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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7026: Estórias do Jorge Fontinha (12): Os nossos Enfermeiros

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 19 de Setembro de 2010:

Carlos Vinhal
Já era mais que tempo.
Aqui vai mais uma Estória. Se a poderes publicar até ao dia 24, ficaria satisfeito.

Aquele abraço
Jorge Fontinha


Estórias do Jorge Fontinha (12)

Os nossos enfermeiros

A CCAÇ 2791- (FORÇA), foi uma Companhia, cujos Especialistas e não só os Operacionais, foram de verdadeira excelência.

Hoje vou falar da equipa de enfermagem cuja competência e dedicação não tiveram limites. Superiormente liderada pelo Furriel Miliciano Urbano Silva, os Cabos e maqueiros divididos pelos 4 Grupos de Combate, foram uma equipa de respeito.

O Urbano era incomparável, tanto na sua Especialidade como ser humano, voluntarioso, competente e rigoroso. Ninguém escapava às suas seringas nem aos seus comprimidos. Protagonizámos, os dois, muitos episódios, alguns deles já nem sequer os consigo lembrar. Há todavia um que jamais vou esquecer.

Quando a Companhia se reúne em Teixeira Pinto com o nosso 4.º Grupo, alguns dias passados, há uma operação programada para o Balangarez. Na véspera tive uma entorse no pé direito e como nunca me havia baldado em circunstância alguma, fui ter com o Urbano para que ele me desse a sua opinião. Depois de revisto, aconselhou-me a consultar o médico do Batalhão, que me aconselhou a descansar 3 a 4 dias, passando-me uma baixa para 3 dias. Como era da minha obrigação, dei conhecimento ao Alferes Gaspar e dirigi-me ao gabinete do Capitão Mamede, informando-o da situação. Aconteceu o impensável!

O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.

Furriel Miliciano Enfermeiro, Urbano Silva

Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.

Perguntei-lhe para que era aquilo tudo, se já tinha decidido não ir à operação. Aí, sem que nada o fizesse esperar, faz uma pirueta no ar, dá dois ou três passos de dança e diz três ou quatro palhaçadas, provocando um ambiente hilariante e de boa disposição. Foi a táctica dele. Vais à operação ou não? Vou, mas levo a dispensa no bolso. Se tiver de ser evacuado, alguém a vai ver!

Hoje digo obrigado Urbano.

No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado. Valeu-me na altura a minha companheira de emboscada, a inseparável garrafa de Whisky, duas goladas e a colaboração do Cabo Enfermeiro Silva, que com o restante me massajou, pondo-me a transpirar abundantemente. Ao raiar do dia, preparamo-nos para regressar à estrada e sermos recolhidos para voltarmos para Teixeira Pinto.

A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.

O Cabo Enf.º Silva assistindo-me durante a Operação

Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf.º Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.

Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.

Entretanto eu e o Alferes Gaspar, continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos á mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar. Quem estava de frente para a porta de entrada era o Gaspar, que de imediato começa vomitar, provocando-me a mim próprio, igual reacção. O Chaves ao lavar-se, esqueceu-se de mudar a camisa, que vinha ensanguentada e com vestígios da placenta. Resta dizer que o desempenho do Silva, foi exemplar.

O Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…

Aos meus bons amigos ex-Furriel Urbano e ao ex-Cabo Silva, o meu abraço eterno.

Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.

Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6999: Convívios (189): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 2791 em Viseu, dia 25 de Setembro de 2010 (Jorge Fontinha)

Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 6 de Junho de 2010:

Carlos Vinhal:
Esta é a História da minha guerra, publicada na revista Domingo, do Correio da Manhã, em 19 de Outubro de 2008.
Neste relato, o jornalista que o compôs, entrelaçou as duas realidades da minha História de vida, Estórias essas que eu já contei no blogue.

Em pesquisa de blogues sobre o Ultramar Português, descobri que alguém aproveitou e muito bem, o meu contributo, então para a referida revista.

Se achares oportuno e não repetitivo, gostaria que publicasses no Blogue, esta versão dos mesmos factos.

Um abraço.
Jorge Fontinha


Outubro 19, 2008

'Um soldado pediu-me que o matasse'


Jorge Ventura Fontinha, esteve na Guiné, em 1970/72 e diz na Revista do «Correio da Manhã» deste domingo:

- “O Ultramar, para mim, divide-se em duas partes: quando lá vivi e o meu irmão mais velho foi assassinado pelos guerrilheiros, e depois, quando regressei para combater por Portugal.”

Eu vivi as duas faces da guerra. Primeiro em Angola, onde o meu irmão, mais velho seis anos, foi assassinado em 1961, durante um ataque dos guerrilheiros à nossa fazenda, em Nambuangongo. Nove anos e meio mais tarde, após ter passado por Portugal como refugiado, fui enviado para a Guiné-Bissau pelo Exército, onde voltei a ver a morte e procurei defender os interesses do País.

Como cabo miliciano, fui integrado na Companhia de Infantaria 2791 e embarquei a 19 de Setembro de 1970, no paquete ‘Carvalho Araújo’, com destino a Bula e ao Batalhão de Caçadores (BCAÇ) 2868. O meu baptismo de fogo começou a desenhar-se às 02h00 de 17 de Novembro de 1970, quando já era furriel. Da parada do quartel de Bula partimos para Chochmon. A minha secção ia completa: na primeira equipa, o Celestino, o Azevedo e o Monteiro olhavam, de vez em quando, para trás. Os restantes, que seguiam atrás de mim (o Romão, o Cavaco, o Matos, o Pinto e o Nunes) iam como uma sombra, a uma distância considerável. Um problema atormentava-me: antes de partirmos, o Nunes havia-me pedido que o ‘desenfiasse’, porque pressentia que lhe ia acontecer alguma coisa. Fiz--lhe ver que tudo não passava de mania mas no meu lugar (o 5.º na progressão em relação ao grupo de combate) não parava de pensar no seu caso.

Eram 03h30 e eu seguia embebido nestes pensamentos, quando, de súbito, ouvi um estrondo e uma chuva de estilhaços caiu sobre alguns de nós. Depois, foi o silêncio. Pensei logo tratar-se de uma mina e, quando olhei para trás, vi o pessoal abrigado, à excepção de um soldado que, no caminho, gemia e rebolava-se no chão. Corri para ele, que, de barriga para baixo, com a mão esquerda a procurar na perna do mesmo lado o pé perdido, suplicava: – Meu furriel, mate-me, acabe comigo! Meu furriel, tenha dó de mim!

Olhei para ele, emocionado, quando o homem das Transmissões e o enfermeiro corriam para o soldado. Virei as costas, para que me não vissem chorar. Chorei, sim, de raiva, de impotência e de ódio. Era o Nunes! E porquê ele, meu Deus? Antes de sairmos do quartel, bem me tinha dito que ia acontecer alguma coisa! E, afinal, não fora um ataque, apenas um acidente: o Nunes, apontador da bazuca, deixou cair uma granada no chão que, ao rebentar, lhe ceifou um pé e parte de uma perna. Outros soldados e o alferes comandante ficaram com ferimentos menos graves e tiveram de ser evacuados. Mais tarde, a coluna pôs-se em marcha e caminhou para a conclusão da operação, que culminou com grande sucesso, apesar de mais alguns soldados terem sofrido ferimentos ligeiros.

A 27 de Setembro de 1972, a companhia regressou a Lisboa, de avião; mas esta era apenas uma parte da minha vida no Ultramar que terminava e a outra, vivida nove anos e meio antes, no início de 1961, em Angola, fora ainda mais dolorosa. Eu tinha 12 anos e havia nascido em Ambriz. O meu pai era guarda-fiscal e, no início da década de 1950, adquiriu uma fazenda. Eu encontrava-me em Luanda, no colégio da Missão de S. Paulo, onde sempre residi quando não estava com o meu pai e o meu irmão. A minha mãe morrera em 1953, vítima de ‘biliosa’. Apenas a 20 de Março de 1961 soube do ataque que tinha havido à fazenda, cinco dias antes, quando chegaram os primeiros sobreviventes. Entre eles o meu pai, meio despido e descalço, na altura com 51 anos, desfigurado e desfeito no seu íntimo. Esteve agarrado a mim uma eternidade a chorar.

Soube então o que tinha acontecido. Eram 16h00 e o meu pai encontrava- -se a descansar no quarto quando se apercebeu de que algo se passava lá fora. Levantou-se e deparou-se com alguns empregados e familiares barricados atrás da porta, que era violentamente empurrada e cortada à catanada. O meu pai verificou de imediato a ausência do seu filho Fernando. Um dos empregados enfrentou os atacantes e decepou um deles à catanada, pondo os restantes em fuga, dando tempo a que todos fugissem em direcção a uma camioneta. Foi aí que meu pai deu com o meu irmão a agonizar na cabina, com uma catanada na testa e outra no peito! Algum tempo antes, quando o meu irmão, diminuído fisicamente dos membros inferiores, estava por perto, a governanta apercebeu-se de uma certa movimentação junto ao capim e foi ver o que se passava. De imediato, um grupo compacto de guerrilheiros da UPA (de Holden Roberto), de catana em punho, dirigiu-se aos trabalhadores, pondo-os em fuga. Houve, no entanto, um que não pôde locomover-se com tamanha rapidez: o meu irmão, que tentou proteger-se na cabina da camioneta, onde viria depois a ser assassinado.

Os sobreviventes fugiram na camioneta em direcção a Nambuangongo. Como já estava ocupada, dirigiram-se para Onzo, aonde foi inviável chegar. A única saída foi largar a viatura e fugir para a mata. Por lá andaram três dias e três noites, até receberem ajuda militar. Quando voltaram à camioneta, para recolher o meu irmão, tinha sido incendiada e o corpo havia desaparecido.


UMA VIDA DIVIDIDA ENTRE ANGOLA, GUINÉ E PORTUGAL

Nasci em Angola, na vila piscatória de Ambriz, onde o meu pai era chefe da Guarda Fiscal. O meu falecido irmão nasceu em Castedo da Vilariça, Torre de Moncorvo, terra da minha mãe, falecida em Nambuangongo em Outubro de 1952. O meu pai era de Alijó, Vila Real, e faleceu em Junho de 1975. Após o falecimento da minha mãe, dividia a vida entre Nambuangongo, nas férias, e Luanda, durante as aulas, quando ficava em casa de uns tios. Vim para Portugal refugiado e fui viver para Alijó, onde estudei até ser incorporado no Exército, em Outubro de 1969. Fui militar até Setembro de 1972.

Entrei para um banco em Maio de 1972 e casei-me em 1973. Do casamento nasceram dois rapazes. O mais velho ainda em Luanda, em Agosto de 1975, e o mais novo em Alijó, em 1978. Sou reformado da banca.

(In Revista «Domingo» do Correio da Manhã)
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6302: Estórias do Jorge Fontinha (10): Uma noite muito mal passada

domingo, 2 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6302: Estórias do Jorge Fontinha (10): Uma noite muito mal passada

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 30 de Abril de 2010:

Carlos Vinhal
O Luís Faria pede-me que te dê trabalho.
A pedido, fui ao Baú das recordações e encontrei mais esta "Estória".

Aquele abraço para ti e em geral para toda a Tabanca.
Jorge Fontinha


A NOITE MAIS MAL PASSADA, DA MINHA VIDA

Nestes conturbados dias de trovoada, relâmpagos e chuvas fortes, veio-me à memória, os temporais a que fomos obrigados a passar.

Há dias, aqui perto da Régua, nomeadamente numa das encostas, comuns com o concelho de Mesão Frio, houve estragos terríveis. Aqui, de minha casa, vivo junto à marginal, senti todo o temporal, com relâmpagos, trovões e chuva torrencial intensa. No outro dia algumas pessoas questionaram-me, se eu tinha tido medo de tamanho temporal. Só respondi:

- Estava dentro de casa e o único transtorno, foi a luz ter ido abaixo e de ter de descer e subir as escadas do 6.º andar ao R/C. Já passei bem pior.

Na verdade, já me não lembro ao certo se foi na zona do BURNÉ, se na do BALANGAREZ, foi certamente entre Teixeira Pinto e Caheu.

Numa das saídas em bi-grupo, calhou ficarmos, como em dezenas de outras vezes, emboscados, para passar a noite, algures no mato. Durante o dia, foi sempre debaixo de intenso calor, onde o quico que já cheirava mal, era o único protector e simultaneamente servia para limpar a transpiração da testa e do pescoço. A determinada altura, até nos molhamos até à cintura e enchemos as botas e as cuecas das frescas águas lamacentas da bolanha, que tivemos de atravessar. Claro que o “ónus” de o fazer, teve de recair sobre mim. Era sempre a secção do Furriel Fontinha que tinha o encargo de guiar o pessoal até ao local previamente escolhido. Cabia-me sempre tal tarefa. Havia sempre quem não gostasse das minhas opções mas se o caminho que o meu azimute indicava, era aquele, não valia a pena contestar. No final, toda gente acabava por concordar.

Quando a hora de nos instalarmos se aproximou, toda a gente escolheu o lugar mais aconchegado e adequado às suas características. De preferência, junto a uma árvore, onde me encostar e soerguido, a fim de pôr a leitura em dia, enquanto havia sol ou luz que o permitisse, era o da minha preferência. Nesses momentos, era normalmente o Furriel Chaves que se entretinha a fazer a escala de sentinelas, antes de se sentar também junto a uma árvore, mais na retaguarda do Grupo, sacar do seu bem afiado canivete e esculpir, uma qualquer escultura em madeira. Confesso que me não recordo de nenhuma das esculturas produzidas por ele. Depois de nos banquetearmos com um lauto jantar da ração de combate que gentilmente os Fuzileiros nos haviam presenteado, (um abraço para eles e em especial para o então 1.º Tenente Teixeira Rodrigues), procuramos sítio para passar a noite.

Aí começa o festival de relâmpagos, de trovões e uma espécie de tromba de água, sem fim à vista. Não dá, para estar sentado e muito menos deitado. Aos relâmpagos sucedem-se quedas de árvores muito próximo de nós, os trovões são ensurdecedores e a chuva entra pelo nosso corpo como se estivéssemos nus. A acrescentar a tudo isto, os mosquitos são aos milhões e implacáveis. Por vezes, ao afastá-los da cara, chegamos a agarrar algumas dezenas deles, duma só vez. Não me lembro do tempo que estivemos assim, foi todavia uma eternidade. Quando a chuva terminou, lembro-me de me ter sentado na base da árvore e ter ficado com o “Poncho” sobre a cabeça e descontrair, pensando já não sei em quê.

A coisa que me lembro depois disso, foi alguém abanar-me e dizer:

- Furriel, acorde, está cheio de água.

Aí acordo e vejo já o sol a raiar, todo coberto de água até a meio do peito, só com meio corpo fora de água.

Então como agora, felizmente, há duas coisas que nunca me faltou. Sono e vontade de comer. Não há nada que me tire o sono. Nem as máquinas da Central da Mãe D’Agua, em Bissau, quando em Agosto de 1971 fui convidado… e ir guardar.

O que mais nos faltou fazer, Luis Faria?

Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
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Nota de CV:

Vd. 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5892: Convívios (107): Visitei a Tabanca Pequena de Matosinhos e quero homenagear os seus mentores (Jorge Fontinha)

Vd. 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5354: Estórias do Jorge Fontinha (9): Homenagem a Fernando Barradas, ex-Fur Mil Fotocine e ex-jornalista de "O Comércio do Porto"

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5354: Estórias do Jorge Fontinha (9): Homenagem a Fernando Barradas, ex-Fur Mil Fotocine e ex-jornalista de "O Comércio do Porto"

1. Mensagem de Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 24 de Novembro de 2009:

Bom amigo Carlos
Hoje remeto este meu contributo, para lembrar um grande homem.
Portugal merece ter tido nas suas fileiras militares, pessoas como o Fernando Barradas.
Que esteja em paz!
Um abraço
Jorge Fontinha



HOMENAGEM

A necessidade de lembrar um grande amigo, leva-me a falar do malogrado e saudoso FERNANDO BARRADAS

Entrada do Destacamento de Mato Dingal


Foi dos melhores amigos que alguém pode ter, sobretudo em tempo de Guerra. Privei com ele a espaços, e normalmente passávamos noites quase inteiras na conversa. Acompanhados por um ou dois maços de cigarros, uma garrafa de whisky, um balde de gelo e dois copos, no meu abrigo nocturno, de MATO DINGAL.

O Fernando era Furriel Miliciano Foto-cine. Creio que era assim que se designava a especialidade. Periodicamente, deslocava-se ao Sector de Bula e quando o fazia, era ponto de honra projectar um filme no Destacamento de Mato Dingal e aí passar a noite.

Primeiro, porque havia a fama do bom leitão à Bairrada, que se fazia no nosso destacamento, ao ponto de termos visitas variadas doutros ilustres. Não sei onde o Antonino Chaves os arranjava!... Ele é que fazia a gestão do bar, das cozinhas e de tudo quanto era conduzir a parte interna do destacamento. O cozinheiro era oriundo da Bairrada e tanto quanto me recordo, tinha a profissão de ajudante de cozinha num dos Restaurantes daquela Região. Eu tinha mais jeito para as colunas, escoltas e afins… Aqui até foi construído um forno profissional, que mais tarde viria a servir para outra coisa…. Bem essa história do forno será contada a seu tempo, quando eu regressar de férias de 1972.

O segundo motivo que levava o Fernando a Mato Dingal, era o facto que desde a primeira hora ter nascido uma certa empatia e troca de ideias comigo. Eu era o antípoda dele. Naquela idade, 22 anos, eu era de uma inocência confrangedora. Não tinha experiência política de nenhuma espécie e ignorava certos princípios básicos sobre o tema. Atento ao que me rodeava, era contudo muito bom ouvinte e pouco falador, característica que sempre me acompanhou até hoje. Por seu lado, ele era já jornalista profissional do Comércio do Porto, para o qual já fazia as reportagens possíveis, para a época. Foi ele que me catequizou no tema e a partir das várias conversas tidas com ele, fiquei a ter a ideia do que na verdade era a chamada Guerra do Ultramar e não só!...

Ficou-me para sempre gravada as horas passadas naquele abrigo, na conversa onde ele também me passou a respeitar, não só pelo que eu era na altura, mas também pelo meu passado em Angola no antes e sobretudo no pós 15 de Março de 1961. Chorou comigo essas lembranças. Jamais o poderei esquecer.

Depois da passagem à disponibilidade, encontrei-o em Luanda, cidade onde me havia radicado ainda na mira de ajudar a resolver o problema aí deixado. Foi já depois do 25 de Abril, no Aeroporto. Por curiosidade, eu e a minha mulher fomos até ao Aeroporto assistir à chegada do Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Dr. Mário Soares. O Fernando vinha na sua qualidade de jornalista do Comércio do Porto na Comitiva Ministerial.

Da varanda superior, viu-me em baixo e logo gritou pelo meu nome. FONTINHAAAAA! Atónito, virei-me para cima e logo o vi de braço no ar. Correu, descendo as escadas duas a duas e deu-me um grande abraço. Combinamos um jantar em minha casa e quando foi embora, depois do jantar, foi a última vez que o vi.

Paz á sua alma!

Alguém não lhe perdoou o facto de ele ter tido a coragem de só contar a verdade sobre a Guerra da Guiné!...

Para toda a Tertúlia, aquele abraço.
JORGE FONTINHA
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5279: Estórias do Jorge Fontinha (8): A propósito de férias

domingo, 15 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5279: Estórias do Jorge Fontinha (8): A propósito de férias

1. Mensagem de Jorge Fontinha*, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 12 de Novembro de 2009:

Carlos Vinhal,
Aqui vai mais uma das recordações da Guiné. Vão saindo a saca-rolhas.
Espero que contribua para se fazer mais um pouco de História.

Um abraço.
Jorge Fontinha


A PROPÓSITO DE FÉRIAS

O Luís Faria abriu um novo capítulo, nas suas Estórias. As férias. Isso leva-me a pensar nas minhas, no ano de 1971.
Parece que, quando tudo está previsto para correr bem, há sempre algo que tem forçosamente de correr mal.

Jorge Fontinha a caminho das Férias

As minhas férias estavam previstas para se iniciarem no dia 10 de Junho de 1971 e tinha avião TAP marcado para o final da tarde do dia 12, vésperas de Santo António, em Lisboa.

No dia 9, apanho a coluna de Bula para Bissau, onde ainda iria almoçar, por sistema, no SOLAR DOS 10, o belo Bife à Solar e a indispensável garrafa 0,75 de Casal Garcia geladinho. É claro que antes, teria de passar pelo Pilão

A tarde é passada na 5.ª Rep, já vestido à civil. Umas cervejolas, bons camarões, umas ostras e boa cavaqueira com uns camaradas de Alijó. Estando já de férias, esperava pelo dia 12, pois ainda queria ir passar o Santo António ao Bairro Alto.
De repente, três valentes estrondos e algo a passar sobre nós, colocou toda a gente em pânico e a correr em todas as direcções, como baratas tontas. Que diabo! Estávamos em Bissau e não era suposto nem previsível um ataque à capital.

Impensável! Os projécteis, em voo rasante, acabaram por cair no rio, ao fundo da avenida e tanto quanto sei, não provocou danos físicos a ninguém. Não sei se houve danos materiais.

Foi a primeira vez que Bissau foi atacada com mísseis e eu tinha que lá estar! Irra...**

Finalmente o dia 12 e o meu embarque. Primeiro, o alívio, depois uma soneca e finalmente a Portela à vista e o aterrar suave sobre a pista. Saída do Aeroporto e tomada de um táxi.

-Para a Baixa, ou antes deixe-me ao Chiado - digo eu ao taxista.

Por alturas da passagem pelos Restauradores, violento estrondo e algo a brilhar nos céus de Lisboa. Segue-se violento ribombar de foguetada, próprio das festas de Santo António. Atónito, pergunto ao taxista, o que se está a passar? O homem olha para mim, não menos atónito e pergunta-me:

- Oh homem, de onde é que você vem?

- Da Guiné e leve-me para uma residencial o mais longe possível daqui!

Levou-me para Oeiras!
Estava mesmo apanhado, não estava?

Um abraço para a Tertúlia
Jorge Fontinha
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)

(**) Sobre o ataque a Bissau no dia 9 de Junho de 1971, vd. postes de:

1 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2146: PAIGC - Instrução, táctica e logística (3): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (III Parte): Deslocamentos (A. Marques Lopes)
e
3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2147: Ainda os ataques com foguetões a Bissau (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 31 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4888: Estórias do Jorge Fontinha (7): A nossa Casinha

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4888: Estórias do Jorge Fontinha (7): A nossa Casinha

1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 28 de Agosto de 2009:

Caro vinhal.
Um grande abraço e me parece que já estava na altura de regressar.
Assim aí vai mais um contributo.

Um abraço para toda a tertúlia.
jorge fontinha


A NOSSA CASINHA

Vou aproveitar o facto de o Luís Faria se ter despedido de Binar e estar a chegar a Teixeira Pinto, para retomar as minhas Estórias, pois as dele e as minhas voltam a estar interligadas a partir desta fase. Aproveito também o facto de ele nesta altura ir de férias, para lhe preparar o terreno, pois quando ele regressar vou eu.

Quando finalmente, o resto da Companhia se junta a nós, em Teixeira Pinto, passámos efectivamente a uma acção mais envolvente e efectiva no apoio às Forças Especiais do CAOP 1: Comandos, Páras e Fuzileiros.

De início era apenas um Bi-grupo. O 2.º e o 4.º, e todo o staff da Companhia, com o Capitão Mamede de Sousa, o 1.º Sargento Guerreiro e os restantes Especialistas e os inestimáveis apoios logísticos, muito úteis para quem, dia sim, dia não, prestava apoio à abertura da estrada Teixeira Pinto/Cacheu, intervalado com Operações de grande envergadura ao Balangarez, com as referidas Companhias de Tropas Especiais do CAOP 1. O 3.º Grupo só se juntaria à Companhia, já em Bula, aquando dos Reordenamentos, e o 1.º ao fim de uns dois meses, em Teixeira Pinto, pois manifestamente dois Grupos começava a ser demasiado cansativo para os 2.º e 4.º Grupos. Como diria o Luís Faria, eles abusaram de nós, não sabíamos passar despercebidos!

Todavia este Grupo mais alargado de amigos e camaradas de outros carnavais, passou a ser mais unido e já com os 3 Grupos de Combate Operacionais a revezarem-se, o espaço dentro do quartel começou a ser mais reduzido, para as nossas mais frequentes folgas.

Assim nasce a nossa casinha.

De frente: Gaspar, Jorge Fontinha e Luis Faria. De perfil: Cap. Mamede Sousa. De costas: Chaves e Madaleno

A alguns metros do quartel, ao fundo da Av. Principal de Teixeira Pinto, eu mais um grupo de compinchas, alugámos uma vivenda, onde poderíamos passar umas horas de descompressão e de puro lazer.

Nessas instalações passou a realizar-se alguns momentos de boa degustação de belos camarões e ostras, mas também de amena cavaqueira entre camaradas de armas. Por vezes juntavam-se a nós alguns intrometidos locais, juntamente com alguns convidados, já por mim referenciados, noutras Estórias, como o Chefe de Posto Júlio e outros amigos.

Ali, não havia guerra apenas umas belas cervejas que curiosamente também eram bazucas.

Esta casa era uma espécie de multiusos. Como tinha, para além da sala e da cozinha, uma bela casa de banho, onde dava para refrescar várias vezes ao dia e 4 quartos, não era difícil arranjar ocupantes para eles. As nossas queridas bajudas e ou caboverdianas não se faziam rogadas.

Chaves, Freitas Pereira, Rebocho, Luis Faria, Jorge Fontinha e Guerra Madaleno

Por aquela casa, para além de nós e os nossos amigos, passaram também alguns convidados do Comando do CAOP da altura, alguns elementos semi-incógnitos do PAIGC e vários graduados e praças de todas as forças estacionadas em Teixeira Pinto: Comandos, Fuzas e Páras, para além da anfitriã CCAÇ 2791.

A ideia que nos norteou, ao alugar aquele espaço, foi tão só promover um lugar de convívio entre pessoas de bem e de paz.

Guerra era guerra, lazer era confraternizar sem perguntas.

Nunca houve o mais pequeno problema.

Jorge Fontinha e Antonino Chaves

Um abraço para a tertúlia.
JORGE FONTINHA
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4237: Estórias do Jorge Fontinha (6): O 4.º GCOMB / CCAÇ 2791, destacado no CAOP 1 - Teixeira Pinto

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4237: Estórias do Jorge Fontinha (6): O 4.º GCOMB / CCAÇ 2791, destacado no CAOP 1 - Teixeira Pinto

1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 20 de Abril de 2009:

Carlos Vinhal.
Com um abraço de estima para ti e toda a Tabanca, junto em anexo, mais uma Estória.
Jorge Fontinha


O 4.º Grupo de Combate, destacado no CAOP 1
Teixeira Pinto


Entre 4 de Janeiro e 25 de Maio de 1971, o 4.º Grupo de Combate da CCAÇ 2791, ficou às ordens do Comando do CAOP 1, de Teixeira Pinto, tendo a restante Companhia ficado em Bula.

A nossa acção, desdobra-se activamente em patrulhamentos, seguranças e emboscadas, no avanço e cadência de ritmo de trabalhos da estrada Teixeira Pinto-Cacheu, entretanto accionada pelo CAOP 1. A actividade era constante, nomeadamente, no apoio às tropas Especiais: Comandos, Pára-quedistas e Fuzileiros, servindo nós, sobretudo, nas acções de patrulhamento e segurança de Teixeira Pinto, Ponte Alferes Nunes e a todas as obras de Engenharia, a desenvolver-se, na construção da estrada, bem como na sua desmatação.

Jorge Fontinha, numa das suas folgas

Tínhamos, naturalmente, as nossas folgas. Nos momentos livres, aproveitávamos para confraternizar, com alguns amigos, que entretanto íamos angariando. A dada altura, frequentando determinado restaurante local, propriedade de uma família cabo-verdiana, travei conhecimento (vou propositadamente omitir nomes), amizade pessoal com uma das filhas do casal, funcionária, num organismo Público de Teixeira Pinto. Por seu intermédio, passei a relacionar-me, com um grupo de amigos, liderados por um Chefe de Posto da região, de nome Júlio e seu séquito de Professoras de Posto, todas elas também cabo-verdianas, com as quais passamos alguns bons momentos, nomeadamente, frequentando certas praias só por eles conhecidas e cujos fins-de-semana, ficaram famosos.

Praia próxima de Teixeira Pinto. Belo fim de semana…

Este período, começou a tornar-se arriscado, pondo em risco a minha integridade física. Nem sempre era fácil passar despercebido e fora de serviço, a inconsciência naquela idade, era o meu forte! Valeu-me os bons conselhos do mais prudente Antonino Chaves, meu camarada e furriel, que compartilhava comigo, a condução do Grupo de Combate. O bom Obelix, que não se metia em alhadas como eu. Bem, também tinha os meus guarda-costas!… O Cabo Tony, o Soldado Lobo e mais alguns!...

Teixeira Pinto, não era só, tropa e população local. Havia uma comunidade muito grande de cabo-verdianos que ocupavam os lugares de Administração Pública e, sobretudo de libaneses que dominavam o comércio local e alguns lugares de lazer e jogo. Perdia-se e ganhava-se alguns salários e algumas pequenas fortunas. Felizmente eu só lá ia beber um copo e ver as manobras de bastidores das belas libanesas e de algumas profissionais, vindas de Lisboa influenciando alguns incautos jogadores de Poker. Mas que elas tinham habilidade, isso tinham! Alguns oficiais e sargentos, saíram de lá depenados. Havia um célebre capitão cujo nome, naturalmente também vou omitir, que perdeu alguns cobres, mais ou menos substanciais e até, ao que se constava, ainda por lá deixou descendência. Julgo que eu não deixei! Quem ganhou, julgo que bastante, foi um Agrimensor Civil, que se encontrava em Teixeira Pinto, prestando Serviço Público, à construção da Estrada cuja protecção era por nós prestada. Este senhor fazia-se acompanhar duma certa senhora que o acompanhava na sala de jogo e que constantemente se sentava junto ao referido Capitão…

Depois de passar à disponibilidade, vi-a em Cascais e reconhecendo-me, despistou-me e nunca mais a vi.

Foi um bom tempo, que era constantemente interrompido pelo dever, e aí não podia e nunca fui imprudente e inconsciente. Pelo contrário e até o senhor Major de Operações do CAOP 1, aproveitava para me chamar a atenção, rindo-se dos meus períodos de lazer, a quando nos encontrávamos a sós, no seu gabinete, onde tinha que ir periodicamente, receber instruções. Operacionalmente, ele contava comigo. Para ele e para mim, era o que contava.

Jorge Fontinha e Antonino Chaves, furriéis do 4.º Grupo de Combate/CCAÇ 2791

Aquele grande abraço pr’aTabanca
Jorge Fontinha
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Nota de CV:

Vd. último poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4048: Estórias do Jorge Fontinha (5): Lavadeiras de Bula

quarta-feira, 18 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4048: Estórias do Jorge Fontinha (5): Lavadeiras de Bula

1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 15 de Março de 2009 dirigida ao co-editor CV:

Aí vai mais uma Estória. Esta para descontrair, nostálgica e saudosa.
Transmite o meu abraço a toda a Tabanca.

Jorge Fontinha


LAVADEIRAS DE BULA

Aeródromo de Bula

As minhas Estórias nem sempre seguem uma ordem cronológica. Também não tenho a pretensão de me recordar de tudo e não é minha intenção escrever a História da CCAÇ 2791, até porque me preocupo somente por descrever o que vivi ou presenciei, durante o tempo que permaneci naquelas paragens.

Hoje, até vou saltar uns meses, sobre os últimos acontecimentos relatados. Vou localizar-me no período dos Reordenamentos, já em pleno ano de 1972.

Como referi, aquando da descrição do meu Grupo de Combate, o 4.º, este esteve no destacamento de Mato Dingal. Naturalmente que várias atribuições nos eram confiadas, como por exemplo promover, principalmente, o apoio sanitário, assistência medicamentosa e humanitária, defesa da Tabanca e ensino escolar básico às crianças. Eu próprio fui o professor oficial. Era igualmente da nossa responsabilidade, proceder à substituição das velhas Palhotas “Tabancas”, construindo outras de blocos e telhados de zinco.

Naturalmente que tínhamos as obrigações próprias da defesa e manutenção das instalações Militares, bem assim, como providenciar o reabastecimento de bens alimentares e fornecimento de água potável.

Para o efeito, pelo menos dia sim, dia não, uma Secção deslocava-se a Bula que era relativamente perto, para na Sede do Batalhão requisitarmos o que era necessário. Na mesma viagem ia outro Unimog atrelado a um auto-tanque e com bidões recuperados, dos postos de abastecimento de combustível, para complemento de fornecimento de água.

Este serviço, por se tratar duma escapadela à rotina, era feita por rotação de secções, que eram três. A do Alferes Gaspar, a do Furriel Fontinha e a do Furriel Chaves.

O episódio que vou contar é um daqueles momentos espectaculares e inesquecíveis e é também daqueles das boas lembranças, que nos fazem olhar para trás com saudade e nostalgia…

Em certo dia, tínhamos já saído do Batalhão, com os reabastecimentos carregados, faltando deslocarmo-nos ao fontanário para reabastecimento de água, o que acabamos por fazer, pois este ficava num caminho mesmo em frente à porta de armas e a muito pequena distância, 100 a 200 metros. Era natural que o local não estivesse totalmente livre, pois o enchimento do auto-tanque e dos bidões levava algum tempo.

Não me lembro de todo quem estava à minha frente a fazer o mesmo que eu iria fazer, mas efectivamente estava outra secção, doutro Grupo de Combate e até podia ser de outra Companhia do Batalhão. Não tenho ideia, passados estes anos quem eram. O que fica para a História, foi o que eu assisti, enquanto conversava com o meu camarada da outra secção, que terminassem e nós iniciássemos a nossa tarefa.

Ora, o que aconteceu foi o seguinte:

O local era composto por um fontanário que jorrava bastante água potável para o interior de um tanque rectangular, seguramente com uma frente de 6 metros por 4 de largura e daí escorria para um lago de média dimensão, com algumas pedras salientes, e depois seguia por um riacho directamente para a bolanha. Era no tanque e no lago que as lavadeiras, BAJUDAS e as restantes mulheres, lavavam a nossa roupa e a delas. Cada um de nós tinha a sua lavadeira. Bastante alegres e ruidosas, na sua azafama.

Bajudas lavando roupa

Todas elas, salvo umas poucas, faziam o seu trabalho completamente nuas, enquanto não chegava nenhuma tropa para se reabastecer de água. Ficariam assim, se não fossem molestadas com gracejos ou até apalpadas por alguns militares mais brincalhões. Depois de chegarmos, normalmente cobriam-se com uns ligeiros panos, que de um certo modo, nada cobriam.

Passando ao relato dos acontecimentos, os militares que se encontravam no local, haviam lavado alguns bidões, que tinham sido esvaziados de gasolina dias antes, no tanque onde elas deveriam lavar a roupa, o que originou que bastantes resíduos de gasolina tivessem ficado na água. Naturalmente, uma camada de cerca de meio centímetro de gasolina, cobria a superfície.

O engraçado do episódio deu-se quando um militar, inadvertidamente, se lembra de lançar um cigarro acabado de fumar, que viria a cair no interior do tanque. Escusado será retratar a cena que se passa. O tanque incendeia-se, provocando espanto e medo em toda a gente, dando lugar a grande alarido entre elas que atropelando-se umas as outras, se põem em fuga, deixando cair os panos e passando a correr em direcção as suas tabancas, mesmo à frente da porta de armas em grande algazarra e completamente nuas. Foi um espectáculo hilariante e felizmente sem consequências.

Lavadeiras lavando no lago, junto ao tanque

Nem sempre nos dedicávamos à Guerra. Por vezes até nos divertíamos.

Fur MIl Jorge Fontinha e Sold Álvaro Lobo

Fotos e legendas: © Jorge Fontinha (2009). Direitos reservados


Um abraço para a Tabanca.
Jorge Fontinha
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Nota de CV:

Vd. último poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3888: Estórias do Jorge Fontinha (4): O primeiro morto do 4.º GCOMB/CCAÇ 2791

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3888: Estórias do Jorge Fontinha (4): O primeiro morto do 4.º GCOMB/CCAÇ 2791

1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Fevereiro de 2009:

Meu caro Vinhal
Isto é como as cerejas. Atrás de uma, vem agarradas outras. Como sabes, não deixo escapar nenhuma do Luís Faria, meu velho bom amigo e camarada, desde Tancos, Évora e por aí fora. Nos últimos Postes dele, factos que relatou, tiveram muito que ver comigo e como tal, a memória vem ao de cima. O caso de hoje, foi dos que mais me marcaram.

Aí vai mais um contributo para o Blogue.
Um abraço
Jorge Fontinha


O 1.º Morto da CCAÇ 2791 e do 4.º Grupo de Combate

No mês de Dezembro de 1970, foi o mês em que tudo nos aconteceu.

Começámos por ocupar o nosso sector de intervenção, efectuamos duas operações de grande envergadura, na qual ficámos com alguns feridos graves, inclusive, o Nunes do meu 4.º Grupo, sem uma perna.

Se tudo isto não bastasse, até um acidente de viação nos havia de calhar e no qual, dos 9 ocupantes do (Unimog burrinho do mato), só o motorista e eu próprio, saímos ilesos, ferindo-se dois soldados com muita gravidade, 4 com ferimentos menos graves e um morto, o Francisco Pereira CELESTINO.

É justo que passados estes anos todos, prestemos uma homenagem, embora singela mas que se impõe, nomeadamente da minha parte. O Celestino, conheci-o em Évora, quando lhe ministrei instrução na Especialidade, preparando-o nas tácticas de guerrilha e preparação física adequada. Lamento não ter tido na minha própria preparação, habilidade para ajudar a evitar acidentes de viação. Na época nem tinha ainda tirado a carta de condução.

Enquanto convivi com ele, cerca de 6 meses, sempre se mostrou um excelente rapaz. Voluntarioso, empenhado, colaborante e não tenho mais palavras para o recordar! Desde cedo se dedicou a seguir-me de perto, quando em serviço, na Guiné. Por vezes até eu próprio ficava um tanto encabulado, quando me apercebia que o Celestino havia arrumado as minhas coisas e inclusive limpo a minha G3, após o regresso de qualquer acção de patrulhamento ou operação no mato. Para além disso, coube-me a mim, escrever à família a quem mais uma vez, presto a minha homenagem. Descansa em paz Celestino!

Naquele fatídico dia, o 4.º Grupo de combate estava de Piquete. Quando tal acontecia e havia coluna para Bissau, o Grupo nomeado tinha entre várias atribuições, a protecção à referida coluna, no percurso entre Bula e a jangada, em João Landim. Daí regressando a Bula para outras eventuais intervenções. Razão por que todos os elementos do Grupo de Combate recebiam uma RAÇÃO DE COMBATE.

Contra o que normalmente acontecia, a minha Secção ia na viatura que fechava a coluna. No mato e em bicha de pirilau, era ao contrário, por razões que já contei numa das minhas anteriores Estórias. Eu, como era hábito, ia sentado, nas costas do banco ao lado do motorista e com o pé direito no parapeito junto ao pára-brisas. A cerca de 10 a 12Km do início do percurso, depara-se um buraco na estrada, ao qual o condutor ainda inexperiente tenta desviar-se, travando simultaneamente. Resultado: O condutor ficou sentado no seu lugar, agarrado ao volante. Eu protagonizei a queda mais aparatosa, sendo cuspido por cima do pára-brisas, vindo a cair de pé e em posição de combate (treino feito em Lamego, nos Ranger/s?)!... e nada me aconteceu. Isso sim a todos os ocupantes do banco traseiro. Sete homens espalhados pelo chão.

Pelo rádio, peço logo ao Alferes Gaspar que seguia na viatura da frente e levava o Cabo Enf. Silva, o regresso àquele local, para os primeiros socorros. De imediato se constata que o Celestino teve morte instantânea. De entre os outros feridos, o mais grave era o Cavaco, com a Fita da HK21 enterradas em parte da cabeça (cerca de um ano depois estava de regresso ao Grupo de Combate)!

A viatura regressou a Bula, de emergência, para os serviços médicos do Batalhão, onde já o Furriel Enf. Urbano, juntamente com o médico do Batalhão, recebeu os feridos e atestou o óbito do Celestino. A mim confortado pelo Sampaio Faria e pelo Urbano, restava dirigir-me à Secretaria da Companhia para fazer o resumo da situação. Só não esperava que a primeira pergunta do 1.º Sargento fosse esta:

- Fontinha, onde está a Ração de Combate do homem?

Na altura valeu o habitual sangue frio e bom senso do Sampaio Faria, para que as coisas tivessem ficado por ali.

Não seria justo deixar de mencionar os restantes companheiros de infortúnio. Confesso que me não recordo do nome do condutor, todavia todos os restantes e que para o Hospital de Bissau foram parar, uns por poucos dias, outros para além do Celestino, por períodos mais ou menos demorados. Foram eles: O Cabo Francisco Romão e os Soldados Manuel Matos, António Moreira, Armando Azevedo, Gabriel Monteiro e António Cavaco. Para todos eles, um grande abraço.

Na fila de cima:?; Furriel Castro; Furr. Fontinha; Furr. Chaves; Furr. Urbano. Na fila de baixo: Cabo Francisco Romão; ? ;? ; ?

Um abraço
Jorge Fontinha
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3743: Estórias do Jorge Fontinha (3): O meu Grupo de Combate (Jorge Fontinha)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3743: Estórias do Jorge Fontinha (3): O meu Grupo de Combate (Jorge Fontinha)


1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 9 de Janeiro de 2009:

Caro Carlos Vinhal:

Tenho andado entretido a ler os Posts do Sampaio Faria que me fazem reviver melhor que as minhas próprias memórias. Todavia ocorreu-me hoje mandar uma outra Estória, esta a do meu Grupo de Combate, que enviarei em anexo deste Email. Será a 3.ª e será: "O MEU GRUPO DE COMBATE".

Tenho pena de não ter uma réplica do Crachá que eu próprio, na altura fiz. Mando no entanto uma fotografia em que ele está, ao lado do da Companhia, à entrada do então destacamento de MATO DINGAL.

A encabeçar a Estória gostaria que figurasse a foto militar e o Crachá da Companhia.

Um abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha

O MEU GRUPO DE COMBATE

O meu Grupo de Combate, constituído já em Bula, é organizado inicialmente sem Oficial, tendo de começo, uma formação atípica de 3 furriéis. O Sampaio Faria, que o comandou de início, eu próprio, Jorge Fontinha e o também Furriel Antonino Chaves. Um mês passado, chega finalmente o Alferes Rua Gaspar, que o passaria a comandar até ao desembarque em Lisboa, tendo saído da composição, o Sampaio Faria que viria a integrar o 2.º Grupo, comandado pelo Alferes Carlos Barros.

Como furriel mais antigo, passo a substituir o Alferes, nas suas ausências, que diga-se de passagem era a maioria das vezes...

Foto 1 - Alferes Gaspar e Jorge Fontinha

Foto 2 - Furriéis Jorge Fontinha e Antonino Chaves

A minha secção era a 1.ª, a da frente, que desbravava caminho e levava os restantes, em bicha de pirilau, ao objectivo e por vezes até par o evitar!...

O meu desempenho nessas funções, chegou a ser famoso, ao ponto de quando saía mais que um Pelotão ou mesmo a Companhia completa, era sempre o meu que ia na frente. Na verdade, uma bússola um mapa e um rádio Banana, para além da G3, eram os meus instrumentos permanentes de trabalho.

Foto 3 - Da esq. para a dir: Alferes Gaspar, Soldado Mário Lobo, Furriel Fontinha, Soldado Sampaio (de pé) e Cabo Tony Pinho

Houve até quem me baptizasse de Inchalazinho!... Foi o Bom e grande amigo, Antonino Chaves. (Há trinta e seis anos que não o vejo, todavia sei onde está e com ele mantenho troca constante de Email's. O velho Obelix, que vive na sua ilha nos Açores!... Ainda contarei o contexto em que ele no auge da sua fúria contida, mas amiga e compreensiva o fez!... O esgotamento era tal e a minha persistência também... eu sei que ele compreendeu.

Inchalá, era o guia mais famoso, em toda a região de Bula e quase todos o pretendiam para servir de guia. Eu não o fazia e nem queria nenhum à minha frente. À minha frente eu só queria o Octávio Domingos, com a sua HK 21 e logo atrás de mim, o Azevedo, em 3.º na progressão.

Eram constantes as missões que nos foram confiadas, na primeira fase, da nossa permanência em Bula, tendo aí ocorrido o nosso baptismo de fogo, já descrito na minha primeira História publicada no Blogue, e igualmente ocorrido a primeira morte no Grupo e concretamente, na minha secção, o Celestino. Hoje não me disponho a contar os pormenores. Será para uma outra oportunidade. Honra à sua memória.

Ano Novo, vida nova. Nos primeiros dias de Janeiro, somos destacados da sede da Companhia e rumado para Teixeira Pinto, onde fomos postos à disposição do CAOP 1, Comandados na altura, pelo Sr. Coronel Rafael Durão.

Foto 4 - Na "Ponte" Alferes Nunes, entre Teixeira Pinto e Cacheu

Nesse período que decorreu até 25 de Maio, altura a que o resto da Companhia se veio juntar a nós, passamos a colaborar activamente com patrulhamentos, seguranças e emboscadas, no avanço e cadência de ritmo dos trabalhos da estrada Teixeira Pinto-Cacheu que é accionada pelo CAOP 1. Por outro lado, em parceria com Fuzileiros Especiais, Paraquedistas e Comandos, são efectuadas Operações de grande envergadura, sobretudo na Região de BURNÉ e na Península do BALANGUEREZ.

Foto 5 - Com o Enf. Silva, no Balanguerez

A vinda do resto da Companhia, sem o 3.º Grupo que entretanto havia sido deslocado para BISSUM, veio reforçar-nos no esforço de colaboração com as Tropas Especiais do CAOP. Nem por isso a nossa actividade viria a diminuir.

Entretanto, Bissau começou a ficar carente de protecção urbana e eis que a Companhia para lá foi, a fim de colaborar também, com guardas, escoltas, rondas, patrulhamentos, etc. Foi durante o mês de Agosto.

De regresso a Teixeira Pinto, voltamos à rotina anterior, que viria a estender-se até ao fim de Novembro.

Findo este período, a Companhia reagrupa-se finalmente em Bula, mas em missão diferente.

O meu Grupo de Combate, juntamente com alguns Cabos e Soldados Especialistas, foi para uma missão de Reordenamentos, aliás como a restante Companhia. A nós coube-nos o Destacamento de MATO DINGAL

Foto 6 - Entrada do destacamento de MATO DINGAL, com o Crachá da Companhia e o do 4.º Grupo de Combate (da minha autoria)

Aí fizemos de tudo. Construímos casas de tijolo, demos aulas às crianças, prestamos assistência medicamentosa à população local e com eles até assistimos à exibição de filmes, naturalmente e superiormente organizado pelo saudoso e grande amigo já não entre nós, do Furriel Fotocine que nos visitava com frequência

Foto 7 - Ensinando as crianças a fazer uma horta, nas traseiras da escola

Foto 8 - Dando aulas em Mato Dingal na escola local, por nós improvisada

Foto 9 - Festejando o Natal de 1971, com parte do Grupo de Combate, em Mato Dingal

Jamais esquecerei o Furriel Fotocine, Fernando Barradas. Paz à sua alma! Foi um grande Homem. As minhas homenagens. Já na altura era Jornalista de “O Comércio do Porto”. Nesta missão, os bravos soldados foram trolhas, carpinteiros, pedreiros, etc. O Alferes Gaspar, o Engenheiro, Arquitecto e Construtor Civil. O Furriel Antonino Chaves, o Vagomestre, o Ministro da Administração Interna, o homem do sistema… O Cabo Silva, o médico, o Enfermeiro, o parteiro e até o Furriel Chaves lhe serviu de assistente na sala… de Partos. Eu fui o professor, coadjuvado pelo Cabo Tony, o homem do Lança –Rockets! É evidente que a maioria das aulas foram dadas por ele. A esta missão, confesso que me baldei um pouco. Eu era mais, não um homem do sistema mas da guerra!...

De regresso a Bula, a Companhia reagrupa-se e prepara-se para os últimos meses de Comissão.

A partir de Julho de 1972 o Grupo de Combate, juntamente com a restante Companhia, retoma a missão original, Operações ao Choquemone, patrulhamentos ao redor da cidade de Bula, protecção aos grupos de desminagem, escoltas e outras acções de protecção à população civil.

Finalmente o regresso a Lisboa, no final do mês de Setembro

Foto 10 - Alferes Gaspar, Capitão Mamede Sousa, Furriéis Fontinha e Sampaio Faria, de frente e Furriéis Antonino Chaves e Madaleno, de costas

A festa da despedida.

Foto 11 - de pé Furriel Sampaio Faria, de bigode e sentado no banco: Furriel Jorge Fontinha. De braços abertos outro furriel do Batalhão cujo nome me não recordo

Foto 12 - Furriel Sampaio Faria, Furriel Mecânico Auto Santos Mealha, Furriel de outra companhia do Batalhão e Jorge Fontinha

Fotos : © Jorge Fontinha (2009). Direitos reservados [Legendas: JF]

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3186: Estórias do Jorge Fontinha (2): Estrada de Teixeira Pinto-Cacheu (Jorge Fontinha)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3186: Estórias do Jorge Fontinha (2): Estrada de Teixeira Pinto-Cacheu (Jorge Fontinha)


1. Mensagem, com data de 3 de Setembro de 2008, do nosso camarada Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (1), com a segunda de muitas estórias prometidas.

Conforme prometido, ai vai mais uma História.
Esta terá o título: Estrada de Teixeira Pinto - Cacheu

Um abraço do camarada.
Jorge Fontinha


2. Estrada Teixeira Pinto-Cacheu
Por Jorge Fontinha

Em Outubro de 1971, a CCAÇ, reforçada com um Grupo de Combate da CCAÇ 3308 atinge CAPÓ, onde fica instalada de maneira a dar todo o apoio e protecção aos trabalhos da estrada Teixeira Pinto – Cacheu.

Crachá da CCAÇ 2791

A Sub - unidade chega a uma zona onde nada há. O mato é rasgado, para no mais breve possível ser construído um aquartelamento improvisado que possa servir de abrigo ao pessoal militar e a cerca de 500 trabalhadores nativos que colaboram na desmatação da área por onde vai passar a futura estrada. O período de permanência neste aquartelamento, prolonga-se pelo mês de Novembro, terminando apenas a 6 de Dezembro, perfazendo um total de cerca de 48 longos dias de desterro…

Durante todo este mês a actividade da Companhia multiplica-se na protecção aos desmatadores, picagem de troços de estrada, protecção e defesa dos trabalhadores e máquinas, segurança aos trabalhos topográficos e de máquinas de Engenharia em movimento constante. É uma actividade que dura 24 horas por dia e considerando as condições precárias de vida, torna-se esgotante.

Não tendo havido quaiquer danos pessoais nas NT, não deixou todavia de ter havido contacto com o IN. Nomeadamente quando um grupo de Combatentes do PAIGC tentou no mesmo dia, varias aproximações ao aquartelamento com lançamento de Morteiros e Roquetes. Valeu-nos também o valioso apoio dos meios aéreos e dos Carros de Combate de Bula, superiormente comandadas pelo saudoso Capitão Salgueiro Maia.

Nas minhas histórias não podia esquecer este período por ter sido tão complicado e penoso e porque no decurso dos quais assinalei os meus 23 anos, onde até não faltou o bom Whisky e a quente cerveja.

Foto 1 > Trabalhadores nativos

Foto 2 > Comemorando os meus 23 anos

Como já referido, naquele lugar nada havia a não ser terra e poeira constante pelo ar, fruto dos trabalhos das máquinas e a temperatura era aterradora, provocando transpiração constante, que se misturava com a poeira…

A água era trazida em autotanques atrelados às viaturas militares, todavia, era racionada e mal chegava para a cozinha e para beber. Para a higiene pessoal, cada um desenrascava-se. Imagine-se o aspecto de cada elemento, desde o Capitão até ao trabalhador nativo que trabalhava na desmatação.

Situações hilariantes aconteciam com frequência, com pequenos episódios aqui e ali.

A quando do contacto já descrito, um soldado que havia, não se sabe como, arranjado alguma água tinha acabado de se lavar e estando todo nu, junto à barraca onde pernoitava e se preparava para fazer a barba, conforme ouve o primeiro disparo, atira-se em voo para a barricada que tinha sido construída para nossa protecção, pelas máquinas da Engenharia e de tanto se rebolar, ficou para gozo dos companheiros, como bolo de bacalhau, pronto a ser frito.

O Alferes Freitas Pereira, comandante interino nesse dia, por ausência do capitão que se tinha deslocado a Teixeira Pinto, estava de tal forma exaltado, que de tanto gritar ordens acabou o dia, ficando completamente afónico.

Se não bastasse, o meu bom amigo furriel Sampaio Faria, viria a ser o único ferido, igualmente quando saltava para a barricada, tendo torcido um dedo, suponho que da mão direita... Durante toda a comissão, foi felizmente o seu único ferimento!

Foto 3 > Destacamento temporário

Foto 4 > Máquina da Engenharia

O moral de qualquer um de nós nunca tinha chegado a níveis tão baixos, tais as condições de vivência. Qualquer coisa de novo que surgisse era motivo para relaxar e dar asas aos 23 anos da média de todos nós. Bastava um simples postal ilustrado com uma qualquer beldade da época para nos animar. Até podia não ser nenhuma beldade, bastava que fosse mulher e sobretudo branca…

De repente, até isso nos caiu do Céu…

Todo nervoso, o Freitas Pereira recebe, via rádio um comunicado do CAOP de Teixeira Pinto, que daí a alguns minutos receberíamos uma visita aerotransportada, de uma equipa de Televisão Americana, que andava a fazer várias reportagens de Guerra. Na semana anterior haviam feito o mesmo, no Vietname.

Houve uma pequena revolução no aquartelamento, mas tudo foi feito para que nada impressionasse mal as nossas visitas. Até o Alferes Freitas Pereira que para além de ser o Comandante interino, era também o único que arranhava mais ou menos o inglês. Eu e mais alguns, apenas percebíamos por alto o que se dizia.

E chega a hora.

Três helicópteros roncam nos céus de Capó, dois deles helicanhão e um outro de cores civis. Este último aterra e logo que as hélices o permitem, uma comitiva onde me incluo, vai ao seu encontro. Primeiro, sai o homem da câmara e de seguida a repórter…

Podia até nem ser bonita, mas era uma loira cujos cabelos esvoaçavam ainda, com os cada vez mais lentos movimentos das hélices do helicóptero. Uma visão do outro mundo! Do mundo que estava lá fora.

Foi recebida, confesso que com alguma gula, pela maioria de todos nós, pelo menos daqueles que de mais perto privaram.

De imediato, porque o tempo urgia, o Freitas Pereira fez as honras da casa e com ela entabulou uma breve troca de impressões, que nós íamos seguindo com alguma dificuldade, pois o nosso Inglês resumia-se ao pouco que tínhamos aprendido no Liceu.

Mas basicamente e duma forma resumida, ela contou que 8 dias antes havia estado no Vietname. O que mais a impressionou lá, foi o facto de ter estado debaixo de fogo pesado e que tinha assistido a algumas baixas mortais por parte das tropas Americanas, que a haviam abalado bastante. Ao dizer isto, ia olhando detalhadamente para cada um de nós e começou a notar-se que cada vez estava mais perturbada, ao ponto de desabafar:

- Meus amigos, prefiro voltar para lá do que ficar aqui, por mais uma hora que seja. O vosso aspecto e as vossas condições de alojamento não lembram sequer ao diabo. É aterrador!

E lá se foi a nossa visão angelical!...

Prometo mais histórias.

Um abraço para a Tertúlia
Jorge Fontinha
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Nota de CV

(1) - Vd. postes de

18 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

20 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3142: História de Vida (15): Para que se faça história (Jorge Fontinha)