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sábado, 3 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25131: Os nossos seres, saberes e lazeres (612): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (140): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Com o passeio num troço do rio Douro, caminhou-se para o término destes dias de deslumbramento em lugares vinhateiros que totalmente desconhecia. O que prende a atenção em primeiro lugar é a afeição no acolhimento dos grupos que chegam, a sentida satisfação em mostrar o património, desde monumentos nacionais a lugares pitorescos, a vislumbres do passado, ver mulheres vindimadeiras a acenar com alegria a nossa passagem; e compreender como aqueles solos xistosos, declivosos, são esmeradamente tratados para dar vinho fino ou licoroso ou de mesa, é a região demarcada mais antiga e é vendo que se percebe porquê; e há os monumentos paisagísticos, inigualáveis que só o Douro dá permissão. Do pouco que vi, fica agora o desejo de alargar as vistas, há aqui uma gente muito gentil que nos toca o coração, não posso pois deixar de recomendar que façam romagem até estas paragens.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (140):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (9)


Mário Beja Santos

Estamos no Pinhão, é dia de passeio de barco pelo rio Douro, o tal rio de quem Miguel Torga proferiu esta sentença: “Nenhum outro caudal nosso tem tais estremecimentos, tais lutas, tão denodado pelejar em todo o curso; nenhuma outra nesga de terra possui mortórios tão vastos, tão estéreis e tão malditos.” Parece blasfémia, é uma observação lúcida à chusma de contradições que o Douro e o seu rio oferecem, a aridez do xisto e de uma terra que parece queimada, rio de sinuosidades que abre inusitadas plataformas coloridas, surpreendentes. Do perto ao longe vemos serras nuas a perder de vista, e dentro da aridez o verde quase todo o ano, dado pelas videiras, terra declivosa e nós a contemplar aquelas titânicas escadarias ou socalcos. Tudo isto é avistado a partir do Pinhão.
Houve que preparar algum conhecimento sobre o Douro e as suas terras, houve que reler de bom grado o Miguel Torga e Araújo Correia, este médico na Régua. Antes de partir para este Douro de aldeias vinhateiras tirei da estante o álbum Os mais belos rios de Portugal, texto de João Conde Veiga e fotografia de Augusto Cabrita, anotei num caderninho algo que me ajudou a fazer a leitura do rio e da paisagem: “O Douro é talvez a região mais trabalheira de Portugal. A terra áspera e íngreme, onde pela disposição nenhum mecanismo agrícola pode ser empregado, é toda laborada a aço e a pulso. O homem duriense, mal descobre na ilharga de um monte dois palmos de terra xistosa, sobranceiro ao rio, que lhe pareça propícia ao fabrico de um ou dois geios, aí está ele com a picareta e o ferro do monte a esfarelar, a erguer o socalco e a espetar no custoso degrau duas dúzias bacelos, que serão o seu melhor cuidado, até à morte, como se fosse as mais finas roseiras.”

É esta a paisagem que se desfruta, nesta manhã de sol esplendoroso.

O Pinhão e a sua ponte, o povoado na margem direita, a riqueza vinícola na esquerda
A vegetação a beijar o rio, o arvoredo a suster as terras, as videiras alinhadas, ao longe tudo parece pintado, entre o azul e o verde
Não chegaremos a Barca D’Alva, pouco importa, o olhar enriquece-se com todo este contraste, parecem águas oleosas, graças à luz do céu, veja-se o encarpado das margens, volto a pensar no Miguel Torga: “Socalcos são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limites plausíveis da visão. Um poema geológico. A beleza absoluta.” E o rio sulcado por embarcações turísticas, nas duas direções.
Sabe-se lá porquê, enquanto via esta árida encosta e o casario nela encimado recordei-me do primeiro filme de Manoel de Oliveira, “Douro, Faina Fluvial”, não propriamente um filme, mas um documentário, não passado aqui, mas na zona ribeirinha, e deu-me para questionar quão inusitado é este espetáculo e tão diametralmente diferente do Douro que atravessa o Porto e Gaia. Um escritor já completamente esquecido, Sousa Costa, falava do odor das uvas derramado no ar, em afagos capitosos, nos cânticos das mulheres e os gritos dos carregadores, registando a mancha movediça das vindimadeiras a arrancar os cachos maduros, eles cantando em coro estribilhos de canções populares, também tenho direito a deixar correr o pensamento e a imaginar que na curva seguinte vou presenciar, na plenitude, as vindimas nesta terra quente, e até avistar barcos rabelos…
Vamos voltar ao Pinhão, que já foi o embarcadouro das pipas de vinho fino a caminho das caves de Gaia, acenou-se ao comboio a caminho da Régua, não se avistaram vindimas e não há rabeleiros cheios de pipas, não o odor das uvas, só estes montes pintados, e então deu-me para pensar em Eça de Queiroz e numa observação dele em “A Cidade e as Serras”:
“Olha para o rio! Rolávamos na vertente de uma serra, sobre penhascos que desabavam até largos socalcos cultivados de vinhedo. Em baixo, numa esplanada, branquejava uma casa nobre, de opulento repouso, com a capelinha muito caiada entre um laranjal maduro. Pelo rio, onde a água turva e tarda nem se quebrava contra as rochas, descia, com a vela cheia, um barco lento carregado de pipas. Para além, outros socalcos, de um verde-pálido de reseda, com oliveiras apoucadas pela amplidão dos montes, subiam até outras penedias que se embebeciam, todas brancas e assoalhadas, na fina abundância do azul. Jacinto acariciava os pelos corredios do bigode: - O Douro, hein?... É interessante, tem grandeza.”

É a hora da despedida, estamos prestes a aportar no Pinhão. É nisto que recordo que ainda não se fez uma saudação ao vinho fino, para o vulgo vinho do Porto, socorro-me novamente de João Conde Veiga: “Mama, na sua nascença, nas fráguas de xisto, que acobertam a raiz do calor, depois é o sol que, numa estranha alquimia, se condensa no açucarado das uvas, e daí vai ser engarrafado em vinho como se fosse o próprio astro quente e brilhante que mandássemos aquecer os país das brumas.” Um passeio que me regalou. Vamos amesendar em Tabuaço, como sempre acontece, haverá um passeio derradeiro, o autocarro partirá depois à desfilada por horas, até nos largar em Sete Rios, bem perto do Jardim Zoológico.
Vagueando por Tabuaço, detive-me em frente a uma bica, muito gostei do conjunto azulejar, lá vão os campónios rumando para as alturas, não se sabe quais, para o caso não interessa, estamos a centenas e centenas de metros acima do nível do mar, é só mais uma escalada, porventura ali cultivam para a subsistência e tratam primorosamente as suas videiras, oxalá que ainda hoje assim seja.
Fica-nos a impressão que em termos turísticos Tabuaço é de pouca permanência, mas sabe bem ver quem aposta num modelo turístico não hoteleiro, provoca sempre agrado ver intervenções sérias como esta aparenta.
É a despedida, voltando atrás, àquela manhã em que fomos a Barcos, inequivocamente aldeia vinhateira, prendeu-nos a atenção este casarão que já conheceu melhores dias, mas guarda imponência ali junto à igreja matriz, que é de suprema excelência, para que conste.
Porquê voltar a falar de S. Pedro das Águias, um tesouro do românico, que não se visitou? Se é verdade que a viagem nunca acaba, há que criar argumentos para voltar, o Douro vinhateiro é imenso, e o último traço de memória que registo é o orgulho destas gentes pela sua ancestralidade e pela comunicação afetiva gerada pelo Douro que corre lá em baixo e por este xisto abençoado da terra quente onde medra um dos pais gostosos vinhos do mundo.
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Nota do editor

Pos anterior de 27 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25114: Os nossos seres, saberes e lazeres (611): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (139): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (8) (Mário Beja Santos)

sábado, 27 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25114: Os nossos seres, saberes e lazeres (611): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (139): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Insisto no pedido de desculpas por ter andado a revoltear imagens, depois de fotografar os belos conjuntos azulejares do Pinhão é que dei que tinha deixado para trás as imagens captadas em Santa Maria de Salzedas, cuja visita recomendo a quem quer que seja sem qualquer hesitação. Este edifício religioso é frisante, demonstrativo, de que quando entramos num espaço marcado pelo barroco ou pelo maneirismo a ninguém ocorre que já houve ali um outro edificado. Não sei por que carga de água o mosteiro cisterciense sofreu tais tratos de polé, a ponto de praticamente nada subsistir, a não ser vestígios. Depois foi vendido em hasta pública, dispersaram-se riquezas, felizmente que chegou a hora da recuperação e do restauro, permaneceram vestígios da igreja medieval, que era de planta em cruz latina, a atual fachada data dos finais do século XVIII, está marcada por duas torres laterais adiantadas, a nossa visita guiada começou pelo claustro do capítulo que leva obras de restauro vai para 13 anos, o resultado é imponente, por isso aqui se pretendeu dar uma imagem do espaço museológico, ele é bem merecedor do nosso desfrute tal a riqueza do seu património, basta pensar nos painéis atribuídos a Grão Vasco e o conjunto de obras legadas por Bento Coelho da Silveira, referência maior da pintura portuguesa do século XVII.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (139):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (8)


Mário Beja Santos

A tarde está reservada a Ucanha e ao Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, na região de Távora-Varosa, região vitivinícola por excelência. Inicia-se a visita à casa do Paço de Dálvares, é um museu agrícola dentro de um edifício belamente reabilitado e onde se irá ouvir falar do espumante Murganheira. Fugi à lição, preferi deambular por este belo espaço e espiolhar o museu, mas não fugi à libação, muitos excursionistas não resistiram a fazer aquisições na loja de vendas.

Casa do Paço de Dálvares – Tarouca, Museu do Espumante
Um pormenor do pátio interior das instalações, este maciço de pedra é impressionante
Imagem do museu

Da Ucanha, da sua torre e ponte, já aqui se fez menção e se pediu muita desculpa por andar de trás para a frente por pura negligência de quem não sabe de manejar a câmara, e compulsar as imagens arquivadas, asseguro que a seguir à visita e este belo mosteiro vamos em definitivo navegar no rio Douro, sequência que se interrompeu quando se fez referência ao Pinhão e aos belos azulejos da sua estação ferroviária.
Bom, estamos diante deste mosteiro de Santa Maria de Salzedas Olhando a fachada, opulentíssima, ninguém acredita que tudo começou pela construção de um mosteiro cisterciense masculino, iniciado em 1168 graças ao patrocínio da segunda mulher de Egas Moniz; os monges receberam diretamente de D. Afonso Henriques o couto de Algeriz. Este domínio, mais tarde designado por Salzeda, e depois por Salzedas, abrangia as atuais freguesias de Ucanha, Granja Nova, Vila Chã da Beira e Salzedas, no concelho de Tarouca, e Cimbres, no concelho de Armamar.
A implantação do mosteiro obedeceu aos princípios da regra cisterciense, localiza-se num vale, há acesso direto a um curso de água, a ribeira de Salzedas, afluente do rio Varosa.
O passeio terminará com a visita à igreja, que já foi medieval de planta em cruz latina, tem três naves e transepto saliente, foi sagrada em 1225. Veremos pelas imagens que apesar das muitas alterações introduzidas nos séculos XVI, XVII e XVIII, ainda é possível observar da construção original alguns elementos. A fachada, evidentemente, nada guarda desses tempos da Reconquista Cristã.

Ao longo dos últimos anos, este monumento absurdamente votado ao abandono, tem vindo a ser objeto de intervenções de conservação e salvaguarda, com destaque para a consolidação do claustro de capítulo. O mosteiro está agora integrado na rede de monumentos do projeto turístico-cultural Vale do Varosa. Entre 2010 e 2011 foi levada a cabo uma profunda intervenção de recuperação e valorização que incluiu restauro do património integrado e criação de um espaço museológico que veio a ser aberto ao público, é bem merecedor de visita pelo seu destacado valor histórico e patrimonial.
Uma parte da recuperação, mas é bem visível que ainda há muito a restaurar
Uma simples imagem da bela azulejaria que se conserva, mas há para ali danos irreversíveis. Os azulejos que cobrem a sala do capítulo são azulejos de maçaroca a azul e amarelo. Este espaço monárquico, riquíssimo em arte, sofreu muitíssimo com a extinção das ordens religiosas em 1834, foi tudo vendido em hasta pública (espaço monástico e recheio) ficando para uso da paróquia a igreja, a ala Este e parte da ala Sul.
Entrámos agora na área museológica, mais propriamente na sacristia, este Cristo na cruz é de uma beleza impressionante
Imponentes painéis que tudo ganharam com o restauro
Há dois quadros no espaço museológico atribuídos a Vasco Fernandes, Grão Vasco é dado como responsável por um dos mais excecionais retábulos deste mosteiro, constituído por quatro painéis com as figuras de S. Sebastião, Santo Antão, Santa Catarina e Santa Luzia, produzidos entre 1511 e 1515. Estão aqui restaurados S. Sebastião e Sto. Antão, são uma das principais atrações deste núcleo museológico.
Nesta galeria há obras que merecem uma contemplação atenta. É o caso destes das obras de Bento Coelho da Silveira, uma delas, Imposição do hábito a S. Bernardo, possui um equilíbrio nos volumes e na segurança com que trata o grupo humano que certifica o indiscutível talento desta referência maior da pintura portuguesa do século XVII. Bento Coelho da Silveira é autor de um conjunto de pinturas realizado para este mosteiro constituído por diversas cenas da vida de S. Bento e S. Bernardo, que ele realizou entre 1667 e 1675. Faziam provavelmente parte do conjunto das oito telas do espaldar do arcaz da sacristia.
Capitel em granito talhado, séculos XII-XIII
Capitel geminado pertencente ao claustro original, também em granito talhado, séculos XII-XIII
Interior da igreja, nave principal
Quatro imagens que permitem ver elementos do templo primitivo, como foi referido, tudo foi refeito a uma escala que vai do maneirismo ao barroco, mas não se apagaram estes elucidativos vestígios da Cister no Vale de Varosa, séculos XII e XIII.

Aqui findou o passeio e regressámos a Tabuaço. O dia seguinte foi reservado ao Pinhão, de que já se falou, segue-se o esplendoroso passeio pelo Douro, à tarde houve quem quis ir visitar S. João da Pesqueira, precisei de ler e repousar. Na manhã seguinte despedimo-nos de Tabuaço, e a excursão de 5 dias deixou-nos em Sete Rios, o local dá sempre jeito, apanha-se o comboio para Roma-Areeiro, um quarto de hora depois está-se em casa.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 20 DE JANEIRO DE 2024 > lGuiné 61/74 - P25092: Os nossos seres, saberes e lazeres (610): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (138): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (7) (Mário Beja Santos)

sábado, 20 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25092: Os nossos seres, saberes e lazeres (610): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (138): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Começo por um sincero pedido de desculpas. Ao desfiar as minhas recordações, senti que havia ali um atropelo de imagens, questionava-me se a ida a Ucanha não devia estar sintonizada com a visita ao Mosteiro de Santa Maria de Salzedas e às Caves da Murganheira, como não via as imagens atinentes, desatei a correr para a frente, o que o leitor hoje vai ver, tirando as imagens da Ucanha, passou-se no dia seguinte, passeio de Tabuaço ao Pinhão e viagem pelo rio Douro, parece literatura de antecipação mas não é, é uma besteira de quem não sabe mexer convenientemente no ficheiro de imagens. No próximo texto interrompo a viagem no Douro e regresso à região de Távora-Varosa. A Ucanha tem a sua magia, os azulejos da estação ferroviária do Pinhão formam um conjunto de painéis de valor inexcedível, é o que hoje aqui se mostra, para a semana voltamos ao passado, e depois percorre-se o rio Douro. São desatinos desta idade maior, mil vezes perdão.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (138):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (7)


Mário Beja Santos


Como é que eu deixei atropelar as imagens, é que não entendo. Tínhamos ido visitar as Caves da Murganheira, na região Távora-Varosa, era inevitável visitar Ucanha, a sua torre, a sua ponte medieval única, o meio circundante. A povoação tem hoje cerca de 400 habitantes, vive-se ali num ambiente de quase fantasia com este património medieval notável, estamos perto de Salzedas, nesta excursão às aldeias vinhateiras do Douro será um ponto de referência, fica para mais adiante. Estamos na região de Tarouca, nesta viagem não visitaremos S. João de Tarouca, infelizmente. Ucanha pertenceu ao couto de Salzedas e a terra-natal de um dos nossos maiores filólogos e etnólogos, José Leite de Vasconcelos. Visita de médico, caminhava-se para o fim do dia, a assistente da excursão olhava frequentemente para o relógio, mas deu para apreciar o que se vê vezes sem conta, pois Ucanha vale.
A torre de Ucanha, data do século XV
A ponte de Ucanha, acaba de receber obras de restauro, a sua dimensão mete respeito
O rio Varosa, tal como corre debaixo da nossa mais bela ponte medieval, a de Ucanha

Mudamos agora de azimute, saímos de Tabuaço para o Pinhão, há passeio fluvial no Douro, o tal Douro que Miguel Torga cantou chamando-lhe um poema geológico, de uma beleza absoluta. Como chegámos antecipadamente, a assistente deu-nos rédea solta, tempo para visitar o Pinhão, a ponte, saída dos ateliês de Eiffel, impressiona. Mas o que mais me surpreendeu foi andar a mirar e remirar os azulejos da estação ferroviária. Nunca tinha dado por isso, Pinhão pertence ao distrito de Vila Real, está no coração da região vitivinícola. Bem procurei no turismo informações suculentas, uma brochurinha e viva o velho. Fala-se na existência de uma ponte romana, a ponte metálica de Eiffel é mais largamente mencionada, tal como a linha do Douro que começou a funcionar no Pinhão em 1880, na atualidade há o comboio quotidiano e o comboio histórico, este é uma locomotiva a vapor construída em 1925. Mas bebido o cafezinho, fui prazeroso para a gare, os 24 painéis de azulejos do Pinhão exibindo as paisagens do Douro e os trabalhos vinícolas, são topo de gama, não há livro da azulejaria portuguesa que não os louve. Em tons azuis, como, aliás, é timbre das nossas estações ferroviárias e de muitos mercados dos anos 1930 e 1940, foram concebidos por J. Oliveira e encomendados à fábrica Aleluia, em 1937. Indiscutivelmente, uma das mais belas coleções de painéis azulejares em estações ferroviárias em Portugal. Basta vê-los um a um, não há que enganar, incluem a legenda do motivo escolhido. Caminham para 90 anos de vida, estão muito bem tratados, aqui me curvo respeitosamente, por tanta beleza desmedida.
Pronto, já estamos a bordo, como diria Miguel Torga, vamos ser avassalados pelo prodígio da paisagem, esta imensidade de socalcos, este excesso de natureza, o tal poema geológico, a tal beleza absoluta entre o trabalho do homem que gerou estes terraços e a graciosidade do Douro. Deste rio prodigioso se falará a seguir.
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 13 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25067: Os nossos seres, saberes e lazeres (609): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (137): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (6) (Mário Beja Santos)

sábado, 13 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25067: Os nossos seres, saberes e lazeres (609): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (137): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Em definitivo, Trevões tem muito a oferecer a quem a visita, quem aqui chega pela primeira vez não suspeita que será confrontado com tesouros de vária espécie, já se exaltaram os solares, o Paço Episcopal, a opulenta igreja matriz engalanada de barroco, mas que possui uma austera fachada do tardo-gótico, não dá para acreditar que ali houve a presença de bispo de que resta o paço em decadência, e depois os museus, que comprovam orgulho cívico, um carinho por cuidar das coisas que vêm de antanho, independentemente dos técnicos preparados em arqueologia ou museologia ou estatuária. Aqui se fala da visita ao Museu Etnográfico, ele é o espelho indisfarçado de uma sociedade agrícola que subsiste adaptando-se ao estatuto de aldeia vinhateira, e quem vive em Trevões diz que não quer sair de cá, todos se dão bem com todos, e como novos rurais aparecem gente que se cansou da cidade e aqui quer montar empresas. Trevões, inesquecível aldeia vinhateira, é o que eu posso dizer.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (137):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (6)


Mário Beja Santos

É a despedida de Trevões, visita ao Museu Etnográfico, e depois andarilhar à volta e entrar no autocarro. Há uns bons anos, quando existia O Correio da UNESCO, uma revista inesquecível, Pierre Nora, um notável historiador francês, produziu uma reflexão sobre o fenómeno explosivo dos museus regionais e temáticos. Atribui ele a razão de ser desta avalanche de recolhas, manutenção e exibição de objetos de arte, de usos e costumes locais, a uma reação à cultura de massas que pretende atrais as falanges turísticas aos monumentos que a comunicação social apregoa como os indispensáveis. É, portanto, uma reação a uma cultura urbana que centraliza as grandes linhas da identidade, é nas cidades que se concentram as obras de arte de valor indiscutível, seja em arqueologia, da chamada arte popular, de todos os movimentos artísticos até às correntes atuais. Daí o Museu do Pão, do Vinho, dos Têxteis, do Queijo, e tudo o mais que se sabe. Mas há os locais pouco visitados por essas massas turísticas que não desejam arredar-se do chamado orgulho cívico, a história do lugar. E, como se fez notar, Trevões tem casas solarengas, residências de quem já teve ou tem posses, uma igreja matriz que é um monumento nacional, um Museu de Arte Sacra de tesouros acumulados ao longo de séculos. O que vamos visitar agora, e ser surpreendidos por uma mestria museográfica e museológica tem a ver com os costumes, o quotidiano de outrora, séculos de vida material em Trevões. A fachada do museu é impecável, há até para ali um brasão de armas, somos acompanhados por Paula Catarino, creio que lhe cabe a responsabilidade de zelar pelos dois museus, logo à entrada deparam-se sinais de vida associativa, há espaço de reunião e de conversação e as salas que se sucedem lembram-nos que Trevões possuiu uma sociedade agrícola, e mostra tais sinais com uma exposição que mete respeito.

O calçado das gentes, naquele tempo o sapateiro tinha muito que fazer, o couro, a madeira, o pregueado, os socos e os tamancos, o que se vê são solas que pretendiam afugentar a friagem, estamos na montanha, há agricultores e pastores e as ruas não eram alcatroadas.
Veja-se o desvelo como tudo está exposto, a alvura na coberta da cama, o miminho do berço, com aquele azul era menino pela certa, e na cama do casal a camisa de dormir e o conforto de ter o bacio ali perto.
Quando olhei para aqueles sacos lembrei-me dos meus soldados açorianos quando iam a casa e regressavam com vitualhas. É uma bela exposição de peças de uso caseiro, cestos para ovos ou frutas, medidas e cabaças, até a peneira.
Aqui temos um pouco de tudo, a lembrança daquele grande espaço do forno a lenha, o panelo de ferro ou alguidar de barro, um arsenal de objetos ligados à vida doméstica e até ao comércio, e ali mesmo à direita uma arca-banco, tanto podia ser para guardar roupas de cama ou de vestir, mas lembro-me de um dia ter entrado numa casa onde o hospitaleiro anfitrião foi buscar comida no seu arca-banco, o que me pareceu uma extravagância… até que vi entrar naquele espaço um bom número de cães e gatos e apercebi-me que todo o cuidado era pouco.
Acabou a visita ao Museu Etnográfico, temos uns minutos de deambulação, adorei ver esta casa e pensar no que nela se tornaria com uma intervenção que não deslustrasse esta frontaria, esta mescla de pedras. Oxalá que assim venha a acontecer.
Mais uma manifestação de casa apalaçada, dá sinais de abandono, é toda ela folgada em espaço, terá tido um jardim ornamental, é bem provável que esteja à espera de novo dono que ponha toda esta beleza arquitetónica no seu devido lugar.
Bem procurei o nome desta capela de Trevões, não é de muita antiguidade, mas o que me surpreende é a severidade da pedra, uma lembrança do românico, só tem duas frestas na fachada para arejamento, nada de adornos, este espaço só serve para rezar, não são precisas ornamentações fáceis. E digo adeus a Trevões, quando possível aqui voltarei.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25041: Os nossos seres, saberes e lazeres (608): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (136): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (5) (Mário Beja Santos)