Mostrar mensagens com a etiqueta Fidelis Cabral. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Fidelis Cabral. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7179: (In)citações (16): Os irmãos Turpin, José e Eliseu, "verdadeiros filhos da Guiné" (Luís Graça)

Há dias ouvi pela rádio RFI, uma entrevista de José Turpin (irmão de Elysée Turpin, co-fundador do PAIGC) que falava de Cabral dizendo:

- Quando ele chegou a Conacri, escondido sob o pseudónimo de Abel Djassi, e onde eu e mais outros camaradas já nos encontrávamos, rapidamente se impôs como líder, não pela força mas pela sua integridade moral e força de convicção. Foi ele que nos unificou sob uma única liderança política e estratégica, antes dele, os "verdadeiros" Guineenses pavoneavam-se por aí, perdendo seu tempo em discursos patrióticos e disputas pueris por mulheres (prostitutas, provavelmente).

Cherno Baldé (*)


Comentário de Luís Graça (foto à esquerda, em Bambadinca, 1969):

Meu caro Cherno, conheci o José (ou Joseph) Turpin em Bissau, no último dia do encerramento do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) (**).

Fiz, inclusive, um pequeno vídeo com um depoimento dele, com uma mensagem de saudação destinada ao António Lobato, o hoje major piloto aviador reformado que foi prisioneiro do PAIGC durante 7 anos em Conacri... Nunca cheguei a saber se o António, que é minhoto de Melgaço (se não me engano),  teve conhecimento do vídeo, que de resto está disponível em You Tube > Nhabijoes.

Embora tivesse sido breve a nossa conversa, fiquei com uma boa impressão deste homem em cuja casa, a dos pais que eram comerciantes, se acolheu Amílcar Cabral (aliás, Abel Djassi), quando veio, da clandestinidade,  para Conacri, creio que  em 1960. Nessa altura o Joseph (hoje, José) nem sequer falava (ou falava muito mal o) português, segundo depreendi da nossa conversa no Hotel Palace, em Bissau... A sua admiração por Amílcar terá começado aí...

Como aqui, neste blogue, já o disse em tempos,  o José pediu-me para gravar e mandar uma curta mensagem para o António Lobato, o antigo sargento piloto aviador português, cujo caça-bombardeiro T6 fizera uma aterragem de emergência, na Ilha do Como, em 1963.

Feito prisioneiro por camponeses e entregue ao PAIGC, o Lobato foi levado para Conacri, onde permaneceu sete longos anos de cativeiro, até à sua libertação em 22 de Novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde, como todos sabem. (***)

Gostei da autenticidade, da simplicidade e da sinceridade deste homem:

- Ó Lobato, depois da tempestade, depois de tantos anos, não sei se te vais lembrar de mim... - são as primeiras palavras deste histórico do PAIGC, na altura, nos anos 60, a viver em Conacri, sendo então membro do Conselho Superior da Luta. (O irmão, o Elisée ou Eliseu, nascido a 23 de Maio de1930, viveu sempre em Bissau onde foi guarda-livros da Casa Gouveia, entre 1958 e 1964, e depois gerente da ANCAR, até 1973, nunca tendo particiapdo directamente na luta armada).

Nesse curto vídeo, o José Turpin recordava os momentos em que, por diversas vezes, visitara o nosso camarada António Lobato na prisão. Não esconde que foram momentos difíceis, para ambos, mas ao mesmo tempo emocionantes: dois inimigos que, afinal, revelavam o melhor da nossa humanidade...

- Eu compreendia, estavas desmoralizado...Havia animosidade...

José Turpin agradecia, por fim, ao Lobato as palavras de apreço com que ele se referira à sua pessoa, ao evocar há tempos, em entrevista à rádio, a sua dura experiência de cativeiro. Agradecia também o exemplar do livro que o Lobato lhe mandara e que ele leu, com muito interesse. Diz ainda, no vídeo, que ficara sensibilizado com as palavras e o gesto do Lobato.

- Mas tudo isso hoje faz parte da história...Seria bom que viesses a Bissau - são as últimas palavras, deste homem afável, e de grande estatura moral, dirigidas ao seu antigo prisioneiro português que ele trata por camarada.

Como eu gostava, Cherno Baldé, que este homem se juntasse a nós, aqui, na Tabanca Grande. Ele é seguramente um "verdadeiro filho da Guiné", independentemente das circunstâncias do nascimento (julgo que os dois irmãos nasceram na Guiné-Bissau, indepentemente de os pais, comerciantes,  viverem ou terem vivido em Conacri).

Que será feito do José Turpin, hoje ? E do seu irmão, Elisée Turpin (hoje com 80 anos) (**) ? E dessa mulher extraordinária, que é a Carmen Pereira, outra "verdadeira filha da Guiné", em 7 de Março de 2008, que também conheci na altura e que é visita, sempre que vem a Portugal, da casa da Júlia e do Nuno Rubim. (Aliás, as duas mulheres são primas).

Cherno, se souberes notícias do José o Eliseu não o conheço pessoalmente), dá-lhe um grande abraço meu e transmite-lhe o meu convite para ingressar na nossa Tabanca Grande.E, já agora, que estamos em maré de mantenhas, dá também um abraço ao Cadogo Pai, membro da nossa Tabanca Grande.

______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 26 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7176: (In)citações (20): Os verdadeiros filhos da Guiné (Cherno Baldé / José Belo)

(**) Vd. entrevista dada por Elisée (ou Eliseu) Turpin ao portal Notícias Lusófonas  > 20 de Janeiro de 2003 > Pai de duas nacionalidades foi assassinado há 30 anos , de que se reproduzem, com a devida vénia,  alguns dos excertos mais significativos:

(...) Quando se assinala o 30º aniversário da "partida" do "pai" [, Amílcar Cabral,] das nacionalidades da Guiné-Bissau e Cabo Verde, as certezas da memória "esmagam" as dúvidas sobre a orquestração do assassínio do guerrilheiro. Apenas a especulação aponta possíveis cenários para o que se passou naquele dia [20] de Janeiro [de 1973], mas a memória de Elisé Turpin, um dos "camaradas" de Amílcar, permite seguir, com assinatura, os mais importantes momentos da "gestação" da independência da Guiné-Bissau.
 
Após a longa batalha de 11 anos travada pelos guerrilheiros liderados por Cabral e quase três décadas de independência, foram muitos os heróis que ficaram esquecidos num "canto da história" da Guiné-Bissau, permanecendo Amílcar como o regaço onde todos se recolhem.
 
Foi por "convicção" que, logo após a independência, EliséeTurpin se retirou para o seu "canto da história" e é para "ajudar a, finalmente, cumprir o ideal de Amílcar Cabral" que agora, com 72 anos de idade, regressa através de um passeio pela memória.
 
"Não há futuro possível - para a Guiné-Bissau - sem os ecos do passado a marcar o passo da história", considera Turpin, e é com essa convicção que, na sua casa, a 50 metros da sede do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), situada na Praça dos Heróis da Liberdade da Pátria (ex-Praça do Império), em Bissau, activa a memória.
 
Elisée Turpin conta, enquanto fundador do PAIGC ao lado de "mais cinco camaradas: Amílcar e Luís Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes e Júlio Almeida", o que foram os primeiros passos desta organização política que viria a ser o pilar central da "libertação da Guiné-Bissau".  Mas há ainda outro "pormenor" que enfatiza o papel de Turpin na criação do PAIGC: "Sim, posso ser considerado como o único indivíduo que esteve na fundação do partido e que era genuinamente cidadão guineense. Os outros eram todos filhos de pais cabo-verdianos".

O surgimento do PAI (Partido Africano para a Independência), depois transformado em PAIGC na Guiné-Conacri, acontece "por vontade e iniciativa de Amílcar Cabral", então jovem engenheiro agrónomo regressado dos estudos em Portugal, em 19 de Setembro de 1956.  Antes do surgimento do PAI, havia na então Guiné portuguesa muitas outras organizações ou movimentos de tendência nacionalista que aspiravam à libertação do país.  Tudo no seguimento dos ventos da libertação que sopravam nas outras províncias coloniais, sobretudo as províncias vizinhas do território da Guiné-Bissau: Senegal, Gana e Guiné-Conacri.

"Mas, verdade seja dita, o PAI foi de longe a organização melhor estruturada, conseguindo rapidamente granjear a simpatia dos rapazes da altura, que encontraram em Amílcar pensamento e personalidade, o estandarte que secretamente procuravam para poder seguir", diz Turpin com um leve, mas mal disfarçado, ar de orgulho por ter vivido estes momentos ao lado do mítico guerrilheiro.

Tudo começou com "um simples clube de futebol (não se recorda do nome) do qual faziam parte os fundadores do partido" e que rapidamente foi transformado num "espaço de consciencialização dos moços da altura para uma ideia de libertação do país".

"Lá partíamos nós, com as coisas do futebol à frente, mas com as coisas da libertação da Pátria atrás, dos lados, por cima, por baixo ... cada vez mais, cada vez mais conscientes do pontapé certeiro que estávamos a dar na História", diz Turpin.  Iniciativas deste tipo já aconteciam no Senegal, para onde muitos dos guineenses se deslocavam em visitas familiares, sobretudo Turpin, que, então, tinha familiares na administração pública em Dacar (capital).

Com tudo isso, cita de memória, Cabral dizia: "Olhem que os portugueses nos estão a enganar com alguns privilégios que dão a um grupo reduzido de indivíduos, enquanto a grande parte da população é explorada e maltratada".

"Devemos avançar para a independência", defendia Cabral, ainda citado por Turpin, mas acompanhava sempre esse desígnio com a exigência de uma "independência negociada". Ou seja: "Com diálogo. Sem violência".  Cabral era um "profundo cultivador do diálogo e da tolerância", frisa, admitindo algumas saudades desta forma de estar nos dias de hoje.

Chegado a este ponto do "escorrer" das memórias, Elisée Turpin fala também da polémica que é, na Guiné-Bissau, quase da idade do PAIGC: Quem foram, de facto, os fundadores do partido?

Sobre a história da dúvida de quem foram os fundadores do partido responde um dos eleitos: "Havia muitas pessoas com as quais Cabral vinha mantendo um relacionamento mais ou menos próximo mas, no acto da fundação do partido, Cabral fez uma selecção de pessoas da sua inteira confiança".

"Não se podia expor muito ao risco da PIDE (...) desconfiar da nossa actividade", recorda. "Todos nós éramos funcionários públicos na altura. Cabral era engenheiro agrónomo, Júlio Almeida, prático agrícola, Fernando Fortes, aspirante nas alfândegas, Aristides Pereira, chefe de administração e eu era guarda-livros", diz, aliviado, como que dando por sepultada a dúvida sobre este assunto.

"Lembro-me que, após a fundação do PAI, a PIDE quase que não saía do nosso encalço. Sabia que estávamos “contaminados” com o “vírus” dos movimentos de libertação, que se tinha já instalado noutras paragens de África. Mas, graças a Deus, sempre soubemos esconder os nossos propósitos", adianta.  No início, diz, "começámos (1956/57) logo os trabalhos de mobilização com os Balantas (a mais representativa etnia da população guineense) de Brá e Portegol, e ainda na região de Mansôa".

Fingiam que iam caçar coelhos e perdizes, mas a caçada era outra: "Aproveitávamos para falar com os rapazes sobre os propósitos do partido". Isto é, mobilizar a juventude para seguirem para os campos do partido na Guiné-Conacri". 

Nesse trabalho de mobilização a favor do PAI os "camaradas" contaram com a ajuda de portugueses que estavam contra a ditadura fascista de Oliveira Salazar, alguns liberais, outros revolucionários do PCP que estavam na Guiné, "como é o caso de José Tomás Pires, Fortes Teixeira, Filipe Pomba Guerra, o próprio chefe do posto da polícia, de nome Liberato (...) todos estavam do nosso lado, só que de forma bem disfarçada".

Houve mesmo um administrador português que, na altura, só não prendeu Amílcar Cabral porque não quis, pois sabia muito bem das suas actividades "subversivas" e um dia chamou Cabral à sua residência, conta Turpin, para lhe dizer: "Rapaz, sei tudo o que andas a fazer mas não te prendo porque gosto muito de ti. Vê lá no que te metes".  Esse administrador era Diogo José Pereira de Melo [e Alvim, e não Antunes, como por lapso consta no portal , governador da Guiné entre 1954 e 1956].

O objectivo primeiro e último do partido de Cabral foi sempre a independência da Guiné que, ainda segundo Turpin, dizia: "Se a independência tiver que passar por um partido marxista, então vamos tê-lo".  E foi o que foi. Mas Cabral fazia também a distinção entre ter "um partido de cariz marxista e ser marxista", o que "ele mesmo dizia - o próprio Turpin o ouviu afirmar -, no princípio, que não era".

O contacto de Elisée Turpin com Cabral esfriou muito quando ele decide transferir a base do partido para Conacri, onde decidiram mudar a denominação do partido de PAI  [, Partido Africano da Independência,] para PAIGC.  "Eu não participei na luta armada, ou seja, nos tiros. Não porque não quisesse, o facto foi que achei que podia ser útil ao partido estando cá para outras tarefas, tais como a mobilização de outros camaradas", frisa.  E acrescenta, arredando qualquer hipótese de ser encarada a afirmação como uma justificação: "Fui eu quem trouxe de Dacar aquele que foi o primeiro instrutor dos guerrilheiros guineenses em Conacri, o comandante Luciano Ndaw. Esse senhor já tinha feito a tropa colonial portuguesa e, portanto, sabia bem da poda".

"A minha ligação a Cabral resumiu-se à estadia dele em Bissau. Depois da sua partida para a Guiné-Conacri praticamente deixamos de nos corresponder. Passei a falar mais com o irmão dele - Luís Cabral (...) - e com Rafael Barbosa que na altura era responsável pela chamada «zona zero» de mobilização, hoje a capital do país", Bissau.

"Não posso falar muito do partido depois da independência porque, praticamente, desliguei-me, mas uma coisa sei: o partido que Cabral e nós fundámos queria mais de que isto que hoje temos. O nosso sonho era transformar a Guiné numa Suíça de África, pois julgávamos, e eu continuo a julgar, que o país tem potencialidades para tal", diz em tom de desafio às "novas gerações". (...).

[ Fixação / revisão de texto / destaque a cor: L.G.]

(***) Tenho um exemplar do livro escrito pelo António Lobato, Liberdade ou evasão: O mais longo cativeiro da guerra (Amadora, Erasmos, 1995), com a particularidade de ter duas dedicatórias, belíssimas. 

Uma, escrita pelo punho do Miguel Pessoa, que me ofereceu um exemplar que tinha a mais em casa, e que diz esta coisa singela, mas que me tocou, como camarada: 

"Ao Luís Graça, do Miguel Pessoa, alguém que, felizmente, não precisou de escrever um  livro assim. Jun 2009."... 

E, a propósito, vai daqui um grande Alfa Bravo para o Miguel e um beijinho ternurento para a Giselda, que ontem fizeram anos de casados e andaram pelas "minhas terras" da Lourinhã, antes de seguirem, hoje, para o almoço de convívio da Tabanca do Centro, em Monte Real... Que sejam (e)ternamente felizes o Miguel e a Giselda... e que levem para o régulo Joaquim Mexia Alves e demais convivas da Tabanca do Centro os nossos votos de amizade e camaradagem.

A outra dedicatória é do autor e reza assim: 

"A quantos me amam ou odeiam, sem que eu dê por isso; a todos os que amo, sem nunca lhes ter dito; àqueles de quem gosto e que acredito gostarem de mim, (...)".

Do livro do Lobato, tomo a liberdade de transcrever este excerto:

“(...) O comportamento deste homem [o chefe dos sentinelas, Koda, de etnia balanta,] não pode servir de exemplo para qualificar os outros guerrilheiros do PAIGC e muito menos uma parte dos seus responsáveis. 

De entre estes, merecem especial referência Fidelis Cabral, Aristides Pereira, Joseph Turpin e o Tio Lourenço, não só pela sua moderação, sensatez e sabedoria, mas sobretudo pela força do humanismo que deles emana e se repercute em quantos, por razões comuns ou mesmo contrárias, se encontram à mercê das suas decisões. São os homens bons do presente, mas sem dúvida também os do futuro,

"Uma vez por outra , um deles vem falar comigo e procura tranquilizar-me. Joseph Turpin, que passa a maior parte do seu tempo no Cairo, em representação do partido, diz-me que o Papa intercedeu por mim junto do Arcebispo de Conakry, Monsenhor Tchidimbo, o que certamente terá resultados práticos. Mas o tempo vai passando e nada acontece.

"Fidelis, um advogado formado em Portugal, procura convencer-me das razões da sua luta, do respeito e amizade pelo povo português. Afirma que, após a independência, não pretendem ligar-se a ninguém, mas que se isso tivesse de acontecer, só poderiam continuar com os portugueses” (…) (Lobato, 1995, p. 168)