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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24027: (In)citações (228): Na morte do Francisco Silva (1948-2023), relembrando o cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, assassinado por um dos seus homens, em Jumbembem, em 16/7/1973 (Manuel Luís R. Sousa, SAj Ref, GNR)

1. Comentário (*) do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (sargento-ajudante da GNR na situação de reforma; ex-soldado da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, Jumbembem, 1972/74; autor do livro "Prece de um Combatente - Nos trilhos e trincheiras da guerra colonial" (2012) (**): tem 46 referências no nosso blogue, e entrou para a Tabanca Grande em 31/3/2011.
 

A MORTE DO ALFERES NUNO GONÇALVES DA COSTA

por Manuel Luís Rodrigues Sousa

(excerto do meu livro "Prece de um Combatente", 2012, imagem da capa à esquerda).

Em março ou abril de 1973, Jumbembém foi reforçado com um pelotão de militares nativos, para suprir a falta do 1.º pelotão acabado de ser colocado em Canjambari, um quartel a sul de Jumbembém, a cerca de doze quilómetros, juntamente com outro pelotão de Cuntima, em substituição de uma companhia que dali foi retirada.

Desse pelotão de nativos, o Pel Caç Nat 51,  apenas os comandos, o alferes, Nuno Gonçalves da Costa,  e um furriel, eram de origem metropolitana.

Num dia em que se realizava a habitual coluna de reabastecimentos a Jumbembém, Cuntima e Canjambari, a 
16 de julho de 1973, um dos elementos deste pelotão pediu ao alferes Costa, ao seu comandante, para o deixar seguir na coluna de Jumbembém para Cuntima para visitar familiares.
Tratando-se de um militar rebelde e indisciplinado, como forma de o castigar, o alferes não autorizou a sua deslocação a Cuntima.

Perante esta recusa, o referido militar deslocou-se ao quarto do alferes, em fim de comissão e quase formado em medicina, com um futuro promissor pela frente, disparando contra ele dois ou três tiros de G3, atingindo-o na região do abdómen.

Foi-lhe prestada a assistência possível na enfermaria, enquanto se aguardava a evacuação por meios aéreos que entretanto foi pedida.

Passada pouco mais de uma hora veio a falecer, perante a impossibilidade de ser evacuado por falta desses meios aéreos, cujo uso era já particularmente restritivo, em consequência dos mísseis Strela ao dispor do PAIGC.

Este caso ilustra bem a perda do controlo aéreo na Guiné das Forças Armadas Portuguesas a que faço referência noutra parte do livro.

O referido alferes Costa era natural de Campos de Sá, S. Jorge, Arcos de Valdevez.

Após a sua morte, foi substituído pelo alferes Francisco Silva. Foi nestas circunstâncias que o alferes Silva chegou a Jumbembém. 

Que descansem em paz o alferes Silva, bem como malogrado alferes Costa. (****)

30 de janeiro de 2023 às 19:24

(Revisão e fixação de texto: LG)
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de janeiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24022: In Memoriam (467): Francisco Justino Silva (1948-2023), médico, ortopedista, ex-alf mil, CART 3492 / BART 3873, Xitole, e Pel Caç Nat 51, Jumbembem (1971/73) cerimónias fúnebres, hoje, em Porto Salvo, na igreja local, com velório a partir das 16h00; missa de corpo presente às 14h00 de 3.ª feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide


(***) Vd. postes de:


(...) Presumo que o alferes devia estar deitado. Deve ter-se levantado e foi nessa altura que o homem pegou na G3 e, traiçoeiramente, disparou três tiros à queima-roupa sobre o oficial português.

Este último ainda foi levado para a enfermaria, onde se prestaram os primeiros socorros, ao mesmo tempo que foi pedido, com a maior urgência, a sua evacuação aérea. Como estava a perder muito sangue, foi pedido sangue e, voltou a ser pedido insistentemente, o máximo de urgência na sua evacuação, que tardava em aparecer.

E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.

O nativo foi preso com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia queriam fazer justiça pelas próprias mãos (linchá-lo). Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou:

- Não lhe toquem!

Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água.

Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.

Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (já não sei quantos nem quais pelotões), com o corpo do defunto numa viatura “Berliet” e uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do Batalhão 4512).

A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.

Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais,  ainda hoje o penso e digo! Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.

A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé. Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante - Ten Cor Vaz Antunes -, ou o 2º comandante Major Menezes, já não me lembro bem).

Este é o relato com que fiquei gravado no pensamento desse dia.

Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o “tratamento especial”, tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado.

Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a “Ilha das Cobras”.

Para substituir o comando do Pel Caç Nat 51, foi destacado o alf mil at inf Francisco Silva (madeirense), que apareceu na 2ª Companhia do BCAÇ 4512 logo após esta tragédia. (...)


(****) Último poste da série > 27 de dezembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23921: (In)citações (227): As cheias, estas e as outras (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Guiné 63/74 – P21761: Estórias avulsas (100): Como substitui o comandante de operações de patrulhamento em Jumbembem (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512)



1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 10 de Janeiro 2021:

Camaradas, 

Conforme conversa com o Magalhães Ribeiro, pelo telefone, e por pensar ser uma matéria interessante, envio algumas fotos e um texto, narrando como um Fur. Mil. substituiu o comandante de operações de patrulhamento, em Jumbembem. 

Substituição do comandante de operações de patrulhamento em Jumbembem 

Em 24-07-1973, no “Teatro de Operações da Guiné,” tive o ensejo e a honra, como “Furriel”, de ter comandado numa operação de patrulhamento, os oficiais e furriéis que integravam os dois grupos de combate: 1º e 2º pelotão. 

Um motivo de grande orgulho para mim, ao guiar todos estes homens (+/- 40 a 50) e pela confiança depositada pelo Capitão, comandante de companhia .


Convenções:

Cuntima ---------------  E

JBB --------------------  D

Curva da areia --------- C

Norobanta -------------- B

Entrada ------------------ A


Em 07-08-1973, comandei dois grupos de combate, mas faltam as convenções.   Em 09-08-1973, tive novamente o ensejo, como “Furriel”, de ter comandado noutra operação com maior risco, os oficiais e furriéis que integravam os três grupos de combate: 1º; 2º e 4º pelotão. 

Um orgulho ainda maior, pela confiança que o comandante da companhia mais uma vez depositava nas minhas mãos, (+/- 70 a 80 homens). Convenções assinadas pelo (Capitão) comandante da 2ª Compª.Bat.4512. 


 



          Convenções:

JBB ----------------------- C

Farim --------------------- A

Estrada Fambanta ------- D

Alto Lamel --------------- F

Lamel --------------------- R

Entrada -------------------- E

Isto traduz bem o que representa um militar de Operações Especiais e da segurança e força anímica que consegue transmitir a terceiros. Desde o primeiro dia, após a minha integração no 2º pelotão da 2ª Companhia do BCAÇ 4512, que os homens ficaram mais motivados no teatro de operações quando comigo começaram a actuar. A disciplina, o rigor a lealdade e a dignidade com que sempre os tratei e habituei, fizeram com que o sacrifício por eles dispendido fosse atenuado com uma firme vontade de vencer, porque sabiam por quem estavam a ser guiados e sentiam-se mais confiantes.


Audácia; Abnegação; Coragem; Decisão; Disciplina; Entusiasmo; Generosidade; Lealdade; Resistência e Sobriedade, foram os aços com que fui forjado, no centro de Instrução de Operações Especiais e que humildemente fui e vou transmitindo. 

Chamavam-me “Chicalhão” quando apresentava o pelotão, a companhia, ou quando exigia que melhor se ataviassem, para se apresentarem na formatura. Julgo que estas situações que relato dispensam comentários, pelo treino militar adquirido no Centro de Instrução de Operações Especiais não havendo por isso comparação possível com os outros militares do contingente do exército. 

Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512

Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

SÁBADO, 25 DE JULHO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21198: Estórias avulsas (99): Achado misterioso (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

sábado, 15 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19892: 15 anos a blogar desde 23/4/2004 (9): Relembrando o cobarde assassinato em Jumbembem, em 16/7/1973, do alf mil op esp / ranger Nuno Gonçalves da Costa, natural de Arcos de Valdevez, cmdt do Pel Caç Nat 51, substituído depois pelo Francisco Justino Silva, hoje médico ortopedista (Fernando Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74)


Lisboa > Belém > Monumento aos Combatentes do Ultramar > XXV Encontro Nacional dos Antigos Combatentes > 10 de junho de 2019 > Sob o olhar atento do Carlos Silva, régulo da Tabanca dos Melros, o Francisco Justino Silva, hoje ortopedista (. foto à  esquerda),  membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de abril de 2010 (*), relembra os tempos em que foi substituir, em Jumbembem, em circunstâncias trágicas, o comandante do Pel Caç Nat 51: o seu interlocutor, um antigo milícia do seu tempo  (, à direita, na imagem), estava lá, nesse fatídico dia 16 de julho de 1973, em que foi cobardemente morto a tiro de G3 o alf mil op esp / ranger, Nuno Gonçalves Costa.

Dois camaradas, pelo menos,  da nossa Tabanca Grande conheceram e conviveram com o Nuno Gonçalves da Costa:

(i)  o  Luís Mourato Oliveira conviveu com ele, na 1ª metade do ano de 1973,  e com o seu Pel Caç Nat 51, em Cufar;

e (ii)  Fernando Costa Gomes de Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74): é deste último o relato do que aconteceu nesse dia 16 de julho de 1973, 2ª feira, relato esse  já publicado em poste, editado pelo Eduardo Magalhães Ribeiro (**), e que merece ser reproduzido na série "15 anos a blogar desde 23/4/2004" (***)

O Nuno Gonçalves da Costa era natural de Campos de Sá, freguesia de São Jorge, Arcos de Valdevez.  A sua morte é atribuída a "acidente com arma de fogo" (sic), forma eufemística das Forças Armadas classificarem não só os casos de acidente devidos a arma de fogo, como os de homicídio e suicídio no TO da Guiné.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O assassinato do Alf Mil Op Esp/Ranger  Nuno Gonçalves Costa,  do Pel Caç Nat 51, em Jumbembem, em 16 de julho de 1973

por Fernando Araújo (*)



[ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,  2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74M foto à civil, à esquerda]


Jumbembem, 16Jul1973 – 08h00/09h00

Estava eu no meu quarto, quando ouvi, nas traseiras da instalação, três disparos de G3.

A primeira coisa que pensei foi que o alferes açoriano (cujo nome não me lembro) se tinha suicidado, pois, nos últimos tempos, vinha a dar sinais evidentes, não só de estar farto de permanecer em Jumbembem, como de graves complicações psicológicas.

Desloquei-me rapidamente para o local de onde ouvira as detonações, dando a volta às instalações do dormitório do meu quarto, cujas traseiras davam para as traseiras de outro edifício com quartos e fiquei muito surpreendido…

Ao contrário do que eu estava a pensar, não fora o alferes dos Açores a vítima dos tiros, mas sim o alf mil op esp Nuno Gonçalves Costa, do Pel Caç Nat 51 [, adido à 2ª CAÇ / BCAÇ 4512] ,  e que jazia no chão gravemente ferido, pois tinha sido ele o alvejado com as três balas.

A sua imagem ali tombado a esvair-se em sangue, mortalmente, ainda hoje a retenho no pensamento.

Motivo da morte: o alf mil Costa tinha aplicado como castigo (não sei a causa), um reforço a um nativo do Pel Caç Nat 51. O homem não conformado com a punição, foi à porta do seu quarto e disse-lhe:

–  Alferes, eu não fazer reforço!

Ao que ele retorquiu:

– Já te disse que vais cumprir o reforço!

Foram trocadas mais algumas palavras de que eu já não me lembro. O nativo tornou a reclamar:

– Alferes,  eu não fazer reforço!

–  Já te disse que sim e não se fala mais nisso!

Acabado este diálogo, o nativo deslocou-se à tabanca em busca da G3 que lhe estava atribuída. Passado algum tempo, talvez 30 minutos, regressou novamente para junto do quarto do alferes. Pousou a G3 à porta e, chamando-o novamente, disse-lhe:

–  Alferes, eu não fazer reforço!

O alferes voltou a afirmar que ele tinha de cumprir o castigo, com que o tinha sancionado. Presumo que o alferes devia estar deitado. Deve ter-se levantado e foi nessa altura que o homem pegou na G3 e, traiçoeiramente, disparou três tiros à queima-roupa sobre o oficial português.

Este último ainda foi levado para a enfermaria, onde se prestaram os primeiros socorros, ao mesmo tempo que foi pedido, com a maior urgência, a sua evacuação aérea. Como estava a perder muito sangue, foi pedido sangue e voltou a ser pedido,  insistentemente, o máximo de urgência na sua evacuação, que tardava em aparecer.

E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.

O nativo foi preso, com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia local, queriam fazer justiça pelas próprias mãos (isto é, linchá-lo). Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou:

– Não lhe toquem!

Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água.

Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.

Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (já não sei quantos nem quais pelotões), com o corpo do defunto numa viatura Berliet e com uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do BCAÇ 4512).

A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.

Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais,  ainda hoje o penso e digo! Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.

A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé.

Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante, en Cor Vaz Antunes, ou o 2º comandante major Menezes, já não me lembro bem).

Este é o relato com que fiquei gravado no pensamento desse dia.

Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o “tratamento especial”, tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado.

Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a Ilha das Cobras [ou Ilha das Galinhas, que funcionava como campo prisional ? (LG)]

Para substituir o comandante do Pel Caç Nat 51, foi destacado o alf mil at inf Francisco Silva, madeirense, que apareceu na 2ª Companhia do BCAÇ 4512 logo após esta tragédia. [Era oriundo da CAÇ 3492, Xitole, 1971/73]

Com o meu pedido de desculpas por eventuais lapsos de memória, que poderão sempre ser corrigidos, mas esta é a visão dos factos que ainda mantenho hoje, passados mais ou menos  36 anos. Na minha agenda/diário, no dia 16 de Julho de 1973, 2º feira, anotei este fatídico evento, a morte do alf mil ranger Costa

Um abraço,
Fernando Araújo
Fur mil op esp / ranger
2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
(Jumbembem, 1972/74)
 ____________


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13735: Memória dos lugares (275): Jumbembem, ao tempo da CCAÇ 2548, 1969/71 (Carlos Silva)


Guiné > Região Oeste > SO2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (1969/71) >  Foto nº 1 > Vista do lado W/E caserna grande, arrecadação e secretaria, do lado esquerdo  3 casas com chapa de zinco; a primeira, era  a messe conjunta e quartos dos alferes; a segunda, era o quarto do capitão e quartos dos furréis; e a uma outra, que era era o que restava da antiga tabanca demolida  no tempo da CART 2548.




Guiné > Região Oeste > SO2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (1969/71) >  Foto nº 2 > A parada e as 2 casas, messe à esquerda;  e a do capitão e furriéis,  à direita  onde se vê a janela do quarto do Carlos Silva.

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]



1. Mensagem, de ontem, do nosso amigo e camarada Carlos Silva, jurista, ex-fur mil arm pes inf,  CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879,Jumbembem, 1969/71), membro da Direcção da ONGD Ajuda Amiga 

Assunto: Poste  P13729 - Cap Rui Romero (*)

Luís

Aqui vão 2 fotos de Jumbembem, onde se pode ver a zona principal do aquartelamento:

Foto nº 1, a preto,  vista do lado W/E caserna grande, arrecadação e secretaria, do lado esquerdo  3 casas com chapa de zinco:

(i) A 1ª,  messe conjunta e quartos dos alferes;

(ii) A 2ª , quarto do capitão e quartos dos furréis;  a cabeceira da minha cama encostava à janela que se vê;

(iii) E outra era o que restava da antiga tabanca demolida no meu tempo, pois construímos uma cidade nova...

Ao centro era a parada que se estendia até às árvores.

Na foto nº 2,  a cores, tirada  de um slide, vê-se bem a parada e as 2 casas, messe à esquerda e a do capitão e furriéis à direita  onde se vê a janela do meu quarto.

Presentemente apenas existem estas 2 casas.




Guiné > Região do Oeste > Setor O2 > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 > Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

Na foto publicada do Fermando Araújo,  que esteve lá a seguir ao batalhão que me foi render, vê-se as 2 janelas da secretaria/arrecadação viradas para a parada.

Nesta foto as 2 janelas são para W para o lado do refeitório.

Na minha foto colorida, anº 2, vê-se as 2 casas,  sendo que a da esquerda está afastada 10 mts da casa da arrecadação/secretaria.

A casa da esquerda era messe, zona das esteiras e sala de convívio com janela, os quartos ficavam atrás. Casa da direita,  em frente à bandeira,  a porta do quarto do capitão e a janela que se vê era onde encostava a cabeceira da minha cama. A parada era tudo que se vê, mas no tempo do Artur  Conceição (1964/66) e no início da minha estadia,  existia a tabanca velha que encostava ao meu quarto e prolongava-se até aos mangueiros e estrada Farim- Jumbembem-Cuntima.

Podes publicar para ajudar a compreender. (**)

Um abraço
Carlos Silva

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (88): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)

(**) Último poste da série > 9 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13711: Memória dos lugares (274): As estradas (cortadas) de Bissorá-Biambe e Bissorã-Encheia, em plena região do Oio (Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, 1969/71, e presidente da direção da Ajuda Amiga)

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (89): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)


Guiné > Região do Oio >  Jumbembem > CART 730 e CCAÇ 1565 (1966/68) >  Em primeiro plano, de costas, e quico na mão, o 1.º cabo operador cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre, que foi, com o Artur Conceição, sold trms, uma das primeiras testemunhas das circunstâncias trágicas em que morreu o cap mil inf Rui Anónio Nuno Romero, comandante da CCAÇ 1565, de 32 anos, casado, pai de 2 filhas (a Isabel, com 7; a Ana, com 1), natural de Portalegre, residente em Lisboa, filho de pai militar,  desenhador de construção civil a frequentar o curso de arquitetura quando foi chamado para o curso de capitães.

O Artur Conceição estava a 2 metros do local da tragédia. Embora já cadáver, o corpo do malogrado oficial foi levado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau (presume-se), e o funeral realizou-se um mês e tal depois em Lisboa, no cemitério do Alto de São João. A enfermeira na foto parece ser a Rosa Exposto, do curso de 1964, segundo apurámos junto do nosso camarada Miguel Pessoa e das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas Giselda Pessoa e Maria Arminda.

A CCAÇ 1565 foi mobilizada pelo RI 1, partiu para o TO da Guiné em 20/4/1966, e regressou a 22/1/1968. Esteve em Bissau, Jumbembem, Canjambari e Bissau. Comandantes, além do cap mil inf Rui António Nuno Romero:  cap inf  José Lopes e cap mil inf José Alberto de Sá Barros e Silva, que vive atualmente em Lisboa.

Por sua vez, a CART 730 / BART 733, foi mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 8/10/1964, e regressou a 14/8/1966.  Pasou por Bironque, Biossorã, Jumbembem e Farim, Foi seu comandante o cap art  Amaro Rodrigues Garcia. O BART 733 esteve em Bissau e Farim.

Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Mensagem da nossa leitora Ana Paula T. Romero, com data de 8 do corrente:

Olá! Peço desculpa por estar a incomodar, mas talvez me possa fornecer algumas respostas que ainda não encontrei.

O meu nome é Ana Paula Teixeira Romero Serranito, tenho 49 anos e sou a filha mais nova do Capitão Rui António Nuno Romero, falecido na Guiné (Farim), a 10/07/1966.

Na altura eu tinha 1 ano, 5 meses e 9 dias, a minha irmã mais velha, Isabel, tinha acabado de fazer 7 anos (a 04/07) e a nossa mãe,Rosária, tinha 31 anos.

Acabei de ler a informação sobre a morte do meu pai (*)  e a curiosidade voltou.

A minha mãe felizmente ainda se encontra viva, mantem-se viúva, a minha irmã também se encontra viva, divorciada, com uma filha (35 anos) e com um neto (9 anos), e eu, casada e com uma filha de 19 anos. Os avós paternos já faleceram (avó em 1989 e avô em 2005), mas o avô, que também era militar (Sargento Ajudante), nunca comentou a morte do meu pai.

A minha mãe, pela tristeza ou pela minha tenra idade na altura do acontecido, também nunca comentou e eu confesso que cresci sempre a pensar o que tinha sucedido ao meu pai, mas também evitei perguntar pormenores à minha mãe, pois não queria colocar “o dedo na ferida”.

Se me puder dar alguns detalhes, contatos de colegas que tenham sido próximos do meu pai, agradeço.

Deixo os meus contatos [...]

Até breve e obrigada por ter criado o blog. (**)


2. Novo mail enviado no dia seguinte, 9 do corrente:

Caros Camaradas Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Ribeiro,

Peço desculpa por vos incomodar com este assunto, por tomar a liberdade de vos tratar, com todo o respeito, por Camaradas, mas gostaria de pedir a vossa ajuda.

Tal como informei ontem no mail que enviei ao Camarada Luis Graçam o meu nome é Ana Paula, e sou a filha mais nova do capitão miliciano Rui Romero, falecido na Guiné, a 10/07/1966.

Depois de ter enviado ontem o email, estive a ler com mais atenção o texto escrito pelo Artur Conceição (Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros por Artur Conceição)(*)  em que o Artur menciona; “…A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado” e pelo seu [, de Luís Graça,]comentário, que transcrevo abaixo, e confesso que fiquei confusa…chocada, pois nunca tive consciência que o meu pai pudesse ter cometido suicídio.

(...) “Foste corajoso ao trazer, até nós, este trágico episódio da morte do capitão Romero... Mas sejamos francos, vamos chamar as coisas pelos seus nomes: o Cap Mil Romero cometeu suicídio, em plena parada, na hora da distribuição do correio... É isso que eu leio nas entrelinhas... Por pudor, por razões culturais, para poupar a família e os amigos, nunca falamos de sucídio... A p+alavra é tabu. Por outro lado, como se o suicídio fosse desonroso, hipocriticamente o exército atribuiu a morte do Cap Mil Romero a um acidente com arma de fogo... O exército (colonial) nunca quis assumir que alguns de nós, militares, milicianos, do quadro ou do contingente geral, puseram (ou tentaram pôr) termo à vida, ou se automutilaram, por que a guerra, aquela guerra, os perturbou intensamente... Sabemos que em muitos casos houve erros de 'casting': os oficiais milicianos ou do QP eram mal seleccionados, mail treinados e formados, não estavam preparados para comandar homens no TO da Guiné... Para muitos foi uma aprendizagem dolorosa. Por outro lado, o exército não tinha especialistas para dar apoio a militares em sofrimento psíquico" (...) (*)

Afinal ocorreu na parada ou no gabinete ao lado? Foi mesmo suicídio?

Gostava tanto de saber um pouco mais daquilo que nada sei…

Um grande bem haja a todos,
Ana Romero

3.  No dia 10, o Artur Conceição, contactado por mim,  mandou-me a seguinte mensagem e texto anexo:

[, foto á esquerda, o Artur Conceição, ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1964/66; por lapso, o nome deste camarada aparece sistematicamente no nosso blogue como sendo de 1965/67,,,]

 Meu caro  caro Luís Graça

(...) Escrevi mais um pequeno texto que junto em anexo, que penso possa clarificar alguns pontos, e que se achares por bem poderás enviar à Ana Paula. Podes também corrigir algo que esteja menos explicito se assim o entenderes, bem como eliminar aspectos que aches que não são relevantes .

O Capitão Rui Romero não estava na parada mas sim nos aposentos que lhe estavam reservados, e estava sozinho. Quem estava na parada eram apenas os Cabos e os Soldados. A correspondência de Oficiais e Sargentos era retirada e entregue antes da distribuição geral.

Estou ao inteiro dispor para mais esclarecimentos.

Um grande abraço
Artur António da Conceição
Damaia / Amadora



Guiné > Região do Oio > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 >  Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo  (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


MEMÓRIA, por Artur Conceição

Para quem conhece o local dos acontecimentos [, Jembembem,] entende mais facilmente o que em tempos [escrevi] (*). Para quem não conhece torna-se um pouco mais difícil, pelo que assim sendo importa fazer mais alguns esclarecimentos.

Quando se sai da estrada que vai para Cuntima para se entrar no destacamento de Jumbembem,   depara-se um espaço a que vulgarmente se chamava de parada.

Ao fundo desse espaço existia uma casa com apenas rés do chão, que tinha uma pequena escada de madeira que dava acesso a uma varanda que dava entrada do lado direito para a secretaria e para o lado esquerdo ao posto de enfermagem.

Do lado oposto e por detrás do posto de enfermagem ficava o espaço reservado aos aposentos do Comandante da Companhia, servia de escritório, gabinete e quarto de dormir. Mesmo ao lado e por detrás da secretaria ficava o posto de rádio.

As praças da CCAC 1565 [, a que o cap mil inf Rui Romero pertencia,] estavam a receber o seu correio, que estava a ser distribuído de um dos degraus da escada que já foi referida.

O espaço reservado para dormitório do Comandante da CART 730 estava a ser partilhado com o Senhor Capitão Rui Romero que dormia com a cabeceira para o lado do posto de rádio, enquanto o Comandante da CART 730 dormia com a cabeceira para o lado contrário.

O senhor Capitão Rui Romero estaria sentado na sua cama a ler a sua correspondência, quando ocorreu a triste tentação.

Ao ouvir um disparo ali tão perto, acorri de imediato à porta, (ou melhor dizendo, ao espaço para entrada naquela área, porque porta propriamente dita não existia), deparei com o senhor Capitão Rui Romero caído no chão,   com algumas fotos de duas meninas bastante jovens, espalhadas em seu redor e algumas cartas em cima da cama. A arma também estava no chão.

Naquele espaço não havia mais ninguém, atendendo a que se estava próximo da hora de almoço.

Nesta foto [, vd. acima,] pode ver-se em primeiro plano com o quico na mão direita o 1º Cabo Operador Cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre,  e que como pode ver-se também assistiu a uma parte do acontecimento.

[Artur Conceição, Damaia, Amadora, 10/10/2014]

4.  No mesmo dia deu conhecimento À Ana Romero deste último texto do Artur Conceição:

 Ana: Aqui ten os contactos do Artur Conceição e um pequeno texto com uma versão mais recente sobre as circunstãncias da morte do seu pai... No meu comentário [ao poste P2335, de 8/12/2007] (*), por lapso meu, fiz referência despropositada à "parada"... Não, tudo se passou à hora da distribuição do correio, e no seu quarto e gabinete... A Ana pode tentar juntar as pontas e perguntar: porquê ?... Quando se tem acesso (fácil) a armas, há mais risco de ocorrerem tragédias destas... Oficialmente, foi um acidente com arma de fogo...

Disponha sempre. Mandei-lhe esta manhã um outro mail, do meu endereço profissional.
Bom fim de semana.
Luís Graça

5. Mail enviado por L.G., na manhã de 10 do corrente, à Ana Romero [, foto à esquerda, da sua página do Facebook]:

Querida: Lamento muito que só agora saiba das circunstâncias trágicas em que morreu o pai. Mas o nosso blogue tem esse dever (doloroso) também de falar dos nossos queridos camaradas mortos, em combate, por doença, acidente ou outros motivos. Nalguns casos, temos ajudado as famílias a fazer o lutto (até agora patológico). O exército (e o Estado) tratou mal estes bravos que deram tudo pela Pátria.

Posso pô-la em conctacto com o Artur Conceição, soldado de transmissões que estava a 2 metros do gabinete onde tudo ocorreu... Ele vive aqui perto na Amadora. Mas a Ana pode primeiro falar comigo. Tem aqui o meu telemóvel (...). Ou se preferir,  eu ligo-lhe, se me mandar o seu nº de telemóvel.

Eu não conheci o seu pai. Sou mais novo na Guiné (1969/71). Mas sou o fundador deste blogue coletivo (que vai a caminho dos 700 membros e dos 7 milhões de visualizações). Como costumamos dizer, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Convido-a inclusive a integrar a nossa Tabanca Grande (comunidade virtual, à volta do blogue, que tem mais de 10 anos), honrando desse modo a memória do seu pai.

Se quiser. mande-nos uma foto dele e outra sua. E escreva-nos duas linhas. Ou autorize-nos a publicar a sua mensagem anterior, ou parte dela. Sente-se à sombra retemperadora e fraterna do nosso mágico poillão, a árvore sagrada da Guiné. Somos uma espécie em vias de extinção, mas partilhamos memórias e afetos.

Um beijo com ternura.
Luís Graça

6. Feedback imediato da Ana Romero:

Olá, Luís!

Foi com enorme alegria que recebi o seu mail, bem como aquele que encaminhou para o Artur.

Já enviei o pedido de amizade para a Tabanca Grande Luís Graça [, página do Facebook,] e também aderi ao blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

É claro que autorizo a publicação da minha mensagem.

Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha.

Muito obrigada pelo seu feedback.

Bjo. Ana [telemóvel...]

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9425: O Nosso Livro de Visitas (125): Amílcar, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

1. Mensagem de 13 de Janeiro de 2012 de um nosso camarada que se assina apenas como Amílcar:
Assunto: ex combatente - fur. milº Inf Op - Farim 1972/74 (Bcaç 4512/72-CCS)

Bom dia.
Por estes dias tive o primeiro contacto com o teu blogue e no que se refere ao sector de Farim e Guidage (pelos funestos acontecimentos) estou parcialmente de acordo com as narrativas feitas. Não estive na frente de combate ou em Guidage, só posso referir o que os camaradas diziam sobre a situação explosiva que se vivia ali e o clima vivido na sede de sector. Do que tive oportunidade de ler a narrativa do ex-Fur Mil Ranger Fernando Araújo* (2ª Compª do Bcaç 4512) está correcta.

Existem ex-combatentes vivos que estiveram na frente de combate, nos diversos dias que a acção decorreu, que poderão dar o seu depoimento. Todos os depoimentos que li e sempre que narravam situações que o combatente não foi protagonista entram em contradição com os referidos por quem os viveu.

Aqueles dias marcaram-nos inclusive a quem ficou a dar apoio às linhas da frente.

Num dos depoimentos é referido que o camarada Bento (Ccaç 14) foi morto pela explosão de mina quando todos os relatos, que tenho conhecimento, referem que foi morto por uma rajada de metralhadora que o cortou na região do baixo ventre. É um pormenor que ilustra bem as diferenças nas várias narrativas. Se queremos a verdade ela só será revelada por quem assistiu a tão trágicos acontecimentos.

A emboscada à 1ª coluna de ajuda a Guidage aconteceu no 1º dia, ao fim da tarde, só terminou ao raiar do dia seguinte, com o IN a derrotar as NT, e fazendo o correspondente assalto final. As munições de ajuda a Guidaje foram destruídas pelo bombardeamento das FAP (cerca das 9 horas) tal como as viaturas e alguns elementos IN que no momento estariam a roubar o conteúdo das Berliets. Os corpos dos nossos mortos foram recuperados semanas depois (quantas?), só após um grupo especial de Sapadores, de Tancos, ter chegado para o efeito.

A chegada angustiante ao quartel de Farim, naquela tarde de domingo de Maio, para verificarmos quem não tinha sido ferido, já que mortos eram 4 (o Bento, o Cabo Miliciano açoriano da 1ª Compª e 2 militares da Ccaç 14). Os feridos deitados no chão das Berliets e Unimogs, desnudados, enfaixados, recebendo soro, e a seu lado as enfermeiras e enfermeiros… O barulho dos motores dos helis, na pista, prontos para os evacuar.

Aquela tarde quente com o gosto amargo pela perda de camaradas, pelos camaradas feridos e mesmo pelos que voltaram sem ferimentos mas cansados e esgotados física/psicologicamente. E a dúvida acabou nesse fim de tarde; o furriel louro morto era o Bento e não o outro (não me recordo do seu nome) que também estava no teatro das operações e cuja esposa estava a viver em Farim. A imagem do encontro do casal nunca se me apagou da memória.

As fotografias documentam o primeiro ataque de foguetões que tivemos (o Batalhão dos velhinhos ainda se encontrava no sector) e a jangada que fazia a travessia do rio Farim (Cacheu), e, nos ligava a K3 (Saliquenhedim).

Quanto aos acontecimentos referidos no depoimento do ex-Fur Mil Ranger Fernando Araújo (2ª Compª do Bcaç 4512) sobre a morte trágica do Alf Mil que comandava o Pel Caç Nat 51 envio-te um ficheiro que consta das minhas memórias de guerra.

Constata-se que o inicio do diferendo não terá sido o reforço mas da não autorização para o militar africano visitar a mulher. Esta situação foi muito comentada pelos soldados africanos de Farim, pois diziam que não era razão para ele matar o alferes.

Para um primeiro contacto já vai longo.

Um abraço, até sempre
Amílcar





2. RETALHOS DE UMA GUERRA
JUMBEMBEM 
(Pel Caç Nat 51)

Naquele fim de tarde, cerca das 17,30 horas, chegou a coluna militar de Jumbembem.

A notícia tinha-nos chegado horas antes e dizia o seguinte: o comandante do Pelotão Nativo 51, Alf. Milº, tinha sido abatido por um tiro, à queima roupa, dado por um soldado africano.

Convém aqui dizer que estes pelotões eram compostos por soldados negros comandados por oficiais e sargentos brancos.

Mais tarde, via rádio, fomos informados de que a coluna militar fúnebre se encontrava junto ao arame farpado do aquartelamento, para depositar o cadáver na missão do sono, donde, posteriormente, seria enviado para a Metrópole.

Estávamos no Comando do Batalhão. O Comandante, Coronel Vaz Antunes, saiu a recebê-los. À frente das viaturas vinham os soldados formados em 2 filas e com as armas em posição funeral-armas, desfile tão triste. Armas que até ali, e dali em diante, só apontavam para ceifar vidas, neste momento com os canos virados para o chão.

Feito o desfile o cadáver foi depositado.

No fim da coluna fúnebre vinha uma viatura “Berliet”, escoltada por 6 homens armados, e no estrado jazia o assassino. O homem tinha sido neutralizado e ataram-lhe as mãos atrás das costas com arame de espessura de 0,5 mm. A cara, de tantos muros e pontapés que tinha levado, estava tão inchada que parecia tudo menos o rosto de um homem. Os pulsos, devido, ao arame, estavam a sangrar. Quem o olhasse diria que estava morto. Só a respiração, ofegante, desmentia tal facto.

Foi chamado o médico do Batalhão, para certificar o estado de saúde do detido, para poder ir para a prisão, uma vez que o oficial de dia se tinha recusado a aceitar o preso naquele estado. O médico observou-o e recusou-se a aceitar o preso devido ao seu estado físico. Mas como a coluna tinha que regressar a Jumbembem, foi o Comandante de Batalhão a responsabilizar-se pelo estado físico do preso.

Apesar de o comportamento assassino do soldado ser reprovado por todos os militares (brancos e pretos), nesta morte ficou estampado todo o racismo recíproco existente. A morte motivada pela não autorização, por parte do alferes, para o soldado ir visitar a mulher, foi um crime, mas a fúria com que todos os brancos batiam no desgraçado, não era menos criminosa. Interrogados porque batiam no homem, respondiam; ele é preto.

Depois de tão martirizado, o soldado, recolheu à prisão onde permaneceu deitado, no chão, até ao dia seguinte.

Durante uns dias o médico assistiu-o, periodicamente, tendo este recuperado.

NOTA: Neste dia estava de sargento de dia ao batalhão


3. Comentário de CV

Caro camarada Amílcar muito obrigado pelo teu contacto.
O assunto que referes e a que acrescentas mais uns pormenores, foi já largamente tratado no Blogue.
Toda e qualquer declaração que aumente o nosso conhecimento é bem vindo, pelo que esta tua mensagem fica a fazer parte do dossiê Guidaje 1973. Antes de ti vários camaradas fizeram chegar até nós testemunhos dramáticos daqueles dias, pelo que nem me atrevo a salientar nenhum. Cada participação tem um valor incalculável porque são quase todos vividos na primeira pessoa.

Se assunto da tua mensagem se refere ao teu posto e Especialidade, então foste Fur Mil com a Especialidade Inf Op e pertenceste à CCS/BCAÇ 4512/72. Do teu Batalhão fazem parte da tertúlia, assim de repente, os camaradas Manuel Marinho, Manuel Sousa e o Fernando Araújo. Espero não ter esquecido ninguém.

Já agora, aproveito para te convidar formalmente a fazeres parte da Tabanca Grande. Para oficializares a tua candidatura, antecipadamente aceite, manda por favor uma foto militar e outra civil (actual) tipo passe e confirma o teu posto, Especialidade, Unidade, local de permanência na Guiné, e tudo o que achares seja útil conhecermos de ti. Se tiveres mais algum apontamento das tuas memórias que queiras partilhar connosco, assim como fotos, junta ao processo. Digamos que é a jóia para ser admitido.
Futuramente poderás continuar a contar-nos as tuas vivências em Farim, suponho, assim como a enviar fotos, com a respectiva legenda, por favor, para serem publicadas na nossa página. Deste modo contribuirás para a nossa memória futura.

Até ao teu próximo contacto, deixo-te um abraço

Pelos editores
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6249: Estórias avulsas (85): Como foi assassinado o Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51 (Fernando C. G. Araújo)
e
8 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6131: Estórias avulsas (82): A participação do 2º Pel 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512, na Coluna a Guidage (Fernando C. G. Araújo)

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9421: O Nosso Livro de Visitas (124): Recordando as forças expedicionárias do RI 15 (Tomar) no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (1941-1943) (Adriano Miranda Lima, Cor Inf Ref)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6385: Estórias avulsas (34): Ataque a Jumbembem no dia de Carnaval de 1974 (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512)


1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 10 de Maio de 2010:

Jumbembem - Ataque ao quartel (ao arame) no dia de Carnaval

2 das páginas da minha agenda/diário da Guiné
25-02-1974:
O meu 2º pelotão fez a picagem a Sare Tenem, para se realizar a coluna ao destacamento de Canjambari.
Tudo correu normalmente durante o dia não se tendo feito o patrulhamento nesta área, porque no decorrer da picagem pareceu-nos tudo normal.
Como era dia de Carnaval (velha tradição metropolitana), fugi às normas que eu próprio havia estabelecido para mim e fui-me vestir à civil, assim como outros camaradas da Companhia, apenas com a ideia de mudar de visual, umas 2 ou 3 horas e matar saudades das roupas civis.
Ao contrário do que era esperado, por volta das 20h00, fomos surpreendidos com um forte ataque ao quartel (com o IN junto ao arame).
Ouvi as primeiras rajadas das “costureirinhas”, logo de seguida o som estridente dos rebentamentos de granadas de morteiro 82 mm e RPG, e corri para a vala para me proteger.
Logo que pude corri (mais rápido do que na instrução em Lamego) de novo para o meu quarto, já arrependido de me ter equipado com roupa civil e equipei-me com o camuflado, as cartucheiras e a G3, em +/- 1 minuto.
Saí em corrida em direcção à vala mais próxima do meu quarto, ainda a apertar o cinturão, e aguardei até que amainasse novamente o ataque, que foi o primeiro deste tipo a ser dirigido ao nosso quartel.
Como as morteiradas explodiam muito perto instalou-se o caos no pessoal da companhia, com este ataque surpresa, que, em correrias desnorteadas, procurava rapidamente as valas e os abrigos, construídos em vários pontos do quartel, e que, obviamente, eram os refúgios preferidos da quase totalidade da malta.
Entretanto eu saí da vala onde me havia instalado, para tentar chegar à caserna do meu 2º pelotão. Como o quartel estava sendo fortemente iluminado por “very-lights” lançados pelo IN, se nos movimentássemos, de pé, éramos alvos fáceis.
As granadas dos RPGs assobiavam por cima de mim e só tive tempo de me lançar para uma vala, perto do posto de transmissões, que estava repleta de homens e onde além dos rebentamentos ouviam-se alguns gemidos, com vários palavrões à mistura, dos que estavam por baixo a suportar o peso dos que se iam amontoando, em cima deles, e lhes dificultavam a respiração.
Alguns dos militares estavam feridos, principalmente devido a quedas durante as corridas para a vala e ao lançarem-se para dentro desta.
Por instantes o ataque abrandou e eu saí da vala, começando a correr em direcção á caserna do meu pelotão, ao encontro dos meus homens. No entanto tive que parar, outra vez, porque recomeçou o “fogachal” vendo-se os clarões de novos “very-lights”, rajadas de costureirinhas, morteiradas de 82 mm e granadas de RPGs a estourarem por perto.
Por momentos consegui abrigar-me perto do depósito da água, onde os soldados da companhia habitualmente tomavam o seu duche, e dei comigo a observar aquele cenário de iluminação, fogo tracejante e os “flashes”das explosões, como um filme cujo guião só poderia ter derivado de uma mente mestrada em ficção, terror, destruição e morte, um misto de Nicolau Maquiavel e Dante Alighieri.
Voltei à realidade e notei que dali até à caserna distavam +/- 40 metros. Como os “very-lights” continuavam a iluminar bem aquela zona (parecia dia), e eu via o rasto das balas tracejantes a cruzarem o ar por cima da minha cabeça, decidi rastejar alguns metros… mas, como a área era muito descoberta, comecei a pensar que me ia expor demasiado a ser atingido, no percurso entre o depósito da água e o meu pelotão.
Assim, resolvi que seria mais útil colocar-me na zona frontal e central da parada, onde calculei que seria o ponto fulcral, para qualquer investida que fosse feita pelo IN, para dentro dos arames.

Jumbembem > 1973 > Parada do quartel
Entretanto apagaram-se todas as luzes do quartel, certamente para não sermos referenciados.
Naquela escuridão, todos os “gatos eram pardos”.
Eu via vultos a deslocarem-se à minha frente no meio da parada, mas não distinguia bem quem eles eram, de modo que só quando se aproximavam mais de mim, eu apontava a G3 e perguntava: “Quem vem lá?”
Vá lá que todos me foram respondendo.
Depois de refeitos da surpresa, começamos então a responder com o morteiro de 81 mm, com o armamento instalado no posto nº 2 (salvo erro), a “Dreyse”que estava colocada à saída para a picada de Canjambari e a “Bazuca” posicionada no posto nº 3 à saída para a picada de Cuntima (se não estou errado).
Só o obus é que não entrou em acção, dada proximidade do inimigo.
Começamos então a reagir melhor e a concentrar mais acertadamente o nosso fogo, para a zona de onde iniciara e se referenciara o ataque, entre a picada de Canjambari e a picada de Cuntima, calculando que o IN devia estar entre +/- entre 50 a 100 metros do arame farpado e nós, inicialmente, estávamos a “bater” uma zona mais para trás.
Só posteriormente fomos rectificando a distância do tiro da “Bazuca” a partir, como disse, do posto nº3 (?).
O IN não atingiu as instalações como tencionava, apenas me recordo de 1 RPG entrar no telhado do edifício de comando ao lado do meu quarto, onde estava instalado o nosso 1º Sargento Teixeira, caindo a empenagem no meio da cama e o copo da dentadura ficar perfurado com estilhaços, que teve muita sorte em não estar lá nessa altura.
Pode-se ver o pormenor da beira do telhado no edifício de comando destruída, em duas fotografias que estão colocadas no poste P6271, dedicado à ocupação de tempos livres, em que estou a marcar um “penalty” num jogo de andebol contra a CCAÇ 4616.
Pela manhã, fomos fazer o reconhecimento nas imediações do arame farpado, de onde o inimigo disparara e para onde tínhamos concentrado o nosso poder de fogo (mais destruidor com a bazuca), e detectamos além de vestígios de sangue, vários objectos dos quais já não recordo nada e as marcas no terreno da instalação dos morteiros de 82 mm.
Que me lembre, este ataque não nos causou qualquer ferido, nem danos relevantes no aquartelamento, nem na tabanca.
Este é o relato que mantenho gravado na memória desse explosivo dia de Carnaval.

Jumbembem > 1974 > Pessoal deambulando pela parada num qualquer domingo
Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
_____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

domingo, 9 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6350: Controvérsias (74): Como eu vi o fim da guerra (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)


1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a sua 5ª mensagem, com data de 4 de Maio de 2010:

Como eu vi o fim da guerra
Camaradas,

Tenho acompanhado no blogue a polémica gerada em volta dos contactos efusivos e das trocas de abraços com o inimigo de “ontem” - o PAIGC, que se seguiram à declaração do fim das hostilidades, ao longo do segundo semestre de 1974, até à saída total do dispositivo militar português, na Guiné.
A meu ver, algum exagero houve, em alguns desses contactos, pois mais parecia que o ex-IN, passou a ser considerado, por alguns dos nossos Camaradas, o novo amigo de “hoje”!

Excluindo um ou outro caso pontual, em que os comandantes não souberam impor o respeito e disciplina indispensáveis, e obrigar a manter as devidas “distâncias” entre as partes beligerantes, que eu saiba a grande maioria não passaram de contactos meramente formais, específicos e decisivos, para a correcta entrega dos aquartelamentos e a posterior retirada, ordenada e disciplinada, para Bissau, onde se procediam aos acelerados embarques de cerca de 27 mil homens em armas, no regresso à Metrópole, via aérea e marítima.

Pelas minhas contas a evacuação das tropas foi efectuada em meia dúzia de meses.

Com podem constatar em 2 das fotos que anexo, e pelo que me foi dado ver e apreciar, naquele período, que registei como era meu apanágio na minha agenda/diário, em relação ao pessoal da minha companhia, foi evidente a satisfação de todos pelo fim da guerra e o consequente fim do derramamento de sangue de jovens com 21/22 /23 anos de idade, ou seja putos na flor da sua juventude.

Mas, se por um lado nos congratulamos com o fim da angústia de um dia a dia incerto, cheio de perigos e de stress permanente, quer pelas saídas em patrulhas para o tarrafo, picadas e bolanhas, onde nos esperavam inúmeras armadilhas, minas e emboscadas, quer pelos bombardeamentos ao aquartelamento, etc., que poderiam representar a qualquer momento a nossa mutilação e, ou, morte, por outro lado, chorávamos aqueles que faleceram e ficaram para sempre estropiados, nomeada e mais sentidamente os da nossa Unidade.

Recordo a finalizar que o meu pelotão, a partir de certo momento, devido a doenças (outro inimigo arrasador e considerável) e ferimentos estava reduzido a cerca de metade, tendo chegado a sair várias vezes apenas com +/- 17 homens.
Segundo me contou o Magalhães Ribeiro, também em Mansoa, além dos indispensáveis contactos com o PAIGC, para a entrega do quartel que foi precedido das cerimónias do arriar da bandeira nacional e o hastear da bandeira da Guiné-Bissau, pela parte das NT não se viu qualquer sinal de congratulação, ou de qualquer gesto de simpatia.
Este facto foi ainda agravado pelo inesperado e estranho facto de que o bigrupo que se apresentou, para representar as forças guerrilheiras, só sabia falar francês, não compreendendo nada do dialecto crioulo e muito menos da língua portuguesa.
Juntos nos questionamos sobre a seguinte questão: Onde é que estavam os milhares de homens do PAIGC, para que nem um bigrupo se tivesse disposto a estar em representação do seu partido, num dia tão importante para eles, como aquele que representou, com carácter oficial, a efectiva e final transmissão de poderes soberanos, na sua Guiné?
Outra coisa estranha se verificou, que hoje nos continuamos a questionar é que estas cerimónias decorreram, como é sabido em 9 de Setembro de 1974, tinham já decorrido 4,5 meses sobre o 25 de Abril, é como que se procedeu à desmobilização dos tão propalados (por alguns sectores mais bem informados das NT) dos milhares de guerrilheiros do PAIGC?
Desapareceram, ou foram, pura e simplesmente, reintegrados de imediato nas respectivas populações locais, voltando às suas rotinas habituais no início do conflito?
Ou formaram algum super-exército que passou despercebido ao resto do mundo?
Ou chacinaram-se entre eles e exterminaram-se por completo?
Também nos lembramos das reacções das populações locais, pois se uma pequena parte, evidentemente afecta ao PAIGC, demonstrava regozijo no final das cerimónias, era notório que a maioria se mantinha expectante e apreensiva, face a um futuro incerto.
A finalizar ainda hoje nos ocorrem os últimos pedidos, de inúmeros nativos: “Acabem com a guerra mas não se vão embora!” e “Não nos abandonem!”
11JUN1974 > Jumbembem > Fim da Guerra para a 2ª CCAÇ do BCAÇ4512 > Dia inesquecível > O Comandante do PAIGC daquela zona - Anso Bojan -, visitou o quartel e foi convidado para tomar café.

11JUN1974 > Jumbembem > Fim da Guerra para a 2ª CCAÇ do BCAÇ4512 > Ao meu lado estão elementos do PAIGC que haviam tomado café connosco.

11JUN1974 > Jumbembem > Fim da Guerra para a 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 > Ao meu lado está o Comandante do PAIGC daquela zona - Anso Bojan.
11JUN1974 > Jumbembem > O Comandante Anso Bojan visitou o nosso quartel. No fim da visita, fomos levar os guerrilheiros do PAIGC a Fambantã. Esta foto da viatura foi obtida por mim em plena bolanha, do jipe onde seguia o nosso CMDT de Companhia - Capitão Aires da Silva Gouveia -, e mais alguém que já não me recordo.
Em 24ABR1974 > 17h30 > Tínhamos sido atacados com 5 foguetões.
Em 18MAI1974 > 23 dias depois do 25 de Abril, numa coluna a Farim fomos emboscados em Lamel e sofremos 4 feridos (não me recordo quais os pelotões envolvidos).
Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512

Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6271: Estórias avulsas (85): Ocupação de tempos livres (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)


1. Uma das áreas reservadas, com muito espaço, no álbum fotográfico do nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), é a ocupação dos tempos livres, fora dos dias de serviço, das patrulhas, colunas, operações, etc.
Alguns matavam esses tempos com as mais variadas tarefas, como tratar das suas mascotes (macacos, cães, periquitos, etc), escrever cartas a toda agente de que se lembravam (familiares, amigos e conhecidos), outros gostavam de passear pelos tabancais a ver as bajudas (malandrecos), a todo o tipo de caça, pesca, etc.
Uma boa parte do pessoal dedicava-se aos jogos de mesa, com o xadrez, s cartas, dominó e dados.
Outros aos desportos com bola.
Os preferidos do Araújo, eram o xadrez e tudo o que fosse desporto, com e sem bola.
Solicitei-lhe assim autorização, para publicar algumas das suas fotos dedicadas a esta temática, que tem sido pouco abordada no blogue.

Jumbembem > 1973 > Jogando xadrez com o meu camarada Gomes (cinturão castanho de Karaté - estilo Shotokai (Centro de Karaté de Coimbra). Foi o responsável pelos meus treinos, de que não tenho nenhuma foto, e gosto pelas Artes Marciais

Jumbembem > 1974 > ABR15 > Jogando xadrez com o meu camarada Fur Mil Art Assunção
Jumbembem > 1973 > MAR18 > Natação no tanque de água que servia para regar a horta e tomar banho
Jumbembem > 1973 > Jogando voleibol. De costas está o meu comandante de pelotão, o Alf Mil Carneiro, que viria a ficar cego de uma vista na emboscada de Lamel
Jumbembem > 1974 > Treinando o volar (à data uma nova técnica Chinesa), com a colaboração dos homens do meu 2º pelotão
Jumbembem > 1974 > 07MAR > Jogando andebol contra a CCAÇ 4616. Perdemos 6-8, mas ainda assim lembro-me que marquei 2 golos nesse jogo
Jumbembem > 1974 > 07MAR > O mesmo jogo andebol contra a CCAÇ 4616
Jumbembem > 1973 > Jogando futebol, vendo-se eu a correr para a bola
Jumbembem > 1973 > Treinando braços com corda elástica à porta da messe
Jumbembem > 1973 > Fazendo elevações de barra fixa na entrada do meu quarto

Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
25 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (84): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)