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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22952: Notas de leitura (1415): "Guerra da Guiné", da autoria do Coronel Fernando Policarpo; Quidnovi, 2006 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro 2019:

Queridos amigos,

Devemos ao Coronel Fernando Policarpo a única obra divulgativa sobre a Guerra da Guiné. A estrutura da súmula é escorreita, mas hoje é duvidoso que as grandes linhas que ele enuncia tenham a consistência que manda o rigor histórico. 

Primeiro, sabe-se hoje mais sobre os acontecimentos que antecederam o ataque ao quartel de Tite, em 20 de janeiro de 1963, a subversão, mesmo na sua fase armada, já existia. 

Segundo, manter uma linguagem profundamente crítica para o período da governação Schulz, e quase que abençoando toda a governação Spínola, mais do que uma deformação dos acontecimentos é não apreciar os meios de que um e outro dispuseram e muito menos ter em conta a gradual qualidade de armamento do PAIGC. Oxalá o Coronel Fernando Policarpo reveja o seu livro, é indispensável que os leigos disponham de uma obra clara e sintética à mão, coisa que hoje as livrarias não dispõem para oferecer.

Um abraço do
Mário



As duas edições da Guerra da Guiné pelo Coronel Fernando Policarpo

Beja Santos

A 1.ª edição da "Guerra da Guiné", da autoria do Coronel Fernando Policarpo é de 2006, Quidnovi, faz-se igualmente menção à Academia Portuguesa de História. 

É uma obra com bom grafismo, ilustrações a propósito, elaborada para grande divulgação, contempla dados essenciais e em extratexto apresenta referências a personalidades que têm a ver com a História da Guiné como Honório Barreto ou Teixeira Pinto, Marcello Caetano e Spínola, Alpoim Calvão e Marcelino da Mata, Raúl Folques e Carlos de Azeredo, Carlos Fabião, há menções à Casa Gouveia, ao Massacre do Pidjiquiti, a Amílcar Cabral, Luís Cabral, Nino Vieira, Rafael Barbosa, a Guiné como berço do MFA.

Fernando Policarpo, atendendo à natureza do projeto divulgativo, soube atender ao essencial: Conferência de Berlim, a partilha de África e os desafios postos ao Governo Português; a ascensão dos nacionalismos africanos e o papel da ONU ao longo de todo este grande combate político; o essencial da História da Guiné, as caraterísticas físicas do território, a sua economia, as suas etnias; a fundação do MFA e o percurso de Amílcar Cabral, organização das forças de guerrilha; o autor estabelece duas fases para o conflito: de 1963 a 1968, de 1968 a 1974, hoje sabe-se que esta arrumação é alvo de controvérsia; explica-se o elementar das manifestações da subversão, a principal implantação do PAIGC no interior do território e a resposta das Forças Armadas; a narrativa é linear se bem que por força da condensação o autor não destrinça a fase preparatória da subversão na natureza da ocupação e o arranque da beligerância, acontece que a passagem de Louro de Sousa para Arnaldo Schulz é feita e precisa de ser clarificada de acordo com os meios disponíveis e pela situação, de um modo geral obliterada, da divisão das populações e até da diáspora para os países limítrofes, redesenhou-se um território e em função dele, com população fixada ou por razões meramente de estratégia militar, criaram-se destacamentos, ao longo de todo este período como na chamada segunda fase do conflito, enquanto se manteve uma grande constância no equipamento usado pelas forças portuguesas os guerrilheiros foram gradualmente sendo dotados de melhor equipamento, tudo se ia complicando pelo poder de iniciativa das forças guerrilheiras, aos poucos, as forças fixadas no solo foram sendo obrigadas a uma rotina desgastante e a uma vigilância perpétua, o que condicionava largamente o seu poder de iniciativa. 

Podem tecer-se comentários às respostas estratégicas de Louro de Sousa e Arnaldo Schulz face à pulverização das populações, ao separar das águas, mas não é correto dizer-se que os comandos militares, até 1968, cederam sempre a iniciativa aos guerrilheiros, deixando-se ir a reboque da sucessão de incursões bem sucedidas, permitindo a criação de bases avançadas permanentes, denunciando ao inimigo uma incontornável incapacidade de lidar com a nova realidade militar; a Comissão para o Estudos das Campanhas de África tornou pública em 2016 a Resenha Histórico-Militar referente aos aspetos da atividade operacional na Guiné, aí fica bem claro que houve iniciativas ofensivas, de pendor dissuasor, havia que proteger populações, itinerários, deu-se a resposta compatível com os meios, provavelmente sem o toque de asa que pode levar a guerrilha a ceder; esta contextualização só virá a ficar elucidada quando se proceder à investigação científica do que foram os quatro anos do mandato de Arnaldo Schulz.

O Coronel Fernando Policarpo enfoca a segunda fase do conflito e a orientação de Spínola, não deixa de informar que se multiplicaram os meios e os efetivos de tropas especiais e que apareceu dinheiro para aldeamentos estratégicos, alargou-se a propaganda, etc. O autor fala da procura da solução política, da operação Mar Verde, da progressiva africanização da guerra (há um grande mito sobre esta africanização, como se não viesse do passado um CIM – Centro de Instrução Militar que em Bolama fabricava unidades de caçadores nativos e milícias, procedeu-se à reciclagem da polícia administrativa, o que se seguiu foi a formação de companhias de caçadores e, separadamente, a formação de companhias de comandos e fuzileiros).

Em 1971, escreve o autor, a política de concentração da população nos aldeamentos estratégicos tinha provocado a desertificação de áreas geográficas consideráveis, mas fora do arame farpado a insegurança era total. Contudo, bem vistas as coisas, esta insegurança já vinha do passado, fora do arame farpado, regra geral, era terra de ninguém, a insegurança tocava a guerrilha e a contraguerrilha. E diz também o autor que recrudesciam as flagelações e que os militares apresentavam um elevado grau de desgaste físico e psicológico (como se no passado este quadro não fosse semelhante). 

E diz igualmente o autor que, contrariamente ao desgaste e lassidão evidenciados pelas tropas portuguesas, o PAIGC demonstrava enorme pujança operacional. Fica-se sem entendimento de quais os milagres produzidos pela estratégia de Spínola. Este desentende-se com Marcello Caetano, dá-se o assassinato de Amílcar Cabral, a guerra recrudesce, entram os mísseis terra-ar em ação. E assim termina o autor: 

“Não nos parece polémico concluir que no caso concreto do teatro de operações da Guiné a revolução ocorrida em Portugal, no dia 25 de Abril, foi providencial pois, tendo em conta a progressiva degradação da situação militar, era previsível o colapso do exército português num período relativamente curto, que poderia oscilar entre seis meses a um ano, dependendo essa incerteza apenas do facto do Comando-Chefe ignorar se o PAIGC iria, ou não, introduzir no teatro de operações novos sistemas de armas e meios de mobilidade que permitissem evoluir para operações do tipo convencional, como já Spínola antevira um ano antes”.

A nova edição da obra data de 2010, é também da Quidnovi e da Academia Portuguesa de História, é seguramente o mesmo texto com muito menos imagens, infelizmente a revisão deixou passar muitas gralhas, e não atualiza a bibliografia. 

O Coronel Fernando Policarpo continua a ser o autor da única versão de grande divulgação da Guerra da Guiné, daqui lhe deixamos o apelo para que, à luz dos estudos mais recentes, reatualize a sua obra, a opinião pública precisa ter uma fonte informativa bem fundamentada.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22946: Notas de leitura (1414): Depoimentos de combatentes cabo-verdianos na Guiné: André Corsino Tolentino e outros (Mário Beja Santos)

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20385: (De)Caras (142): O Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019) ou a arte do dom: "um homem não bebe um copo sozinho" (Luís Graça / Jorge Pinto)


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > O Eduardo Jorge  Ferreira (1952-2019) e o Jorge Pinto (Sintra)


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > O Fernando Policarpo  (Lisboa) e o Eduardo Jorge: ambos estiveram na Guiné na mesma altura (1973/74). O Policarpo prometeu-me, ontem, no cemitério do Vimeiro que vai integrar a nossa Tabanca Grande em homenagem ao amigo e camarada Eduardo. O Policarpo tem pelo menos 6 referências no nosso blogue.


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 >  O Eduardo Jorge, à direita, o organizador: era sempre o último a sentar-se à mesa, zelando pelo bem-estar de todos os convivas...


Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > Sempre proativo, o Eduardo Jorge era sempre quem fazia o papel "chato" nestes encontros, que ninguém gosta de fazer: o de receber a massa e pagar a conta... 



Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > A nossa querida São mais o marido... Em segundo plano, o João Baptista (Óbidos). Inspetora do trabalho, ainda no ativo, a São não podia, muitas vezes, acompanhar-nos... a não ser aos fins-de-semana.



Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > A nossa querida São mais o marido... A São viveu e cresceu em Bissau: o pai era funcionário dos CTT... Mas ela e o Eduardo conheceram-se cá. Têm dois gémeos, o João (Lisboa) e o Rui (Londres).



Lourinhã > Vimeiro > Convívio de ex-seminaristas do Oeste > 28 de junho de 2014 > O Jorge Pinto e a esposa, Ana.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019) 
e a arte do dom

por Luís Graça

Contou-me uma vez o Eduardo a seguinte história: o pai, que deve ter nascido nos anos 20 do século passado, tinha uma junta de bois e costumava deslocar-se na região para comprar vinho a granel. No carro, devia levar um ou mais pipas. Ia muitas vezes do Vimeiro à Moita dos Ferreiros, via Marteleira e Miragaia, no concelho da Lourinhã.  A Moita dos Ferreiras era uma freguesia de grande produção vinícola, nessa época (anos 50/60). Pelas estradas de hoje, são cerca de 15 quilómetros. Com o carro de bois, deviam ser umas duas horas e meia ou três. 


Chegava lá cansado, e com sede. Parava numa tasca, para beber um copo. Mas sabia por experiência própria que um homem não bebe um copo de vinho sozinho. Se há gente na tasca, oferece-se de beber a toda a gente. Era a tradição, era a cultura de convivialidade da terra (e em geral da região). Um homem que entrasse numa tasca, pedisse e bebesse sozinho um copo de vinho,  era um homem “marcado”. Para a próxima poderia vir a ter encontros desagradáveis… e os negócios podiam vir a correr mal. 

O pai do Eduardo, que já não é vivo, tal como de resto toda a família (mãe e irmãos), aprendeu, portanto, cultivar a “arte do dom”, a arte de dar, receber e retribuir… E transmitiu isso ao filho...

O Eduardo era daquelas pessoas que, numa época de forte individualismo como a nossa (em que o dinheiro é que define o estatuto social da pessoa), recebeu do pai (e do “caldo de cultura” da sua região) esta tradição do dom, esta arte do dom: um copo de vinho não se bebe sozinho, partilha-se…

Um dos seus traços de carácter mais sublinhados, nestes dias, em que a família e os amigos lhe fizeram a “última despedida”,  foi justamente a sua “generosidade”, “amabilidade”, “dedicação ao bem comum”, “solidariedade”, "empatia" (*)…

Escreveu, na sua página do Facebook,  a Associação Memória da Batalha do Vimeiro de que ele foi cofundador e dirigente: 


“Hoje perdemos um amigo, um companheiro que pertencia à categoria rara das pessoas que irradiam simpatia, dedicação e generosidade.”

Contou um dos filhos gémeos, ontem, na igreja do Vimeiro, nas bonitas, singelas e comovidas palavras que disse do pai, numa igreja completamente cheia de familiares, vizinhos e amigos, a seguinte história: 

“O meu pai era um homens de valores e princípios. Num dia de Natal, celebrámos o dia e almoçámos juntos. Ainda éramos pequenos. Depois, ele levantou-se e disse que tinha que ir a Alcoentre acompanhar um amigo que tinha o pai na prisão. Era Natal e esse filho também tinha o direito que estar com o pai”.

Dos vários testemunhos (incluindo o meu próprio) que foram partilhados na igreja (*), antes do saída do caixão para o cemitério, ressalta a ideia que o Eduardo Jorge era um homem com um coração grande, daqueles corações que não cabem no peito. Ele cultivava, por excelência, a arte do dom: por isso tinha muitos amigos, e amigos sinceros.

O Jorge Pinto, nosso camarada de armas, que se deslocou também ao Vimeiro, para o “último adeus” ao Eduardo, escreveu o seguinte, como comentário ao poste P20382 (*).

“Hoje foi um dia muito triste. Fui ao funeral do Eduardo Jorge, meu amigo e colega de longa data. Durante a cerimónia religiosa foram proferidas palavras que me fizeram reviver muitos momentos… mas a recordação que mais me assaltava à memória relacionava-se com Bissau: Quando, eu todo mordido pelos mosquitos e suado até ao tutano, chegava de Fulacunda na Dornier do nosso saudoso comandante Pombo e o Eduardo Jorge, ainda no aeroporto Bissalanca, pegava em mim e me levava para os seus aposentos na Base Aérea. Ligava o ar condicionado e dizia: 'pá, agora, já te podes coçar à vontade e tomar banho, porque aqui a guerra é outra'...Depois, passado uma hora pegava na motoreta e levava-me até Nhacra comer umas ostras… Era assim o Eduardo Jorge, generoso, ativo, pensando sempre no bem dos outros. Hoje é um dia muito triste”…


Não sou desse tempo, de Bissalanca, sou um amigo mais recente. Já nem recordo quando e quem mo apresentou. Talvez num dos convívios anuais que ele organizava, por ocasião da festa anual de Ribamar, e cuja origem remontava ao ano de 1994, fez agora 25 anos (vd. poste P20380).

Começamos a conviver mais quando ele se reformou em 2009. No blogue está registada a data de 16 de agosto de 2011. Num comentário ao poste P8694 (**), eu deixo um agradecimento, entre outros amigos e camaradas da região do Oeste,  "também ao Eduardo Jorge (professor de educação física, também já aposentado; antigo presidente da assembleia de freguesia do Vimeiro); e ao João Tomás Gomes Baptista, natural das Gamelas/Bombarral, empresário agro-turístico, que nos proporcionou uma tarde maravilhosa em Óbidos"... 

Deve ter sido nessa semana que nos conhecemos, e eu fiquei a saber que tinha estado na Guiné em 1973/74, tendo-o convidado a inscrever-se na nossa Tabanca Grande, o que ele fez no final desse mês (***). 

O nosso convívio intensificou-se a partir daí, tendo o Eduardo sido o primeiro lourinhanense a participar num Encontro Nacional da Tabanca Grande, o VII, em Monte Real, em 21/4/2012. 

Depois disso, começamos a conviver muito mais regularmente, nomeadamente no Vimeiro e em Porto Dinheiro / Ribamar. O primeiro convívio da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã terá sido em 12/7/2015, com a presença do João Crisóstomo e do Horácio Fernandes,entre outros (****). Descobrimos, entretanto, que o João era seu vizinho, de Paradas, A-dos-Cunhados, embora vivesse em Nova Iorque desde 1975. O Eduardo, por sua vez, apresentou-nos o Rui Chamusco, seu colega do Agrupamento de Escolas de Ribamar.

A morte, inesperada, traiçoeira, veio interromper este tão saudável convívio, dentro e fora da Tabanca Grande (*****). Mas, no dia 12 de outubro de 2020, se formos vivos, lá estaremos na festa de Ribamar para lhe fazer uma pequena homenagem, a ele e à  São, a mulher da sua vida. Todos sentimos, os que o amavam e estimavam, que com a sua morte, todos perdemos: "quando um de nós morre, também morremos todos um pouco", lembrei ontem na hora da despedida (*).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Momte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 21 de Abril de 2012 > Dois homens da FAP e de Bissalanca, BA 12: O António Martins de Matos (Lisboa) e o Eduardo Ferreira, lourinhanense, que vive em A-dos-Cunhados, Torres Vedras, uma das "caras novs" do encontro deste ano. "Um foi um dos melhores pilotos de Fiat G91, de toda a guerra da Guiné; o outro foi alferes mil da polícia aérea... Ambos da mesma altura (1972/74, o António Martins de Matos); 1973/74, o Eduardo Jorge Ferreira).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Restaurante O Viveiro > A "bajuda do Enxalé", Maria Helena Carvalho (que adotou - e foi adotada por - o pessoal da CCAÇ 1439), e o Eduardo Jorge Ferreira, o organizador do convívio. O Eduardo anda tão entusiasmado com a reconstituição histórica da batalha do Vimeiro, de 17 a 19 deste mês, na sua terra, que até conseguiu convencer o Álvaro Carvalho a fazer a cobertura fotográfico do evento!...





Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Da esquerda para a direita, (i) primeira fila, António Nunes Lopes (ex-fur mil, CCAÇ 1439); João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439); Vilma Crisóstomo; Luís Graça; Helena Carvalho (, filha do Pereira do Enxalé, que morreu em Bissau, em agosto de 1974); (ii) segunda fila, Maria Alice Carneiro, Dina (esposa do Jaime), e Álvaro Carvalho; (terceira fila, Eduardo Jorge Ferreira (ex-alf mil, PA, Bissalanca, 1973/74); Alexandre Rato, presidente da junta de freguesia de Ribamar (que, apanhado à boa fila, teve a gentileza de se juntar a foto de grupo "para mais tarde recordar"; Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil PQ, BCP 21, Angola, 1970/72); Horácio Fernandes (ex-alf mil capelão, de rendição individual, Catió e Bambadinca, 1967/69) e esposa, Milita.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20382: In Memoriam (356): Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019): elegia fúnebre para um amigo e camarada: quando morre um de nós, também morremos todos um pouco (Luís Graça)

25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20380: In Memoriam (355): Um alfabravo (ABraço), Eduardo, até qualquer dia!

24 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20379: In Memoriam (354): Eduardo Jorge Pinto Ferreira (1952 - 2019), ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1972/74, régulo da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã: o funeral é amanhã, 2ª feira, no Vimeiro, às 14h00


(...) Camarada (de várias frentes!) Luís Graça:

Pois conforme o prometido, aqui estou a inscrever-me no magnífico blogue que em boa hora criaste e que com os contributos dos muitos aderentes se tem continuado a afirmar como espaço de partilha e de amizade entre aqueles que tiveram (e tem) a Guiné como cenário de passagem.

Confesso que fiquei maravilhado e entusiamado com o (ainda pouco) que li e vi no blogue do qual desconhecia a (já sua longa) existência. (...)



(****) 13 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14872: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (2): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte I): organização 'impex' do Eduardo Jorge Ferreira (ex-1º cabo inf, do exército luso-britânico que se cobriu de glória na batalha no Vimeiro, em 21/8/1808; ex-alf mil, PA, Bissau, Bissalanca, BA 12, 1973/74)


(*****) Último poste da série > 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20343: (De)Caras )115): "Nha Maria Barba" ou Maria da Purificação Pinheiro (Boavista, 1900 - Bissau, 1975): expoente máximo da morna e da morabeza da Boavista, esteve no Porto, no Palácio de Cristal, em 1934, na 1ª Exposição Colonial Portuguesa: notas de leitura de um trabalho de pesquisa biográfica, feita por Antonio Germano Lima, da Universidade de Cabo Verde

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15738: Notas de leitura (807): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2015:

Queridos amigos,

Não é incomum negar o óbvio quando se faz uma leitura à procura de fundamentos para certas tomadas de posição. Lendo esta biografia do investigador Luís Nuno Rodrigues, ganha meridiana clareza a permanente atitude de Spínola de avisar os seus superiores sobre a evolução do teatro da guerra. Esses superiores nem sempre aceitarão esses argumentos, consideravam que Spínola pintava o quadro em tons melodramáticos, o que ele queria era mais meios humanos e materiais e os seus escritos funcionavam como intimidações.

Ora, estudos posteriores vieram reconhecer que Spínola, de um modo geral, advertia aos seus superiores sobre a gravidade da situação sem bazófia. Tem pela frente um inimigo ideológica e militarmente bem preparado para destruir e retirar para pontos ermos ou para território estrangeiro. E nessa correspondência vemos claramente a evolução da guerra até ao rodopio final. Mas não pior cego do que aquele que não quer ver.

Um abraço do
Mário


Spínola e a evolução militar da Guiné (1968-1973) - (1)

Beja Santos

É uma pura banalidade dizer-se que há releituras que permitem um olhar remoçado sobre a qualidade de um romance, de uma obra poética ou de uma investigação histórica. Li a biografia “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010, com a compreensível atenção de que este investigador, dois anos antes, dera à estampa, também em A Esfera dos Livros, o livro "Marechal Costa Gomes", um trabalho irrepreensível.

Na leitura que fiz de Spínola, vai para cinco anos, pareceu-me que era uma investigação asseada, bem documentada, mas que não trazia a palpitação de factos novos. Agora, que estou a trabalhar numa história da Guiné portuguesa que chega à independência efetiva, todos os acontecimentos da guerra da libertação têm que ser reposicionados à luz de obras de mérito indiscutível, com as de Fernando Policarpo, Leopoldo Amado e Julião Soares Sousa. 

Inevitavelmente, reli o trabalho de Luís Nuno Rodrigues e revelou-se-me, como em clarão, que o investigador, ao mostrar a correspondência de Spínola com governantes e altas chefias militares, deixou iniludivelmente registado a evolução militar da Guiné, e o que escreveu é seriamente desconfortável para aqueles que continuam a jurar a pés juntos que a evolução militar não caminhava para o caos total.

No seu encontro com Salazar, em Maio de 1968, Spínola não tece equívocos quanto ao seu pensamento: a guerra na Guiné já tinha atingido uma fase em que o “problema militar” se sobrepunha a qualquer outro, mas era no campo político social que estava o fulcro da contrassubversão. Nessa mesma conversa recordou a Salazar que um insucesso na Guiné teria efeitos devastadores, e apresentou condições através de um documento intitulado “Alguns aspetos que condicionam a solução da presente situação na Guiné". Salazar ouviu tudo sem comentários e limitou-se a dizer: “É urgente que embarque para a Guiné”

Em 26 de Junho de 1968, Spínola escreve a Salazar: “Se não enfrentarmos o problema da Guiné em regime de exceção, a Nação perderá esta guerra, não obstante a possamos ganhar, com base nas qualidades do nosso soldado”.

Spínola encarou com otimismo a nomeação de Caetano, os militares conheciam a posição que este defendera quanto à criação de uma “federação de Estados”, no início da década de 1960. A Guiné de 1968 correspondia a uma implantação do PAIGC na região Sul, a uma presença segura em áreas designadas como santuários entre o Corubal e o Boé. O conceito de manobra adotado por Schulz arrecadara resultados manifestamente insatisfatórios, com perda de controlo do território e o PAIGC a alargar as suas ações ao Leste, no Chão Manjaco, a beneficiar da tolerância senegalesa que passou a permitir abertamente a passagem de armamento pela fronteira Norte. A partir de 1966, Cuba é uma presença técnica constante para o uso da artilharia. 

Luís Nuno Rodrigues recorda o conteúdo das primeiras diretivas, apelava-se ao governo central o tratamento da Guiné como território em situação crítica, sob pena de Portugal acabar por perder o controlo efetivo da Guiné. Recriminava o velho armamento utilizado, a falta de meios de transporte de assalto, nomeadamente helicópteros. Era uma guerra em duas frentes: o desenvolvimento económico do território, quebrando argumentos de propaganda ao inimigo e reconquistar e manter o controlo efetivo da província. É uma tecla que vai ser sempre martelada, reforço dos meios operacionais, constituição do núcleo de forças de intervenção, revisão do esquema de instrução dos militares europeus, alargar o recrutamento africano e implantar estruturas de autodefesa das populações; solicita insistentemente armamento e equipamento antiaéreo e a instalação de um centro emissor para difundir a propaganda portuguesa. 

Numa reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, no início de Novembro de 1968, Spínola apela que se defina claramente a missão a desempenhar pelas Forças Armadas. Se tal não acontecesse, “corremos, a passos largos, para a perda da Guiné”.

Alguns dos políticos presentes consideraram o cenário como demasiado negro, seja como for houve resposta favorável a parte dos seus pedidos. A pressão que irá exercer sobre o governo central será permanente, alega que pretende reduzir drasticamente a capacidade militar do PAIGC, começa por apear vários coronéis e tenentes-coronéis, exige um “Comando Operacional Único”, que Marcello Caetano sanciona em Julho de 1969. 

Jamais irá abdicar da prerrogativa de escolher os seus oficiais. E quando necessário ameaça com a demissão. Apercebe-se que o transporte através dos rios é fulcral e autorizou Alpoim Calvão a levar por diante operações de destruição de lanchas rápidas do PAIGC. A africanização da guerra acelerou-se, enquanto em 1968 esse número era de 3280, em 1973 subira para 6425. Tratou-se de uma africanização que encontrava correspondência no discurso ideológico de Spínola assente na construção de uma “Guiné melhor”. Carlos Fabião reorganizou as milícias, nasceram os Comandos Africanos, e mais tarde os Fuzileiros.

É facto que com a chegada de Spínola à Guiné houve alterações significativas. Ao longo de 1969 e 1970 encontra-se correspondência entre Spínola e o Ministro da Defesa e as queixas não param, exige mais médicos, faz alusões ao caso da Índia. Caetano assiste em Bissau, em 14 de Julho de 1969, a uma reunião extraordinária de Comandos e pergunta a Spínola qual a evolução que este previa para a Guiné num futuro próximo. O cenário apresentado pelo Governador foi manifestamente negativo. Era necessário retomar a iniciativa no campo militar, já que a situação dava sinais de se tornar “extremamente crítica”. 

Caetano e Spínola reencontram-se em Lisboa em 8 de Maio, Spínola sentiu-se ufano, parecia que iria receber mais reforços em prejuízo de Angola e Moçambique. Reencontram-se a 24 de Setembro, em Lisboa, Spínola alerta o Presidente do Conselho para o agravamento da situação militar. E os meios humanos e materiais pedidos não obtêm resposta. Em Abril de 1970, ocorre o massacre de oficiais na região de Jolmete, o sonho de uma fração do PAIGC ser incorporada nas Forças Armadas evapora-se. 

Em Julho de 1970, Spínola alerta o Chefe do Estado-Maior e o Ministro do Ultramar para o facto de estarem a enfrentar uma nova ofensiva militar. Bate na tecla da insuficiência de meios materiais e humanos. Em Novembro de 1970, Spínola volta a insistir num agravamento da situação militar, e é nesse contexto que decorrem os preparativos da Operação Mar Verde que se saldou num revés diplomático em toda a linha, fez crescer o isolamento da diplomacia portuguesa. Por essa altura, e verdadeiramente desencantado com a situação militar, Spínola dá prioridade às soluções políticas.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15722: Notas de leitura (806): Textos de Carlos Schwarz (Pepito), na Revista Sumara, publicação da responsabilidade da Fundação João Lopes, Cabo Verde (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12836: In Memoriam (186): José da Cruz Policarpo (1936-2014), 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa (1988-2013), irmão mais velho dos combatentes Maria do Céu Policarpo e Fernando Policarpo

José Policarpo (1936-2014). Foto:
 Cortesia  do sítio do Patriarcado
de Lisboa
1. Morreu José Policarpo (1936-2014), cardeal patriarca de Lisboa, de 1998 a 2013...

Morreu ontem aos 78 anos, na sequência de um crise cardíaca... Morreu no combate pela vida, em plena intervenção cirúrgica, no bloco operatório de um hospital particular. (Ter-se-ia salvo se tivesse sido encaminhado para um hospital público? É possível.) O governo decretou hoje dia de luto nacional.

Não nos cabe, a nós, aqui neste blogue de ex-combatentes da guerra colonial, fazer a evocação da sua figura como cidadão, como intelectual e como homem de Igreja. E, muito menos, especular sobre o seu lugar na história da igreja e do nosso país. Na morte, há grande tendência, neste país, para o unanimismo. Não queremos cair aqui nessa pecha nacional.

Se lembramos aqui a sua memória, é também pelo facto de ter tido,  numa família numerosa de 8 irmãos, do oeste estremenho (Caldas da Rainha), pelo menos 2 irmãos combatentes na guerra colonial:

(i) a Maria do Céu Policarpo [, foto à direita, Tancos, 1961], a irmã mais nova, uma das corajosas e pioneiras 42 enfermeiras paraquedistas que serviram no ultramar, e que fez parte do 1.º curso (ao lado de mais 5 Marias), tendo obtido o seu brevet justamente no ano em que o mano José era ordenado sacerdote (1961);

(ii) o Fernando Policarpo, o  mais novo dos irmãos  (n. 1951), ex-Alf Mil pertencente a uma das subunidades do BCAÇ 4514/72 (1973/74), que passou por Nova Lamego, Guidaje, Cuntima  e região de Tombali, Cantanhez - Cadique, Cafine e Jemberém-, onde foi gravemente ferido em combate; é hoje Coronel, DFA, é escritor e professor do Colégio Militar (desde 1989), historiador, além de cofundador da Liga dos Amigos do Colégio Militar.

Aos dois, e demais família, aproveitamos para mandar, em nome pessoal e da Tabanca Grande,  um grande abraço solidário na dor pela perda do mano mais velho, que também fazia parte da nossa família alargada, já que “pais, irmãos e filhos dos nossos camaradas, nossos pais, irmãos e filhos são”... (Sejam eles cidadãos anónimos, sejam eles personalidades destacadas da via portuguesa).
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Sobre o Fernando Policarpo (bem como sobre sobre a irmã Maria do Céu Policarpo), temos várias referências no blogue.

O Fernando Policarpo [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Liga dos Amigos do Colégio Militar], que se licenciou e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi também cofundador, em 1985, do Centro de Estudos de História Militar.

Entre outras obras, é autor de Guerras de África: Guiné (1963/-1974). Matosinhos: QuidNovi. 2006. (Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21), livro de síntese  de que já aqui, no nosso blogue, foram feitas as devidas recensões pelos nossos camaradas Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos.


Tancos, 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: (i) Maria do Céu Policarpo; (ii) Maria Ivone; (iii) Maria de Lurdes; (iv)  Maria Zulmira; (v) Maria Arminda;  e (vi)  o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor). Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois (Legenda: Rosa Serra).
 .
 Foto: Maria Arminda / Rosa Serra (2011). Todos os direitos reservados.


2. Evocamos o nome, a figura e a memória de José Policarpo também por respeito à comunidade eclesial católica, a que pertencerão muitos dos membros da Tabanca Grande. Somos, histórica e sociologicamente falando, um país católico. Pela minha parte, associo-o sobretudo a uma Igreja mais arejada, tolerante, plural e moderna, a do pós Vaticano II, que soube, com ele e com o seu antecessor, António Ribeiro, fazer a reconciliação entre os portugueses, os católicos, praticantes e não praticantes, e os não católicos.

Não sei o que ele, enquanto padre, pensava sobre a guerra colonial, nem sei se tinha (ou teve) alguma posição, pública, sobre este assunto relevante para todos nós (Igreja, povo de Portugal, povo das colónias...), na altura em que por lá andámos, nós e os seus irmãos, na Índia, em Angola, na Guiné e em Moçambique. Nem isso, para já nos interessa. É possível que não, que nunca se tenha pronunciado sobre a guerra (que corria o risco de se eternizar). até por que passou alguns anos em Itália, onde se licenciou, em 1968, em Teologia.

Recorde-se que José Policarpo foi nomeado bispo já depois do 25 de abril, em 1978, tendo sucedido a António Ribeiro, como 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa, em 1998. Antes tinha sido professor (1971-1986) e Reitor da Universidade Católica Portuguesa (1988-1992). Foi igualmente Reitor do Seminário dos Olivais (1970-1997). Nomeado Cardeal em 2001, participou no Conclave de 2005 que elegeu Joseph Ratzinger como Papa Bento XVI e depois no Conclave de 2013, que elegeu Jorge Bergoglio como Papa Francisco.

Dizem os seus biógrafos que foi (i): protagonista da renovação cultural da Igreja Católica em Portugal; (ii) é autor de teve cerca de cinquenta obras publicadas; (iii) era sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa; e (iv)  académico de mérito da Academia Portuguesa de História.
 
Pessoalmente, devo dizer que mal o conheci...  Há uma coisa, no entanto, que me intriga, e sobre a qual gostaria de poder um dia fazer um estudo: muitos dos oficiais e sargentos milicianos na guerra colonial foram ex-seminaristas, com uma preparação física, moral, humana, intelectual e cultural acima da média da sua geração... Não temos números, mas em todas as unidades e subunidades havia ex-seminaristas...

O(s) seminário(s) foi(foram) também uma grande fábrica de soldados... A Igreja nunca se pronunciou sobre isto, que eu saiba... Temos no blogue camaradas que passaram por lá...

O funeral de José Policarpo (1936-2014) é hoje, às 16h00, na Sé Patriarcal de Lisboa. Os seus restos mortais vão repousar no Panteão dos Patriarcas, em São Vicente de Fora. Que descanse em paz,  com Deus e com os homens. (LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12796: In Memoriam (185): Victor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, ex-cap art, cmdt, CART 2715 (Xime, 1970/71)...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10541: Notas de leitura (419): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 14 de Outubro de 2012:

Meus caros amigos,
Esta é a segunda parte da minha recensão relativa ao livro "Guerra de África - Guiné - 1963-74" do coronel Fernando Policarpo.

Com o meus cordiais e amigos cumprimentos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infantaria C.CAÇ. 2402)


Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (2/2)

Francisco Henriques da Silva

Em 1968, com a saída de Schulz e o advento de Spínola, entra-se numa nova fase da luta que comporta um novo conceito estratégico da parte portuguesa. No que concerne o PAIGC, por um lado, este dispõe, agora, de armamento melhor e mais sofisticado (a introdução de foguetões de 122 mm, os mísseis terra-ar “Strella”, o morteiro de 120, etc.) as suas acções são cada vez mais ousadas e estendem-se na prática à quase totalidade do território e, por outro lado, no plano político-diplomático, desenvolve um conjunto de intensas actividades, em que se destacam a avalização do PAIGC por parte dos demais países africanos como único movimento de libertação representativo do território, uma audiência no Vaticano concedida pelo Papa e, finalmente, a proclamação unilateral da independência com o reconhecimento formal por parte da ONU e da maioria dos países ali representados.
Do lado português, Spínola, constata que se encontra numa “situação completamente degradada” (p. 77). Acossado em 3 frentes (Norte, Sul e Leste) reconhece que a guerra não pode ser vencida militarmente no terreno, mas que têm de se conquistar as populações. Elabora então o conceito “Por uma Guiné melhor” que visa subtrair os guineenses ao controlo do PAIGC participando aqueles activamente na defesa dos seus interesses e no desenvolvimento da sua terra. Não obstante, António de Spínola, não descura, antes pelo contrário, os aspectos operacionais e implementa uma orientação pró-activa (ofensiva), em que as “áreas controladas pelo PAIGC passaram a ser objectivo primordial do Comando-Chefe” (p. 81). Finalmente, começa a ser delineada uma estratégia negocial, intra muros e extra muros, tendo em vista, no primeiro caso, cativar populações e guerrilheiros para a causa portuguesa e, no segundo, trazer o PAIGC à mesa das negociações através de terceiros (Senegal). Esta estratégia negocial nuns casos falha redondamente (é o incidente da morte de 3 majores, um alferes e outros acompanhantes que iam negociar com guerrilheiros no chão manjaco, em Abril, de 1970) e, noutros, é inconclusiva (negociações secretas com o presidente senegalês, Léopold Senghor, no Sul do Senegal), até por falta de cobertura política de Lisboa e, por conseguinte, falha igualmente.

A fim de debilitar a capacidade operacional do PAIGC e de lhe cortar a principal base de apoio externa (a Guiné-Conakry), o Comandante “Alpoim Calvão propôs a Spínola a realização de uma operação para derrubar Sékou Touré “ (p. 95). Spínola tenta, mas falha, uma invasão da Guiné-Conakry, na célebre operação “Mar Verde”, com o objectivo de levar a cabo um golpe de Estado, visando alterar de raiz o regime político daquele país e destruindo as bases da “retaguarda político-logística” do PAIGC, bem como, a respectiva cúpula dirigente. O fiasco foi completo. Efectivamente, como refere Fernando Policarpo, “...a operação “Mar Vede” redundou num enorme fracasso, na medida em que os seus principais objectivos não foram atingidos” (p. 99). O resultado desta malograda operação, como não podia deixar de ser, afectou a credibilidade do governador e comandante-chefe: “deixou o general Spínola bastante fragilizado tanto na frente interna, como na frente externa” (p. 100) e obrigou-o a alterações estratégicas, até porque não dispunha de “luz verde” para prosseguir a titubeante via negocial.

Entretanto, a guerra prosseguia o seu curso, dispondo o PAIGC de mais e melhor armamento e de maior combatividade no terreno. Quando Portugal perde a supremacia aérea, pela introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra. Esta parece entrar então num “point of no return” e o PAIGC passa a dispor de um trunfo fundamental. Como refere – e bem - o autor, “a perda do domínio aéreo assustou as tropas portuguesas. A partir de agora deixaram de contar com ele durante as operações decisivas. Ciente dessa desorientação, o PAIGC desencadeou fortíssimos ataques contra os aquartelamentos de Guilege, Guidage no Norte e Gadamael no Sul. Desses ataques destacaremos Guilege, que acabou por ter sido abandonado sem preparação. Os outros dois foram mantidos a custo.” (p. 134).

Dois factos fundamentais são realçados o “inesperado assassinato de Amílcar Cabral” (p. 131), cuja autoria material é conhecida, todavia desconhece-se a respectiva autoria moral e a proclamação unilateral da independência (24 de Setembro de 1973). Com alguma prudência, o autor opina.: “não nos parece polémico concluir que, no caso concreto do T.O. da Guiné, a Revolução ocorrida em Portugal, no dia 25 de Abril, foi providencial pois, tendo em conta a progressiva degradação da situação militar, era previsível o colapso do Exército português num período relativamente curto, que poderia oscilar entre seis meses a um ano.” (p. 135).

Do relato do coronel Fernando Policarpo, três pontos merecem referência especial, antes do mais, a criação tardia (1963) de uma mera “Secção de Acção Psicológica, na Repartição de Informações do Estado-maior do Exército, que se revelou insuficiente” ( p. 59), ou seja os altos mandos militares parece não se haverem consciencializado plenamente das características de uma guerra subversiva e, nesse contexto, da importância da criação de um Serviço Nacional de Acção Psicológica que “contudo nunca foi criado” (p.60), mesmo com a evolução do conflito. Em segundo lugar, são de realçar as notórias deficiências na “intelligence”, bem patentes na operação “Mar Verde”, na introdução dos mísseis Strella, etc.

Finalmente, F. Policarpo comete um erro, considerando que os mandingas, a maior etnia constituíam a principal base de apoio e recrutamento do PAIGC. "Foram eles que lançaram a rebelião” (p. 67). Muito embora os mandingas tenham desempenhado um papel relevante na guerrilha, está historicamente comprovado que o grosso da tropa combatente era formada pelos balantas que constituem, de facto, a maior etnia da Guiné-Bissau (cc. de 30% da população total, contra 13% de mandingas – a 4ª etnia do país).

O livro encontra-se profusamente ilustrado com dezenas de fotografias da época e com uma interessante série de quadros explicativos que versam determinados temas específicos abordados genericamente no corpo do texto principal: uns biográficos, maioria (Honório Barreto, Teixeira Pinto, Marcelo Caetano, Amílcar Cabral, “Nino” Vieira, Spínola, Raul Folques, Luís Cabral) outros temáticos (Carta da ONU, Casa Gouveia, Clima e Doenças, Massacre de Pidjiguiti, PAIGC, ONU na Guiné, Berço do MFA).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 11 de Outubro de 2012:

Meus caros amigos,
Apesar deste livro já ter sido publicado em 2006 e de ter sido recenseado neste mesmo blogue, no ano seguinte (2007), como apenas o li muito recentemente, sem contrariar a crítica do nosso comum amigo Mário Beja Santos, decidi complementá-la com algumas ideias minhas.
Procurei, assim, dar um contributo para de algum modo desenvolver e enriquecer - passe a imodéstia - alguns temas tratados pelo Mário. Considero o livro do coronel Ferando Policarpo, uma notável obra de síntese, uma verdadeira radiografia da guerra de África, tal como foi vivida (tal como nós a vivemos) na Guiné, um livro de consulta obrigatória para todos os que se interessam pela história de Portugal no século XX.
Dividi os meus comentários em duas partes, de que vos remeto a 1ª parte .

Com os meus cordiais e amigos cumprimerntos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil. de infantaria CCAÇ 2402)


Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (1/2) 

A obra do coronel Fernando Policarpo, “Guerra de África – Guiné 1963-1974” integrado na colecção Batalhas de Portugal, editorial Quidnovi, Matosinhos, 2006, constitui, em nosso entender, uma verdadeira radiografia dos 11 longos anos de conflito naquele país africano, que opuseram as Forças Armadas portuguesas aos guerrilheiros do PAIGC. Trata-se de um documento sintético, todavia preciso, rigoroso e objectivo que se destina ao grande público, mas que, mesmo o especialista, seguramente, não enjeitará. Fernando Policarpo não nos apresenta factos inéditos, nem tão-pouco grandes novidades, a nível da interpretação histórica. Tem, porém, cremos, a convicção de que está em terreno minado e que a sua (nossa) proximidade, ou mesmo vivência, dos acontecimentos não permite análises ousadas, que podem ser facilmente contestadas pelo seu carácter controverso, nem tão-pouco são apresentados factos não comprovados ou duvidosos. Nalguns casos são expostas várias versões e o autor limita-se a indicar qual é, a seu ver, a que entende ser mais provável, sem excluir, porém, nenhuma das outras. É o caso, por exemplo do assassinato de Amílcar Cabral em Conakry (20 de Janeiro de 1973). Em suma, a meu ver, a obra possui os méritos da concisão, do rigor e da imparcialidade.

Para além de uma breve resenha histórica inicial relativa ao descobrimento da Guiné e à consolidação dos direitos de Portugal ao território (Conferência de Berlim e sobretudo a Convenção luso-francesa de 1886), por conseguinte, o novo Direito Colonial Público, que, no fundo, marca o verdadeiro nascimento da Guiné Portuguesa, focaliza-se, em seguida, no enquadramento internacional, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, para delinear a génese e a evolução dos movimentos emancipalistas então emergentes e traçar, depois, as grandes linhas do conflito, no que foi considerado o pior de todos os teatros da guerra que Portugal enfrentou em África – a Guiné.

Relativamente ao problema da descolonização, o autor sublinha as diferenças no relacionamento das grandes potências (França e Reino Unido) com as respectivas colónias e “a relação estreita e fraterna que Portugal mantinha com as suas”, com as prováveis excepções dos belgas com o Congo e dos franceses com a Argélia (p. 19).

Fernando Policarpo delineia em traços claros, o que foi a política portuguesa em relação aos territórios africanos ao arrepio dos chamados ventos da História: “Os governos de Salazar e Caetano demonstraram inflexibilidade na condução da politica colonial. Num quadro de grande apoio internacional, ao desmantelamento dos impérios coloniais, Portugal não ousou tirar vantagem dessa mais-valia diplomática, optando por fechar todas as portas a uma solução sensata, credível, digna e honrosa para a Pátria... O país ficou refém da nostalgia do império” (p. 26). Tal posicionamento politico foi pesado de consequências para a Nação e para as suas Forças Armadas. Com efeito, como refere F. Policarpo, “durante os 13 anos seguintes, as Forças Armadas Portuguesas sustentaram a mais longa frente de batalha do mundo, que ia de Lisboa a Timor” (p. 27).

Nos capítulos seguintes, o autor descreve sinteticamente as origens e as características da Guiné, desde os antecedentes históricos, à geografia física e humana do território, não deixando de sublinhar com destaque a complexidade antropológica do território, um “mosaico populacional onde se falavam cerca de 20 línguas diferentes” (p. 39), bem como, a diversidade religiosa. Existem dois pequenos capítulos dedicados às actividades económicas e às comunicações, salientando-se as dificuldades existentes nos transportes terrestres, devido à falta de pontes, donde o inevitável recurso às vias fluviais.

O autor dedica, seguidamente, algumas páginas à fundação do PAIGC e à personalidade e carisma do seu líder, Amílcar Cabral. Para além de meras referências de passagem a outros movimentos independentistas guineenses de vida efémera, Fernando Policarpo acaba por concluir que o único movimento estruturado e com capacidade para a acção armada era o PAIGC, mas – e este ponto é de uma importância capital para se compreender o processo histórico na Guiné-Bissau – “quase todos os fundadores do PAIGC eram cabo-verdianos de formação marxista. Quando a guerrilha se instalou , os seus comandos eram mestiços e a maioria dos combatentes nativos do território. Esta diferenciação explicará o mau relacionamento, as tensões e os conflitos bem visíveis entre estes dois povos, mesmo ao nível da cúpula dirigente do partido – ao ponto de a maioria do povo da Guiné preferir ser colonizado pelos portugueses do que pelos cabo-verdianos.” (p. 51). O apoio explícito do Presidente da Guiné-Conakry, Sekou Touré, foi fundamental para a fundação do PAIGC e para o lançamento das suas acções armadas já em território da Guiné Portuguesa. Todavia, as pretensões do líder conakry-guineense à criação de uma “Grande Guiné” que poderia integrar a então Guiné-Portuguesa e as suas relações com Amílcar Cabral que são virtualmente desconhecidas (cfr. p. 110), bem como a condução ditatorial do seu país, levantam dúvidas quanto às suas verdadeiras intenções.

O coronel Fernando Policarpo divide o conflito na Guiné-Bissau em duas fases cronológicas e político-militares distintas: o período de 1963 a 1968, que abrange os governos de Vasco António Martinez Rodriguez (63-65) e do general Arnaldo Schultz (65-68) e a segunda fase, de 1968 a 1974 que coincide, no essencial com a governação do general António Spínola e o consulado do general Bettencourt Rodrigues, que se resume a uns escassos 8 meses (Agosto de 1973 a 27 de Abril de 1974).

A primeira fase é caracterizada pela implantação do PAIGC no terreno, sobretudo no Sul, mas também em santuários importantes dispersos pelo território, como o Morés ou a mata do Cantanhez, por exemplo. A tropa portuguesa é reforçada e o dispositivo militar na Guiné dispõe-se em quadrícula, cobrindo a quase totalidade da província. Os aquartelamentos situavam-se a poucos quilómetros uns dos outros, atenta a exiguidade do território. A malograda operação “Tridente” (batalha da Ilha de Como) constituiu um revés para Portugal e um importante triunfo para a guerrilha. As deficiências detectadas no sector das informações terão estado na razão do malogro da operação, à semelhança, aliás, da operação “Mar Verde” (invasão de Conakry), anos mais tarde, já em 1970. Em suma, Portugal não consegue conter a progressão da guerrilha em quase todo o território e assume, amiúde, uma atitude meramente reactiva. Adivinhava-se uma vitória militar do PAIGC, a prazo, e tal devia-se “à manifesta incapacidade do General Schultz, Governador e Comandante-Chefe, de planear e pôr no terreno um plano de acção político-militar capaz de inverter a situação” (p. 75)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10532: Notas de leitura (417): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10447: Notas de leitura (412): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2012:

Queridos amigos,

Por exigência do ofício, vou agora rondar pelas histórias da Guiné, imperativo que me é imposto pelo novo trabalho que tenho em mãos quanto a um roteiro que faz o arco entre a Guiné Portuguesa e a Guiné-Bissau.
É uma tentação este texto de René Pélissier, o investigador aparece bem documentado, é por vezes muito brusco e torna a leitura palpitante graças às suas descrições onde não faltam aventuras, guerras e a consideração que ele mostra pelo esforço dos portugueses em internarem-se no mato para consolidar posições. Deita por terra o mito da nossa presença ao longo de cinco séculos, o que é verdade é que mal se saiu da orla marítima, quase sempre dentro das praças e dos presídios. Sim, é apaixonante ler este René Pélissier que ainda se encontra nas livrarias.

Um abraço do
Mário


A história da Guiné,  por René Pélissier (1)

Beja Santos

No âmbito do trabalho que estou a desenvolver com o Francisco Henriques da Silva e que se intitula “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, tem total cabimento afoitarmo-nos a fazer uma incursão pelas diferentes obras que falam da Guiné. A primeira história da Guiné foi a de João Barreto, um médico goês, curioso pelo passado da Guiné e que deu à estampa o seu trabalho em 1938.

É mais uma obra de divulgador que de especialista, tem incontestáveis méritos e revela abundantes insuficiências, como mais tarde se destacará. Em 1954, o então comandante Avelino Teixeira da Mota publica um estudo detalhado, a história da Guiné Portuguesa, que durante anos foi a peça de referência e ainda hoje é de leitura obrigatória em certos domínios. E veio a seguir René Pélissier com a sua História da Guiné, portugueses e africanos na Senegâmbia, 1841-1936, dois volumes, Editorial Estampa 1989.

A historiografia posterior aparece parcelada, António Duarte Silva escreve o seu incontornável “Invenção e Construção da Guiné-Bissau”, um olhar que permite ao estudioso e ao interessado pelas coisas guineenses entender a importância da obra de Sarmento Rodrigues e a fase da Guiné como província ultramarina, até chegarmos aos alvores da causa nacionalista. Como igualmente importante se revela a Guiné, 1963-1974, de Fernando Policarpo (QuidNovi, 2006),  porventura o estudo nos oferece a melhor síntese do período correspondente à luta de libertação.

O trabalho de Pélissier aparece prefaciado por Leopold Senghor. É muito belo o que ele nos escreve aqui:

“Os meus antepassados fulas e mandingas provêm de Gabu, no nordeste da Guiné portuguesa, para se integrarem em Sérères do Sine, mais exatamente na Petite Côte do Senegal, onde Joal, minha terra natal, é um porto banhado pelo Oceano Atlântico. Além disso, o meu apelido Senghor tem origem na palavra portuguesa Senhor, tal como o nome da minha cidade natal, Joal, é igualmente um apelido português. Acresce ainda que, além de outras coisas, tenho sangue português. Last but not least, no Senegal predominam os nomes e, portanto, o sangue português, sobre os nomes e o sangue franceses. Para compreender este facto bastará ler o livro de Pélissier. Aliás, no Casamansa fala-se ainda o crioulo português como dialeto regional (…) o que René Pélissier, ou melhor, mostrar, é a originalidade da colonização portuguesa e, sobretudo, o seu carácter nem racista, nem fanático (…) O leitor europeu não ficará pouco surpreendido ao verificar isto: estas campanhas, mais exatamente estas repressões ou estas guerras são quase sempre dirigidas não tanto contra os revolucionários das cidades, os mestiços, os cristãos, até mesmo os muçulmanos, mas contra os povos animistas: os Papéis, os Balantas, os Felupes e outros Beafadas”.

Senghor considera que esta obra proporciona uma leitura apaixonante e dou-lhe toda a razão.

Na introdução, o autor explica-nos ao que vem. Primeiro, contribuir para desfazer o mito dos cinco séculos da colonização-exploração portuguesa; segundo, tentar encher um vazio no conhecimento da África Ocidental pelos francófonos, cujos historiadores, praticamente todos, cessaram as suas investigações nas fronteiras da Guiné. Sem aparentemente se aperceberem de que este enclave não só tinha uma história própria como ainda uma certa importância; terceiro, um estudo dirige-se principalmente aos guineenses para eles considerarem a resistência/colaboração dos seus avós à conquista colonial. Neste ponto, o autor é esclarecedor:

“A Guiné, entre 1841 e 1936 foi uma terra de violência, repetitiva e de uma intensidade que não foi igualada nos territórios de extensão comparável na África Ocidental: perto de três vezes mais que no Casamansa. Com 81 campanhas, expedições ou simples operações que envolveram um mínimo de cerca de 8500 soldados regulares e cerca de 42000 guerreiros e auxiliares alistados do lado português, para consolidar uma colonização que, até ao começo do século XX não sabia se não teria de fazer as malas e pôr-se a andar. Ver-se-á, ao longo do texto, que a razão essencial desta acumulação de choque está ligada com a fraqueza intrínseca do poder português que só avança verdadeiramente para o interior das guerras depois dos grandes massacres de animistas de 1913-1915”.

Nos primórdios tínhamos a Guiné de Cabo Verde (1841-1844), de cedência em cedência a presença portuguesa fica confinada à Guiné de Cabo Verde, uma fração da Guiné de Cabo Verde dos séculos XVI-XVII que começava na foz do Senegal e ia até à Serra Leoa. Esta Guiné é a dependência de Cabo Verde, um género de colónia de uma colónia, pontificam tanto no tráfico negreiro como na administração incipiente os cabo-verdianos, a despeito do tratado luso-britânico de 19 de Fevereiro de 1810 pelo qual o tráfico negreiro era proibido na Guiné.

Pélissier desvela as práticas desse tráfico e os seus protagonistas. Interpelando o que era a Guiné neste período responde:

“Em 1841-1844, a Guiné dos portugueses e dos lusitanizados é, em primeiro lugar, os rios. A isto se junta, em equilíbrio precário nas suas margens, algumas escalas mestiças que sobrevieram à concorrência estrangeira”.

 Explica quais são os limites da Guiné, a sua fronteira marítima de cerca de 450 quilómetros e tece novas considerações:

“Na prática, o problema dos portugueses do litoral, no século XIX, consistirá em fazer com que a França e a Grã-Bretanha admitam que esta costa lhe cabe sem partilhas. Ora, contrariamente a Moçambique e principalmente a Angola, que aumentarão a sua extensão, a Guiné fictícia de 1841-1844 perderá quase metade das suas margens antes de se reduzir às fronteiras que lhe conhecemos. Esta costa é disputada não só nas chancelarias como até já no terreno”.

Seguir-se-á o trabalho de interiorização, os portugueses afanosamente acabarão por criar uma verdadeira colónia. As receitas, nesta fase ainda de tutela de Cabo Verde, resumem-se aos rendimentos da alfândega de Bissau e as despesas aos soldos das guarnições e de alguns funcionários civis, bem como às raras obras de consolidação dos edifícios públicos.

René Pélissier afirma que não há conhecimento exato do comércio das feitorias e argumenta:

“Com a exceção de dois ou três navios americanos, a exclusividade da navegação lícita pertence às escunas e chalupas inglesas e francesas de Gâmbia e de Goreia, que visitam duas ou três vezes por ano, cada uma, os postos portugueses. Os produtos declaráveis são o marfim, os couros e peles, a cera, o óleo de palma, as tartarugas, algum ouro e as madeiras”.

Há um prudente silêncio sobre o tráfico negreiro. Todo o comércio se baseia na troca e nos pagamentos em espécie. Quanto à topografia político-militar, o autor refere duas capitanias-mores, a de Cacheu e a de Bissau que estão unificadas numa comarca que tem à cabeça um subperfeito, residente em Bissau, isto antes de 1842 ano em que a Guiné volta a dividir-se em dois distritos autónomos, cada um com um governador dependente do governador-geral de Cabo Verde. Os portugueses ocupam Zinguichor, de há muito cobiçada pelos franceses, há registo de um enorme esforço de Honório Pereira Barreto para suster esta presença francesa, mas o Casamansa português está num completo declínio.

Na bacia do rio Cacheu, a presença portuguesa é dada pelo presídio de Bolor, pela povoação de Cacheu e a sua antena de Farim. No rio Geba espalha-se uma série de guarnições a começar por Bissau, depois Fá, Geba e Ganjarra, quase em frente à feitoria de Geba; há uma ténue presença no Rio Grande de Buba, no arquipélago dos Bijagós a presença portuguesa ocorre em Bolama e na Ilha das Galinhas. Por esta data inicia-se a “Questão de Bolama”. Só no final do Século XIX é que os portugueses se afoitarão à região Sul, depois do acordo celebrado com os franceses em 1886. Mas a vida em Bissau é terrível, está sujeita a guerras permanentes, como se passa a descrever.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10436: Notas de leitura (411): "Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira (Belarmino Sardinha)