Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 16 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24403: Notas de leitura (1590): "O Cântico das Costureiras - Crónicas D'Uma Vida Adiada - Guiné 1964 - 1965", por Gonçalo Inocentes; Modocromia Edições, 2020 - As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2021:
Queridos amigos,
Há dez anos, quando estava a preparar o meu livro sobre a literatura da guerra da Guiné, ainda suponha que a veia literária dos velhos combatentes se pudesse encaminhar pelo leito do romance, o que então parecia afirmar-se categoricamente era a literatura memorial. Parece que o romance secou, a poesia é cada vez menos pródiga , há, é certo, investigação, documentação, apresentação de acervos fotográficos, mas são as memórias que pontificam. E Gonçalo Inocentes aparece num estado de louçania e vivacidade que nos assombra, e toma conta de nós, pois cedo se percebe que aquela poesia não é sobranceira e muito menos destinada a altos voos literários, são dimensões do afeto que pontuam uma alegria de viver, de alguém que se apresenta sem tiques de heroísmo nem apelos à comiseração. Bom será que continue, se mais memórias houver para contar.
Um abraço do
Mário
As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes
Mário Beja Santos
Já aqui no blogue o Luís Graça entoou loas a este inesperado presente, O Cântico das Costureiras, por Gonçalo Inocentes, Modocromia Edições, 2020. Limito-me a fazer minhas as palavras do orador que me precedeu… e adicionar loas da minha lavra, nestas coisas da recensão é benéfico que os olhares se complementem ou até mesmo se contradigam. Vê-se pela imagem que é homem apaziguado, talvez coloquial e bonacheirão, o seu currículo dá logo para folgar: “Curtiu-se em três guerras, ex-técnico agrícola, ex-combatente, ex-piloto de linha aérea, ex-marinheiro”.
De tanta vivência cinge-se exclusivamente ao que andou a fazer na Guiné, onde a sorte nunca o pôs de lado. Em março de 1964 sabe que tem o destino traçado para a Guiné, caminha para Lisboa e enquanto aguarda transporte anda faceto e manganão, percorre casas de fados e até guardou recordações de uma cuequinha vermelha. Parte de avião e bem consolado, vai em rendição individual. Do Pidjiquiti parte para Bolama e daqui para São João, é a sua nova morada e a sua nova família. Começam as peripécias. Encontra-se com o capitão, está a ser barbeado e tem ao lado uma mulher chinesa, por ali perto está um bidonville tropical, as imagens que publica falam por si e tece laudes a um piloto que muitos de nós conhecemos: o Honório, de nome completo Honório Brito da Costa. Fala-nos do Corão, da sua amizade com a G3, sempre que vem a preceito dá-nos poesia. E tal como anuncia no preâmbulo, recorda a máquina de costura Singer, o seu tiquetaque e a PPSh, vulgo “costureirinha”, tambor de 70 balas e um ritmo de 1000 por minuto, com alcance efetivo de 150 metros.
Movimenta-se com uma mini Minolta, o que lhe deu para registar este acervo de memórias. Lê-se num só fôlego, ninguém espere encontrar um herói ou anti-herói, é de têmpera folgazão, o lado positivo da vida anda quase sempre ao de cima, tira partido da aprendizagem e suas componentes, que podem ser a solidão, o corpo extenuado, o escrever o aerograma (aproveita a oportunidade para nos contar a história do bom funcionamento do Serviço Postal Militar e fala-nos de alguém que se chama Ernesto Tapadas e que esteve por trás de máquina tão eficiente), em vez de jogos de cartas aproveitava os banhos de mar e na Pensão Central, dessa ícone que deu pelo nome de Dona Berta, apareceu-lhe uma empregada grávida no quarto com um propósito muito evidente, interroga-se quanto à tragédia que pode levar uma mulher quase a ser mãe a tal iniciativa. Como não venho aqui contar as façanhas de guerra, descreve o que o meio permite, vive-se numa santa paz ou na mais formidável beligerância: é o caso dos tornados, em atmosfera tropical arrancam telhados, volteiam e rodopiam, destruindo e apavorando, e inopinadamente como aparecem deixam-nos numa serenidade com o caos à volta.
Se nos recorda as minas e fornilhos, logo estrondeia a peripécia das falsas cartas de condução que terão dado a felicidade e o pão a muita gente, e volta à página para nos falar nos guias, alguns de uma lealdade a toda a prova, tendo muitos deles tido um final inglório. Naquele ano de 1964 havia que retomar espaços abandonados, no caso vertente de quem estava em São João havia que provar que as estradas de Quinhará estavam transitáveis, lá foi uma coluna de carros para Nova Sintra, nenhum engenho explodiu no itinerário, mas foram colhidos pelo fogo cerrado em Nova Sintra. No regresso uma viatura derrapou mas vem logo um comentário pícaro a propósito: “Os soldados que seguiam nele (Unimog, que tinha capotado) ficaram por baixo da viatura e sem cuidar da segurança todos acorremos a socorrer. Grande asneira, só não correu pior porque o IN era também muito mau”.
Vai interpolando as suas memórias com poesias a jorros. Chegou a hora de partir para Ponta de Jabadá, dali o PAIGC castigava com fogo quem navegava pelo Geba. Recorda uma flagelação em que uma granada de morteiro 82 ceifou vidas e logo salta para a recordação de António Gladstone Silva Germano, natural da ilha de São Nicolau, que depois da guerra da Guiné andou por Ceca e Meca e Olivais de Santarém até aterrar no aeroporto da Portela onde geria o restaurante. Gonçalo Inocentes vem para contar recordações, elas dispõem-se bem com as imagens ao tempo colhidas, e exalta a figura do médico do destacamento em Jabadá, o Dr. Torcato Adriano Serpa Pinto. E com a maior das naturalidades confessa-se: “Não sei onde fui buscar, mas sempre carreguei uma constante alegria de viver que, se por um lado me engalanou tantos dias, também me acarretou alguns dissabores. Posso dizer que foi a mais bela armadura deste cavaleiro do imprevisível”.
Com a sorte benfazeja, ele que andava junto à CCAÇ 423, em abril de 1965 recebeu ordens de marcha para Bissau e daí para Farim, mas em Bissau disseram-lhe que já não ia para Farim, terminara a sua comissão, afinal já não ia para a CCAV 488. Fala-nos de Vassalo Miranda, um desenhador de BD sempre em cenários de guerra, está mais do que apresentado aqui no blogue. Recorda-nos como se atravessava em João Landim da ilha de Bissau para Mansoa. E vai até São Vicente e ocorre-lhe um poema, isto a propósito de um banho na Guiné, que é muito provavelmente o seu cartão de cidadão: “Sou feliz pois Deus me deu,/ a capacidade de ver,/ mesmo no escuro da vida,/ a beleza a acontecer./ P’ra alimentar a esperança/ De um mundo a renascer”.
E assim regressa, vai a Estremoz entregar a trouxa e segue para a Chamusca onde foi entregar a Maria Helena Fragoso a cruz que esta lhe pusera no pescoço antes de ir para a Guiné. Receando a tanta fartura daquela comissão encurtada, e mesmo continuando a receber a parte do vencimento que era depositada no Banco Totta e Açores da Chamusca, foi logo comprar o bilhete de passagem para Angola, para regressar à casa de onde tinha saído há dez anos. “Não toquei no dinheiro que fiquei a receber indevidamente e coloquei-o a prazo. Sabia que eles viriam buscar. Durante vários anos tive pesadelos onde me via ser chamado para regressar à Guiné. Acordava sempre banhado em suores”.
E bem a propósito despede-se das suas memórias relembrando os costureiros, ou seja, a malta da PPSh. “Tinha uma certa admiração por estes homens que fizeram uma guerra que até terminou num triunfo armado. Já pelos políticos não nutro qualquer simpatia porque fizeram uma guerra assente em promessas desonestas que sabiam não poder cumprir. Demonstraram ao longo dos anos de independência uma incapacidade absoluta. Tantos mortos para coisa nenhuma. Ter uma bandeira serve apenas para içar e para arrear. O povo, esse, ficou a perder. Passou de colonizado a escravo do tráfico de droga”.
Chegámos a um tempo em que já não se esperam romances mas literatura memorial, creio ser este hoje o retorno possível, tantos são os anos passados. E há que saudar estes cotejos e estas imagens arredadas de gabarolices ou espaventos sem contraditório.
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24392: Notas de leitura (1590): Uma obra fundamental por quem se interessa por estudos africanos: "Atlas Histórico de África, da Pré-História aos Nossos Dias", Direcção de François-Xavier Fauvelle e Isabelle Surun; Guerra e Paz Editores, 2020 (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
Guiné 61/74 - P21343: In Memoriam (370): José Ceitil (1947-2020), natural de Vila Franca de Xira, autor de "Dona Berta de Bissau" (Âncora Editora, 2013, 200 pp.), membro da nossa Tabanca Grande, nº 816, a título póstumo (Hélder Sousa / Luís Graça)
1. José Ceitil - Homenagem
por Hélder Sousa
O José Ceitil deixou-nos! Notícia dilacerante…. Escreveu um
amigo comum, o Joaquim Pedrosa, meu colega de curso na EICVFXira, mais tarde
jogador de futebol no Sporting e Académica, dirigente da UDV (União Desportiva
Vilafranquense) e também sócio do Ceitil num espaço de Bar chamado “Varinaice”.
Quando uma pessoa morre há tendência para nos elogios
fúnebres aparecerem inúmeras virtudes. No caso do Ceitil isso não seria forçado
pois as suas múltiplas qualidades e áreas por onde se moveu contribuíram para
uma “história de vida” bem multifacetada e recheada de notas interessantes.
De tal modo que será difícil nesta pequena
recordação/homenagem fazer referência a todas elas.
De uma entrevista concedida ao jornal “O Mirante” em 2011, e do portal livreiro Wook, retiro algumas notas biográficas:
(i) o Ceitil nasceu e cresceu em Vila Franca de Xira em Março de 1947 e eu em Outubro de 1948; é, portanto, cerca de ano e meio mais velho que eu;(ii) neto de varinos, também brincava à borda d’água desse rio Tejo como muitos outros;
(iii) na sua terra, fez a escola primária; frequentará, mais tarde, o Liceu Passos Manuel e terminará o secundário na Escola Industrial e Comercial da sua terra natal;
(iv) na EICVFXira tirou o curso de formação de serralheiro, começando depois a trabalhar, aos 16 anos, como desenhador na Câmara Municipal:
(v) foi futebolista do Vila-franquense desde as "Escolas" até aos "Veteranos";
(vi) na Secção Cultural do clube, à época, um espaço de liberdade, estudo e debate de ideias, iniciou-se na militância cívica, aos 15 anos, como colaborador e participante nas atividades que aí tinham lugar:
(vii) fez, como voluntário, 4 anos de tropa na Força Aérea;
(x) desse tempo ele recordava, em vida, as situações mais difíceis, como comissário de bordo, da ponte aérea nos tempos da descolonização, em que algumas vezes em Angola esteve perto da morte; considerou que nessa época a capacidade de resposta de Portugal para transportar pessoas para a “metrópole” foi exemplar e que se pode dizer que se trata de um dos grandes feitos da capacidade lusa de resolver problemas.
(xii) foi fundador, dirigente e colaborador da APTCA (Associação Portuguesa de Tripulantes de Cabine), onde se iniciou na escrita para as revistas Voo e Aérius;
(xiii) publicou o seu primeiro livro em 2007, a novela "Vidas Simples Pensamentos Elevados", e em 2008 o ensaio "Sejam Felizes".
Ao longo dos anos as nossas vidas foram sendo vividas com pontos de contacto de que mais se destacam as colaborações no Clube da nossa terra, fosse no campo desportivo (ele mais no futebol onde tinha méritos e eu mais ligado ao hóquei em patins) fosse na estreita colaboração na Secção Cultural da UDV, sendo que ele também fez parte Direcção do Cine-Clube Vilafranquense.
Anos mais tarde, agora já no século XXI, houve um apelo ao
ressurgimento e assim alguns amigos então retomaram em mãos as rédeas da UDV
para tentar recuperar, resgatar e reerguer a colectividade.
É desse tempo que foi criada uma comissão para produzir um
“Manifesto da Memória da Secção Cultural da UDV”.
Numa das nossas sessões de trabalho notei que ele estava pensativo, até apreensivo, e após algumas “inquirições” fiquei a saber que isso se devia ao facto da sua filha mais nova, a Marta, ter decidido incorporar um programa de formação e voluntariado na “nossa” Guiné.
Claro que na ocasião todos
os conceitos e preconceitos sobre a Guiné, problemas reais e também alguns
empolados, lhe causavam angústia, mas não queria interferir nas decisões que a
filha tinha tomado. Tivemos então algumas conversas, procurei relativizar as
coisas, deixei algumas indicações sobre como chegar à ONGD AD, do nosso amigo Pepito (1949-2014), em caso de
necessidade.
As coisas foram correndo, geralmente bem, de modo que depois
da missão inicial a Marta repetiu e também depois continuou com outras tarefas,
que lhe influenciaram de tal modo que ainda hoje se refere à Guiné como a
“segunda Pátria”.
O Zé, “intrigado” com tal estado de espírito resolveu ir ver
“in loco” e então rumou a Bissau. Deve também ter bebido “água do Geba” pois
tendo ficado na “Pensão Central” acabou por escrever um livro dedicado à “Dona
Berta de Bissau” (2013).
Para terminar, que já vai longo, atrevo-me a repetir aqui as
palavras que a Marta entendeu por bem colocar no seu “Face” e que se trata duma
pequena mas significativa memória do Zé Ceitil. Escreveu ela:
“Minha filha, a procura do sentido da vida não é para todos.
A maioria ou não sabe o que isso é, ou vive tão mal que nem tem tempo para
pensar, ou então limita-se a sobreviver sem questionar nada. Agora, como estás
a descobrir, a vida nem sempre parece fazer muito sentido! A questão do poder e
o seu exercício por oligarcas defensores de interesses particulares sobrepõe-se
à organização da sociedade de forma a satisfazer as necessidades essenciais dos
povos. Sei que acreditas demasiado nas pessoas e no bem… e isso preocupa-me
porque sei que vais sofrer… mas mil vezes assim do que seres céptica. Sem abandonares os valores em que
acreditas, os sonhos e as utopias, tens que aprender a viver com estas
realidades”
Trata-se da resposta do Zé Ceitil à então consternação e
profunda tristeza pela qual a Marta estava a passar pela sua “terra do coração”
quando se estava perante a tentativa de golpe de estado (mais um) na
Guiné-Bissau em 2010.
Fico por aqui nesta minha homenagem/recordação a este meu
amigo.
Hélder Sousa
2. O José Ceitil tinha já, à data da sua morte, uma meia dúzia de referências no nosso blogue, nomeadamente como pai da Marta Ceitil, amigo do Hélder Sousa e autor do livro "Dona Berta de Bissau".
Não conheci pessoalmente o Zé Ceitil. Mas, pelo que já antes havíamos publicado no nosso blogue, é um típico representante da nossa geração: um bom homem, uma pessoa que se fez a si mesma, um cidadão proativo, um amigo do seu amigo, e que, além disso, por amor da filha Marta, se tornou também um amigo da Guiné e do povo guineense.
Agradeço ao Hélder Sousa a bela e justa evocação que faz do seu grande amigo, conterrâneio e colega de infância. De resto, ele lembra-nos que "o Zé Ceitil foi colega do Zé Brás como comissário de bordo da TAP e acho que também ainda foi contemporâneo do João Sacôto".Apresento à Marta e demais família Ceitil os nossos votos de pesar pela perda do pai e parente. E por tudo o que aquilo que já aqui foi dito, tomo a liberdade de propor a integração deste nosso amigo, o José Ceitil, na Tabanca Grande, a título póstumo. O seu lugar é o nº 815. O seu exemplo de vida inspira-nos e honra-nos.
Foto da preparação da candidatura à Direcção da UDV para 2009-2011
Foto da Mesa na apresentação pública do “Manifesto da Memória da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense” em 2011
Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legedagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]terça-feira, 5 de novembro de 2019
Guiné 61/74 - P20315: Memória dos lugares (397): Roteiro de Bissau: velhas e novas toponímias, velhas e novas geografias emocionais... (David Guimarães / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Agostinho Gaspar)
Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Domingos Ramos > 2001 > O mercado municipal, aliás, "Mercado Central" (entre a Av Domingos Ramos e a R Vitorino Costa, vd. o mapa da Google)... A mesma tabuleta esmaltada de há trinta e tal anos atrás...
Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > Edifício colonial em ruínas, em frente à antiga Casa Pintosinho [, de António Pinto), um dos sítios em Bissau onde comíamos as célebres ostras. Devia ser na Rua Oliveira Salazar, hoje Rua Guerra Mendes (paralela à Marginal, agora Av 3 de Agosto, segundo o mapa da Google). Originalmente terá pertencido à Casa Gouveia, fundada por António Silva Gouveia. (A Casa Gouveia mudou para as mãos da CUF em 1927.)
Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > A marginal (hoje Av 3 de Agosto) e, em segundo plano, à esquerda, o antigo Pelicano, de saudosa memória. Ao fundo, veem-se os contentores do porto de Bissau (vd. mapa do Google)... O alcatrão há muito que tinha desaparecido.
Fotos nºs 1 a 3 (e legendas) : © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Domingos Ramos > 2001 > à esquerda uma agência do BAO - Banco da Africa Ocidental
Foto nº 7 < Guiné-Bissau > Bissau > 2001> Bomba da GALP... Era aqui o antigo Café Bento ou a famosa 5ª Repartição do tempo da guerra colonial. Ficava na Rua Tomás Ribeiro, hoje Rua António Nbana. O posto de combustível da GALP, é o único na Bissau Velha, pelo mapa do Google fica na Av Amílcar Cabral, fazendo esquina com a R António Nbana. A RTP África também fica aqui perto.
O Café Bento era um dos nossos locais de convívio, dos gajos do mato, dos desenfiados e sobretudo dos heróis da guerra do ar condicionado. Havia 4 grandes repartições militares em Bissau mas a 5ª, o Café Bento, era a mais famosa, porque era lá que paravam todos os "tugas" que estavam em (ou iam a) Bissau, gozar as "delícias do sistema".
Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bissau > 1998: O velho forte da Amura com os seus canhões de bronze
Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bissau > 2001> Estrada para o aeroporto ,em Bissalanca. Agora, Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira. À esquerda, o célebre mercado de Bandim, que ficava a sudoeste da cidadezinha colonial de Bissau que nós conhecemos: primeiro o Chão de Papel e depois Bandim (Vd. mapa do Google).
Foto (e legendas): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Bissau >1998: A cidade de Bissau, vista do lado sudoeste; ao fundo, as duas torres da catedral de Bissau (que fica na Av Amílcar Cabral, antiga Av República, vd. mapa do Google)
Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Bissau > s/d [. c 19690/70] > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa") (Detalhe). Colecção: Agostinho Gaspar / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)
1. Há quem lhe chame "saudosismo mórbido, doentio"... Saudosismo ? Não gosto do termo... Não, não é saudades do "antigamente". Hoje a Guiné-Bissau é um país independente e pertence à CPLP... Há um passado que foi irredemediavelmente ultrapassado, pelos dois povos... Mas há também uma convivência entre esses mesmos dois povos, há uma história, um património material e imaterial... partilhado por ambos.
Já nada disto existe, a ser não na memória de alguns de nós...Existem as ruas, com outros nomes, existe a maior parte dos edifícios, uns em ruina, outros readaptados... Mas são memórias a que temos direito, aqueles de nós que por lá passámos, não só entre 1961 e 1974 mas depois, nas tais viagens de "saudade" (e não de "saudosismo")... São memórias dos lugares (*). São lugares, são paisagens, que não pertencem a ninguém... São novas e velhas toponímias, não novas e velhas geografias emocionais...
As imagens de Lisboa ou de Bissau não pertencem a ninguém. As paisagens não pertencem a ninguém. Tal como as cores, os sabores. os cheiros... dos sítios por onde passamos. Como a terra, que é de todos nós. Um tsunami (de que Deus, Alá, Jeová e os bons irãs da Tabanca Grande, todos juntos, nos livrem!) pode destruir Lisboa ou Bissau. Mas as imagens, as memórias, essas, ficarão connosco enquanto formos vivos e enquanto existirem os seus suportes digitais: os nossos textos, as nossas fotos, os nossos documentos, este blogue, que não é mais do que um sítio, virtual, onde partilhamos memórias (e afetos), e que oxalá/enxalé/inshallah possa sobreviver-nos...
Adicionalmente, no poste P12980, pode-se ver alguns dos edifícios públicos, com interesse arquitetónico que por lá ficaram, em Bissau, e que é pena se os guineenses não cuidarem deles, com a nossa ajuda (**)... Sabemos que os guineenses têm outras prioridades mais prementes, como o pão para a boca, o emprego, a saúde, a educção, a paz..., a estabilidade política e a normalidade democrática que, infelizmente, ainda não conseguiram alcançar, quase meio século depois da independência.
_________
(*) Último poste da série > 4 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20311: Memória dos lugares (395): Roteiro de Bissau Velha: ruas antigas e ruas atuais, onde se localizavam algumas casas comerciais do nosso tempo: café Bento, Zé da Amura, Pintosinho, Pinto Grande / Henrique Carvalho, Taufik Saad, António Augusto Esteves, Farmácia Moderna...
(**) Vd. poste de 14 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12980: Manuscrito(s) (Luís Graça (25): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte II): o Pavilhão de Tisiologia, mais tarde HM 241
segunda-feira, 13 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18920: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIX: Afinal o "Chez Toi" era o antigo restaurante e casa de fados "O Nazareno", que eu frequentei no meu tempo
Foto nº 1
Guiné > Bissau > Virgílio Ferreira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Diomingos, 1967/69)
Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:
T009 – O ‘CHEZ TOI’ AFINAL ERA O ANTIGO RESTAURANTE E CASA DE FADOS ‘O NAZARENO’
I - Anotações e Introdução ao tema:
INTRODUÇÃO:
Vem este Poste comentar e tirar ainda algumas dúvidas do mal-afamado caso do ‘Chez Toi’ .
A reportagem do ano de 2011, que eu li agora do camarada Carlos Pinheiro, com 25 meses de Bissau (*), veio afinal desvendar alguns mistérios e dúvidas, que eu vou tentar acrescentar algo, com o meu tempo incomparavelmente inferior ao do Carlos, mas que também tenho algum contributo a dar, não me vou alongar, pois não é caso para isso.
Já li muita coisa sobre o Chez Toi, uma delas, um comentário que dizia que ficava numa Rua esquisita de má fama, e tinha uma Pensão, e outras coisas mais.
Partindo do princípio de que o Carlos Pinheiro sabe mais disto do que todos nós, e que se manteve em Bissau já passados uns anos após a minha saída, mantenho a minha versão que afinal eu não conhecia uma casa, boîte, cabaré seja o que for com este nome, aliás não havia casas nenhumas desta especialidade.
Então o Nazareno, restaurante e casa de fados, que era propriedade de um empregado da Casa Pintosinho, presumo que o Sr. Machado, que não deveria ter qualquer Cabo Verdiana por sua conta, isto é juntos, companheiros, amantes, pois que se for o Sr. Machado e julgo que deve ser, tenho esse pressentimento pois, como eu sou Machado também, ficou-me no chip este nome e a figura do homem. [...] Pelo que sei é que ele não tinha mulher nenhuma e vivia lá há muitos anos.
Vamos então ao excelente comentário do Carlos Pinheiro, que praticamente já disse tudo, excepto que o Grande Hotel era o lugar por excelência em toda a Guiné, mesmo não sendo nada como o Polana em Lourenço Marques, era para aqui que vinha a malta toda da alta classe, as visitas importantes, os Comandos do QG, incluindo o Spinola, com quem tive o prazer de jantar na mesma sala no mesmo dia. Também no Solar dos 10 ali encontrei uma ou duas vezes o Spinola com convidados.
(i) O Carlos fala na Casa Santos e dos seus grandes bifes, que ficava na saída do QG! Não conheço e já agora teria interesse em saber. Tantas vezes eu vim do QG para Bissau e não me lembro desta afamada casa de comidas.
(ii) E o Bolola, pelo nome, também não me diz nada, pode ser uma coisa mais recente.
(iii) A Casa Costa Pinheiro também pelo nome não vou lá, devia ser uma das muitas que faziam parte daquele ‘centro comercial’ da baixa de Bissau.
E agora vamos acrescentar alguns outros locais e sítios que não foram mencionados:
(iv) A Pensão da Dona Berta, ainda no mesmo quarteirão do Bento e da Gelataria, fui lá várias vezes e até tenho umas fotos lá no 1º andar.
(v) E o Stand da Peugeot com os seus carros e motas na montra, logo acima da Gelataria? Foi lá que comprei as minhas 2 motorizadas, e fiz a encomenda de um carro Peugeot, não sei qual, para levar a quando da minha saída, e que tanto prometi à minha então namorada, mas que depois não levei nada, pois devia ser complicado e dar trabalho para o transportar. Quando cheguei comprei o carro que estava na moda então, um Mini 1000.
(vi) Mais acima a caminho da Praça do Império, tínhamos do lado direito a Bomba de gasolina da SACOR, onde eu abastecia a minha motorizada, e até lá havia um mecânico que várias vezes fez umas reparações às motorizadas. Não me lembro dessa boba à saída de Bissau, deve ser mais recente para mim.
(vii) O Nazareno, se passou a ser a casa de má fama, Chez Toi, não é do meu tempo.
(viii) E a reportagem do Luís Graça passada lá, dá a entender que aquilo era mesmo mau, embora já tenha vindo à cena alguém dizer que nunca viu nada de especial.
(ix) Embora outro camarada, tenha dito que lhe doía a alma ver as raparigas ali fechadas na cave do estabelecimento. Outro também comentou que naquela Rua, dada a sua ligeira inclinação, os miúdos já praticavam as corridas nos carrinhos de rolamentos, que eu também tinha em criança.
(x) Pelas fotos anexas, e pelas muitas descrições já feitas, pode ver-se que o local não ficava em nenhuma zona de mau aspecto e de má fama, bem pelo contrário, era uma zona da parte nova e nobre de Bissau, onde mais tarde, 1984/85, lá vi instaladas as Embaixadas de Portugal e da França pelo menos.
(xi) As ‘Caves’ referidas, julgo tratar-se do Rés-do-chão da casa, como se pode ver nas fotos, a sala de jantar ficava no 1º piso, e tinha uma boa varanda para a rua e para as vistas, que eram excelentes, dado o contexto das outras.
(xii) O nome da Rua não sei, pode ser Arnauld Shulz ou Sá Carneiro, mas tenho a ideia que esta rua era uma perpendicular à Avenida do Império, ou andava por ali próximo, já um pouco afastada do ‘centro’ da cidade, desconheço os outros estabelecimentos que lá tinha, eu ia lá só para comer e beber.
(xiii) Faltaria ainda acrescentar às demais infraestruturas existentes, a Tabanca de uma amiga minha e depois lhe perdi o rasto.
(xiv) E temos de realçar as instalações do ‘600’ o Quartel onde ficavam instaladas as tropas que faziam a segurança ao Quartel General. Passei lá 2 meses a acertar as minhas contas.
(xv) E as magnificas instalações do Clube de Oficiais de Santa Luzia, não se pode deitar fora, era um oásis no meio do deserto, a sua piscina, a messe, os bares, as esplanadas, e até o Biafra que apesar de tudo não era assim tão mau.
Bom, quanto ao Chez Toi está para já tudo dito, quem tiver mais que volte à carga.
Em, 2018-08-10
II – As Legendas das fotos familiares [, de 1 a 8].
F01 – Um jantar no Nazareno, em vésperas de Natal, Bissau, Dez 1967. Junto com o Furriel Riquito, camisa branca, e Alferes Verde, fardado. Era uma casa de fados também,
F02 – No restaurante e Casa de Fados ‘O Nazareno’ em Bissau, 23Dez67. Nesta foto estou sozinho, e não vejo imagens de mais ninguém que lá estivesse. Tem a data de 23 de Dez 67, e eu passei a véspera de Natal 67, de 24 Dez 67 em Nova Lamego, não há duvidas. A foto anterior poderá ser da mesma data, mas não parece. Devo ter embarcado nesse dia ou no seguinte no Dakota para Nova Lamego.
F03 – Na Varanda e esplanada do piso superior no restaurante ‘O Nazareno’ também com data na foto de Bissau, 23Dez67.
F04 – Novamente na esplanada-varanda do Nazareno, já passou o ano de 1968 e já estamos em 1969, não sei que data tem, pois são de slides e não tenho nada escrito. Pode ver-se que se trata de um lugar localizado em zona de bom aspecto. Bissau, 1969.
F05 – E nesta foto à porta do Nazareno, já se pode ver melhor o local, e agora também reparo numa ligeira inclinação da Rua e Passeio, onde os miúdos andavam de carrinhos de rolamentos. Continua a ser um local aprazivel, estamos na zona nova, Bissau 1969.
F07 – No Bento – 5ª Rep – porque era o local da ‘Contra Informação’ , onde todos sabiam e falavam de tudo, ao lado talvez de guerrilheiros do PAIGC ou familiares. Também se engraxavam os sapatos, não me lembrava antes de ver esta foto. Bissau, finais de 1967.
F08 – Na pensão da Dona Berta, um local privilegiado na Avenida do Império, a esplanada no 1º andar dava uma panorâmica de excelência. Bissau, Out/Nov de 1967.
Disse-me o meu amigo da CHERET, com quem estive na Quarta Feira dia 8 no Continente em Vila do Conde, encontramo-nos por acaso, eu e a minha mulher e ele e a sua nova companheira, mulher de estilo e bem apresentada, com os seus anitos. Conversamos de muitas coisas, que um dia vou falar quando voltarmos ao CHERET, mas não deixo de contar esta, que tem a ver com a foto. Foi aqui que ele esteve e o encontrei em Outubro de 67, na sua Lua de Mel.
Diz ele então que encontrou aqui um tal Mário Cláudio, que ele não conhecia (***), e que tinha recebido a visita da sua mãezinha que o veio ver, e aqui se encontraram. Mais tarde, muitos anos depois, já era o famoso escritor, e eles encontraram-se e falaram desse tempo. Estou a ler agora um livro dele, recomendado pelo meu amigo, mas é muito chato, tem palavras difíceis e algumas nem sei o significado, mas fica a ideia: ‘Os Naufrágios de Camões’.
F09 – Apresento a Suzi, uma moça que conheci na Piscina do Clube, nos primeiros dias em que cheguei à Guiné. Esta já é muito mais tarde. Bissau, Abril de 68.
Estamos a fazer exercício de barras, eu com os meus 47 kg fazia elevações até sempre.
Mando esta, das muitas, por causa da barra, pois o meu amigo CHERET – vamos chamar assim até ele me autorizar a dar o seu nome – contou-me há dias, que também fez exercícios na barra, só que ele com mais de 70 kg, a barra partiu, ele estatelou-se no solo e bateu com a coluna na beira de uma pedra, ficou paralisado, foi para o HM 241 esteva lá internado uns dias, e diz que ainda hoje sente dores na coluna devido a essa queda. Disse-lhe que ainda vai a tempo de meter um requerimento para uma Pensão de Invalidez, mas aquilo não foi em serviço, falta-lhe o nexo de causa-efeito, não há nada a fazer.
A Suzi era a filha do Coronel a quem foi dado o cognome de ‘O Lavrador’ pois era o responsável por toda a área do Clube e gostava de cultivar muitas coisas, nunca o conheci.
A Suzi, eu chamo-lhe a minha amiga, mas eramos apenas conhecidos, eu ia até a Piscina e ela estava lá sempre, por isso metemos conversa, mas sempre à distância. Nunca soube que o pai era o Coronel e Chefe lá do Clube, tenho muitas fotos com ela, em diversas alturas, mas acho que nem um cumprimento de mão demos um ao outro, para ela devia ser ‘mais um’ a tentar a sua sorte, mas nunca me passou pela cabeça nada a não ser o convívio e conversar, não sei a sua idade, mas vendo bem as fotos, e se aumentarmos o zoom em zonas pontuais, poderei concluir que ela teria os seus 15-16 anos, não sei, talvez.
Virgílio Teixeira, Em, 2018-08-10
(Faz hoje 49 anos da minha chegada a bordo do UIGE ao Cais de Alcântara, seguindo para Tomar, onde foi feita a parada militar pela cidade, dando assim por terminada a minha missão militar ‘Com Orgulho’.)
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«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
Caro Luís, conforme já tinha dito, e depois de ler já tanta coisa sobre este tema, resolvi escrever este relatório, para eventual Poste ou não, mas dar um contributo daquilo que eu tenho algum conhecimento, ou julgo que tenho. Alguém o dirá.
Mesmo em tempo de férias, a vida continua, e 'abortado' que foi o anterior Tema, vamos dar mais um pouco de algo para ler, e sonhar à sombra de um Poilão.
Um abraço,
Virgílio Teixeira
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(*) Último poste da série > 19 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18859: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVIII: As minhas estadias por Bissau (vii): o ano de 1969 (fotos de 71 a 81)
(***) Mário Cláudio, pseudónimo literário do nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande, Rui Barbot Costa [, nascido no Porto, em 1941, ex-alf mil, na secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70, foto atual à direita], chegado até nós pelo braço de outros dois camaradas, o Carlos Nery e o saudoso João Barge (1944-2010)... Recorde-se que os três participaram num espectáculo teatral, inédito em Bissau, estreado em 5/4/1970: a peça de Ionesco, "A Cantora Careca", encenada pelo Carlos Nery.
sexta-feira, 3 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18893: Estórias avulsas (90): o meu amigo da Cheret que foi substituir um velhinho que tinha sido apanhado à mão mas que acabou por 'fintar' o PAIGC (Virgílio Teixeira)
Data: 2 de agosto de 2018 às 17:44
Assunto: CHERET
Luís, lamento o incómodo das férias, mas eu não me dou sem fazer nada, e não gosto de praia, e não tenho quintas. (...)
Ontem estive aqui na biblioteca [em Vila do Conde] onde passo a maior parte do tempo a escrever, não gosto de estar em casa fechado, e encontrei um amigo de longa data e até já falei dele, há poucos dias.
É um rapaz da minha idade, formado antes de ir para a tropa em Engenharia Electrotécnica, opção de Tecnologias Avançadas, mas diz-me que raramente vai ao computador, e o telemóvel dele é mesmo igual ao meu, o mais simples Nokia do mercado, com teclas.
Veio viver para Vila do Conde, mora agora aqui perto, e vai frequentar a Biblioteca, mas só para ler. É um tarado em leituras, e não precisa nada disto porque é de boas famílias. E diz ele que a sua nova companheira - deve ter tido 10 casamentos e 100 companheiras - vive aqui, e ele mudou-se do Porto para cá, é um do grupo do Café Cenáculo, Campo Lindo, Porto 1961.
Ele é um óptimo rapaz, mas deve ter uma 'panca' qualquer que desconheço. É muito inteligente. Fez a tropa mais ou menos na mesma época que eu, esteve na Trafaria e a especialidade dele, não sei explicar bem, mas era o responsável pela segurança das Transmissões, e vivia num bunker no QG de Santa Luzia. Encriptava e desencriptava, não sei bem. Perguntei-lhe agora finalmente qual era a sua missão na Guiné, estava então no CHERET - perguntei-lhe o que era aquilo e ele também não sabia decifrar o que era, fiz umas pesquisas, incluindo o blogue e lá encontrei.
A 'panca' dele começa logo por aqui. Foi mobilizado para a Guiné, casou-se - a primeira vez - com uma miúda linda e jeitosa, que vim a conhecer na Pensão da Dona Berta em Bissau.
Foi passeando e conhecendo a terra, Bissau diga-se, nunca se dirigiu ao QG, ele andava em Lua de Mel, e o clima queima!
Estive uma ou duas vezes com eles, e depois devo ter ido para a minha terra, ele nem sabe em que mês ou dia foi lá parar, passa-lhe tudo ao largo. E assim os dias foram passando, uma semana, duas etc, estava ele um dia com a mulher, no cais do Porto de Bissau sentado a olhar o mar. Ao lado estava outro militar, já velhinho, a olhar também para o mar a ver se chegava o navio com o seu substituto, pois já deveria ter vindo. E contou ao meu amigo que estava ali sem saber o que fazer pois o gajo que o vinha substituir desaparecera, estava dado como desertor. Mas qual é a função dele ali? Era da CHERET, o homem que ia substituir, Com uma calma ele, o meu amigo, lá disse então: "Sou eu mas nem me lembrava o que tinha de fazer"....
Agora é só para ver o que lhe foi acontecendo, era uma missão em que só poderia andar de avião, não era permitido viajar de estrada nem por rios. Foi parar a Catió numa LDM, e depois despachado para Piche, mais ou menos na altura do desastre do Cheche [, que foi em 6 de fevereiro de 1969], e do grande ataque da guerrilha em Piche.
Depois foi evacuado para o HM 241 em Bissau, para a Psiquiatria em Maio de 69, no mesmo mês e datas onde eu também lá estava mas não nos cruzámos, veio evacuado com outro amigo nosso que também estava na Psiquiatria, chegaram a Lisboa e em vez do Hospital da Estrela foram passar uns dias ao Algarve...
Isto talvez tenha pano para mangas, deve ser um caso interessante. Diz algo
Um Ab,
Assunto: CHERET
Voltando ao tema da CHERET, já sei que se chama... "Chefia do Serviço de Reconhecimento das Transmissões2!
Como escrevi depressa, esqueci algumas coisas. Aqui vai a versão, corrigida, da história:
Um elemento da CHERET, um alferes miliciano, numa coluna, em que não devia ir, foi capturado à mão e levado para os santuários do PAIGC.
Daí a proibição deste pessoal deslocar-se a pé ou em coluna por terra ou via marítima, só mesmo aérea.
Além de vários problemas na vida dele, e sempre foi professor universitário, com as sucessivas mudanças de mulheres, um filho dele acabou por se suicidar. Quando me contou, nem sabia o que dizer.
Esta função para mim era desconhecida, são aqueles que estão fechados a 7 chaves.
Um Ab, e boas férias, de vez em quando vou chateando para acalmar.
Virgilio Teixeira
2. Comentário do editor LG:
Há uma confraria que faz a promoção deste produto, e de que faz parte a minha mulher: a Colegiada de Nossa Senhora da Anunciação da Lourinhã... Eu vou aos jantares e festas deles (e delas), e vou aprendendo alguma coisa com estes "confrades"...
Último poste da série > 2 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18803: Estórias avulsas (89): A noite mais longa da recruta… e não só (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG do STM/QG/CTIG)
sexta-feira, 25 de agosto de 2017
Guiné 61/74 - P17699: (De) Caras (90): notícias da nossa "menina" Tina Kramer, hoje senhora e doutora, membro da nossa Tabanca Grande
A investigadora alemã Tina Kramer com a Dona Berta, em Bissau, em 2011. Foto: cortesia de Tina Kramer (2011) |
Caro Mário, fico muito contente por saber que estejas de boa saúde. Desejo-te muito alegria e sucesso para as novas investigações.
A minha família está bem e a pequena Edda Maimuna cresce bem. Já fala muito e muito bem.
Como tenho muito saudade de vocês e de Lisboa, espero que pudermos vir no próximo ano.
Como tenho muito saudade de vocês e de Lisboa espero que pudermos vir no próximo ano. Já estou ansiosa pelo reencontro contigo e com o Abdu [Abudu Soncó, guia e intérprete, durante a expedição de Tina Kramer, na Guiné-Bissau, no 1º semestre de 2011, e que lhe foi sugerido na altura pelo Beja Santos].
Também estás sempre bemvenido aqui em Leipzig! É uma cidade linda.
Com votos de muita saúde para ti e para os teus e com muitos beijinhos,
Tina
Minha nunca esquecida Tina, em primeiro lugar, votos de muita saúde e prosperidade para ti e para os teus.
23 de janeiro de 2017:
Como estás?
Estamos bem. A minha filha cresce muito rápido. Já comeca a ser uma pequena dama.
Há um ano que terminei a tese (finalmente!), más ainda não foi publicado. No momento trabalho numa pequena organização cultural em Leipzig que gosto muito.
Olha, estou preocupada do Abdu. Já não ouvi nada dele há alguns meses. Não responde aos e-mails, o número que tenho dele já não existe.
Tens notícias dele? Está de bom saúde?
Um abraço,
Tina
24 de janeiro de 2017
Minha querida Tina, Fico felicíssimo com as tuas notícias, por teres uma filha linda, por teres concluído a tese, por trabalhares em Leipzig, cidade que muito aprecio, que tem uma das estações ferroviárias do mundo, um esplêndido museu de farmácia, por estar cheia de lembranças de um génio da música chamado Bach.
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sábado, 14 de junho de 2014
Guiné 63/74 - P13281: Agenda cultural (324): José Ceitil, autor de "Dona Brerta de Bissau", vai estar na Feira do Livro em Lisboa, hoje, sábado, 14, às 17h, no stand da editora Âncora
Um dos livros do José Ceitil é a "Dona Berta de Bissau, editado em 2013. A Dona Berta (1930-2012) foi uma fígura da sociedade guneense, antes e depois da independência. O livro do José Ceitil teve uma excelente aceitação.
1. Mensagem do José Ceitil, nosso leitor e amigo, com data de 11 do corrente
Amigos, no próximo Sábado, às 17 horas, vou estar na Feira do livro no stand da minha editora, Âncora, situado à esquerda de quem sobe!
Gostaria de os ver por lá.
José Ceitril
Autor: José Ceitil
Editora:: Âncora
Local: Lisboa
Preço de capa: €16,00
Número de páginas: 200
Formato: 150 mm x 230 mm
Código: 6031
ISBN 978 972 780 374 3
domingo, 26 de janeiro de 2014
Guiné 63/74 - P12641: Agenda cultural (300): Noite Temática Guineense, dia 1 de Fevereiro de 2014, no Centro InterculturaCidade, a partir das 20,00 horas
1. Em mensagem de hoje, 26 de Janeiro de 2014, o nosso amigo tertuliano José Ceitil [foto à direita]enviou-nos o seguinte convite:
Caros amigos
Seria um prazer contar com a V. presença.
José Ceitil
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Nota do editor
Último poste da série de 1 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12530: Agenda cultural (299): Uma janela para o mundo lusófono: um olhar sobre a Guiné-Bissau, no mês de janeiro, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Lisboa... Destaque para: (i) Filme "A Batalha de Tabatô", de João Viana (dia 8); e (ii) Concerto de Música Tradicional com o nosso amigo Mamadu Baio (dia 29)
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
Guiné 63/74 - P12291: Agenda cultural (295): Apresentação do livro "Dona Berta de Bissau", de José Ceitil, dia 26 de Novembro de 2013, pelas 21h00 no Auditório da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira
Apresentação do livro "Dona Berta de Bissau", de autoria de José Ceitil, dia 26 de Novembro de 2013, pelas 21h00 no Auditório da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira.
A apresentação do livro estará a cargo do Dr. Mário Beja Santos.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12249: Agenda cultural (294): Lançamento do livro "Memórias de Quarenta", de autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), a levar a efeito no próximo dia 16 de Novembro de 2013, pelas 15 horas, no Hotel de Santa Maria, em frente ao Mosteiro de Alcobaça
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Guiné 63/74 - P10798: Notas de leitura (439): "Dona Berta de Bissau", de José Ceitil (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Acaba de ser dado à estampa o livro que o José Ceitil tão generosamente preparou para homenagear a Avó Berta.
Há quem já proponha que se faça uma petição para que a Pensão Central seja cuidadosamente preservada como espaço de encontro de todos aqueles que foram, estão e continuarão a vir à Guiné guiados pelo ideário de ver a Guiné reconciliada e a progredir. A Pensão Central é o exemplo mais acabado da gestão comandada pelo coração: Dona Berta perdoou muito calote, por artes mágicas, nos tempos mais negros em que na Guiné tudo faltava, pôs sempre comida saborosa na mesa dos seus clientes, sempre uma sopa, um prato de peixe e de carne, depois doce ou fruta, preço mais abordável não havia na Guiné. A Pensão Central acolheu aquela juventude plena de generosidade, constituída maioritariamente por portugueses que vieram cooperar e que ainda hoje ganham saudades do tratamento da Avó.
Dona Berta é a figura mais eloquente para exemplificar que um porto de abrigo como a Pensão que ela criou e geriu com tanta intensidade marca os povos e mostra como a Guiné pode desenvolver-se pelos valores da paz e de hospitalidade.
Um abraço do
Mário
D. Berta de Oliveira Bento, a homenagem merecida
Beja Santos
A Pensão Central tem sido, há várias décadas, o porto de abrigo de todos aqueles, das mais desvairadas proveniências, arribam a Bissau seja para trabalhar seja em romagem de saudade. Uma afabilíssima mulher pôs em andamento, comandou e recebeu todos os seus hóspedes com um sorriso tão doce que ninguém jamais o esqueceu. Agora, no ocaso da vida, José Ceitil, que beneficiou do acolhimento da Pensão Central, escreveu o livro “Dona Berta de Bissau”, que acaba de ser publicado pela Âncora Editora. Ceitil traça a trajetória desta rapariga cabo-verdiana que aos 24 anos se deslocou a Bissau para acudir uma irmã mais velha, criou laços tão fortes com guineenses, famílias de militares e cooperantes, foi tão prodigiosa a tratá-los e a alimentá-los nas circunstâncias mais dramáticas que se percebe perfeitamente que nunca desejou sair da sua tão amada Guiné. O acervo de depoimentos polariza-se neste afeto e nesta doce recordação que tão estimável senhora, uma verdadeira sinhara do século XX, perdura no coração de milhares de pessoas.
Ceitil teve a gentileza de me pedir um depoimento sobre os laços que com ela estabeleci e é com muita alegria por haver tão sentidamente homenageada que aqui transcrevo o que por ela sinto, sentimento que jamais me abandonará, tal e tanta é a minha gratidão pelo que ela fez por mim:
“A D. Berta e a sua pensão são instituições internacionais, unem continentes, são pessoa acolhedora e espaço residencial único, há décadas, ali viveram participantes e figurantes de várias guerras, investigadores, cooperantes, gente abnegada que veio cheia de sonhos, à espera de ver a Guiné-Bissau florir.
A D. Berta entrou na minha vida quando casei, em Abril de 1970, em Bissau. Passámos, a Cristina e eu, uns dias em casa dos meus padrinho Elzira e Emílio Rosa, a seguir a alguns dias no Grande Hotel onde, a pretexto da chegada de personalidades distintíssimas, fui avisado quase em cima da hora que tínhamos de sair no dia seguinte. No meio da perplexidade, alguém me recomendou: “Olha, vamos daqui até à Pensão Central, é ali ao lado da Catedral, é certo e seguro que a D. Berta vai desenrascar a situação”. E desenrascou mesmo.
Para quem não sabe, a Pensão Central resistiu à guerra de 1963-1974, esteve sempre acima de todos os golpes de Estado, guerras civis e estados de sítio. Mesmo quando houve períodos de escassez de alimentos, o elementar não faltava na Pensão Central. Com a independência, a Pensão Central tornou-se um espaço de livre-trânsito para todos os cooperantes. Quando ali aterrei em 1991, tanto podia almoçar com holandeses ligados a projetos de saneamento de água em Canchungo como peritos do Banco de Investimentos de África, como jantar com os portugueses da Medicina Tropical ou italianos do Fundo Monetário Internacional. Naquele tempo ainda era possível atravessar meia Bissau a pé à noite, despedia-me da D. Berta e rumava para as instalações da CICER, era uma bela caminhada de quase dois quilómetros. Às vezes o Delfim Silva dava-me boleia, era encontros agradáveis sobretudo em noites sem lua. A D. Berta nunca me saiu do coração, estou em crer que nunca saiu da recordação de ninguém que comeu ou dormiu naquela pensão. Uma vez, já em Dezembro de 1991, estava eu desesperado com a inércia a que chegara o projeto que me levara à Guiné (criação de uma comissão interministerial de defesa do consumidor, havia decisão do presidente Nino Vieira, o ministro português Carlos Borrego criara uma linha de financiamento para as instalações, eu conseguira encontrar uma técnica para coordenar a comissão com o perfil adequado, mas nada mexia, as nomeações não se faziam, não era possível obter a concordância para o início das obras das instalações, sitas no antigo Quartel General), e a D. Berta vendo-me à varanda abatido, chegou ao pé de mim e com voz consoladora, disse-me: “Vá lá, pense na Guiné, que o trouxe cá de novo, pense no bem da nossa gente, o que não sair perfeito hoje dar-lhe-á saudades para voltar mais tarde...”. E o meu estado de espírito mudou. Infelizmente, nada avançou, fizeram-se ainda uns programas televisivos, creio que tudo caiu no olvido.
A D. Berta era tida como uma santa, alegrou a vida de muita gente, transformou o espaço anónimo de uma pensão numa casa de vínculos perduráveis. Um dia, escrevi o seguinte: “Só espero que alguém transmita à D. Berta que eu estou pronto para voltar, receber dela um beijinho, sentar-me à varanda, ouvir os sinos da Catedral, o bulício da Avenida Amílcar Cabral, sentir os cheiros do velho mercado, talvez a maresia que vem lá debaixo, do Pidjiquiti. Então, vou fechar os olhos e regressar a 1970, ali a dois passos vou ver entrar alguém que me irá falar num massacre que ocorreu nesse dia no chão manjaco, subo até ao cinema da UDIB, o passeio findará no Museu e no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, onde juntei tantos elementos para os meus livros. Depois abro os olhos, vou sorrir para a D. Berta e dizer-lhe como ela está sempre bonita, ninguém com aquele sorriso poderá envelhecer ou ser esquecido. E, claro está, iremos conversar, ela vai querer saber o que vim fazer à Guiné. Tenho quase a certeza que a vou emocionar com a Viagem do Tangomau. Nada poderá ser impossível para a D. Berta, mesmo ter um tangomau como hóspede...”.
Pois o sonho aconteceu, a roda da fortuna caiu para o meu lado. Estava a viver infernizado a escrita de A Viagem do Tangomau, descobri que tinha que voltar à Guiné. E voltei mesmo. A 18 de Novembro de 2010, rompia o dia, entrei pela Pensão Central e perguntei pela Avó Berta. Pouco depois ela surgiu atrás do seu andarilho. Há emoções que não se esgotam nas palavras. Soluçámos naquele abraço estreitado, houve até uma chuva de críticas, uma censura sentida, não lhe dera conhecimento da chegada, eu devia saber muito bem que era ali que devia ficar, nunca em pensões alheias ou hotéis. Quis saber tudo sobre o meu trabalho, o que me trazia à Guiné. Com aquela voz meiguinha de sempre, perguntou-me se eu tinha esquecido a canja de ostra, fui veemente: “Não se come melhor canja de ostra que na Pensão Central, a Avó sabe muito bem”. E determinou: “Pois amanhã vem cá comer sopa de ostra, é em sua honra”. Naquele dia acabei por almoçar lá, fui levado pelo embaixador António Ricoca Freire. Cumprida a minha missão em Bissau, parti para a região de Bambadinca, mas a Avó Berta assegurou-se dos seus direitos: “Quando vier, ficará aqui até partir, por favor não discuta mais”.
Assim aconteceu. Tivemos serões inolvidáveis, fiquei a saber toda a história da Pensão Central, do princípio até ao presente. O relato da Avó foi impressionante, não havia ali uma réstia de farronca ou sobrançaria, ela viveu o que tinha a viver, a pensão transformara-se na obra da sua vida. Sei muito bem que quando estiver a ultimar o final do romance irei sentar-me na varanda do segundo andar da Pensão Central, anoiteceu, chegou o lusco-fusco tropical, ouve-se lá em baixo o caminhar tonto das viaturas a fugirem aos buracos da Avenida Amílcar Cabral. Desço para agradecer tudo à Avó, as suas deferências e as suas repetidas provas de generosidade. Ela pede-me que lhe enviei uma imagem da Nossa Senhora de Fátima, o que irá acontecer, o portador será o embaixador António Ricoca Freire. Depois ainda telefonei à Avó para lhe pedir que recebesse a investigadora alemã Tina Kramer. E a Avó disse-me: “Venha depressa, estou doente, quantos mais amigos aqui tiver à minha volta, melhor”.
Tenho que escrever A Viagem do Tangomau depressa. E preciso que Deus me ajude dando-me ideias para um romance em que eu volte à Pensão Central, àquele universo de muitas reconciliações, aquela permanente casa de paz que aspiramos para toda a Guiné.”
Reencontro com a Avó Berta, na manhã do dia 18 de Novembro de 2010, ficámos assim depois de uma grande choradeira
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10781: Notas de leitura (438): "A Curva do Rio", de V. S. Naipaul (Mário Beja Santos)