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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24679: Historiografia da presença portuguesa em África (386): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
O que surpreende nesta publicação, para além de gravuras que julgo completamente inéditas, como é o caso da localização dos estabelecimentos comerciais no Rio Grande antes do seu desaparecimento em consequência da guerra do Forreá, é a franqueza dos comentários, o alerta permanente para a debilidade do nosso posicionamento político-militar, são narrativas em que não se ilude minimamente o estado da vida colonial, deplora-se o desmazelo com que foi tratada a intervenção tardia no Forreá, a má qualidade das tropas, o armamento anacrónico, alerta-se para os métodos capciosos da presença francesa no rio Nuno e fundamentalmente no Casamansa, haverá acusações severas a administrações negligentes nos presídios, como veremos no ano de 1885 (no presente texto faz-se uma súmula das referências aos anos de 1883 e 1884). Estranha-se que a historiografia não tenha prestado a devida atenção ao que se escreve nesta importante publicação.

Um abraço do
Mário



Grandes surpresas na publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada (1)

Mário Beja Santos

A publicação "As Colónias Portuguesas", revista ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. E fui surpreendido por gravuras para mim totalmente inéditas, mesmo que conhecesse o conteúdo. Por exemplo, desconhecia por inteiro a marcação das feitorias portuguesas no Rio Grande de Buba, na sua época áurea, foi um período flamejante que acabou de forma caótica por causa da guerra do Forreá, mesmo quando as autoridades portuguesas conseguiram encontrar um régulo fiel que estabilizasse as relações entre Fulas e Biafadas, os estabelecimentos comerciais apagaram-se. A imagem deixou para a posteridade a localização desses empreendimentos que depois se reduziram à insignificância ou ao apagamento. Nada mau, para quem pretenda investigar a localização destes empreendimentos.

Os aspetos mais curiosos da revista ilustrada eram as pequenas notícias, seja da autoria da redação, seja de alegados correspondentes. Logo no n.º 1 se diz que o clima da Guiné é incompatível com o aturado serviço de europeus. “Aceite este princípio, qualquer organização militar terá que subordinar-se ao emprego do soldado preto como principal componente. Os quadros de oficiais, sargentos e cabos seriam europeus, porém na condição única em que o homem branco pode utilizar-se na Guiné, não servindo efetivamente mais de um ano. A permanência levada além deste período é a doença, a inutilidade.” E avança-se com mais observações sobre o modo de emprego da guarnição militar: ou pela ocupação permanente dos diversos estabelecimentos da Província, fracionando a força; ou a concentração dela na capital, quando o prestígio militar tivesse assegurado o respeito do gentio ou o seu receio, mediante alguns corretivos cujo efeito moral repercutido em todo o país o intimidasse. E avançam-se mais elementos sobre o que deve ser a formação da força armada: um efetivo de 570 homens, 4 capitães, a força disseminada por Geba, Farim, Bissau e Bijagós.

O autor inclina-se para a colonização da Ilha das Galinhas, usando a etnia Fula. Quem assina o artigo é Augusto de Barros que volta à carga no n.º 5 de maio de 1883 com o artigo intitulado "A Praça e o Porto de Buba no Rio Grande de Bolola". Vale a pena reproduzi-lo:
“A praça de Buba é o estabelecimento da Guiné, modernamente assinalado pelos sucessos militares a que a sua sustentação tem dado lugar. Acha-se este estabelecimento a 39 milhas de Bolama no terminal navegável do Rio Grande de Bolola. Este ponto apresenta todo o interesse de um moderno estabelecimento comercial e militar.
Nos primeiros anos de administração da recente Província, ocupou Buba incessantemente a melhor parte da atenção das autoridades, tanto pela importância que adquiriu como mercado de produtos do interior e importados como pela necessidade premente de resolver as relações duvidosas com os chefes gentílicos e a sua complicada política no Forreá (ou território de Fulas-Forros) cuja posse não estava definitivamente reconhecida aos atuais ocupantes. Os negociantes portugueses e estrangeiros estabelecidos em Buba e em outras dependências do Rio Grande, pagavam aos chefes gentílicos uma renda anual pelo direito de ali comerciarem. Cometeram-se abusos por parte dos senhorios, foi o caso da tolerância na posse de escravos. Daí o conjunto de episódios de ocupação militar.”


Elenca o rol de desavenças com o chefe de Bolola, relata como se fortificou Buba com o apoio da população Mandinga e não deixa de referir que diariamente afluía a Buba uma média de 20 a 30 escravos que imediatamente eram tornados livres, ganhara-se a guerra do Forreá, desistira-se do imposto (de nome daxa). Mas mantiveram-se incessantes as lutas entre Fulas-Futas e Fulas-Forros, com consequências sérias na economia. A cultura da mancarra, principal elemento de tráfico, não aguentou esta permanente instabilidade, os negócios paralisaram no Rio Grande e todos os comerciantes franceses retiraram-se.

As notícias sobre a Guiné sucedem-se na publicação, como se exemplifica. Alerta-se para o facto de os rios Nunez (hoje, rio Nuno) e Casamansa absorverem nos flancos a decrépita Guiné toda a atividade e todos os capitais que podiam operar em S. Domingos, no Geba e Rio Grande de Bolola. E, então, o autor faz o seu comentário amargo:
“Uma província que apresenta estes sintomas de derrocada financeira e tem já o orçamento num desequilíbrio de 89 contos de défice, exige que se lhe acuda com algumas medidas salvadoras. A par deste estado lastimoso da fazenda, está hoje a complicada questão política gentílica: a guerra por toda a parte, ameaçando os pontos ocupados onde o nosso domínio se refugia, o desprestígio da falta de dinheiro, o desprestígio da falta de homens dedicados, porque a dedicação em pura perda acaba por mandar tudo ao diabo; a falta de saúde sem compensação, a falta de soldados, a falta de tudo, tem feito da província da Guiné uma tristíssima exibição de inépcia administrativa.”

Quem assina o artigo é Augusto de Barros que volta à liça no n.º 8 (1883) referindo o estabelecimento português no Rio Grande de Bolola, dizendo que se trata de uma paliçada de 900 metros, aproximadamente construída ao modo gentílico, é isto a fortificação de Buba. E volta a lamentar-se: “Que compensações pode oferecer a qualquer aliado gentílico um governador sem dinheiro, com pouco força armada, sem influência séria sobre os naturais, para chamar ao seu campo aliado por quem se bate?”

Passamos agora para o n.º 6 da revista de junho de 1884. Está em cima da mesa o caso de Ziguinchor, dá-se notícia das palavras do deputado Soza Machado (um dos deputados de Cabo Verde) a propósito dos acontecimentos em torno do presídio de Ziguinchor: “Não há soldados na Guiné e os poucos que compõem o batalhão de caçadores e a companhia de artilharia são em geral tão maus que passam a maior parte do tempo metidos no calabouço.”

O redator efetivo António A. Ferreira Ribeiro torna claro que as condições militares na Guiné eram péssimas: as espingardas Lee-Enfield distribuídas tanto ao batalhão como à companhia de artilharia estavam em tal estado de que se tornavam mais um perigo na mão dos soldados que um meio de defesa. E faz um reparo verdadeiramente brutal:
“Não são soldados os que servem na Guiné; são depósito de malfeitores enviados para aqui da metrópole e das outras províncias, a qual, considerada por todos como a pior, é tida pelas nossas justiças militares e civis como o tabelado onde outrora se executavam os assassinos, os ladrões e os traidores à Pátria.”


Edificações do quartel em Bolama, finais do século XIX
(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24647: Historiografia da presença portuguesa em África (385): O império da Casa Gouveia em 1970, a grande empresa guineense (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23456: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (93): (i) A 7.ª Companhia Móvel de Polícia atuava também fora de Bissau? (ii) Onde se situava, em Bissau, a sede ou o aquartelamento principal da PSP? (Alberto Helder)

 
A PSP acaba de comemorar 155 anos de
existência.  A sua origem remonta a 2/7/1867, em que
foi criada a Polícia Cívica de Lisboa e do Porto,
Esteve também presente nos teatros de operações da
guerra do ultramar através das 
Companhias Móveis de Polícia (CMP), entre 1960 
e 1974. No TO da Guiné, havia a 7ª CMP, 
sediada em Bissau

1. Mensagem de Alberto Helder, autor do blogue "Alberto Helder":

Data - domingo, 26/06/2022, 16:31

Assunto - Estado da Índia: 466 anos de história | Solicitação: 
a Companhia Móvel de Polícia da Guiné

Ilustre e Nobre Amigo
Luís Graça.

Boa tarde!
Espero que esteja bem assim 
como os seus familiares e amigos.
 Por cá, felizmente já estamos 
libertos do vírus da moda.

Com os melhores cumprimentos dou conta que acabei de publicar ontem no meu blog, o último episódio da série “Estado da Índia-466 anos de história”, cuja tarefa foi iniciada em 27 de setembro de 2021, e, para efeitos 
de divulgação, coloco-a à sua disposição, se assim o entender.

Entretanto, vou iniciar as correspondentes pesquisas para avançar com o novo projeto, complexo, enorme e histórico, intitulado: “As Companhias Móveis de Polícia no Ultramar”, as quais foram mobilizadas para Angola (9), Moçambique (3) e Guiné-Bissau (1) e que foram envolvidos mais de 7.500 agentes policiais, tendo ocorrido, infelizmente, cerca de 60 óbitos e atribuídas perto de 50 Medalhas de Cruz de Guerra.

É sobre este tema que solicito, por favor, que me esclareça o seguinte: dado que os elementos das unidades policiais que estiveram em Angola e Moçambique fizeram os seus serviços não só nas Capitais de Distrito, nas suas Esquadras, como em postos policiais sediados noutras localidades e em muitos outros lugarejos, onde tiveram baixas em combate, nas operações que faziam em conjunto com o Exército, já os agentes que estiveram na Guiné (7.ª Companhia Móvel de Polícia), e segundo as suas Ordens de Serviço, os locais das suas patrulhas eram nas: 
  • Instalações da Sacor,
  • Central Elétrica,
  • Mãe d’Água, 
  • Palácio do Governo, 
  • Emissor de Radiodifusão, 
  • CTT, 
  • Armazéns de arroz, 
  • Mercado Municipal, 
  • Banco Nacional Ultramarino (BNU), 
  • Tribunal Judicial, 
  • Aeroporto, 
  • Junta Autónoma dos Portos, 
estruturas situadas, penso, na cidade de Bissau. 

E nos arredores? Como em Bafatá, Bór e Ilha das Galinhas, haviam postos policiais? Ou noutras localidades? Os agentes da Guiné-Bissau participavam nas operações militares com o Exército? (*)

Peço, pois, o especial favor de me facultar as suas preciosas informações, assim como indicar onde se situava o aquartelamento principal da Polícia de Segurança Pública (PSP) em Bissau. (**)

Muito e muito obrigado pela sua importante e valiosa informação.

Saudações de apreço, consideração e respeito.
Alberto Helder
 

2. Comentário do nosso editor LG:

Obrigado, Alberto Helder pelo contacto. Pedimos desculpa pelo atraso na resposta. E damos-lhe os parabéns pelos trabalhos que tem publicado.  

Temos, infelizmente, pouca informação sobre a 7.ª Companhia Móvel de Polícia (temos apenas 3 referências à 7.ª CMP, e outras tantas à PSP), a sua orgânica, a sua área de atuação, o seu historial, etc. 

Pessoalmente não me lembro de ver, fora de Bissau, uma farda da PSP. E em Bissau, via-se o polícia sinaleiro e pouco mais. Não sei onde era a sede da PSP, em todo o caso não seria longe do Pilão (**).

 Fora de Bissau, a nível das circunscrições e postos administrativos, havia a polícia administrativa, constituída por elementos locais (vulgo "cipaios").  Mas julgamos que muitas das suas funções acabaram, com o tempo,  por ser assumidas pelo exército e/ou pelas milícias. E, se calhar em Bissau, pelas próprias Companhias de Polícia Militar.

Nos livros da CECA (Comissão de Estudo para as Campanhas de África), e no que diz respeito à Guiné,  há escassas referências à 7.ª CMP (***), onde em novembro de 1973 haveria problemas de recrutamento de elementos europeus e de enquadramento. O COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau) é reforçado com a Companhia de Milícias Urbana (sic), subunidade de que sabemos muito pouco ou nada.

Na Ilha das Galinhas, onde havia uma "colónia penal e agrícola" (transformada em prisão política com a guerra) não sabemos se os guardas prisionais pertenciam à PSP.  O mais provável é que pertencessem à  PIDE.  Era, pelo menos, a polícia política que transportava os presos. O nosso camarada  José António Viegas foi fur mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68, tendo integrado a guarnição militar da  ilha das Galinhas. É a mais pessoa mais indicada para esclarecer este ponto (****). 

Sobre Bafatá, há que ter em conta que passou a concelho em 1964 e a cidade em 1970. Tirando Bissau e depois Bafatá, não havia cidades  no antigo território da Guiné portuguesa, contrariamente a Angola e Moçambique.  Não me lembro, no meu tempo (1969/71),  de  ver em Bafatá elementos da PSP ou da 7.ª CMP,  Em Bolama, antiga capital, também não devia haver. A Bor nunca fui.

Espero que nossos leitores possam ajudá-lo melhor do que eu. Esperemos pelos seus contributos. Boa saúde, bom trabalho. LG

3. Em comentário a este poste,  o José Manuel Cancela (que vive em Penafiel) acaba de nos informar, às 10h51 de hoje,  o seguinte:
 
Pelo que recordo, a Companhia Móvel de Polícia estava aquartelada à saìda do Alto de Crim.

Fui lá várias vezes almoçar, porque era mais barato que o restaurante quase em frente, o "Arquinho", e melhor que o rancho geral no Depósito de Adidos. Pelo que me foi dito pelos militares da PSP,  faziam rondas em volta de Bissau de G-3 na mão, e pouco mais...
__________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23305: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (93): Projecto “Querido Pai”, que tem como objectivo investigar e dar a conhecer o modo como os militares mobilizados em África mantiveram uma relação com os filhos que ficaram na Metrópole (Joana Ponte e Ana Vargas)

(**) Vd. poste de 26 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9101: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (7): Um acidente... no Pilão

(...) E aí fomos os dois andando em busca de lugares conhecidos com o A.T., caminhando de pernas abertas, e deixando um rasto de merda... E os dois, às gargalhadas. Lá chegámos ao pé do quartel da PSP onde entrei para chamar um táxi para o levar para o hospital militar onde recebeu um banho de antibióticos e mais não sei quantos medicamentos.

O resto deste acidente: o taxista que chegou quando viu o estado em que estava o A. T., disse logo:
- Não senhor, não entra no carro, nunca mais tiro esse cheiro do assento!

Por sua vez, os cabrões da PSP não deixaram o A. T. usar os seus chuveiros. Lá consegui uma mangeira da PSP. O A.T. despiu-se e eu de mangeira na mão a dar-lhe um duche como se estivesse a lavar um cavalo (...)


(...) b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana. (...)

(****) Vd. poste de 16 de março de  2015 > Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23273: Historiografia da presença portuguesa em África (317): Anais do Conselho Ultramarino: Curiosidades da Guiné (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Fica provado que estes Anais do Conselho Ultramarino ajudam a provar e comprovar o que era a Senegâmbia Portuguesa neste período do século XIX: aquisições de território, a precariedade da vida nas praças e presídios, uma colónia sem fronteiras e com tensões permanentes. Leia-se com atenção o que escreve o capitão Ventura ao Visconde de Sá da Bandeira em 1857 e confirme-se o que era a vida em sobressalto, as benesses dos arrematantes das alfândegas que por sua vez pagavam ao Exército, o estado deplorável de quase tudo, e a imagem de uma Guiné potencialmente fértil mas muito esquecida pela governo de Lisboa.

Um abraço do
Mário



Anais do Conselho Ultramarino: Curiosidades da Guiné (4)

Mário Beja Santos

Perguntará o leitor que importância se pode atribuir às matérias constantes nestes anais. A primeira parte da resposta passa por atribuir importância ao Conselho Ultramarino, um órgão que iniciou a sua vida em tempos de Filipe II, teve interrupções, e mesmo com outras designações chegou a abril de 1974. As obras que estão em consulta na Biblioteca da Sociedade de Geografia referem-se concretamente ao período encetado na governação de Fontes Pereira de Melo e que irá durar até à década seguinte. Iniciei a consulta na série 1.ª, vai de fevereiro de 1854 a dezembro de 1858, a edição é da Imprensa Nacional, 1867. Tem-se a sensação quando se folheia estes anais que têm qualquer coisa a ver com o Diário da República colonial, o Conselho Ultramarino funcionava junto do Paço, refere nomeações, condecorações, composição de comissões, autorização de despesas… No artigo anterior, detetei agora, cometi o erro ao considerar que a parte oficial destes anais incluíam pareceres e até estudos, é redondamente falso, a parte oficial contempla a legislação, toda a outra matéria é versada na parte não oficial.

E agora, uma breve explicação sobre a vida neste período do Conselho Ultramarino que os investigadores consideram um dos mais brilhantes e dinâmicos da sua história. Ele insere-se no período da Regeneração, este conselho teve este período áureo entre 1851 a 1868. Deve-se a quê? Em julho de 1851, tendo triunfado a Regeneração, Fontes Pereira de Mello decretou um novo Conselho Ultramarino, a fonte inspiradora terá sido Almeida Garrett. Era composto por sete vogais efetivos e sete extraordinários. No seu trabalho sobre a história do Conselho Ultramarino, Marcello Caetano, em publicação da Agência Geral do Ultramar datada de 1867, fala das suas amplas competências: tinha de ser necessariamente ouvido sobre importantes matérias legislativas, governativas e da administração, e tinha poder para emitir consulta nos recursos contenciosos entrepostos para o Governo dos atos dos governadores coloniais; podia tomar a iniciativa de estudar e propor providências a adotar pelo governo, fiscalizar e recrutar o funcionalismo ultramarino. Missão especial era a de velar pela execução das leis sobre o tráfico da escravatura e de estudar a colonização, dirigindo para o mundo ultramarino a emigração que se encaminhava para o estrangeiro. As resoluções do Conselho eram convertidas em consultas, provisões ou portarias, conforme os casos. Em 1854, iniciou-se a publicação do boletim e anais do Conselho Ultramarino. Os anais eram a parte oficial contendo os atos do Governo e da administração, consultas do Conselho, resoluções dos tribunais superiores, relatórios, etc., e a parte não-oficial era constituída pelo acervo de memórias, notícias, narrativas e quaisquer estudos sobre matéria colonial.

Deixamos para este último trabalho referência a dois documentos, o primeiro tem a ver com a Ilha das Galinhas e o seu possuidor, tem a data de 1830, o segundo é assinado por José Ventura, Capitão do Exército, é dirigido ao Visconde de Sá da Bandeira, ministro da Marinha e Ultramar e a sua data é 1857. O primeiro documento esclarece as condições ajustadas entre o rei de Canhabaque, Damião, e Joaquim António de Matos, pelas quais este último toma conta da referida ilha (posteriormente, Joaquim António de Matos ofereceu a Ilha das Galinhas à Coroa. A Ilha das Galinhas é cedida em junho de 1828, no mês seguinte Matos mandou construir uma propriedade de casas. O rei Damião, como doador, ficou obrigado a fazer saber a todos os reis de Canhabaque e das diferentes ilhas dos Bijagós que dera a referida ilha a Matos.

E seguem-se aspetos curiosos que merecem registo. “No caso de ataque de qualquer gentio vizinho, será obrigado (como fica desde já) o dito rei Damião a repeli-lo com os seus soldados e vassalos, auxiliando o novo possuidor por toda a maneira a que não seja invadido, obrigando-se Joaquim António de Matos a fornece-lo de bala e pólvora a defender, no caso de desinteligência, o que Deus não há de permitir. Obriga-se mais o dito rei Damião a não consentir que estrangeiro algum possa em qualquer ponto da dita ilha fazer casa e estabelecer-se, e a repelir por meio de força qualquer tentativa para esse fim; declara-se que são ingleses, franceses e espanhóis os estrangeiros. Sendo de costume, no tempo de inverno, passarem alguns gentios de outras ilhas à dita ilha para lavrarem terrenos, e montear elefantes, de ora em diante o farão com permissão do novo possuidor; havendo, como há, muitos elefantes na ilha, os dentes dos que se matarem, metade fica pertencendo ao rei Damião e a outra metade a um novo possuidor; o novo possuidor, depois de obter a licença de Sua Majestade, obriga-se a mandar construir uma capela e ter um padre zeloso no serviço de Deus e d’El Rei”. Lavrou-se esta declaração que aparece assinada pelo tabelião José Francisco da Serra, assina o rei Damião e juntam-se o nome de várias testemunhas. Dado em Bissau em 9 de março de 1930.

Décadas depois, o Capitão Ventura dirige-se ao Visconde de Sá da Bandeira: “Tendo servido na Guiné Portuguesa por espaço de quatro anos e meio, sendo Governador de Cacheu e Comandante do Destacamento de Artilharia de Primeira Linha em Bissau, tenho a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência alguns esclarecimentos acerca daquelas nossas possessões, por saber o quanto Vossa Excelência se interessa no aumento e prosperidade das colónias do Ultramar”. Reconheça-se que o Capitão Ventura é pragmático e não faz redondilhas, a saber: em Cacheu é importante a substituição da paliçada por muro de pedra e cal; o quartel do destacamento, estava coberto de palha deve ser telhado para maior solidez e conservação; é telegramático a explicar a economia de Cacheu: o seu maior e principal comércio consiste em arroz, cera e couros, que os negociantes vendem aos ingleses, franceses e norte-americanos, em troca de outras fazendas, tais como tabaco, pólvora, aguardente e outros; no distrito de Cacheu a abundância de boas madeiras para a construção de navios; em Bissau acha-se em péssimo estado o cais do desembarque, e a casa de alfândega ainda não foi edificada; retoma uma matéria que outros iam enfatizando quanto ao funcionamento da alfândega: o sistema de serem arrematados os rendimentos das alfândegas da Guiné tem produzido desfalque para os interesses da Fazenda e bastantes lucros aos arrematantes, seria da maior conveniência para o Governo que as ditas alfândegas fossem administradas por conta do Estado; no rio Grande de Bolola, dado o facto de haver muitas feitorias, conviria que se estabelecesse um posto fiscal; tinha sido decretado aumento de vencimento para a tropa que serve na Guiné só que a medida não fora posta em execução; as igrejas de Bissau, Geba, Cacheu, Farim e Ziguinchor tinham párocos, mas os padres das igrejas de Farim e Ziguinchor achavam-se em Cacheu devido às reparações nas respetivas igrejas, convinha que se concluíssem os reparos necessários para não privar aqueles povos do culto divino.

E muito curioso é o final da exposição do Capitão Ventura, vale a pena reproduzi-lo na íntegra:
“O clima de Guiné é mau, e muito principalmente no tempo das águas, que é de maio a novembro. Os europeus que para ali vão servir sofrem bastante na sua saúde, e quase sempre ficam padecendo do baço, fígado e outras moléstias interiores, sendo eu também um dos que muito padeci; contudo, tendo bastante regularidade de vida, abstendo-se da cacimba que tanto mal causa de noite, e do ardente sol, quanto as circunstâncias o permitirem, isto logo no começo da sua residência naquele clima, porque passado certo espaço de tempo, se adquira estar, por assim dizer, aclimatado, julgo que se pode existir sem grande receio, procurando fugir na prática de quaisquer excessos sempre ruinosos.
É o que posso informar por alguns conhecimentos que ali adquiri dos costumes daqueles povos e das suas necessidades, sentido não poder fazer igual informação pelo que respeita a algumas das ilhas do arquipélago pela pouca residência que nelas tive, o que melhor poderão fazer indivíduos que ali tenham residido e permanecido por mais tempo”
.

É patente que o investigador e o curioso não perdem tempo em folhear demoradamente estes Anais do Conselho Ultramarino.

Guiné Portuguesa, mapa do século XIX, propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Bissau, José Luís de Braun, 1780, propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Rio Grande de Bissau, Planta da foz, desde a ponta de Bambe até à ponta de Balantas, com o ilhéu dos Pássaros, ilha de Bissau e Ilhéu do Rei, José Luís de Braun, 1778, propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P23255: Historiografia da presença portuguesa em África (316): Anais do Conselho Ultramarino: Curiosidades da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22941: Historiografia da presença portuguesa em África (300): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Março de 2021:

Queridos amigos,
É indubitável que Senna Barcelos investigou a sério estes subsídios da História de Cabo Verde e não é por puro acaso que os estudiosos ainda hoje a ele recorrem. Estou à vontade para dizer que assim é, descreve fomes, sublevações, melhoramentos, penúria, corrupções, com minúcia, são textos intencionais, vê-se perfeitamente que ele deposita ali a sua alma de cabo-verdiano. É muito mais parcimonioso com a Guiné, o que também dá para entender, mas de modo algum se coíbe de falar nas sublevações, roubalheiras e atos afins. Chegámos ao tempo da guerra civil entre liberais e absolutistas e ele destaca perfeitamente a ocupação de Bolama e a cessão da Ilha das Galinhas, a Guiné continua totalmente dependente das decisões de Cabo Verde, e o leitor que se prepare, Honório Pereira Barreto vai entrar em cena e Senna Barcelos vai-nos dar com todo o pormenor a entrada dos franceses no Casamansa.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (5)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Estamos num período de transição, faleceu D. João VI em 10 de Março de 1826 e o período que se perfila no horizonte é de extrema convulsão, abarca a Guerra Civil e vamos assistir às administrações liberais. A questão de Bolama começa a ganhar contornos. O Governador de Cabo Verde, Caetano Procópio, encarregou Joaquim António de Matos, Coronel de Milícias da ilha de Santiago, do novo estabelecimento de Bolama. Matos chega a Bissau em 20 de Abril de 1830 e reuniu com os reis de Canhambaque e Rio Grande, pediu a confirmação da concordata feita em 1828 com o então Governador Muacho, a confirmação foi dada, e seguirão todos para Bolama para a tomada de posse. Em Junho, Joaquim António de Matos foi nomeado Governador da Praça de Bissau e Diretor do Estabelecimento de Bolama. Neste período fundou-se o presídio de Bolor. Matos, incansável, pretendia influenciar a presença portuguesa. Foi à Ilha das Galinhas onde fez saber que obtivera do rei Damião, da ilha de Canhabaque, uma ilha denominada das Galinhas, tendo mandado construir casas, cortar mato e fazer sementeiras, alegando que era importante mostrar aos ingleses, que tinham estabelecimentos próximos, que era ali que a bandeira portuguesa plantava. Não queria tomar conta da ilha das Galinhas sem licença do rei Damião. Este fez a doação da ilha ao Coronel Matos que pronto a cedeu à Coroa de Portugal. O coronel, então das milícias, requereu a patente de Coronel de Primeira Linha, e garantia que iria estudar os domínios de Portugal na Guiné. O Conselho Ultramarino emitiu parecer favorável aos pedidos do Coronel Matos que o rei deferiu.

Mas a instabilidade nas Praças e Presídios era permanente. Damos a palavra a Senna Barcelos:
“Em Maio de 1826, parte dos soldados da guarnição do presídio de Cacheu sublevou-se, desobedecendo ao comandante e insultando os oficiais, sendo mais ofendido o major António Tavares da Veiga Santos. Restabelecida a ordem, efetuaram-se algumas prisões, e pelo inquérito a que se procedeu, apurou-se serem 15 os soldados culpados, que foram remetidos para a Praia; nesta inquirição ficou culpado o tenente-coronel Paulo Xavier Crato, governador da Praça, acusado de ser o iniciador e consentidor do tumulto. O governador Procópio de Vasconcelos, de posse do processo ao Conselho de Averiguação, teve dúvidas se este conselho seria o bastante para os culpados responderem a Conselho de Guerra, ou se seria preciso fazer-se pela Ouvidoria-Geral uma devassa; igualmente sobre o tenente-coronel Crato encontrava dificuldades para responder a conselho, por falta de um general, como determinava o regulamento de 1763. Consultou o ministro que lhe respondeu que esperasse até que houvesse ouvidor-geral nas ilhas para fazer a devassa, pois esta era indispensável para os culpados responderem a conselho de guerra. O ouvidor nomeado não passara às ilhas e o tenente-coronel faleceu em janeiro de 1830 sem ser julgado”.
Podíamos continuar, mas neste caso a culpa morreu solteira.

Em 1827, cedeu-se à Coroa de Portugal os terrenos de Fá, no rio Geba. Já estamos no período em que há combates renhidos em vários pontos do país entre os partidários de D. Miguel e os de D. Pedro. A infanta-regente D. Isabel Maria entregou a regência a D. Miguel em 26 de Fevereiro de 1828. D. Pedro, que havia confiado a regência a seu irmão D. Miguel, arrependeu-se, o Senado de Lisboa proclamava D. Miguel rei e os partidários deste, muitas vezes à pancada, faziam assinar às pessoas que encontravam uma representação em que se pedia a D. Miguel que cingisse a Coroa. O resto é bem conhecido de todos, D. Pedro abdicou em junho de 1831 à Coroa do Brasil e com o simples título de Duque de Bragança pôs-se à frente de uma expedição que partiu dos Açores em 23 de Junho de 1832. A guerra é fratricida concluirá com a Convenção de Évora-Monte, em 26 de Maio de 1834, seguindo-se o exílio de D. Miguel.

Voltando à Guiné, é nomeado em 1827 Governador de Bissau o Primeiro Tenente da Armada Francisco José Muacho. Em Julho do ano seguinte, conseguiu este governador dos reis de Canhabaque e de Beafadas a cessão da ilha de Bolama para a Coroa de Portugal, nos seguintes termos que constam do relatório que o governador produziu:
“Neste dia – 11 de Julho de 1828 – veio o rei de Canhabaque à casa da residência do Governo, e tratando com ele sobre o estabelecimento dos portugueses na ilha de Bolama, e confirmando com o aperto de mão e abraço, que ele só quer que os portugueses ali se estabeleçam, pois que só os portugueses ama por estar aparentado com eles, e que mesmo, se outra qualquer nação pretendesse obter dele licença para se estabelecer na dita ilha, não consentiria sem permissão do Governador de Bissau, em quem delegava a sua autoridade a este respeito. Que não vende nem cede nenhum dos seus terrenos nem aos portugueses nem a outra qualquer nação (e o mesmo diz o rei de Beafada), porque os seus maiores nunca venderam nem cederam possessão alguma do que lhes pertencia a recebendo o presente que lhe fiz e aos seus grandes se retirou contente”.

Entramos agora na parte IV dos Subsídios da História de Cabo Verde e Guiné, o volume foi editado em 1910 e o primeiro período em análise refere-se a 1833 até 1842. Senna Barcelos desenvolve abundantemente as consequências das lutas entre liberais e absolutistas em Cabo Verde, descreve as fomes terríveis do arquipélago e dá-nos uma lista impressionante de deportações de opositores políticos de D. Miguel quer para as ilhas de Cabo Verde quer para Bissau e Cacheu. Os direitos alfandegários continuavam a ser tema dominante, Cabo Verde insistia em centraliza-los não dando qualquer autonomia à Guiné. Comprova-o o regulamento para a alfândega da Guiné aprovado nesta época que diz coisas como estas:
- O Delegado fará imediatamente constar por editais que a Fazenda Pública na Guiné tem um regulamento uniforme com o resto da Província, que não receberá direitos de alfândega nem outro tributo em géneros, mas sim em moeda-corrente nas ilhas de Cabo Verde e que para o futuro serão reguladas as alfândegas da Guiné pela mesma pauta que se adaptar às ilhas de Cabo Verde;
- Qualquer navio português ou estrangeiro que aportar em Bissau, Cacheu, Ziguinchor ou Bolor entregará na respetiva alfândega os papéis do navio que depois de examinados serão depositados num cofre para lhe serem entregues depois de ter satisfeito todas as obrigações com a mesma alfândega.

Um dado curioso que apraz registar é o tipo administrativo que então se usava, neste caso o de Prefeito: o Prefeito da Província de Cabo Verde e Costa da Guiné.

E de seguida Senna Barcelos, depois de nos dar um retrato de Honório Pereira Barreto detalha ao pormenor a crescente presença francesa no Casamansa perante a indiferença das autoridades de Lisboa.

(continua)


Pormenor da Fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22919: Historiografia da presença portuguesa em África (299): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (4) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22834: O meu sapatinho de Natal (17): O meu Natal no mato em 1966 (José António Viegas, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas, (ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68), com data de 22 de Dezembro de 2021:

Caro Luís:

Recordando os Natais no mato.

Faz esta noite 55 anos que fomos atacados em Missirá, com grande destruição do destacamento, ainda me lembro dos pessoal de Bambadinca dizer que parecia Roma a arder. Alguns de nós ficaram com a roupa que levaram para o abrigo, o resto ardeu tudo.

Como não chegavam, nem do Enxalé nem de Bambadinca, mantimentos, o meu cabo Ananias disponibilizou-se para tentar caçar alguma peça de caça.

Na véspera de Natal o repasto seria cabrito, que ele confeccionou e muito bem com arroz de chabéu e de sobremesa pudim que tinha escapado, uma lata de pó.
Depois do repasto o Ananias apresentou a cabeça de cabrito que era não só a de macaco cão, tirando o Furriel Costa, que depois de elogiar o repasto, ficou mal disposto, o resto da malta ficou de repetir. Essa caveira guardada como amuleto seguiu-me para todo o lado levando sumiço quando regressei da África do Sul.

Termino desejando um Santo Natal à malta do blogue e que este maldito inimigo termine de vez.

Um abraço
Zé Viegas


Nesta foto o Alferes Marchã do Pel Caç Nat 54 junto ao depósito de géneros destruído
A palhota onde dormiam os três furriéis
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22829: O meu sapatinho de Natal (16): Mensagens natalícias dos nossos camaradas e/ou amigos: Luís Fonseca; José Carlos Mussá Biai, Valdemar Queiros; Coronel Tirocinado Carlos Cação Silva; Associação Afectos com Letras, ONGD; José Teixeira; casal Giselda e Miguel Pessoa; Joaquim Fernandes Alves

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21167: Historiografia da presença portuguesa em África (218): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Parte I (1828 -1855) (Armando Tavares da Silva)




Africa Ocidental Francesa > Senegal > Casamansa > Postal ilustrado > c.  1910 > Ziguinchor > A região de Casamansa, incluindo a sua atual capital , Ziguinchor, foi cedida à França em 13 de Maio de 1886. A sua origem (portuguesa) remonta ao princípio do séc. XVII.


Imagem: cortesia de Armando Tavares




1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [Parte I, de 1828 a 1855]. Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

Parte I (1828-1855)


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1828, 12 Julho                       S. José de Bissau
Declaração dos régulos de Canhabac [, Canhabaque,] e Rio Grande, Damião e Fabião, sobre a soberania da ilha de Bolama perante o coronel Joaquim António de Matos
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1829, 12 Março                    Bissau
Doação da ilha das Galinhas que fez o rei Damião de Canhabac, senhor da dita ilha, ao coronel Joaquim Antonio de Matos. Mais tarde, em finais de 1830, este faz entrega da Ilha à coroa portuguesa
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1830, 9 Maio                     Bolama                          


Auto da ocupação da Ilha de Bolama pela coroa de Portugal a 9 de Maio de 1830, perante o rei de Canhabac, Damião, e os enviados do rei do Rio Grande, Injorá Danfan 
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1831, 15 Fevereiro         Bolor                             
Contrato de aquisição da Praça de Bolor entre o 2.º tenente da Armada José Joaquim Lopes de Lima e Ambrósio Gomes de Carvalho e os reis de Bolor, Jaguló e Girambo
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1835, 8 Janeiro           Etame (Bolor)                   
Ratificação da aquisição da praça de Bolor entre Honório Pereira Barreto, provedor do concelho de Cacheu, e Jabudó, rei de Bolor
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1843, 5 Novembro                          Mata de Putama                 
Contrato por cessão de território entre o governador de Cacheu, tenente José Xavier Crato e o régulo da Mata de Putama, Gongobé
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1844, 11 Abril              Zeguichor                      
Contrato feito entre Honório Pereira Barreto, comerciante em Cacheu, e Francisco de Carvalho Alvarenga, comandante do presídio de Zeguichor [, Ziguinchor], com o gentio de Afinhame
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1844, 11 Abril                Zeguichor              

Contrato feito por Honório Pereira Barreto com o gentio de Jagobel, representado pelos principais Vicente, Boncante, Coujena, Bugunde, Jambali, Anheba, Jimpor e Cobungul
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1844, 21 Dezembro           Bissari                  
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios de Bissari, representado pelo Rei Banhuna de Sangodogu, Ianhate
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1844, 29 Dezembro             Marraço                       
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios banhunes de Marraço, representados entre outros por Tumane Sajo e Maçajumá
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1844, 29 Dezembro Gono                     
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios banhunes de Gono e Cobone representados, entre outros, por Rangala e Biquidor 
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1844, 30 Dezembro Santaque                    
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com o gentio felupe de Santaque, representado por Cabeça e Arungo
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1844, 30 Dezembro Nhamul                         
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com o gentio de Nhamul (felupes) representado por Arungo e Uacha 
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1844, 30 Dezembro      Blandor                        
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com o gentio felupe de Blandor,  representado por Cajaon, Sambali e Gimanjam
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1845, 2 Janeiro Nhesse                          
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios banhunes de Nhesse e Bricama, representados por António Rei, Ugaga, Megentem e Gegen 
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1845, 3 Janeiro Ianho                            
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios de banhunes de Ianho, representados por Cuncó, Ujarife, Budele e Core 
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1845, 4 Janeiro Bonbudá                            
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios de banhunes de Bonbudá representados, entre outros, por Aminha e Bram 
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1845, 4 Janeiro Senguer                         
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honrio Pereira Barreto, com os gentios de Senguer,  representados por Quellé, Matambá e Galicó
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1845, 5 Janeiro Faracunda                             
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios de Farancunda,  representados por Nhala, Sanhada, Galan, Damião e Ianpo
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1845, 9 Janeiro Sangaje                            
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios de Sangaje representados, entre outros, por Uimate e Bagamba 
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1853, 18 Fevereiro Bolor                           
Convenção entre o governador interino de Cacheu, Honório Pereira Barreto, e os régulos de Bolor, Jougam  e  António Vermelho 
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1855, 8 Outubro Cacheu                           
Tratado feito entre Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e o régulo da aldeia papel de Bianga,    representado por Catempe e Nacancal. Tratado aprovado e ratificado pelo régulo Datarau em Bianga em 24.10.1855
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(Continua)

[Atualizámos a grafia de alguns topónimos comhecidos, como pro exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG]