáveis da AD se vale a pena voltar a investir naquela casa.

Hoje, sendo Domingo, não vou à pesca. Vou com o Abubacar a uma outra tabanca para assistir a uma cerimónia de choro dos Balantas. Um professor Balanta (animista) faleceu há 3 meses e hoje a família fará uma cerimónia em sua memória em que matarão vacas e porcos (os Balantas comem porco mas como muitos dos presentes são muçulmanos matam vacas para lhes servirem) e dançarem em memória do falecido. 

A AD mandou uma viatura para aqui durante 5 dias para eu poder fazer outros trabalhos e ter outros contactos. Nos próximos 3 dias irei para Farosadjuma trabalhar com a Fatu (que também tem bungalows). Está a saber-me bem esta mudança pois aqui há agora que esperar para ver o que fazem as formandas sem eu andar em cima delas.

Havia muitos dias que não via o Neca. Há pouco o Abubacar chamou-me para me dizer que ele estava aqui nas árvores em frente da casa. Fui buscar uma laranja, cortei-a ao meio e chamei-o. Lá veio e pela 1ª vez veio buscar as metades da laranja à minha mão. Ainda não subiu os degraus da minha casa, eu é que tive de descer, mas já veio buscar a laranja à minha mão. Foi um bom avanço nas nossas relações. Os macacos são a minha perdição. Adoro passar tempo a observá-los e só tenho pena deles, à excepção do Neca, não se aproximarem.

São já 9 horas, aqui a hora não muda, e como vamos sair às 10 tenho de me ir despachar. Uma nota final – hoje adquiri a primeira ferramenta agrícola da minha vida! Uma pequena sachola, com a qual posso sachar o meu canteiro de flores e com a qual espero poder aprender a fazer uma horta. É muito bom não estar sempre ao computador e poder fazer outras coisas com o corpo (esta frase irá suscitar pensamentos maliciosos em muitos mentes mas foi escrita sem qualquer pensamento mais “pecaminoso”!).

[Termina aqui o diário de Iemberém. Por razões de segurança, e na sequência do golpe de  Estado de 12/13 de abril de 2012, a Anabela teve de seguir inesperadamente para Dacar,. por decisão da AD - Acção para o Desenvolvimento. Sobre essas peripécias, falaremos em próximo poste. LG].

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P11359: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (14): Como é difícil suportar o calor na época seca... e dormir a sesta


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11359: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (14): Como é difícil suportar o calor na época seca... e dormir a sesta

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XIV) (*)


[, Foto à esquerda; créditos fotográficos: JERO]

O Diário de Iemberém é da autoria da nossa grã-tabanqueira Anabela Pires, nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça) e Alice Carneiro (Alfragide/Amadora)...

Em 2012, esteve na Guiné-Bissau cerca de três meses (, de meados de janeiro a meados de abril). Mais exatamente, em Iemberém, Parque Nacional do Cantanhez, região de Tombali, onde esteve a trabalhar como voluntária no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento. Devido ao golpe de Estado de 12 de abril , acabou por sair da Guiné-Bissau, por razões de segurança, passando  um mês em Dacar, no Senegal. Regressou a Portugal, fez agricultura biológica e, neste momento, vive na Índia, em Auroville (onde pensa ficar até meados deste ano).

Chegou em Iemberém no dia 17/1/2012. E ficou hospedada nas instalações locais da AD, a ONGD que é dirigida pelo nosso amigo Pepito. Levou o seu portátil, mas não trem internet. E luz elétrica só há 4 horas por dia (LG).


17 de Março de 2012

Há uma semana que não escrevo! Faz hoje 2 meses que cheguei a Iemberém! O calor começa a incomodar! Mesmo aqui dentro de casa, se estou a fazer algum trabalho físico/manual o suor cai “em bica”! Estivemos 15 dias sem energia elétrica e 12 sem água nas torneiras, mas já passou! Chegou um gerador novo e já temos 4 horas de luz por dia e água nas torneiras (que só tenho na casa de banho). E …EUREKA … já tenho impressora a funcionar! E papel A4! Falta a Internet mas esta já tenho muito pouca esperança ...

Esta última semana foi um bocado complicada pois no Domingo, dia 11, foram-se embora as visitas e clientes que cá estavam e só tínhamos uma reserva de 4 pessoas para 3ª feira, dia 13. Pois nesse dia, além dos “reservados”, apareceram 3 dinamarqueses e 1 sueco com 3 acompanhantes guineenses, 2 espanhóis e 1 acompanhante guineense, e no dia 14 mais 3 franceses. A Satú teve de ir a Bafatá, ao funeral de um tio, e eu tive de ajudar no restaurante.

Para compensar a “canseira”, comecei na 2ª feira as aulas de português para as pessoas que aqui trabalham e que querem aprender. Comecei com 6 mulheres, das quais 2 são analfabetas, muito embora já tenham frequentado cursos de alfabetização, e 1 homem. Tirando a Mariama e a Duturna todos os outros têm alguns anos de escolaridade. O Canha fez a 7ª classe mas como quase nunca falava português e a escolaridade é de muito baixa qualidade está a reaprender. A heterogeneidade do grupo torna a formação um pouco mais difícil mas eles próprios acharam que eu devia fazer uma só turma.

Agora tenho também o Gassimo, o menino meu amigo que vai fazer 15 anos e que é filho da Mariama e talvez venha também a Mimi que é a mulher do Abdulai, técnico da AD. O Gassimo está a preocupar-me. Eu já tinha percebido que ele tem um coração de ouro mas não é muito inteligente. Ainda só anda na 2ª classe e só este ano foi para a escola de um dos padres brasileiros. De vez em quando batalho com ele na tabuada. Está agora a aprender a dos 4. Como ele, apesar de lidar comigo quase todos os dias, continua a perceber-me muito mal e quase não diz nada em português, sugeri-lhe que viesse às aulas. E agora estou preocupada pois não sei se o menino não terá dislexia. Queria ter Internet para pesquisar os sintomas desta perturbação mas não tenho. E aqui não tenho ninguém a quem recorrer. Vou tentar falar com a Tumbulu, a nossa enfermeira, mas não sei se ela saberá alguma coisa do assunto.

[Foto, à direita: Meninos de Iemberém, 6 de dezembro de 2009. © João Graça (2009. Todos os direitos reservados (Edição: L.G.]

Ontem falei disto com o Abubacar e ele contou-me que o Gassimo pertence a uma família que tem já vários
casos de “loucura” que começaram com a sua avó paterna. Tem 2 tias que andam por aí a falar sozinhas e o pai parece que às vezes também já o faz. Para a maioria das pessoas daqui isto é uma “praga” da família e parece que começa a haver alguma relutância dos homens em se casarem com mulheres da família, que, diga-se, são lindas. Ora, isto deve ser um problema neurológico, transmissível, mas aqui não há como sabê-lo e menos ainda como tratá-lo ou preveni-lo. 

Vou continuar a tomar atenção ao Gassimo e quando tiver oportunidade tentarei contatar a Dra. Sónia (a médica alemã que cá esteve). Ela e o marido “apadrinharam” o sobrinho do Gassimo e,  como têm a ONG chamada “Tabanka”,  na Alemanha, através da qual financiam aqui muitos projetos, e até fala crioulo, será a pessoa certa para ver o que se passa com esta família. Nas aulas vi que o Gassimo é canhoto mas o que me preocupa é o facto de, quando lhe peço para escrever alguma coisa no quadro, ter a sensação de que ele troca letras. Vou continuar a observar e a trabalhar com ele individualmente para tentar perceber se o menino terá alguma dificuldade especial. 

As aulas têm sido divertidas mas as pessoas faltam muito e assim não sei o que vão conseguir aprender. Estou a seguir o método de alfabetização através de um manual que os professores portugueses que aqui vieram logo quando cheguei fizeram o favor de me oferecer.

As minhas rotinas começaram a ser alteradas. O Pepito recomendou-me que deixasse agora o pessoal dos alojamentos à vontade para ver o que fazem sozinhas. Assim, depois da aula de português que é às 8.30 da manhã,  venho para casa e começo a fazer com mais intensidade outros trabalhos no computador ou falo com a Maria Pónu sobre questões ainda pendentes nos alojamentos. Tenho muitos documentos para trabalhar no computador e agora que já tenho impressora – das 19 às 23 horas – será muitíssimo melhor.

Almoço a hora variável, normalmente entre as 13 e as 14 horas,  e a seguir ou tenho um trabalho em que me mexa ou tenho de dormir a sesta. Trabalhar no computador depois do almoço e com este calor não dá! Adormeço à mesa de trabalho. 

O Pepito está sempre a recomendar-me que durma a sesta mas isto é um problema para mim pois levo uma meia hora a adormecer e depois tenho de dormir 2 horas e mais meia para me pôr de novo capaz de fazer alguma coisa, são 3 horas que me fazem falta! Esta semana não dormi dia nenhum depois do almoço pois arranjei sempre alguma coisa para fazer que não fosse estar à secretária.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11336: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (13): Um batizado muçulmano

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11336: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (13): Um batizado muçulmano

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XIII) (*)


 [, Foto à esquerda: a Anabela em Catesse, janeiro de 2012, crédito fotográfico: Pepito]


10 de Março de 2012

Ontem foi o batizado do Arnold Abdulai Djaló, o bebé que vi nascer. A Dra. Sónia, a médica alemã que tinha ido observar a Mariatu, telefonou durante a viagem para Bissau a saber como estava a decorrer o parto e foi-lhe dito que já tinha nascido um menino. Ela pediu para lhe darem o nome do seu marido. E assim foi. O menino chama-se Arnold (nome do marido da médica) Abdulai (nome de um irmão da Mariatu já falecido) Djaló (apelido da família do pai). Desta vez não perdi pitada e fotografei todo o batizado. Só me retirei quando degolaram a cabra, o que foi muito rápido.

A determinada altura, o sr. João Manuel (nome português de um habitante local que fez tropa no exército português) apresentou-me no terreiro dos homens e resolveram dar-me um nome guineense: Adama Queta. Bom, foi quase um segundo batismo mas não me raparam o cabelo, nem me lavaram a cabeça com a água onde mergulham folhas de mangueira, de figueira e cola.


[ Foto à direita: um batizado muçulmano, Iemberém, 6 de desembro de 2009. Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]


Ontem chegou também o Pepito com o Claúdio, o Professor Turco e o Marco, italianos ligados ao Projeto EcoCantanhez. À tarde houve uma reunião com os guias turísticos e não percebi bem se também estavam os guardas do Parque. A reunião decorreu em crioulo e só consegui entender o sentido global do tema em debate. Hoje haverá nova reunião com os guias na qual irei participar. 

Temos cá, como turistas, um casal formado por uma guineense bastante clara e um italiano que vive em Bissau há 3 anos (namorados – penso que ele é representante da UE) e um casal americano que chegou de surpresa e veio de bicicleta desde Buba, uma terra que fica aqui a uns quantos quilómetros.

Por causa de todas estas pessoas, na 5ª feira estive grande parte do dia com a Satu na cozinha e fizemos bananas fritas, crepes de laranja (pela primeira vez; a Satu gostou muito e os clientes também) e tarte de limão. Como sempre acontece nas formações, de tudo o que vou ensinando à Satu sei que no futuro só fará três ou quatro receitas. Tenho sempre pena de que assim seja pois para mim a diversidade é importante. Para já sei que fará o Bolo de Laranja, a Tarte de Coco e Bananada Odile, talvez as Laranjas da Guiné à moda da Rosinda e … vamos ver se os Crepes de Laranja e a Tarte de Limão. Quem sabe a Salada de Repolho e Cenoura, a Sopa Juliana …. Só o tempo o dirá!

Agora vou começar a preparar a viagem que farei com 3 formandas à Gâmbia, a um projeto de ecoturismo. Bom, o mais difícil é preparar uma visita de estudo sem fazer a mínima ideia do que vamos ver e encontrar. Ainda não consegui que me dessem qualquer informação e não posso pesquisar pois não tenho Internet. O meu trabalho tem sido feito sem impressora (o Pepito já trouxe uma mas agora não temos eletricidade), sem viatura, sem Internet e agora sem eletricidade com menos possibilidades de carregar a bateria do computador.

Com um caderno B5 e outro material de escritório que trouxe de Portugal vou fazendo o que posso. A maioria das vezes faço as coisas no computador, para ficar com uma cópia, e depois passo à mão para as folhas do caderno (que está a acabar mas aqui há cadernos à venda!). E como a Judith [, francesa,] vai estar fora o fim-de-semana, o que me impedirá de carregar a bateria do computador no seu painel solar, o melhor é ficar-me por aqui pois já só tenho carga para mais 3 horas até à próxima 3ª feira!

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11301: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (12): As mulheres, as mães...também aqui elas são, na maioria das vezes, o garante do sustento da família

sábado, 23 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11301: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (12): As mulheres, as mães...também aqui elas são, na maioria das vezes, o garante do sustento da família



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 10 de dezembro de 2009 > Mulheres...

Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XII) (*) [, Foto à direita, em Catesse, janeiro de 2012, crédito fotográfico: Pepito]

8 de Março de 2012

Hoje é o dia Internacional da Mulher que também aqui é comemorado. Parece que esta tarde haverá um jogo de futebol entre solteiras e casadas e as casadas querem que eu também vá jogar à bola! Aleguei que sou divorciada e que como tal não posso jogar mas elas não estão convencidas! Se calhar vou mesmo ter de dar uns pontapés na bola! Veremos.

As mulheres, as mães ….. também aqui elas são na maioria das vezes o garante do sustento da família. A Alice tinha-me dito que aqui elas é que trabalhavam e que os homens não faziam nada. Antes de vir perguntei ao Pepito e ele disse-me que os homens trabalham no duro na época das chuvas, altura em que fazem a cultura do arroz e que por isso teria dificuldade em dizer quem trabalha mais. Bem, a minha amostra é muito reduzida mas a Duturna, efetiva da AD, sustenta com o seu salário umas 9 pessoas, pelo menos. Claro que a neta e as sobrinhas netas vêm ajudá-la com muita frequência no trabalho. O marido, o sr. Manuel, que é mais novo do que eu, já não cultiva arroz porque os filhos foram para Bissau. Disse-me que talvez este ano cultive um pouco. 

A Mariama, que é contratada da AD durante a época seca, sustenta umas 12 pessoas. O marido é agricultor mas como os filhos não o ajudam cultiva pouco. Os dois filhos já homens fazem uns biscatos e vão ganhando uns trocos para eles. A Elisa, sobrinha da Mariama, que vive com eles, é negociante mas o que ganha é para si. É a Mariama que tem de pôr todos os dias o arroz e o peixe para as refeições, é a Mariama que tem de fazer o batizado do neto que nasceu. O seu filho mais novo, o Gassimo, que é um menino de bom coração que vai fazer 15 anos mas é miudinho, ajuda a mãe e anda quase sempre atrás dela. Costumo até brincar com ele dizendo-lhe que me parece um cabrito. Os cabritos balem “Mé, Mé” e o Gassimo “Né, né” (mãe em fula). A Pónu, contratada da AD durante a época seca, é viúva, tem 3 filhas e um filho, estão 2 em Bissau com a mãe dela, e ainda a enteada. Além de trabalhar aqui tem um pequeno negócio na tabanca. 

A Fatumata, que tem aqui um trabalho temporário, só 2 vezes por semana, é separada – deixou o marido na Guiné-Conacri por ele ter 4 mulheres. Diz que quer ser mulher única de um homem. Tem umas quantas filhas. Não sei o que faz mais para sustentar a família. Como diz o Abubacar, aqui, em média, uma pessoa trabalha para sustentar 10! E a maioria pensa se amanhã tem arroz para a família comer. Se tem, o depois de amanhã logo se vê. 

Enfim, apesar de mesmo estas mulheres se mostrarem cansadas rapidamente no trabalho do dia-a-dia, não sei se por estarem mal alimentadas, se por estarem efetivamente cansadas ou se porque o trabalho é um mal necessário, a verdade é que ainda assim são elas que se preocupam com a alimentação diária das grandes famílias e é por elas que uma filha chama na hora do parto. Por tudo isso, bem hajam as mulheres de todo o mundo.

Ainda nada escrevi sobre as minhas rotinas diárias, que são um pouco variáveis. Nunca me levanto depois das 7 horas e são muitos os dias em que me levanto às 6 ou antes. É quando acordo. Se me levanto antes das 7 e tenho bateria no computador venho escrever estas linhas. É bom levantar-me cedo pois são quase só as horas em que consigo estar sozinha e ter tempo até para pensar. Tomo o meu 1º pequeno-almoço, fruta e café, às vezes vou aqui ao lado comprar pão ao Mumini, às vezes faço algum pequeno trabalho doméstico, lavo-me, visto-me, faço a cama, como pão com queijo ou manteiga e bebo mais café e às 9 horas gosto de estar na rua e de ir ter com as mulheres e com o suposto jardineiro para ver quais os trabalhos do dia. 

Levo logo o bidão para pôr água a aquecer ao sol e a minha lanterna solar para carregar e às vezes o carregador solar de pilhas que as minhas colegas me ofereceram. As manhãs têm sido até agora quase sempre passadas nos alojamentos que foram sujeitos a grandes limpezas. Agora, que entrámos na fase de manutenção do que foi limpo, ando a ver como convencer o Sambajuma, guarda de dia e suposto jardineiro, a tratar melhor dos canteiros. Anteontem andei com ele a limpar 2 canteiros.

Se o Pepito visse ia zangar-se comigo pois diz-me que às tantas eles dizem “ela que faça”! Penso que o Pepito tem toda a razão mas se eu conseguisse dar a volta ao Sambajuma pela afetividade seria bom para nós e para ele. É “torrão”,  o Sambajuma! Era pescador de rede mas por causa dos copos perdeu tudo. Tem uns 60 e tal anos o que para aqui é muito e parece de facto um velho mas eu sei que ele ainda tem força pois quando vamos à pesca bem o vejo remar e nesses dias não se cansa. Andamos todo o dia na piroga e ele, como eu, não se cansa de estar à pesca mesmo quando não apanhamos nada! Vamos e voltamos a pé com as tralhas e se eu não estou pronta às 9 horas ele fica na maior inquietação. Ser guarda é fácil pois está sentado à sombra da mangueira todo o dia mas jardineiro … ih … dá “canseira”! O canteiro que ele limpou ontem não está devidamente limpo e eu disse-lhe mas … ainda não vi resultados! 

Falamos em francês porque ele cresceu no Senegal e comigo é muito educado e gentil. Ele vê mal, tenho a prova disso quando vamos à pesca, está muito desdentado mas tem uma mulher jovem e bonita e uma filha com uns 7 anos. Tem outras filhas adultas, de outros casamentos, mas as outras mulheres morreram. Mas o safado não se preocupa em alimentar a família! Há dias apareceu uma menina ao pé de nós a falar com ele. Disse-me que era a filha a pedir dinheiro para ir comprar arroz. Ele disse-lhe que não tinha e como a pequena não arredasse pé correu com ela e disse que fosse pedir à mãe dela! 

O Abubacar disse-me que já o mandou embora do trabalho 2 ou 3 vezes mas …. não tem coragem de tirar a este velho os únicos tostões que ele aqui ganha. Outro dia, na reunião que fizemos com todo o pessoal, à segunda vez que o Abubacar o chamou à atenção para aquilo que deve fazer melhor, ele não esteve com meias medidas – abandonou a reunião, e foi-se embora a dizer para o Abubacar “Tu ne me amais pas, tu ne me amais pas”! Mas nos dias em que o Pepito cá esteve não ficou sentado debaixo da mangueira. Ficou na Casa Redonda conforme o Abubacar lhe tinha dito que devia fazer. 

Quando o Pepito cá está cumprem horários e fazem de conta que andam direitinhos. O Pepito vai-se embora e volta tudo ao que é costume. Ele devia aparecer aqui de surpresa! Bem, o melhor trabalhador é o Lama que é guarda noturno e faz também alguns trabalhos de jardinagem, de limpeza de árvores, etc.. É muito, muito gentil, humilde, tudo o que se lhe diz acata e faz bem feito. A Mariama também é boa trabalhadora. Ao princípio dizia-me, quando queria que ela limpasse, por exemplo, pingos de tinta, “não sai”! E eu respondia “sai, sai, Mariama!” E lá ia eu com um esfregão de arame molhado mostrar-lhe que saía. Agora já limpa razoavelmente bem embora às vezes ainda se esqueça de limpar algumas coisas. É boa mulher, a Mariama! Escolhi-a para vir aqui a casa fazer a limpeza semanal, ao acaso, e tive sorte.

Estava a escrever sobre as minhas rotinas e acabei a escrever sobre as pessoas com quem trabalho. Voltarei à minha intenção inicial na próxima vez que aqui me sentar. São horas de me pôr a mexer!

(Continua)

Observ. de LG: Abubacar Serra, eng agr, é o o director do PIC (Programa Integrado de Cubucaré). Desenvolve actividades na área da promoção da fruticultura e horticultura, aproveitamento agrícola dos pequenos vales interiores, gestão comunitária dos recursos florestais e formação de viveiristas. Também faz consultorias no âmbito da fauna selvagem.  (Fonte: AD -Acção para o Desenvolvimento < Equipa)

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças

domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XI) (*) [, Foto à esquerda, em Catesse, janeiro de 2012,  crédito fotográfico: Pepito]

5 de Março de 2012

O gerador avariou-se de todo no dia 1! O depósito da água, ontem, ficou vazio. Agora é mesmo estar em África! Mais uma vez tem sido a lanterna solar e a lanterna de cabeça que o Paulo me deu para a pesca que me têm valido. A Judith, uma jovem francesa da idade da minha Mariana que está em Madina (tabanca que fica a 3 km) a estudar questões genéticas dos chimpanzés, fez-me o favor de levar o computador para o carregar no painel solar. Comprei 2 litros de gasolina para a Satu pôr o pequeno gerador que tem no restaurante a trabalhar e carregar o meu telemóvel. 

A água é o mais complicado pois o poço da tabanca fica longe daqui mas os meus vizinhos já ontem providenciaram para que não me falte água em casa. Aqui, mesmo quando há água na torneira, tenho bem a noção da sua preciosidade e por isso quase toda a água é reaproveitada. É difícil tomar banho de água completamente fria e por isso todas as manhãs ponho um bidão com 10 l de água ao sol. É o termómetro, quanto mais quente está a água à noite mais quente esteve o dia. Depois ponho a água numa grande bacia e tomo banho de púcaro. A água restante vai para o balde da esfregona ou serve para pôr roupa de molho ou para regar as plantas dos meus canteiros. Só quando a água tem muito detergente é que é atirada para o terreiro. Só não costumo deitar água suja de lavar a loiça na sanita para não a engordurar mas agora tenho de repensar esta questão.

Tudo aqui tem um valor bem diferente do que tem na Europa. Há dias, um turista italiano, antes de se ir embora, ofereceu-me uns quantos sacos de plástico forte, daqueles pretos que usamos em Portugal para o lixo, mas fortes. A alegria que senti! Parecia que tinha recebido uma grande prenda! Uma garrafa de água de plástico vazia tem aqui um enorme valor, as pessoas fazem de tudo para ficarem com elas pois servem-lhes para imensas coisas. A minha saboneteira é uma caixa vazia de queijo Filadélfia que comprei em Bissau quando vim. Guardo latas (já tenho uma de leite Nido em cima da secretária com elásticos e pioneses, todas as semanas gasto duas de refrigerantes que são os cinzeiros da casa de banho e da varanda), garrafas de cerveja vazias (tenho 4 para o que der e vier), sacos de plástico que não estejam rotos (a maioria dos que há aqui rompem-se logo porque são muito rascas) são lavados e reutilizados, caixas da manteiga vazias são lavadas e guardadas (servem para dar de comer aos gatos, para levar para a pesca para pôr o isco, para o que fizer falta), o frasco do creme de dia foi bem lavado e agora está com canela. 

Diferentemente do que as pessoas fazem aqui, eu separo o lixo – queimo os papéis e cartões que não reutilizo, as beatas, garrafas, latas e plástico sem utilidade vão diretamente para o poço seco e o lixo orgânico vai para os gatos, para as cabras ou é atirado para o mato. Quero aprender a fazer composto mas sem Internet tudo é mais difícil. Creio que já convenci o Abubacar a fazermos uma pequena horta aqui ao pé de casa. O Abubacar é engenheiro agrícola, especialista em horticultura e fruticultura e é fruticultor mas ….. como não estão habituados a comer legumes não fazem horta pois a rega dá muito trabalho. Mas assim que voltarmos a ter gerador, e consequentemente água, vamos fazer os viveiros. 

Também não sei por que razão é tão difícil comprar aqui papaias. Ontem um senhor em Camucote disse-me que a papaieira não se dá muito bem nesta região. Aqui há muitos citrinos – laranjas, mandarinas, diversas variedades de limões. Se não posso comparar os citrinos com os do Algarve considero, no entanto, um privilégio tê-los com fartura. 

Tudo aqui me sabe muito bem. Aquilo que mais facilmente conservo em casa (sem frigorífico) para o pequeno-almoço é queijo de bola que mando vir de Bissau. Ah, como me sabe bem o queijo de bola! Há dias dei à Judith, a francesa que vive em Madina em condições muitíssimo piores que as minhas, um pedaço de pão com queijo! Que alegria lhe proporcionei! 

Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças. Como não têm brinquedos ocupam-se a maioria do tempo a fazer algum trabalho. No sábado acordei com espírito de agricultora, mas como não podíamos ir fazer os viveiros porque não tínhamos água, resolvi limpar os canteiros de flores da minha casa e da dos meus vizinhos. Já tinham demasiadas folhas secas e os do meu vizinho outras sujidades. Passados uns minutos tinha ao pé de mim o Mamadu e o Alaje! Eu não queria que eles saltassem para dentro dos canteiros pois pisam as plantas mas tive que os pôr a fazer alguma coisa para os dominar. Assim, eu ia tirando as folhas e eles iam levá-las ao monte onde são colocadas para depois serem queimadas. Primeiro iam levá-las na bacia velha ou no balde mas depois foram buscar a carreta. E tive que pôr ordem no assunto para irem à vez com a carreta. Levar as folhas na carreta é para eles um divertimento. 

E assim passei a manhã de sábado a limpar os canteiros com os dois garotos. No fim estava imunda de suor, de terra e fui tomar um duche de água fria do chuveiro. À tarde a Mariama veio com o Gassimo limpar a minha casa e mudei o meu quarto para o detrás pois é muito mais fresco. Dormia no Tarrafe (nome de uma das minhas divisões que quer dizer mangal) e agora durmo no Tagara (nome de uma árvore). É que o calor está a começar e dou comigo a suar em bica! E isto ainda não é nada pois em Abril e Maio é que o calor é mesmo a sério. Vamos ver como me adaptarei.

A limpeza da casa, esta semana, era para ter sido feita na 6ª feira mas a nora da Mariama, a Mariatu, começou com dores de parto e a Mariama teve de ir para casa. O Arnold e a Sónia, um casal alemão que viveu aqui na Guiné nos anos 80 e que até cá tiverem um filho, estiveram cá com o Pepito assim como uma sua amiga guineense, a Luana, que vive em França há muitos anos e tinham-se ido embora depois do almoço. Assim, fiquei pelo restaurante com a Satu até que ela resolveu que iríamos ver como o parto estava a decorrer. 

Na casa da Mariama, num quarto exíguo de espaço livre, porque quase todo ocupado com uma cama de casal, encontrei deitada no chão, em cima de uma manpufa (esteira mais grossa e macia onde as pessoas se deitam), a Mariatu, completamente nua. Por detrás dela estava a Fatumata sentada e que servia para a Mariatu passar os braços por detrás dela e fazer força. À frente da Mariatu estava a matrona (parteira) a controlar o andamento do parto e a Mariama e a Duturna a massajarem as pernas da parturiente. Depois a Mariama passou também para trás da Fatumata para ser mais uma a ajudar a rapariga a fazer força. A Mariatu chorava e queria gritar mas as fulas não querem que as parturientes chorem nem gritem. A rapariga já tinha chorado no primeiro parto, o que segundo as fulas é muito mau, pois se chora no primeiro vai chorar sempre. 

A Dra. Sónia, a alemã, que é médica materno-infantil e fala crioulo, ainda foi ver a parturiente mas o parto estava demorado e eles tinham de partir para Bissau. A Mariatu chorava, baixinho, chamava pela mãe em fula (né, né), mas a mãe já faleceu. A matrona dizia que estava quase a nascer. A Satu, que está habituada a ajudar aos partos, estava numa inquietação por ouvir a jovem chorar e quando ela quis gritar a Satu quis tapar-lhe a boca com um pano. Resolvi então agarrar na Satu e vir a casa buscar cigarros. Demoramos a vir e ir uns 15 minutos e quando lá chegámos o “bichinho” já tinha nascido! Para alegria da avó nasceu um rapaz. O casal já tinha uma menina. No chão, em cima da esteira e de um pano, estava o bebé, a placenta, e um jorro de sangue no chão. 

Meu Deus, entre esta cena ou a do nascimento de um bezerro a diferença não deve ser muito grande. A matrona, que, diga-se, tinha uma luva na mão direita, cortou o cordão umbilical e de seguida lavou o bebé em água fria. Tirei então uma foto ao bebé nas mãos da matrona. A Mariatu quis fazer xixi, chegaram-lhe um penico, começou a tremer de frio, voltou a deitar-se no chão e cobriram-na. Mas não havia pressa em tratar da mãe. Peguei um bocadinho no bebé, fiz uma carícia à Mariatu, dei-lhe os parabéns, agradeci a todas as mulheres em fula (Jarama, jarama) e vim-me embora pois achei que a Mariatu precisava de ser cuidada e de sossego. 

Tive pena de não ter assistido mesmo ao nascimento pois nunca vi nenhum mas certamente terei outras oportunidades. Felizmente tudo correu bem e a moça esteve pouco mais de cinco horas em trabalho de parto. Mãe e filho estão bem. Penso que não suportaria assistir a uma cena destas que acabasse mal, como acabam muitas aqui. E ao ver tudo isto pensava-nos no hospital, rodeadas de cuidados, e tão cheias de medo. E a Mariatu deitada numa manpufa no chão.

[ Fotos, acima, Iemberém, dezembro de 2009: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11217: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (10): Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias

sábado, 9 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11217: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (10): Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte X) (*) [, Foto à direita; créditos fotográficos: JERO]


24 de Fevereiro de 2012

Nos últimos dois dias tivemos cá dois grupos de turistas.

Um dos grupos, de 11 pessoas, veio via Mali. Era constituído por 5 homens (americanos e ingleses) e 6 casais, dos quais 2 italianos. Vinham acompanhados de um guia do Mali e de outro guineense e já vinham do arquipélago dos Bijagós.

O outro grupo era um casal francês com 3 filhos, o mais pequeno dos quais tinha 5 anos. Vinham também acompanhados de um guia francês que trabalha para uma operadora no arquipélago. Fiquei a pensar que o meu João já cá pode vir, afinal os perigos não são assim tantos.

Pela primeira vez foi servida uma sopa no restaurante da Satu e adoraram a tarte de coco e banana, o bolo de laranja, as laranjas da Rosinda, os doces de limão e laranja, além do mel daqui e dos pratos tradicionais da Satu.

 Um dos pratos favoritos é a galinha ou cabrito à cafreal que é bem diferente do cafreal de Moçambique. Aqui, depois de grelhar a carne, é feito o tal molho onde a carne é metida. O molho tem 3 vantagens: torna a carne mais macia – mesmo as galinhas aparentemente pequenas têm a carne muito dura, permite manter a comida mais tempo quente e é o tempero do arroz que é só cozido em água e sal. 

Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias mas, na verdade, sabe muito bem. Não sei explicar como e nem porquê mas que sabe bem, isso sabe. Como dizem aqui as pessoas “muito sabe”. Outra expressão muito curiosa que usam quando uma comida é boa é dizer que pica. Um dia dei um bolo a provar à Pónu e ela começou a dizer-me “pica, pica”. Eu fiquei espantada e disse-lhe “mas eu não pus malagueta no bolo”. Então lá percebi que a expressão não tem nada a ver com picante mas que só quer dizer que é bom.

[Foto à esquerda: Anabela Pires, Catesse, janeiro de 2012. Foto de Pepito]


29 de Fevereiro de 2012

Hoje o Pepito vem cá. Foi bom de ver a Duturna cheia de pica ontem a fazer as limpezas! Ainda não consegui perceber bem o que muitas destas pessoas sentem pelo Pepito mas é um misto de respeito, de admiração, de medo? Mas de um medo bom, de um medo, creio, de o aborrecer, de o desiludir.

Ainda não terminámos as grandes limpezas, talvez seja hoje! Tem sido difícil convencer as mulheres a limpar paredes e a esfregar as junções dos ladrilhos. A sensação que tenho neste momento é que sempre que virei costas aldrabaram o trabalho, mas no final de Março faremos outra vez limpezas gerais e vou ter de estar sempre presente.

No Domingo voltei a ir à pesca mas só o Sambajuma apanhou uma raia. Mas foi um dia e tanto. Mudámos 3 vezes de piroga, fomos até ao “mar grande”, sempre em contra corrente e a partir de determinada altura só com um remo. Bem, uma maluquice do timoneiro! Passámos mais tempo a andar de piroga do que à pesca e o Sambajuma e o Alfa (irmão do Gassimo com 24 anos) “apanharam uma canseira” daquelas! Logo na mudança da 1ª piroga, quando olhei, estava tudo cheio de água, bem salgada, por sinal. Conclusão, entrou água para dentro da caixa onde ia o molho de galinha, para dentro do saco onde levava bolo que tinha feito de manhã …. Só comi meio “cuduro” com ovo mexido mas eles comeram tudo o resto. 

Já fizemos parte do caminho de noite, cansadíssimos e sem peixe! Como é costume, eu é que preparo e pago tudo, desde a comida, ao material de pesca, ao isco, e no fim ainda dou uma gorjeta a cada um. Ainda assim é muito mais barato ir à pesca aqui do que em Portugal. Compro isco para todos por menos de 50 cêntimos, as gorjetas são de 1,5€ por homem e não gastamos gasolina. Tenho de mandar vir material de pesca pois assim o que trouxe não me vai chegar para os 6 meses. Apesar de ter sido um dia louco foi muito saboroso pois a paisagem é muito bonita e repousante.

A bateria do PC está a finar-se e tenho mesmo de ficar por aqui. Ontem à noite o gerador só pegou às 21.30 e foi um bocado doloroso não ter luz logo às 19 horas. Coisas que acontecem!

[Foto acima: pescadores do Rio Geba, região de Bafatá, dezembro de 2009. Foto de João Graça]
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11189: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (9): O batizado muçulmano da Aminata, a filha do padeiro

segunda-feira, 4 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11189: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (9): O batizado muçulmano da Aminata, a filha do padeiro

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte IX) (*) 

[,  Foto à direita; créditos fotográficos: JERO]


20 de Fevereiro de 2012

Ainda não são 9 horas e vai uma grande azáfama no terreiro das mulheres. Eu não tinha percebido bem o que se ia passar. A Satu tinha-me dito que iam cortar o cabelo à Aminata, a menina que nasceu há dias e que é filha do meu vizinho padeiro e que, por sinal, nasceu com uma enorme cabeleira, e fazer uma festa. Afinal trata-se do batizado da menina.

Em frente à casa do Abubacar e da Satu está tudo a postos para a cerimónia à qual também vou assistir. Já fui ao terreiro das mulheres tirar umas fotos, ao panelão de arroz e ao tacho onde estão a cozinhar peixe. Ontem à tarde, quando cheguei da pesca, as mulheres estavam a encher saquinhos de plástico com sumo. Bom, hoje verei como é que organizam uma festa de uma família pobre. Claro que a mentora de toda esta azáfama é a Satu pois a mãe da criança, a Cadi [, a esposa do padeiro}, parece-me ser pessoa de nenhuma iniciativa. Mesmo quando ardeu o telheiro do marido ela não mostrou qualquer inquietação e estava aqui na casa da Satu.

O terreiro da frente já está cheio de homens que vêm assistir à cerimónia, o detrás cheio de mulheres.

Ontem voltei à pesca. Hoje dói-me, literalmente, tudo. Fui e vim a pé, com os habituais companheiros. A piroga de ontem tinha banco para me sentar mas saímos daqui às 9 horas e chegámos às 19. Ainda por cima estou adoentada, constipada e com tosse. Por regra dentro das pirogas há sempre uma enorme rede de pesca que só empata! Bem, fiquei com uma dor nos joelhos, por não poder esticar bem as pernas. Entra água na piroga e fica tudo molhado, tudo imundo. Tinha levado sanduíches dentro de uma caixa e outras num saco plástico. Quando fui tirar as do saco de plástico, aqui chamado oleado, estavam ensopadas em água salgada. 

Apanhei uma raia (estou a pensar fazer raia alhada para o jantar), 2 garoupas (aqui chamadas bedandas do mar de fora) e um barbo (o tal parecido com a faneca). O Sambajuma apanhou um charroco, um peixe maior de que não sei o nome e um tipo esquiló (ruivo cinzento) mas que não é esquiló. Isto está a melhorar. Desgosto foi ter perdido um peixe grande que conseguiu partir o fio quando já o estava a tirar da água. Não o cheguei a ver mas que era grande isso era. Para a próxima levo os empates com estralhos de aço pois ontem fiquei várias vezes sem anzol. E vou levar o carreto mais forte. 

O Sambajuma quer levar-me ao “mar grande” mas para isso não pudemos levar o Gassimo pois ele tem medo. Ontem, cada vez que me mexia na piroga o Gassimo refilava pois tem um medo enorme mesmo estando sentado no fundo da piroga. E eu até tenho algum receio de o levar pois já percebi que ele não sabe nadar bem e não temos quaisquer meios de salvação. Quem fica sempre na maior tristeza por não ir é o Alaje. Tenho muita pena de não o levar mas ele tem cinco anos e é responsabilidade a mais. É um menino muito inteligente, com um sorriso lindo. Adoro este menino que a toda a hora se aleija! Ando sempre a fazer-lhe curativos nos pés. Até me parece que ele já se aleija de propósito para eu lhe fazer os curativos. Gosta muito de cantar e aprende rapidamente as canções, que não sei, mas tento ensinar-lhe. Aí minha irmã, cá te espero com a viola para ensinares cantigas ao Alaje.

Por falar em meninos, quero dizer aos meninos de Portugal que, num mês, os únicos brinquedos que vi foram: um peluche às costas de uma menina, fisgas feitas de paus e borracha de câmara-de-ar e um aro de uma bicicleta tocado por um pau. A diferença entre os brinquedos que os meus meninos de Portugal têm e os brinquedos que os meninos da Guiné não têm é abismal. Mas estes meninos são felizes, desde que a barriga esteja cheia e não estejam doentes. O que mais me custa é ver meninos todos ranhosos. Porque sujos já percebi que é impossível não estarem. Aqui os meninos da Satu, como todas as pessoas que aqui vivem, tomam banho diariamente. Meia hora depois do banho as crianças estão sujas da terra.

Vou agora parar para ir ver o que se passa lá fora.


22 de Fevereiro de 2012

Acabei por perder a parte principal do batizado. A Satu, com a confusão, esqueceu-se de me chamar. Espreitei pela janela e vi os homens, rapazes e meninos, já a lavarem as mãos para comerem. Saí e a Aminata já tinha sido batizada e já tinha o cabelo rapado. Na varanda do Abubacar estava o Imã e o seu séquito. Ao fundo das escadas estavam duas mulheres grandes, as mulheres mais velhas, a mãe da criança e a menina. Tinham-lhe rapado o cabelo e numa cabaça havia água, folhas, cola e não sei que mais. Disse-me a mulher grande que era para a menina ficar de cabeça limpa. É curioso como os rituais entre as religiões muçulmana e a católica têm tantas semelhanças.

Foi então servido o pequeno-almoço ao sexo masculino. Grandes tigelas de arroz com peixe e os homens reúnem-se agachados à volta de uma tigela em função, mais ou menos, da idade e comem com a mão (com uma delas, a considerada limpa, creio que é a direita, porque a outra é aquela com que se lavam e por isso é considerada suja). Também havia um grupo de meninos à volta de uma tigela. 

As mulheres, à excepção das três que trouxeram a menina, não saíram do terreiro detrás. Depois foram distribuídos saquinhos de bolachinhas (um pacote destas bolachas custa 50 FCFA, o que equivale a cerca de 8 cêntimos, mas de 1 pacote foram feitos 2 ou 3) e de sumo. Entretanto foi morto um cabrito e, penso que a cada chefe de família, foi oferecido um naco de carne para levarem para casa. Levaram a carne na mão, sem qualquer tipo de acondicionamento. Lembro-me muitas vezes da ASAE e dá-me vontade de rir! Levadas à letra todas as exigências da ASAE por aqui já estaríamos todos mortos! 

E assim terminou o batizado. Os terreiros ficaram pejados de saquinhos de plástico que o Abubacar teve o cuidado de imediatamente mandar retirar. Ainda ontem continuava a retirada de plásticos e de latas de refrigerantes. Como só tinha comido um pacotinho de bolachas do batizado, e talvez por ter dado um contributo para o mesmo, ofereceram-me um pacote de bolacha Maria e 2 refrigerantes. Os contributos não são obrigatórios mas quem pode e quer dá. Assim, no final, havia um homem a contar o dinheiro recebido dos convidados. E assim foi a festa do batizado da Aminata que é de uma família com poucas posses.

Vi na festa, pela primeira vez, uma mulher de burca preta. Já tenho visto algumas de véu mas de burca foi a primeira vez. Estas mulheres são sempre da Guiné Conacri. As mulheres muçulmanas da Guiné-Bissau não usam véu, nem burca. São, aliás, muito “liberais” pois com frequência as vejo de blusas ou vestidos de alças.

[ Fotos, acima, Iemberém, dezembro de 2009:  © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

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Nota do editor:

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11155: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (8): Casamento tradicional, família, religião, homens, mulheres, gestão de conflitos... e pesca desportiva!

1. Comentário da nossa Anabela Pires, com data de 20 de corrente, ao poste P11098:

Luís, acabei de receber o teu e-mail e estou em estado de choque. Nunca percebi de que mal padecia a Cadi mas depois de ir para o Senegal e para o hospital de Cumura nunca pensei que o desfecho fosse este. Não imaginas como lamento esta notícia. E cuidado com a menina que pouco depois da mãe adoecer também ela andava doentita. Nunca me esqueço delas até porque no dia em que a Alicinha fez 2 anos (dia da minha chegada a Cantanhez) também eu ganhei uma "afilhada" em Catesse que tem o meu nome. As nossas "afilhadas" têm exactamente 2 anos de diferença. E não esqueço a visita que recebi da Cádi, da sua mãe (lindíssima mulher também), da Alicinha e do Ansumané (irmão mais novo da Cadi). Para sempre ficarão também no meu coração. Um grande abraço para ti e para a Alice. Anabela Pires

[Foto acima, à esquerda: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]

2. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires  (Parte VIII) (*)

16 de Fevereiro de 2012

Há seis dias que nada escrevo. Não tenho tido tempo!

Voltando mais atrás …. Aqui há dias um homem jovem deu uma surra no antigo namorado, também jovem, da mulher. A mulher fora-lhe prometida pela família, de acordo com os costumes muçulmanos. No entanto, a rapariga foi durante muito tempo namorada do filho do ex-régulo, falecido há pouco tempo. Deste namorado teve uma menina e claramente é dele que ela gosta mas chegada a hora de casar, e apesar de já ter uma filha do namorado, teve de casar com o rapaz a quem os pais a haviam prometido, levando para o casamento a sua filhinha.

Alguém a ouviu telefonar à família do antigo namorado, a dizer que ele andava doente e que cuidassem de lhe comprar os remédios, e foram contar ao marido. Este não esteve com mais – foi ter com o outro e deu-lhe uma surra que o deixou desmaiado e a sangrar dos ouvidos, boca e nariz. O rapaz foi socorrido, levado para o hospital mais próximo, onde estava o chefe da polícia que tomou parte da ocorrência.

Aqui no complexo existe um espaço aberto mas coberto que supostamente é o local de convívio dos turistas, chamada a Casa Redonda.  No entanto, este espaço é utilizado para diversos fins, e muito bem. Nele se reuniram todos os chefes de família de Iemberém, com a presença do chefe de polícia, e lá estiveram toda a tarde para discutir o incidente entre os dois jovens homens.

O objetivo destas reuniões é tentar uma reconciliação entre as partes mas sempre tem de ser determinado o culpado. Nestas reuniões não participam as mulheres, que toda a tarde mostraram uma grande preocupação com o que seria o final da estória. Foi uma longa tarde, mas no final o marido foi determinado culpado e teve de pedir desculpa ao agredido. Este aceitou as desculpas e deu-lhe o seu perdão. Tudo acabou em bem para grande alívio da população.

 O Abubacar explicou-me que a determinação do culpado é fundamental para que o agredido possa perdoar do fundo do coração pois caso contrário vai perdoar de boca mas não vai esquecer. Pergunto-me a mim própria se ele de facto perdoou do coração. A verdade é que a estória, pelo menos para já, ficou resolvida. Apesar das minhas dúvidas, não deixei de admirar este sistema de justiça em que o principal objetivo é a reconciliação entre as partes, sem processos judiciais, daqueles que nunca mais chegam ao fim, sem cadeia, sem mais delongas.

Aqui na tabanca não há cadeia mas há um armazém onde, caso alguém faça um mal muito grande, se pode prender uma pessoa até ser transferida para a cadeia mais próxima. Nas tabancas a prisão parece que só acontece em casos muito extremos mas,  se houver queixas aos régulos,  eles podem determinar castigos corporais, chibatadas. E assim se processa a justiça por aqui. É evidente que a Guiné tem sistema judicial, tribunais, cadeias, advogados, etc.. mas nas tabancas é em reunião de chefes de família que tentam resolver os conflitos.

Esta questão do casamento obrigatório é cada vez mais controversa e origina conflitos frequentes. Quando vinha de Bissau para aqui o jipe parou numa tabanca e também por lá havia um grande banzé! Uma rapariga prometida andava a fugir para ir ter com o namorado da sua escolha à tabanca vizinha. A família dela foi à outra tabanca atirar pedras ao rapaz, depois veio a família dele ao lado de cá e a discussão era acesa!

As raparigas cada vez estão menos dispostas a casar com quem os pais escolhem mas muitos pais insistem ainda neste costume. E é curioso ver a posição de pessoas diversas relativamente a este assunto.

[Já tinha falado em tempos com um casal meu amigo, os dois guineenses, obre esta questão. Ele],que apesar de muçulmano é um homem instruído e que já andou pelo mundo, é absolutamente contra este costume [, dos casamentos tradicionais arranjados pelos pais]. [Ela], bastante religiosa, achava que estava bem assim porque a religião diz que é assim, mas encontrava-lhe com frequência contradições no discurso. Ela era já a 2ª mulher dele, e para sorte dela a 1ª morreu. Apesar de ser a 2ª, também foram os pais que a ofereceram ao [atual marido], ela nunca o tinha visto quando casou com ele. Passou um mau bocado com a 1ª mulher que até uma dentada lhe deu numa orelha. Hoje tenho a sensação de que ela o ama (será? Ou não quer simplesmente confusões na sua casa?) e não quer, de modo algum, que ele tenha outras mulheres, pelo menos na mesma casa. Porque fora de casa ele [terá tido] filhos, [segundo julgo saber] (...).

Mas outras mulheres não se importam nada que os maridos tenham outras mulheres (combossas) em casa e acham até que isso é uma necessidade. É o caso da X... de Farosadjuma [...]. O marido dela tem 4 mulheres e creio que 20 filhos vivos. Vivem todos na mesma morança mais uma das mulheres do seu filho e respectivas crianças. Que grande confusão!

Mas a X... diz que não há problema nenhum e que há sempre alegria. Diz que tem de ser assim pois têm “manga” de trabalho (aqui muito é “manga”, em Moçambique é “maningue”). O marido é agricultor [...] e com tanta gente em casa há que fazer dinheiro para a todos alimentar e há muito trabalho doméstico para fazer. A X... é a 1ª mulher e a oficial, porque oficialmente só podem ter uma mulher. Parece-me que ela é quem manda nas outras todas.

Perguntei-lhe com quem é que o marido dormia e pelos vistos dorme duas noites, em rotação, com cada uma. E não chegam os sete dias da semana para uma rotação completa! E o pobre, pelos vistos, nem tem direito a descanso! Perguntei-lhe se não ficava incomodada, aborrecida, quando o marido vai dormir com as outras. Disse-me que não, que têm “manga” de trabalho. Não percebi se o que me quis dizer é que trabalhava muito e estando cansada até gostava de não ter de dormir todos os dias com o marido ou se aceita este sistema com agrado porque acha impossível terem tão grande labuta sem que o marido tenha outras mulheres.

Bom, um destes dias terei de ir a Farosadjuma dar formação à Fatu e nessa altura espero conhecer as tais mulheres de que me falaram. A Fatu tem 3 bungalows e também recebe turistas mas parece-me que por lá há grandes limpezas a fazer e muito a ensinar. Mas tem muita pose,  esta Fatu. É já mulher com 50 anos mas uma bela e forte mulher. Veio estes dias para aqui para ir vendo como se processam as grandes limpezas e aprender alguma coisa na cozinha.

No dia em que chegou estivemos aqui em casa, com a Satu também, a fazer sopa de alface e ovos verdes. Bem, o que eu me ri com as duas a provarem a sopa de alface! Até lhes tirei umas fotos! Nunca tinham comido sopa! Já outro dia tinha feito com a Satu sopa juliana, com repolho e cenoura ralada e ela adorou. Também adoraram os ovos verdes que só conseguimos fazer porque veio salsa de Bissau.

Ando a ver se as convenço a fazerem uma pequena horta com os legumes que aqui se derem para não estarem sempre na dependência do que pode vir de Bissau. Afinal ambas são mulheres de agricultores e o Abubacar é engenheiro agrónomo. A questão é que aqui não estão habituados a comer sopas e saladas e como tal valorizam muito pouco os legumes – usam cebola, pimentos e tomate, para fazer o tal molho e quando não têm tomate fresco substituem por massa de tomate em lata. Os legumes são todos pequeninos! Quase miniaturas! E eu que adoro trabalhar com cebolas grandes!

Hoje, para terminar, vou só relatar a minha 1ª ida à pesca no Domingo passado. Fui com o Sambajuma, que é aqui jardineiro e guarda durante o dia, que tem uns 65 anos e com quem falo francês pois só sabe esta língua e crioulo,  e o Gassimo, de quem já falei, e que é um menino adorável pela sua bondade. Fomos a pé até Camucote, tabanca pequena a que chamam porto, à beira de um largo braço de ria, todo ladeada de mangal (aqui chamado tarrafe) e com o solo de lodo e pedras e que fica a uns 2 ou 3 km daqui. Fomos todo o dia. Eu pensava que íamos pescar de terra mas afinal fomos de piroga. Enfim, 3 pessoas dentro de uma piroga, com a tralha toda da pesca e eu com uma cana de 5 metros de comprimento! 

O Sambajuma é pescador mas gosta mesmo é de pescar com rede. Só apanhei um pequeno peixe a que eles chamam barbo mas que penso ser da família da nossa faneca. O Sambajuma apanhou um esquiló, que se parece com um ruivo mas é cinzento. Apesar do fracasso desta 1ª pescaria devo dizer que adorei andar por lá todo o dia. Na 1ª piroga ainda tinha uma tábua para me sentar mas na 2ª piroga o meu banco e o do Gassimo eram pedras!

Valeu-me ter trazido as botas com que costumo andar na ria de Faro ao lingueirão pois na maré vazia o lodo é terrível. Mas a ria ou rio, como dizem aqui, é muito bonita sobretudo com a maré cheia. Tirei umas fotos e até ajudei o Sambajuma a remar. Assim que tivermos tempo vamos voltar e ele disse-me que me vai levar mais longe, até ao grande mar, que é o local onde começa o braço da ria junto ao mar. Penso que já percebeu que estou habituada a estas actividades e que não tenho medo. Para a próxima já levarei a cana adequada. 

No regresso viemos de jipe – estava cá um da AD e o Abubacar mandou-nos lá buscar. Soube bem vir de carro no regresso pois estava cansada e cheia de lodo por todo o lado! Depois foi o costume – lavar tudo e tirar o lodo de botas, mochila, etc… Mas foi um lindo dia, o dia 12 de Fevereiro. Antes de ir enviei sms de parabéns à Benilde e à Élia. Esta recebeu-a pois respondeu-me mas a Benilde não sei. O importante é que eu não me esqueci delas no dia dos seus aniversários.

Bom, tenho mesmo de me despachar para ir trabalhar.

[Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

1. Notícias da nossa Anabela Pires, com data de 17 do corrente:

[Foto à direita: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]


Car@s amig@s, família, ex-vizinhos e ex-colegas

Há 1 mês que estou em Auroville. Para aqueles que não sabem estou há 2 semanas a trabalhar numa quinta que está a fazer a reconversão para agricultura biológica. E já sei andar de lambreta!

Continuo bem e satisfeita por aqui estar. Há 2 dias começou a fazer aquele calor húmido que nos faz ter sempre a sensação de estarmos sujos. Felizmente esta tarde a trovoada chegou e com ela a chuva! Já o ar está mais aliviado!

Esta semana não vou enviar o habitual diário para aqueles que o pediram - não escrevi nada! Não me apeteceu, não tive oportunidade.

Os meus votos para que todos se encontrem o melhor possível. Ficarei feliz de também receber notícias vossas.Um enorme abraço, Anabela Pires.

2. Resposta imediata de L.G.:

Querida, não vistes o blogue, com a triste notícia da morte da Cadi... Esta semana que passou... [, Foto à direita, 2010, crédito fotográfico: Pepito].

 Obrigado pelas tuas notícias com os teus progressos em Auroville. Um beijinho. Luis

PS - Continuo a publicar o teu diário, que já tem fãs...

3. Continuação da publicação do Diário de Iemberém


Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] (Parte VII) (*)

10 de Fevereiro de 2012

Ontem à tarde estava combinado que ia fazer com a Satu uma sopa e experimentarmos fritar bananas como a minha mãe fazia em Moçambique e às quais eu não resistia. Não fizemos nada pois apanhámos um susto!

Recebi ontem, finalmente, as encomendas que tinha metido no correio antes de sair de Portugal (já estavam em Bissau há uns 15 dias mas só ontem veio um carro da associação que as trouxe até aqui! Ai meu rico cafezinho que já andava a beber nescafé há quase uma semana!) e as coisas que tinha pedido à Isabel e à Binto para me comprarem em Bissau.


Estava toda contente, como uma criança pequena quando recebe um presente, a tirar as coisas dos caixotes, ouvi uma gritaria no terreiro. Não liguei, é frequente e ouvia a Jóia muito zangada e pensei que o pequeno Mamadu já tinha feito algum disparate. Entretanto sai da cozinha para ir à varanda procurar um saco com um pacote de manteiga e queijo de bola e o que vejo? O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas! Quer dizer, ardia tudo menos o forno que é de barro. O telheiro é de colmo, como na grande maioria das moranças, os suportes de paus, a caixa de amassar o pão, a mesa, enfim, tudo de material muito bom para arder!

O forno fica a 1 metro de distância da parede lateral da minha casa. À minha porta estava já o jardineiro que me disse para eu tirar a roupa que estava estendida na varanda mas eu não era capaz pois o calor era imenso. Saí, apanhei umas roupas que não eram minhas e que estavam a secar na minha vedação de bambu (que, nem sei como, não ardeu!) e fui ao terreiro das mulheres. Nessa altura já elas vinham com bacias e baldes de água e alguns homens também para apagarem o fogo. Vi-os encostarem o grande escadote em metal à parede da minha casa e começarem a atirar água para o meu telhado que é de zinco. Um dos barrotes exteriores já estava a arder.

Tivemos muita sorte pois o vento puxava as chamas para cima e as árvores são muito altas. Lá andámos todos a transportar água e fiquei a saber que só não podíamos deitar água em cima do forno sob pena de se partir todo. Enfim, além do forno ainda se salvou a pá do padeiro, a mesa e a caixa de amassar o pão, bastante chamuscadas. Tudo o resto foi à vida!

Vi o rosto da Jóia transfigurado e imaginei que tinha sido “habilidade” do Mamadu, que entretanto já tinha levado umas valentes palmadas e tinha fugido para o mato. O Mamadu tem pouco mais de 4 anos e, pelo que, descobrimos mais tarde, foi com um outro menino, o Talibe, experimentar o isqueiro da Cadi [, esposa do padeiro] . Já me tinha apercebido do fascínio do Mamadu pelos isqueiros pois sempre que está ao pé de mim tenta acender o meu mas não consegue pois ainda não tem força suficiente.

Tudo acabou em bem, o Mumini nem se alterou, a Satu vai pagar o prejuízo, hoje começam a reconstrução do telheiro. A Jóia é empregada da Satu há 5 anos, mãe solteira de 2 crianças, mas a Satu já gosta dela como de uma filha. Fui buscar o Mamadu ao mato, trouxe-o aqui para casa de onde, literalmente, não queria sair! Dei-lhe banho, lanche, e pu-lo a desenhar no chão do quarto que está quase vazio. Mas primeiro levei-o a ver os estragos e creio que se a memória dele já funcionar não voltará a brincar com o fogo.

À noite, no terreiro, acabámos todas a rir pois a Satu, passado o susto, reconta a história com imensa graça e com muita mímica. Então a grande aflição foi a minha casa, o facto de eu ter uma botija de gás numa divisão que dá para o lado do forno, o facto de eu estar em casa! Mas em vez de me chamar e me dizer o que se estava a passar, não, diz que desatou a tremer e a gritar em fula (eu não percebo crioulo quanto mais fula!) “ajudem-me, ajudem-me!”! Alguém teve a imediata preocupação de apanhar a minha roupa que estava a secar numa outra corda ao lado do forno mas não me chamaram!

Enfim, nunca tinha presenciado uma cena destas. Certamente por causa do calor no meu telhado esta manhã tinha 2 morcegos a voar na minha cozinha! Devem ter saído pelo respiradouro do telhado que fica na casa de banho e que pedi desde o 1º dia para ser vedado mas ainda não foi! Tudo se vai fazendo ….. lentamente, muito lentamente. Um dos morcegos já saiu para a rua mas o outro não sei onde está! E assim foi a tarde de ontem!

Tentei telefonar à minha Mila duas vezes mas não consegui falar com ela! São horas de me ir despachar para ir trabalhar.

(Continuação)

[Foto acima: Farim do Cantanhez, 10 de dezembro de 2009. Crianças.  Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11088: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (6): O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11088: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (6): O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Iemberém > Galeria fotográfica da AD - Acção para o Desenvolvimento > Iemberem atrai cada vez mais turistas > Foto tirada em 16 de maio de 2009 usando uma Canon Digital IXUS 85 IS.

Legenda: "Em plena floresta de Cantanhez, a tabanca de Iemberem tem vindo a oferecer melhores condições de acolhimento para os turistas que, vindos de Bissau ou da Europa, procuram nestas paragens um contacto directo com as populações locais, com a sua cultura, a sua maneira de estar na vida e ao mesmo tempo apreciarem a beleza única que este Parque Nacional proporciona em termos de flora e fauna selvagem.

Com o apoio da União Europeia e da ONG IMVF de Portugal, está em fase de conclusão a construção de um restaurante típico e a reabilitação de uma unidade de alojamento com 5 quartos. Em colaboração com a ONG italiana AIN Onlus foi identificado e ir-se-á implantar um Parque de Campismo que permita aos apreciadores estar mais perto da natureza e igualmente a identificação de dois itinerários marítimos: o da ilha dos pássaros e o do ilhéu de Melo."



Fotos: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013). Todos os direitos reservados [, Com a  devida autorização e vénia...]



1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, da nossa grã-tabanqueira Anabela Pires, nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça) e Alice Carneiro (Alfragide/Amadora)...

Em 2012, esteve na Guiné-Bissau cerca de três meses (, de meados de janeiro a meados de abril). Mais exatamente, em Iemberém, Parque Nacional do Cantanhez, região de Tombali, onde esteve a trabalhar como voluntária no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento. Devido ao golpe de Estado de 12 de abril , acabou por sair da Guiné-Bissau, por razões de segurança, passouo um mês em Dacar, no Senegal. Regressou a Portugal, fez agricultura biológica e,  neste momento, vive na Índia, em Auroville (onde pensa ficar até meados do ano). 

Chegou em Iemberém no dia 17/1/2012. E ficou hospedada nas instalações locais da AD, a ONGD que é dirigida pelo nosso amigo Pepito. [, Foto atual de Anabela, foto da autora].



2. Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] (Parte VI) (*)

[Foto à esquerda: Anabela Pires, em Catesse,  Cantanhez, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]

9 de Fevereiro de 2012

Voltando ao dia 4… a tal música que ouvi toda a noite…e que se continuou a ouvir de vez em quando até às 14 horas, tratou-se de um ritual religioso dedicado aos mortos. É um rito muçulmano, que uma família organiza, para o qual faz convites e cujo objetivo é rezar para que aqueles que já morreram estejam ou fiquem em paz no outro mundo. Pelos vistos tem estado a cair em desuso e o Imã tem incentivado os fiéis a retomá-lo.

No dia 4, à tarde, chegou o grupo que está a produzir um filme sobre um “chão sagrado” para os Bijagós (uma das etnias locais, certamente com origem no arquipélago dos Bijagós). Eram 18 pessoas, guineenses e portugueses. O realizador é guineense, Sana (**), creio, os dois actores principais também, a equipa técnica é portuguesa, da LX Filmes. Tinham 2 responsáveis pela logística, a Isabel, portuguesa, e o Domingos, guineense, motoristas e outro pessoal de apoio.

À partida vinham por 3 dias mas acabaram por ficar 4. Foi uma canseira! Assim que chegaram, antes da hora que os esperávamos, foram, naturalmente depois de uma cansativa viagem, até ao restaurante beber umas bebidas frescas (aqui as opções são cerveja Cristal ou Super-Bock XL, Sumol, Fanta, Coca-Cola ou Lito-Cola e uns sumos sem gás enlatados, que podem ser de goiaba, manga ou tamarindo. Passei o Sábado com a Satu e a Mimi (2ª mulher do Adulai, primo-irmão da Satu, que já costuma fazer bolinhos de coco para vender e que a Satu tem tentado incentivar para que fique responsável pelas sobremesas no restaurante) a fazermos 2 Tartes de Coco e Banana e Laranjas da Guiné à moda da Rosinda. Chegada a hora do jantar, a Satu estava sem empregado de mesa, o Cabi. Pensei que fosse só nesse dia uma vez que tinha sido a sua família a organizar o tal rito religioso, mas não, o Cabi não voltou a aparecer. E assim passei os últimos dias no restaurante a ajudar a Satu, não só com as sobremesas, com a Salada de Repolho e Cenoura, com as sanduíches, mas também a pôr e servir à mesa. Enfim, fi-lo não por obrigação, mas por solidariedade para com a Satu, para que tudo corresse o melhor possível e o grupo pudesse sair daqui com uma boa imagem do serviço prestado.

Foram dias de bastante trabalho, pois tomavam o pequeno almoço, quase de seguida almoçavam e partiam para as filmagens com um farnel de sanduíches (o mais difícil foi decidir o conteúdo das mesmas, entre as poucas opções de ingredientes que há por aqui!), bananas, laranjas (têm de ser previamente descascadas pois a casca é tão rija que é preciso faca para as pelar!), sumos, águas, termos de chá Belgate (erva Príncipe), de água quente para o nescafé, de açúcar, de guardanapos (quando acabam fazem-se de lencinhos de papel)!

As sanduíches foram uma consumição! O melhor foi que o vizinho padeiro fez sempre os “cuduros” (tipo cacete feito em forno de lenha! Não sei se o nome dos pães tem a ver com o facto das pontinhas ficarem muito rijas …). Os recheios foram uma só vez de queijo (que era meu e dispensei para o efeito!), de mortadela enlatada (que os clientes apreciavam muito pouco! Lembro-me que em Moçambique também usávamos muito esta carne mas em Portugal penso que quase só os jovens comem esta carne quando vão para os festivais de verão), de ovos mexidos (que a Satu nunca tinha feito nem provado – diga-se que aqui não há abundância de ovos e são mais caros do que em Portugal!), de carne estufada de cabrito ou de frango.

O jantar e os almoços tiveram como prato principal (e único, pois só numa das refeições servimos uma salada) peixe, frango e cabrito, acompanhados quase invariavelmente de arroz, batata branca, mandioca e batatas doces fritas e …. Molho! O molho é que é, ao fim de alguns dias, um problema para os europeus! Sendo quase sempre feito com os mesmos ingredientes, o molho torna os pratos muito iguais, sejam de peixe, cabrito ou frango. O que comi de diferente foi frango com molho de amendoim (aqui designado mancarra), bastante bom, pesado para o jantar e cuja confecção é mais demorada, pelo que não foi possível fazê-lo em dia algum para os clientes. Fizemos também arroz doce, com leite em pó, e uma salada de fruta com laranja, banana e papaia.

Apesar de todas as limitações penso que tudo correu bem no restaurante. E para aqueles e aquelas que me gozaram uma vida inteira por eu não fazer nada na cozinha quando não tinha todos os ingredientes e/ou todos os utensílios necessários, aqui fica o registo – temos feito sobremesas sem balança, sem batedor de claras (só há garfo!), sem tarteiras, arroz de peixe sem coentros e muito mais! A Satu está bem habituada a desenrascar-se e assim encontramos sempre uma solução! Tenho-me adaptado melhor do que aquilo que eu própria esperava quando vim. EUREKA!

Nos alojamentos falhou a reposição de papel higiénico (a empregada responsável pela Casa do Ambiente esqueceu-se de o repor e a responsável pela gestão dos alojamentos não foi verificar nada!), a mudança de toalhas de banho (só existem em número igual ao das camas pelo que não havia para mudar e o tempo não permitiu que se lavassem de manhã e recolocassem à noite) e a falta de roupa mais quente para as camas (não entendo como nunca foram ainda comprados cobertores finos ou colchas quentes pois de vez em quando as noites são bem fresquinhas! Eu que o diga, que para a próxima, se voltar, não venho sem saco cama e outras coisinhas mais aconchegantes!). Espero que a curto prazo estes problemas se resolvam, assim a AD tenha verba para fazer algumas compras.

Sobre o grupo de clientes [...]. Estavam na deles e nós para os servirmos. É verdade que tiveram uns dias muito cansativos e o tempo não ajudou muito. No Domingo choveu um pouco, esteve sempre fresco (e eles trabalhavam no mato até às tantas da madrugada) e tem estado uma “neblina” permanente que é da poeira. Segundo me disse ontem a Isabel ao telefone até o aeroporto de Dakar tem estado fechado por causa da poeira. Pedi-lhes que antes de se irem embora escrevessem no nosso livro de visitas mas não o fizeram. A grande maioria das pessoas foi-se embora sem sequer se despedir! As únicas notas positivas foram:

(i) um dos jovens guineenses que logo no segundo dia foi à cozinha para me dizer que eu era muito bonita. Agradeci e disse-lhe que há muito tempo que ninguém me dizia tal coisa e perguntei se o que ele queria dizer é que eu era simpática. Ele disse que sim. Creio que os tocou o facto de eu tratar à mesa todo o grupo por igual. A mesma atenção e tratamento que dava aos europeus, dava aos guineenses, fossem eles o realizador, o actor ou o motorista. Aqui, como se calhar no mundo inteiro, ainda existem as discriminações pela raça, posição social, etc…, e por isso os mais desfavorecidos sentem a diferença de tratamento pela positiva ou pela negativa;

(ii) um senhor mais velho, preto, pareceu-me que seria originário de Angola, veio despedir-se;

(iii) o realizador despediu-se da Satu e o produtor de mim, porque estivemos a fazer as contas.

Considerando que o alojamento foi oferecido pela AD e que só pagaram as despesas de alimentação, que fizemos o possível e o impossível para os servir bem, era, no mínimo, expectável, um pouco mais de gratidão. Bom, esperemos que pelo menos agradeçam à AD. A única desculpa que lhes concedo é o facto de estarem extremamente cansados no dia da partida e cheios de pressa.

Assim, se eu tinha a expectativa de puder conviver um pouco com os visitantes europeus começo a perdê-la e, de facto, com quem convivo, com quem me rio muito, com quem me divirto, com quem converso é com as mulheres com quem trabalho, com as crianças aqui do “meu terreiro” e esporadicamente com algum dos homens que aqui trabalham. Com a Satu, de quem o Pepito me disse ser uma mulher reservada, tenho-me rido imenso e muitas vezes! É muito divertida, a Satu,  e uma líder nata no mundo das mulheres. Sendo de uma imensa generosidade tem também a ajuda espontânea das suas amigas, quando precisa. E tem claramente espírito de empresária. Quer aprender tudo, toma atenção a tudo o que faço, seja no restaurante, nos alojamentos ou em minha casa, faz muito bem contas à vida e consegue dividir uma tarte, aí com uns 25 cm de diâmetro, em 18 fatias! E não me deixou servir mais! Disse que a outra tarte que tínhamos feito ficava para o pequeno-almoço do dia seguinte! E assim foi! No dia em que foi a Mimi, com as instruções da Satu, a colocar os ovos mexidos nas sanduiches, sobraram imensos ovos (com os quais nos deliciámos a seguir!); quando fui eu a fazer as sanduíches lá consegui, com muito custo, que sobrassem 2 colheres de ovos para os dar a provar às mulheres e crianças que estavam na cozinha e que nunca os tinham saboreado. Desta forma está decidido: quando houver pouco de qualquer coisa terá de ser a Satu a repartir! Vai sempre ser suficiente! O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana.

Estes dias de trabalho no restaurante foram para mim a grande oportunidade para me aperceber melhor do que é preciso corrigir. Agora tenho uma noção mais clara do trabalho que é preciso fazer no restaurante, para além da diversificação das sobremesas e de alguns pratos. Há que organizar melhor o espaço da cozinha e do bar para facilitar o trabalho, há que ensinar a duas pessoas o serviço de mesa e alguém terá de ficar responsável pelas sobremesas. A Satu é a cozinheira e preocupa-se com a compra das matérias-primas, não pode arcar com mais trabalho, sob pena de alguma coisa correr mal, sobretudo quando são grupos maiores. O mais difícil será mesmo a escolha das pessoas pois a maioria gosta de trabalhar a um ritmo lento e nos dias que lhe apetece e o trabalho de restauração não se compadece com isso. Bem, a escolha das pessoas certas cabe à Satu, não a mim.

Saindo do tema trabalho, outros acontecimentos destes últimos dias são dignos de nota.

De Domingo para 2ª feira nasceu a filha da Cadi, mulher do nosso padeiro. Eu apostava que seria um rapaz e até que poderiam ser gémeos (era grande e bicuda a barriga e a senhora já tem gémeos!), mas foi uma grande menina. Aqui o nascimento ainda é uma surpresa! Não se fazem ecografias e o nome só é colocado ao 7º dia após o nascimento. A bebé, como sempre à nascença, é muito clarinha e rosadinha e nasceu com uma enorme cabeleira. O parto foi feito em casa da Mariama com a ajuda das mulheres, entre elas a Satu, que passou a noite em claro e no dia seguinte estava no restaurante a trabalhar. Correu tudo bem, pelo menos aparentemente, e dois dias depois a Cadi já andava no terreiro e já tinha leite para amamentar a bebé. E, como estou quase sem bateria no computador, fico-me hoje por aqui.

Não quero deixar de registar que a minha Mila faz hoje anos e lhe vou telefonar, que o Castelão fez ontem e recebeu a minha sms, mas o Mouzas e o António fizeram anteontem e não devem ter recebido as minhas mensagens pois nada disseram. Esta dificuldade em comunicar com o exterior é um bocado enervante mas muitas e muitas vivências têm sido aqui compensadoras. E continuo a gostar muito de cá estar!

[Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!

(**) Presume-se que seja o Sana Na N'Hada, um histórico do cinema da Guiné-Bissau, a par de Flora Gomes.  Ver aqui nota sobre ele em texto de Filomena Embaló, de 10/2/2008, sobre o cinema guineense:

(...) Sana Na N’Hada, nasceu em Enxalé, na Guiné-Bissau, em 1950 e completou os estudos secundários em Cuba. Formou-se em Cinema pelo Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica, tendo também cursado no Instituto de Altos Estudos Cinematográficos (IDHEC), em Paris. Em 1979 foi Director do Instituto Nacional de Cinema da Guiné-Bissau.

Foi na década de 1970 que Na N’Hada deu início à sua carreira de realizador com a produção de curtas metragens: “O regresso de Cabral” (1976), “Anos no oça luta” (1976), ambas em co-realização com Flora Gomes, “Os dias de Ancono” (1979) e “Fanado” (1984). Em 1994 realiza a sua primeira longa metragem com o filme “Xime", que esteve em competição oficial nesse mesmo ano no Festival de Cannes, na secção Un certain regard.

Em 2005, realiza o documentário “Bissau d’Isabel” que foi galardoado com o Prémio Revelação (RTP África) no ’05 Festival Imagens, em Cabo Verde no ano de 2005. O filme foi também exibido em diversos outros festivais e mostras de cinema: Mostralíngua – Festival de Cinema de Coimbra, Portugal (2007); Biblioteca Municipal Dr. Fernando Piteira Santos na Amadora, Portugal (2007); ... E África aqui tão perto – Programação do Museu Nacional do Traje e da Moda em Lisboa, Portugal (2007); IV Festival de Cine Africano Tarifa em Espanha (2007); Festival Internacional do Filme Documental de Guangzhou, na China (2006); Cineport – II Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa (2006) e na RTP África em 2005 e 2006. (...)


Sobre o filme de longa metragem, "Xime" (1994), com a duração de 95', Selecção oficial do Festival de Cannes 1994, vd aqui sinopse, retirada da mesma fonte (Filomena Embaló):

(...) A boa colheita que se anuncia neste ano de 1963, deixa optimista a tabanca de Xime. Porém, Lala, o viúvo, pai de Raúl e Bedan. está preocupado. Raúl, o seu filho mais velho, estuda com os padres em Bissau e as autoridades coloniais andam à sua procura. O seu filho mais novo, Bedan, que ficou na tabanca, entrou na adolescência, fase em que os jovens pensam que podem fazer tudo. Quando a tia Samy sai do seu estado de prostração, anuncia a Lala as piores catástrofes. Raul, o filho ausente, regressa à tabanca. O pai recusa-se a reconhecê-lo. Bedan, embora sensível às ideias revolucionárias de Raúl, não está pronto para aceitá-las. Raúl é também rejeitado pelo padre que o instruiu. Durante as ausências de Raúl, a tabanca volta a estar calma. Bedan deve submeter-se aos ritos de iniciação reservados aos jovens para se tornarem adultos. Esta iniciação ensina-lhes a trocarem a violência da adolescência pela doçura e reflexão. É durante a iniciação que os militares irrompem perseguindo Raúl que acabam por matar. O filme acaba no momento em que Bedan, iniciado à não-violência, vê a situação do país contradizer esta tradição. Bedan, diante do irmão morto, renega os ensinamentos dos seus mestres e declara: “Desta vez é a guerra”. (...)

[Fotograma retirado do sítio Mubi, com a devida vénia]