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segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23871: Notas de leitura (1531): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O guevarismo e o seu foco insurrecional veio a revelar-se uma aplicação desastrosa da guerrilha na Américas do Sul e Central, era uma conceção desinserida de um processo histórico de alianças de classe e de forças ditas contestatárias que agiam taticamente, incapazes de pegar em armas - daí os falhanços na Colômbia, na Venezuela, no Uruguai, na Bolívia. Amílcar Cabral declarou um dia que encetara o processo revolucionário na Guiné só conhecendo uns rudimentos da maoismo, contudo, como está historicamente comprovado, instituiu uma teoria e uma prática revolucionárias ajustadas às aspirações de população que não se identificava com a potência colonial, cuja presença, aliás, era muito frágil. Cabral teve suficiente astúcia para nunca se confrontar com as teorias cubanas, Guevara e Fidel Castro admiravam-no e Cuba, como é de todos sabido, apoiou a luta armada na Guiné. Cabral também não se impressionou muito com o foco insurrecional, apostou na longa duração e numa possível boa simbiose entre a população e os guerrilheiros. Revelou-se um marxista flexível, embora intransigente na ditadura da direção política; jamais se pronunciou a favor de um futuro desenvolvimentista para a Guiné assente na ajuda humanitária, aspirava a uma agricultura próspera como matriz do desenvolvimento, queria que a Guiné não sobrevivesse à custa de dádivas, sem contestar que recebera apoio da cooperação. Foi um teórico que conduziu até às últimas consequências o processo de independência e estabeleceu balizas, sobretudo na fase inicial, desde o segundo semestre de 1962 até ao processo de consolidação de 1964, para os atos de terror e de intimidação, conhecia as etnias e as suas cumplicidades e nunca ignorou que o PAIGC não podia contar com os Fulas, conhecia muito bem as razões históricas da aliança entre os Fulas e os portugueses.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2)

Mário Beja Santos

É do senso comum que a luta armada desencadeada pelo PAIGC obedecia a uma estratégia de guerrilha. É um dado curioso como se aborda amiúde este fenómeno nacionalista sempre no enquadramento de descolonização, passando-se, de um modo geral, ao lado dos pontos concordantes e discordantes do pensamento de Cabral com outras estratégias de guerrilha.

Gérard Chaliand, porventura o principal historiador francófono dos movimentos revolucionários à escala mundial, e que acompanhou Cabral no interior da Guiné em 1966, escrevendo depois uma obra no ano seguinte, para além de artigos, releva os fatores históricos das guerras populares na época contemporânea: a crescente intervenção dos camponeses na luta armada (como força combatente ou infraestrutura política clandestina ou local de abastecimento); o facto de a luta passar a dispor de uma vanguarda ideológica mobilizadora orientada pela coesão, disciplina e espírito de sacrifício. Não se pode contestar a importância do pós-II Guerra Mundial, que operou ruturas de equilíbrio entre as grandes potências e que fez despertar nacionalismos, muitos deles em estado latente. Há que ter em conta o gradual desaparecimento dos impérios europeus, as elites nacionalistas iam amadurecendo as vias mais adequadas para chegar ao poder e gerar novas pátrias. Havia populações amadurecidas para a insurreição e houve diferentes modos de encarar a guerrilha. Como se observou no texto anterior, Che Guevara, após a tomada do poder em Havana, não escondia a sua inquietação quanto à necessidade de fazer a disseminação revolucionária do continente. Outro pensador revolucionário, Frantz Fanon, talvez dominado pela guerrilha de cariz sanguinário que se desenvolveu na Argélia, era apologista do ferro e fogo, a qualquer preço.

Em 1974, portanto numa fase já muito amadurecida do quadro das independências em África e na Ásia, Régis Debray passou a escrito a sua análise sobre as lutas armadas da América Latina, fixou-se em grandes atores como Fidel Castro, Che Guevara e Salvador Allende, procedeu a um balanço crítico desses fenómenos revolucionários ou subversivos que ocorreram na Venezuela, em Cuba, na Bolívia ou no Chile. Nunca escondendo a sua admiração pelo guevarismo, preocupou-se em refletir sobre as razões que conduziam a uma revolução nacional vitoriosa, nunca esquecendo a China, o Vietname e Cuba. Dissecando as classes médias da América do Sul e Central, foi-lhes encontrando mais intenção do que determinação pela luta armada, com a agravante que os partidos comunistas, no período estalinista, eram única e exclusivamente incentivados a trabalhar para que se formassem governos de unidade nacional. É nesse contexto que Debray enuncia metodicamente as razões para o triunfo cubano, não desvaloriza a vanguarda constituída por elementos da classe média, mas que souberam doutrinar os agrupamentos da guerrilha e a boa comunicação que estabeleceram com os grupos camponeses.

Medindo cuidadosamente a estratégia desencadeada em Cuba, recorda que num quadro de desigualdade inicial nas relações de forças entre o exército regular e a guerrilha, havendo que incorporar progressivamente a população na luta, é fundamental preparar os militantes para um combate longo, para o tempo que for preciso, saber definir a retaguarda, atender rigorosamente à natureza do terreno, e no caso de Cuba perceber que era uma ilha, de onde não se punha qualquer eventualidade de atravessar fronteiras. Daí a importância do estabelecimento de bases, sem o caráter de fixação, de programar ações num contexto de descontinuidade operacional, nunca descurar a questões ideológica, adotando uma teoria de organização e estabelecer as regras de uma democracia revolucionária.

Não é para aqui chamada a narrativa do processo histórico que levou este movimento revolucionário cubano até à definição do Partido Comunista. O pano de fundo é tentar perceber o que distinguiu Amílcar Cabral dos outros teóricos. E não será pura casualidade que Gérard Chaliand na sua obra monumental Estratégias da Guerrilha, Payot, 1994, distinguir a intervenção de Cabral na Conferência Intercontinental de Havana, em 1966, como o contributo mais original, senão o único contributo original daquelas décadas sobre a estratégia revolucionária dos movimentos de libertação, e sobretudo o papel da pequena burguesia. Perante uma assembleia que aos poucos ficou boquiaberta, Cabral começou por dizer que a maneira mais eficaz de criticar o imperialismo é pelas armas, desde que a motivação ideológica se insira perfeitamente num povo que aceita fazer a causa libertadora de ter que pegar em armas para expulsar a potência colonial. Numa linguagem frontal, Cabral referiu nessa intervenção que passou à história com o título da arma da teoria de que um revolucionário deve saber lutar contra as suas próprias fraquezas, e uma delas poderá ser a falta total de ideologia de um movimento de libertação nacional. E por isso propõe-se contribuir para o debate sobre os fundamentos que os objetivos da libertação nacional em relação à estrutura social. Questiona o conceito de luta de classes e não esconde os equívocos que ele comporta, esquecendo povos que por razões históricas não evoluíram para quadros de industrialização. Não se pode iludir o papel da pequena burguesia, ela é fulcral tanto na situação colonial como pós-colonial. Há segmentos da pequena burguesia que aderem ao chamamento revolucionário enquanto outros se mantêm aliados, talvez com a ilusão de que estão a defender a sua situação social, ao colonialismo. E faz comentários proféticos, observando que a situação neocolonial, que exige a liquidação da pseudoburguesia autóctone para que se realize a libertação nacional, dá também à pequena burguesia a oportunidade de um desempenho decisivo na luta pela liquidação do domínio estrangeiro. Enfatiza o papel desta pequena burguesia na situação neocolonial, ou ela possui consciência revolucionária e a capacidade de interpretar fielmente as aspirações das massas nas sucessivas fases da luta, identificando-se cada vez mais com elas, ou aceita o aburguesamento. E diz abertamente que a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe ou então trair a revolução, tornando-se cúmplice de um qualquer processo neocolonialista, cada vez mais distante das profundas aspirações populares.

Cabral, como veremos no próximo e último texto, deliberou, a partir de 1959, que o PAIGC entrava num processo de clandestinidade, com subversão interna conducente à preparação de quadros militares, com uma direção no exterior apta a dar formação, a acolher os novos quadros militares e a consciencializá-los para a natureza da luta armada que se avizinhava, a obter apoios internacionais, e gradualmente instalar a subversão em zonas do território extremamente ásperas para a mobilidade das tropas regulares. O que veio a acontecer, como Gérard Chaliand comprovou no terreno, em 1966.

(continua)

Amílcar Cabral, Maria Helena Rodrigues e a sua filha Ana Luísa Cabral, 1964
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Nota do editor

Poste anterior de 5 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

domingo, 10 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 31 de Maio de 2018, trazendo-nos uma reflexão intitulada Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços.


Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas 
e da Descolonização e dos seus Destroços

I 

Pertencemos à geração, ora grisalha, que “FOI ATÉ ONDE A PÁTRIA FOI”, que fez o 25A74 e o 25N75, a destituir governos que não gostava e que reconstruiu Portugal dos destroços da Descolonização e do PREC.

Somos uma fonte da nossa história, depomos na primeira pessoa, como actores vivos dos seus factos acontecimentais. Ninguém é obrigado a condescender com o branqueamento da que vem sendo escrita “sob o manto diáfano da fantasia” ideológica, nem com a sua perversão por parte dos complexados “cientistas sociais” emergentes.

De facto, tudo o que nos séculos XV e XVI os Portugueses descobriram já existia – mas estava encoberto. A gesta dos Descobrimentos, em primeiro; a saga e a diáspora da Expansão, depois. E sempre. A guerra africana dos Portugueses tem designação matricial: do Ultramar para nós e de Libertação para quem combatíamos. A terceira designação de Guerra Colonial pertence a terceiros, é semântica, mesquinha, redutora, com carga depreciativa sobre o nosso país e a nossa própria cidadania. Aos discordantes: ao menos aceitem essa realidade como aceitam o Novo Acordo Ortográfico…

Os mesmos que montavam emboscadas e faziam cercos, assaltos, etc a grupos armados, portadores do armamento mais evoluído, que manobravam segundo as mais avançadas tácticas de guerra, arriscavam as vidas e integridade física a proteger as populações indefesas, as sementeiras e as colheitas da subsistência das suas comunidades, garantiam-lhe a mobilidade por terra, ar e água, construíam-lhes casas, infra-estruturas urbanas, postos médicos de serviços universais, escolas, estrada e em escoltas para salvar doentes e parturientes. Jamais os países da CPLP beneficiaram de cooperação tão eficiente, extensa, profunda e inclusiva – e a custo zero. Existia um Estado e obrigámo-nos a fazê-lo funcionar. Essa realidade era uma guerra colonial?

De personalidade complexa, Salazar (e a sua circunstância), para além de ditador suave (comparável a De Varela, da Irlanda, a grande distância da de Franco, da Espanha, Mussolini da Itália, Hitler, da Alemanha, Estaline da URSS ou da de Fidel Castro, de Cuba) foi um grande patriota. Pegou num Estado em falência total, consequência da nossa guerra na África e participação na Europa – a nossa derrota em La Lys aconteceu há 100 anos - e da irresponsabilidade dos “progressistas” da I República, lidou com a Guerra Civil da Espanha e com II Guerra Mundial.

Levantou o Estado Português “orgulhosamente só”, começando por mandar regressar de Genebra os diplomatas, que penosamente negociavam um empréstimo emperrado na Sociedade das Nações, obviamente à “custa dos mesmos” do costume; entrou da nossa história como estadista de primeira água, até mais até pela sua seriedade – não se apropriou do que pertencia a todos; o invés dos políticos poltrões e corruptos desta era “Pós Verdade”, desde deputado a presidente da câmara, (salvo muitas e honrosas excepções), que além de conduziram o país à falência, em época de paz e prosperidade, colocaram o Estado Português sob o protectorado do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, com a tarefa de levantarem de novo o Estado Português, também às “custas dos mesmos” do costume, obviamente.

Não me esqueço ter sentido arrepios ao ver do General Garcia Leandro, grande capitão da Guiné, do 25A74 e do 25N75, a dizer na televisão, ainda comovido, ter chorado na madrugada da chegada desse dia da chegada da “troika”!

Sem lhe desculpar o modo esdrúxulo como se auto-impôs Presidente do Conselho, no contexto do tufão Humberto Delgado, um dos seus ex-capitães, Salazar terá lidado com o caso da Índia e com o desencadear da guerra africana num estádio de acentuada senilidade.

(Lembremo-nos o desempenho político do notável Mário Soares, nos seus últimos tempos de vida).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18442: (In)citações (118): sociocoreografia de um batuque (Cherno Baldé / Valdemar Queiroz)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II




Jornal "Nô Pintcha" > Bissau > Sítio na Net > Folha de rosto, da edição de 1 dezembro de 2016




1.  Um dos nossos amigos da Guiné-Bissau chamou-nos a atenção para um artigo de homenagem à memória de Fidel Castro (1926-2016), por ocasião da sua morte, no passado 25 de novembro, publicado no jornal "Nô Pintcha", e que seria da autoria de Fernando Delfim Silva, conhecido ex-governante, professor universitário e influente analista político.

[Julgo que terá sido diretor do liceu de Bafatá, a seguir á independência, segundo informação do nosso amigo Cherno Baldé, na altura aluno do ensino secundário em Bafatá; licenciado em filosofia na antiga URSS, é autor de "Guiné-Bissau: páginas de história política, rumos da democracia, Bissau, 2003 vd. aqui "nota de leitura" do Mário Beja Santos, capa do livro à esquerda].

Recorde-se que esta publicação, "Nô Pintcha"  (, primeiro sob a forma de semanário e agora bissemanário) tem hoje mais de 40 anos, tendo sido criado em 1975. Tem um sítio na Net desde 2010. É considerado um jornal oficial ou oficioso (, não percebo muito bem qual é o seu estatuto editorial atual...). A leitura das suas páginas é,todavia,  imprescindível para se conhecer a moderna história da Guiné-Bissau.


 O nosso interesse focou-se na "ajuda internacionalista" cubana ao PAIGC, sobre a qual temos publicado aqui vários postes nos últimos tempos, e nomeadamente os da autoria do Jorge Araújo.. É um  "tema mal amado" e sobretudo  ainda muito pouco conhecido dos antigos combatentes portugueses que estiveram no TO da Guiné. Alguns de nós estivemos em situações  de combate com os cubanos (médicos, artilheiros, instrutores, etc.), que passaram pelo TO da Guiné (um total que não deve ter ultrapassado a centena.)

A principal fonte citada ainda é a cubana, neste caso o livro do antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, Oscar Oramas (e que é mais uma hagiografia do que uma biografia de Amílcar Cabral, não sendo o autor propriamente um historiador e um académico).

Pode ser que, entretanto, surjam outras fontes independentes. O que é difícil... Tanto em Cuba como na Guiné-Bissau só agora, muito lenta e tardiamente, e nalguns casos tarde de mais, é que se começa a recolher, tratar e divulgar informação até há pouco classificada sobre a "luta de libertação".

Acrescente-se, em todo o caso, que a .lista (referida pelo "Nô PIntcha")  dos  mortos cubanos (em combate, por acidente ou por doença) está incompleta: por esemplo, em 6 de janeiro de 1969. não morreu apenas um cubano, mas sim três (conforme quadto abaixo, que de resto precisa de ser revisto e completado, adicionando-se as baixas naté 1974)),

Os subtítulos e os negritos são da responsabilidade do autor [, Fernando Delfim Silva], bem, como os parênteses curvos. Os parênteses retos da nossa responsabilidade (LG).



Quadro elaborado pelo Jorge Araújo  (2016)


2. Recortes de imprensa > O apoio de Cuba à luta de guerrilha do PAIGC > Parte II
Excertos de: "Nô Pintcha", Bissau, de 1 de dezembro de 2016 > "Morrel El Comandante". [com a devida vénia...]




Guiné- Conacry > Conacri > PAIGC > Fevereiro de 1967 > O comandante 'Moya' ou 'Moja' (para os guineenses)  (Victor Dreke, n. 1937) assume o comando da missão militar cubana. Ei-lo aqui com Amílcar Canarl.. Foto do "Nô Pintcha" (edição em papel) (com a devids vénia).


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral >
Pasta: 07057.012.006 | Título: Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau | Assunto: Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau, assinados pelo Comandante R. Moya [Victor Dreke]. Relação dos militares preparados pelos técnicos cubanos na frente do Boé (até 30 de Abril de 1967), relação do pessoal cubano distribuído pelas diversas frentes e hospitais do PAIGC. Apontamentos manuscritos de Amílcar Cabral. | Data: Domingo, 30 de Abril de 1967 - Quarta, 6 de Dezembro de 1967 |  Fundo: DAC - Documentos Amílcar.
[Reproduzida a 1ª págima, com a devida vénia]
Citação:(1967-1967), "Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40209 (2017-1-10)


[...] Um esforço de guerra notável, sem falhas, histórico.


1964

O PAIGC solicita ajuda ao Encarregado de Negócios de Cuba, em Conacri, para que cinco dos seus membros recebam treinamento militar em Cuba.

1965


Maio – Chega o barco “Uvero” à Guiné-Conacri com ajuda cubana para o PAIGC, com alimentos, armas e medicamentos.

1966

Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo Tenente António Lahera Fonseca;

Junho (1966) – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo Tenente Aurélio Riscard Hernandez

1967

Fevereiro – O comandante “Moja” (Victor Dreke) assume o comando da missão militar cubana;

Abril – Chega a Conacri o barco “Andrés Gonzalez Lines”, levando pessoal militar e meios materiais;

24 bolseiros do PAIGC chegam a Cuba para realizar estudos superiores, devendo 4 deles fazer treinamento militar.

Dezembro – Chega a Conacri o barco cubano “Pinar del Rio” com pessoal militar e meios materiais;


Abrem-se, na Guiné-Bissau, três escolas para superação militar dos combatentes sob a direção de instrutorescubanos.

Em Boké, território da Guiné Conacri, cria-se a escola de enfermagem.

1968

Agosto – Abre-se na Guiné-Bissau, a primeira escola para o fabrico de explosivos, sob a direção de instrutores cubanos.

1969

Chegada a Conacri da motonave cubana “Matanzas” com pessoal e meios materiais;

1970


Novembro, chega a Conacri o barco “Conrado Benítez” com meios materiais e pessoal militar.

1972


Maio (3-8 de maio) – Realiza-se a primeira visita do Comandante em Chefe Fidel Castro à Republica da Guiné. Fidel tem uma importante entrevista com Amílcar Cabral em que tratam temas relacionados com a ajuda cubana.

Junho – Uma delegação militar chefiada pelo Comandante Raúl Diaz Arguelles visita os territórios libertados da Guiné-Bissau.

Chega a Conacri o barco cubano “Las Villas” com pessoal militar cubano e ajuda material ao PAIGC;

Uma delegação militar conduzida pelo Comandante Raul Diaz Arguelles, chega a Conacri para planificar e executar uma operação contra o quartel de Guiledje. Chegada de um grupo de oficiais cubanos para participar na planificação da operação contra Guiledje.


Sangue cubano derramado pela independência da Guiné-Bissau

Assinalo aqui não o conjunto das (dezenas de) operações militares em que participaram combatentes cubanos, mas apenas aquelas em que se registaram perdas humanas do lado cubano ou algum revés que tivesse ocorrido nesse âmbito.

1967


Julho – Realiza-se um ataque de artilharia e infantaria ao quartel de Binar, na Frente Norte e outro ao quartel de Mejo, na Frente Sul. No último ataque morre o combatente cubano Feliz Barrientos Laporté [, em 3 de julho]

Julho – [A 19] morre o soldado cubano Radamés Sanchez Bejarano no ataque de artilharia à Bedanda.

Agosto – [ A 8] morre o soldado cubano Eduardo Solís Renté no ataque de artilharia ao quartel de Binta.

1968

Novembro – [A 14]: A Morre o combatente cubano Radamés Despaigne Lubert no ataque ao quartel de Gadamael


1969


Janeiro – Ataque de artilharia ao quartel de Ganturé. Durante as ações morre o combatente internacionalista 1° Tenente Pedro Casimiro Llopins durante o bombardeamento da aviação portuguesa.

Novembro (dia 16) – É capturado o Capitão Pedro Rodriguez Peralta numa emboscada das tropas portuguesas.

1970

Novembro – Chega a Conacri o barco “Conrado Benítez” com meios materiais e pessoal de relevo militar. O barco é atacado por um avião não identificado (…) e um médico e um marinheiro são feridos.


Em jeito de conclusão


[...] O objetivo deste texto foi apenas o de render uma homenagem à memória do Comandante Fidel Castro, grande amigo do povo guineense.

Como já o disse, este texto vai dedicado à juventude guineense que precisa de conhecer os momentos mais altos da nossa luta de libertação nacional, da nossa história, os seus protagonistas – e talvez o mais admirável – , saber que houve gente que veio de longe, correndo todos riscos, bater-se por nós, pela nossa dignidade nacional.

Quanto a mim, decidir publicar estas linhas, foi um dever indeclinável de reconhecimento, de gratidão, de memória. Na verdade não há palavras que cheguem para expressar toda a nossa gratidão ao povo cubano. Obrigado El Comandante. Hasta siempre…[...]


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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16940: Recortes de imprensa (83): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado pro Fernando Delfim Silva e oscar Oramas ("Nô Pin«tcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte I

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16693: Carta aberta a... (14): ...ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Portugal > Presidência da República > Havana, 26/10/2016 > O Presidente da República encontrou-se com Fidel Castro

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reuniu-se, em Havana, com o antigo Presidente cubano, Fidel Castro, um encontro que durou cerca de uma hora.

Foto (e legenda): Presidência da República (com a devida vénia)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 5 de Novembro de 2016, trazendo, para publicar, uma carta aberta ao Comandante Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Presidente da Rerpública Marcelo Rebelo de Sousa.

[ Foto à direita: Manuel Luís Lomba, residente em Barcelos,  autor do livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu".  Barcelos: Terras de Faria, 2012, 340 pp. (Email: terrafaria@iol.pt)].


CARTA ABERTA - 14

Espécie de carta aberta ao nosso compatriota Marcelo Rebelo de Sousa:

Excelência:

Como Presidente da República e Comandante Supremo das FA Portuguesas, prescindiu do meu respeito!

Como é de boa prática, faço uma declaração de interesses. Não votei no jurista e mediático comentador Marcelo, por o considerar uma flor da estufa social de Lisboa-Cascais; votei no engenheiro e trabalhador Henrique Neto, por o considerar uma espécie de esteva no resto da paisagem.

A minha geração deu em escrutinar o currículo militar aos “valores emergentes” do 25 de Abril. Em 1974, Marcelo, filho de ministro, tinha 26 anos e sem assentar praça, quando o povo comum se tornava magala aos 21 anos! Terá sido um dos honrosos refractários de facto, mas não de direito, obviamente…

A curiosidade pela vida militar dos que se promovem ou são promovidos ao topo político não revela tendência militarista. O nosso orgulho de ex-combatentes não é de actores nos palcos da Guerra do Ultramar, mas de camaradas de D. Afonso Henriques, o primeiro soldado de Portugal, 800 anos depois de ele ter fundado a nacionalidade portuguesa e dado à luz a nossa independência política. E sem inibições em manifestar o nosso respeito aos que, movidos por idêntica aspiração, nos deram combate nessa guerra.

Como Presidente da República de plena legitimidade, como o meu ADN é lusitano passei a dedicar o devido respeito e a tributar a minha lealdade a S. Ex.ª, com unhas (os dentes já não são capazes). A romagem de S. Ex.ª a Fátima e a Roma poderá entender-se um acto positivo. É que enquanto Portugal e os Portugueses dedicaram os seus afectos e devoção a Nossa Senhora, de Oliveira, da Conceição ou de Fátima, tornou-se independente, construiu-se, expandiu-se ao Mundo – e foi Império durante 500 anos! Decretada a sua orfandade, os “portuguesinhos” venderam o país e a sua alma, Portugal perdeu tudo – sobretudo a vergonha! – para se tornar um protectorado da União Europeia, dependente e venerador da Troika e da Senhora Merkl…

Que S. Ex.ª vá a Cuba em visita de Estado, são atribuições do seu cargo, e compreensíveis são os sorrisos amistosos e os cumprimentos mediáticos que dispensou ao seu chefe, por maior tratante que tenha sido para com os Portugueses e continue a ser para os cubanos. Ossos do ofício. Mas que vá prestar menagem e veneração ao fossilizado Fidel Castro – e espere um dia para ser recebido por ele – é inadmissível! Porquê? O Presidente da República de Portugal tem obrigação de saber, o dever de sentir e de ter a coragem moral de tomar as dores das ofensas militares ao seu país!

“Quem não se sente, não é filho de boa gente” – sabedoria popular portuguesa.

Reconhecidamente paciente desse complexo de superioridade de revolucionário, o cubano Fidel Castro tornou-se agente da morte, sofrimento e privações do povo cubano, impondo-lhe o culto da sua personalidade e a ditadura ideológica e social, feroz e oligárquica, que o oprime há quase 60 anos! E a estruturação do seu pensamento revolucionário começara por colocar a Humanidade à beira do apocalipse nuclear USA-URSS e a passar 14 anos a matar Portugueses, pelas ofensas militares ao nosso país, por assuntos que não lhe diziam respeito.

No tempo em que andei em perigos e guerras esforçados ao longo da fronteira Leste e Sul da Guiné, com os corajosos e eficientes guerrilheiros do PAIGC, como o seu chefe Amílcar Cabral apregoava já controlar dois terços do território, Fidel Castro tentou convencer o presidente da República da Guiné a ceder o seu país como plataforma da invasão pelo exército cubano. Sekou Touré era verdadeiro inimigo de Portugal, mas ditou:
- Como o Cabral já controla dois terços do território, tens muito por onde lançar a invasão, entre o Geba e o Cacheu…

Enquanto os outros patrocinadores, desde a Europa do Norte, passando pela URSS e satélites, à China e aos Estados Unidos, cooperavam com a guerrilha, mas não autorizavam os seus nacionais a pisar território português, Fidel Castro enviava oficiais e especialistas do exército regular de Cuba, para planear e supervisionar as operações para matar soldados portugueses nas fronteiras da Guiné.

Excelência:

Para atalhar o tema, atente em dois factos, anda bem frescos na memória de milhões de Portugueses e que ainda amarguram os corações de centenas de milhares, imputáveis ao “el comandante en jefe” cubano da sua devoção.

Os ataques massivos contra as tabancas fronteiriças de Guileje, Gadamael, Guidaje, Canquelifá, etc, planeados, supervisionados e desencadeados por elementos do exército regular de Cuba, durante o primeiro semestre de 1973, provocaram cerca de 2000 vítimas portuguesas, entre os nativos residentes e os nativos atacantes, incluindo cerca de 200 soldados portugueses metropolitanos.

É ao exército cubano que os Portugueses e os Angolanos devem, infelizmente com a cumplicidade do MFA português, a materialização da inveja e da sanha internacionalista, que visava a desconstrução da realidade física e social, atingida pelo Estado de Angola, como subempreiteiro por conta dos interesses dos imperialismos – Rússia, Estados Unidos e China. Nos 13 anos da guerra sustentada por Portugal, o progresso económico e social de Angola foi exponencial; nos 16 anos da guerra alimentada pelos cubanos, a destruição económica e o retrocesso civilizacional de Angola bateram no fundo.

E lembramos a sua responsabilidade na desnatação dos quadros, que alavancavam o progresso angolano e das suas vidas - os 800 000 refugiados, que Portugal recebeu sob o eufemismo de “retornados” – como vítimas do maior roubo da História, apenas superado pelo confisco nazi aos Judeus.

Excelência: É devoto de Fidel Castro? Aquela rapaziada do Governo que foi ver os jogos do Campeonato da Europa à borla, também era devota – e da Selecção Nacional! E já fez a sua autocrítica.

Faça como eles…
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16310: Carta aberta a... (13): ...ao Senhor Presidente da Republica Portuguesa e Comandante Supremo das Forças Armadas (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)


Cuba > Havana > Janeiro de 1966 > Amílcar Cabral com Fidel Castro, em Cuba por ocasião da Conferência Tricontinental. Fonte:  Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral. (Com a devida vénia...)

Citação: (1966), "Amílcar Cabral com Fidel Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43973 (2016-10-11)



 
Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes),
Portimão, Grupo Lusófona.


1. INTRODUÇÃO

Depois de dois pequenos desvios ao tema em título, mas complementares, tendo por protagonistas os comandantes Mamadu Indjai (o enigma dos seus ferimentos em combate) e Bobo Keita (os fundamentos que estiveram na base da sua saída da Mata do Fiofioli em maio de 1970) [P16506 + P16562], regressamos ao “trilho” anterior (passe a imagem metafórica) para retomar a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

Esta narrativa, que é a décima, inicia a entrevista ao médico
militar Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), a terceira no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação. [Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em: 
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf ]

Recordo que,  por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net.

Esta decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais em cada situação ou facto concreto, antes pelo contrário, pois o objectivo supremo é ficarmos cada vez mais perto da verdade, ainda que neste conflito bélico se tenham enfrentado poderes com interesses antagónicos e avaliações diferenciadas, e daí o título com que baptizei este trabalho de investigação: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos cubanos”.


2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [I]

Virgílio Camacho Duverger nasceu em novembro de 1934, em Guantánamo, cidade a oitenta quilómetros de Santiago de Cuba, esta fundada pelo conquistador espanhol Diego Velázquez de Cuéllar (1465-1524), em 28 de junho de 1514.

A sua cidade, Guantánamo, tornou-se célebre após a implantação, a quinze quilómetros de distância, da Base Naval do mesmo nome pertencente aos Estados Unidos da América, onde no seu interior se encontra a também célebre «Prisão de Guantánamo». Esta Base Naval, situada na Baía, igualmente como o mesmo nome, foi arrendada de forma perpétua pelos Estados Unidos, em 23 de fevereiro de 1903.

O seu percurso académico foi realizado entre Guantánamo e Santiago de Cuba, aonde concluiu o seu bacharelato em 1952.

Iniciou a carreira de medicina em Havana, nesse mesmo ano, concluindo-a em dezembro de 1960, depois de um interregno de dois anos por motivo de terem encerrado a Universidade na sequência do ataque ao Palácio Presidencial em 1957, e reaberta depois do triunfo da Revolução. Em julho de 1959 ingressa no Exército Rebelde como técnico de saúde.

Incorporou-se como médico militar e,  no dia seguinte a obter o seu diploma, foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para La Limpia del Escambray como médico militar. Poucos meses depois é designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma localidade existente na Serra Maestra, que era aonde funcionava a escola de recrutas [cadetes] que Ernesto 'Che' Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.

[Foto à esquerda: Ernesto 'Che' Guevara.  1960, mundialmente famosa foto de Alberto Korda (1928-2001)]

Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Água, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes, aonde só havia um estomatologista.

Nesse contexto, recebe um telefonema donde lhe pedem para se apresentar em Santiago de Cuba, onde o chefe dos Serviços Médicos em Oriente lhe coloca a necessidade de ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

Em janeiro de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é contactado pelo doutor José Ramón Balaguer Cabrera, naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das Forças Armadas, a quem lhe é colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro mas sem lhe dizerem o seu destino, o que aceita.

Concluído um período de treino de cerca de dois meses, seguiu em finais de maio de 1966 até Conacri, a bordo do barco «Lídia Doce», na companhia de mais vinte e seis “internacionalistas cubanos”, grupo constituído por artilheiros, médicos e motoristas. Este contingente acabaria por ser considerado o primeiro a chegar em missão de ajuda ao PAIGC.

Seguem-se os primeiros desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo dr. Virgílio Camacho Duverger.

Entrevista com 22 questões [Parte1 > da 1.ª à 7.ª]

“Testemunhos antes da morte” [Cap. XII, pp. 154-165]

[As notas introdutórias sobre o entrevistado são da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando-se, pelo desenlace à posteriori, o título dado à entrevista: «testemunhos antes da morte»... Vão a itálico. A perguntas vão numerados, em romano. Optámos também pelo itálico na transcrição da respostas do entrevistadlo. Os parêntes retos são nossos.]

Virgílio Camacho Duverger, destacado
Cuba, Havana, Hospital Hermanos Ameijeiras.
À esquerda. monumento a Antonio Maceo.
 Fonte: Wikipedia
profissional de saúde, pessoa amável e respeitada que nasceua 29 de novembro de 1934 em Guantánamo, antiga província do Oriente, entrevistei-o numa tarde de janeiro de 2003,  num pequeno gabinete do Hospital [Clínico-Cirúrgico] Hermanos Ameijeiras, [hospital líder de Cuba, situado no centro de Havana, entre o centro histórico  e o bairro de Vedado], aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.

[De referir, como curiosidade, que no terreno onde se ergueu este hospital, inaugurado em 3 de dezembro de 1982, aí funcionou durante um século aproximadamente (1852-1950), a Casa de Beneficência e Maternidade de Havana e, depois, até ao triunfo da Revolução Cubana, em 1959, o Banco Nacional de Cuba e mais algumas dependências, nomeadamente a bolsa. Estes primeiros serviços estavam instalados em edifícios que ocupavam somente metade da área e que o novo estado cubano decidiu ampliar a sua construção, transformando-os em hospital, considerado dos melhores centros, da sua classe, no mundo. Quanto ao nome do hospital, este recorda os três irmãos Ameijeiras, mártires da luta revolucionária, que cresceram ao redor deste edifício].

Estava eu muito longe de pensar que somente dez meses após ter conversado com ele, em novembro de 2003, Camacho Duverger falecerá, vítima de enfarte do miocárdio. Incrivelmente,  fora atraiçoado na sua própria especialidade de cirurgião cardiovascular, depois de ter operado e salvado centenas de pacientes.

Como meritória homenagem a este destacado académico e médico internacionalista, que cumpriu a sua missão na Guiné-Bissau, eis as suas últimas declarações para este livro que colige histórias inéditas de alguns dos homens que, como Duverger, cumpriram o dever patriótico e humano de salvar vidas em outras terras do mundo.



(i) Fale-me dos seus estudos 

e da sua carreira médica.



Fiz os primeiros graus no Colégio La Salle de Guantánamo, e parte do ensino secundário nessa mesma cidade e erminei-o em Santiago de Cuba, em 1952 [, aos 17 anos]. Dou início à carreira de medicina nesse mesmo ano, em Havana, e quando estou no quarto ano, fecham a Universidade, depois do ataque ao Palácio Presidencial em 13 de março de 1957. 

Retomo o curso depois do triunfo da Revolução, e em julho de 1959 ingresso, com outros companheiros, no Exército Rebelde como técnico de saúde. Era aluno de medicina e faltava pessoal para os serviços médicos. Colocaram-me no Centro de Cria Cavalar, em El Cotorro [um município situado a sudoeste da Província e cidade de Havana]. Concluo o curso  de medicina em 6 de dezembro de 1960.

(ii) Que fez depois?

Imediatamente incorporei-me como médico militar, pois até a esse momento era aluno de saúde, e no dia seguinte a obter o título, mobilizam-me para Mariel [um município da província de Artemisa, a quarenta quilómetros de Havana], porque era a mudança [20 de janeiro de 1961] de governo de Dwight D. Eisenhower [1890-1969] para John F. Kennedy [1917-1963]. 

[Eisenhower foi um general de cinco estrelas dos Estados Unidos, tendo participado na Segunda Guerra Mundial como Cmdt Supremo das Forças Aliadas na Europa, assumindo a responsabilidade de comandar e supervisionar a invasão do Norte de África durante a “Op. Tocha”, entre 1942 e 1943. 

[Assumiu, ainda, a planificação da invasão da França e da Alemanha, entre 1944 e 1945. Em 1951 tornou-se o primeiro Cmdt Supremo da OTAN (NATO). 

[Dois anos depois foi eleito o 34.º Presidente dos Estados Unidos da América, mandato que decorreu entre 1953 e 1961].

Mais tarde transfiro-me para La Limpia del Escambray como médico militar. Três ou quatro meses depois sou designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural, cujo chefe administrativo no Ministério da Saúde era o doutor José Miyar Barruecos (Chomi), [n. 1932; sendo-lhe atribuídas responsabilidades relacionadas com o desenvolvimento da biotecnologia, a criação e o funcionamento da Escola Latino-americana de Ciências Médicas (ELAM) e da Internacional de Educação Física e Desporto. É professor de Mérito da Faculdade de Medicina Victória de Girón].

Colocaram-me, então, em Minas de Frio [localidade existente na Serra Maestra, pertencente ao município de Bartolomé Masó, na província de Granma], Era aí que funcionava a Escola de Recrutas [Ciro Redondo (cadetes)] que Ernesto 'Che' Guevara [1928-1967] havia fundado [em 1958]. 

O chefe da Escola era Aldo Santamaria Cuadrado [1933-2003]. Durante a minha presença, passam a direcção administrativa de Minas de Frio para o Ministério da Educação. Como eu era militar, enviaram-me para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes. Quando lá cheguei, só havia um estomatólogo.

Muitos jovens que passaram por essa Escola hoje são generais. Por essa altura, recebo um telefonema donde me pedem para me apresentar em Santiago de Cuba. Ali o doutor Monreal, chefe dos Serviços Médicos em Oriente, coloca-me a necessidade de eu ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Fui o primeiro médico desse Batalhão. Termino a pós-graduação e passo, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA], que era dirigido pelo doutor René Cirilo Vallejo Ortiz [1920-1969] (médico de Fidel de Castro).

Esse instituto surge porque Fidel [de Castro], depois da invasão da Praia Girón [conhecida em Cuba como a “Batalha de Girón”, na Baía dos Porcos, que fora uma tentativa frustrada de invadir o sul de Cuba empreendida em abril de 1961 por um grupo paramilitar de exilados cubanos anticastristas, a chamada Brigada de Assalto 2506], deu-se conta da falta de cirurgiões, anestesistas e de outras diferentes especialidades cirúrgicas. 

Ali surge também o INCA [Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia] e a especialidade de maxilofacial, que não existia. Concluo a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transito para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

(iii) Quando e quem lhe propôs 
a missão internacionalista?

Em janeiro de 1966, durante a [1.ª] Conferência Tricontinental [realizada em Havana, Cuba, entre 3 e 15 desse mês, e onde esteve presente Amílcar Cabral (1924-1973), foi aprovada, em 12 de janeiro, a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina], contacta comigo do Hospital Dr. Carlos J. Finlay, o doutor José Ramón Balaguer Cabrera [n. 1932], naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das Forças Armadas.



[Havana (Cuba), janeiro de 1966. Intervenção de Fidel de Castro durante a Primeira Conferência Tricontinental, onde marcaram presença 512 delegados, provenientes de 82 países, bem como de 64 observadores e 24 convidados. 

De entre as centenas de delegados, destacam-se: Amílcar Cabral [1924-1973], da Guiné-Bissau; Salvador Allende [1908-1973], do Chile; Luís Augusto Turcios Lima [1941-1966], da Guatemala; Cheddy Bharat Jagan [1918-1997], da Guiana [Inglesa]; Pedro Medina Silva [1924-2012], da Venezuela; Nguyen Van Tien [1923-2001], do Vietnam do Sul; e Rodney Arismendi [1913-1989], do Uruguai].

[Fonte: http://epoca2.lajiribilla.cu/2011/n514_03/514_03.html - com a devida vénia]

[vídeo da conferência em: https://www.youtube.com/watch?v=CVZoxudN_Rk]


[O doutor José Cabrera, chefe militar da Força Armadas de Cuba] coloca-me a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro sem me dizer em que sítio. Incorporo-me num grupo para treino. Eram três grupos: um de artilheiros, outro de mecânicos-auto e outro de médicos. Cada grupo tinha nove elementos

Depois nos reagrupámos numa casa dividida por classes e na supervisão dos grupos encontrava-se um companheiro que era da “segurança”, conhecido por Artemio [tenente Aurélio Riscar Hernández Artemio] (com ele existiram alguns pequenos problemas porque quis aplicar algumas teorias e passado algum tempo na Guiné-Bissau o substituíram pelo Cmdt Victor Dreke) [facto ocorrido em fevereiro de 1967]. 

Dos três grupos de nove cada um, saíram em avião até Conacri, três artilheiros e dois médicos que o PAIGC necessitava com urgência. [Estes cinco elementos chegaram à capital da Guiné-Conacri em 29 de abril de 1966, numa viagem entre Havana-Moscovo-Praga-Marrocos-Conacri, chefiados por Aurélio Artemio].

Estivemos nessa casa aproximadamente dois meses. Deram-nos algumas aulas militares e de português. Aí começámos a suspeitar de que iríamos para alguma das colónias portuguesas. Por coincidência irónica, a casa aonde nos colocaram estava perto da embaixada de Portugal e às vezes, quando saíamos, passávamos em frente dessa vivenda diplomática. 

[Portugal mantem relações diplomáticas formais com Cuba pelo menos desde 1929, altura em que o Chefe de Missão em Washington passa a poder também ser acreditado em Cuba.]

Ao concluir o intenso e curto período de treino, saímos um dia numas viaturas fechadas e imaginei que íamos a caminho de Mariel, e porque não nos dizem o destino.

(iv) Os seus familiares 
sabiam alguma coisa?

Para os nossos familiares, desde que abandonámos a casa, estávamos na União Soviética a fazer um curso. Recordo-me que vivia no município de Playa, em 41 e 30, e às vezes passava perto de minha casa, quando tinha alguma coisa de trabalho para fazer, e não podia nem falar ao telefone.


(v) Quando e por que meio 
viajou?

Saímos em finais de maio de 1966 [21], porque passámos o Dia das Mães em Cuba. Numa lancha grande fomos até ao alto mar e aí subimos para o barco «Lídia Doce», um navio mercante cubano. Fizemos a travessia [atlântica] com dificuldades, pois em duas ou três ocasiões estivemos à deriva por avarias. 

[De notar que o dr. Virgílio Camacho Duverger, médico especialista,  fez parte do grupo no qual estava incluído o dr. Domingo Diaz Delgado, o primeiro entrevistado deste projecto, e que conta a história da viagem com mais detalhes – P16224. A missão do dr. Duverger vai-se prolongar até finais de 1967, tendo regressado a Cuba em princípios de 1968. Esteve boa parte do tempo na base de Boké, mas também passou pela  frente leste e pela  frente sul. Estava no Boé quando o cmdt do PAIGC Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro das NT, aquerteladas em Madina do Boé.]


(vi) Iam vestidos 
à civil?

Chegámos a Conacri vestidos à civil e sem armamento. Todos os que faziam parte do meu grupo eram militares, sem excepção. Levávamos passaportes falsos.

(vii) Qual era 
o seu nome?

Víctor Córdoba Duque, porque como nos informou o nosso instrutor de “segurança” as iniciais dos nomes dos passaportes coincidiam com as reais (os nomes eram escolhidos por nós) [Virgílio Camacho Duverger], para que se alguma vez surgissem referências em algum documento com as nossas iniciais poderiam levantar suspeita e desse modo descobrir a nossa identidade.

(Continua) (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16441: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte IX: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (V): Finalmente o regresso a casa, depois do pesadelo do Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal... Este homem, hoje professor universitário (?), tem histórias para contar aos netos... (Jorge Araújo)

(**) Último poste da série > 10 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16584: Notas de leitura (888): Guiné-Bissau entre 1960 e 1990: um olhar de um oficial português (Mário Beja Santos)