Mostrar mensagens com a etiqueta José Ferraz de Carvalho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José Ferraz de Carvalho. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 2 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21960: O segredo de... (35): José Ferraz de Carvalho (ex-fur mil op esp, CART 1746 e QG, Xime e Bissau, 1968/70): "Não matem a bajudinha!"


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > População sob controlo do PAIGC, no subsetor do Xime, capturada no decurso da Acção Garlopa, em 19 de julho de 1972, num total de 10 elementos.

Foto (e legenda): © Sousa de Castro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem conplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Voltamos a publicar este texto do  José Ferraz de Carvalho  (ex-Fur Mil, Op E Esp, CART 1746, e QG, Xime e Bissau, 1968/70); radicado em Austin, Texas, EUA, desde meados de 1970, tem duas dezenas de referências no nosso blogue: faz parte da Tabanca Grande desde 19 de novembro de 2011 (*); é autor da série "Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz";  tratando-se, de algum modo, de um "confissão" ou "confidência", este texto  (***) merece ser reproduzido agora na série "O segredo de..." (****)


O segredo de... (35): José Ferraz de Carvalho:
 "Não matem a bajudinha!"


Falando de acção psicossocial, de que sempre fui partidário, lembrei-me que, durante uma operação de penetração ao sul do Xime, aprisionámos 2 elementos IN.

Depois de interrogados, guiaram-nos a uma tabanca IN. Fizemos um assalto e durante esse combate ferimos uma miúda, bajuda, com um tiro por detrás do joelho que lhe destroçou a patela [ ou rótula].

− Mata a miúda...  − disse alguém.

− Não mata nada − disse eu  [, que estava a comandar o 2º  pelotão].

E ordenei ao meu pessoal para fazer uma liteira, trazendo a bajuda para o Xime de onde foi posteriormente helitransportada para o hospital em Bissau. Oxalá ainda seja viva.

Nem tudo na guerra é destruição. Talvez alguém dos meus tempos no Xime se lembre deste episódio.

Mas ainda a respeito desta bajudinha do Xime, alguém que não tenha estado nesta situação, é capaz de não perceber o que me levou a fazer o que fiz.... 

Por outro lado, se alguém que tenha estado lá comigo se lembrar [deste episódio], seguramente dirá que o tempo que levámos a preparar a liteira, deu tempo ao IN para começar a mandar morteiradas para dentro da tabanca e tiroteio de armas ligeiras como eu nunca tinha visto. De facto, poderia ter causado sérios problemas, mas graças a Deus tudo correu bem.

A minha intenção é apenas a de dizer publicamente que nós, no mato, e em situações de perigo, tínhamos coração e respeito pela vida humana, nem sempre tudo era ronco e destruição de tudo por onde pássavamos - a [alegada política da] "terra queimada".
 
PS - Curiosamente fui eu que fiz os prisioneiros... Íamos a sair da mata para uma abertura com capim talves de meio metro de altura e um trilho que cruzava essa abertura em sentido perpendicular ao nosso sentido de marcha (se bem me lembro eram dois e não um) quando nos demos conta que eles vinham na nossa direcção a conversar e, portanto, não se deram conta de nós ( ainda bem que tinha ensinado ao "pessoal balanta" os sinais aprendido em Lamego). 

Indiquei que se alapassem e eu deitei-me de costas para o chão ao lado desse trilho. Quando, eles se deram conta de mim, só talvez a um par de metros donde eu estava deitado, levanteio torso, apontei-lhes a G3 e disse: "A bo firma ai"...  Tremiam como se tivessem visto um fantasma e eu ri-me... Foram então levados para junto do comandante dessa operação,  interrogados e vocês ja sabem o resto da história. 

Também me lembro agora uma histária mais do Júlio [, o nosso "pilha-galinhas"] (*****) que, como responsável pelos dilagrams,  andava sempre ligado a mim. Quando o contra-ataque se desencandeou, ele e eu abrigámo-nos detrás de um baga baga enorme. Começámos a responder e o Júlio por um lado de baga baga e eu pelo outro tivemos que nos desabrigar. Disse-lhe para onde atirar os dilagramas e dou-me conta de que o Júlio de joelhos no chão a disparar dilagramas e cai pra frente, redondo. 

Atirei-me para junto dele com terrível ansiedade porque estava convencido que ele tinha sido ferido. Quando me dei conta que estava vivo a primeira coisa que me disse foi: "Furriel, os meus tomates?"... Houve mais tiroteio,  acabou o contacto, levanto-me, ajudo o Júlio a levantar-se e, quando de pé ele puxa as calças abaixo dos "tomates",  lá estava um buraco de bala, uns centimetros mais a cima e pobre pobre do Júlio!...  Disse-lhe em descarga nervosa: "Ah,  Júlio ainda bem..., senão nunca mais comíamos galinha" ...

José Ferraz

2. Comentário do editor LG:

Poderá ter-se tratado  da Op Baioneta Dourada, iniciada em 2 de Abril de 1969, na área de Poindon / Ponta do Inglês, às 0h00, com a duração prevista de dois dias, e com o objetivo de "se completarem as destruições dos meios de vida na área, executadas quando da Op Lança Afiada [8-18 de Março de 1969]".

As NT eram constituídas por dois 2 destacamentos:

(i) Dest A: CART 1746 (Xime) (a 3 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/70))(1 Gr Comb);

(ii) Dest B: CCAÇ 2405 (Galomaro) (a 2 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/70) (1 Gr Comb).

Oportunamente, poderemos publicar um excerto do relatório desta operação, em que foi capturado um elemento IN, desarmado [, o Zé Ferraz refere dois elementos]. Na exploração imediata de informações dadas pelo prisioneiro, o Dest A fez uma batida à zona, surpreendendo "9 homens sentados acompanhados de 2 mulheres" (sic). Aberto fogo, foram capturadas as duas mulheres, feridas [, O Zé Ferraz refere apenas um "bajudinha", ferida].  Os restantes elementos fugiram, com baixas prováveis.

Entretanto, "ao serem prestados os primeiros socorros às mulheres feridas, um grupo IN de efectivo não estimado flagelou as NT durante cerca de 6 minutos com LGFog, mort 60 e cerca de 6 armas automáticas", sem consequências para as NT.

(Fonte: BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70. História da Unidade. Cap II, pp. 78/79).

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

(...) Em 1965 o pai  [oficial superior da Marinha]foi nomeado para ser o Senior Portuguese Officer no SACLANT [The Supreme Allied Commander Atlantic,], em Norfolk, Virgínia. Vim então estudar Engenharia nuclear para o Virginia Politecnical Institute, mas tive que ir primeiro para o Old Dominion College para fazer estudos de habilitação.

Sempre quis fazer tropa e estava aqui com uma licença militar porque era da incorporação de 65. Lisboa nunca me reconheceu os meus estudos aqui, pelo que em vez de ir para Mafra [, COM], fui para as Caldas [, CSM].

(...) Ofereci-me como voluntário para a 16ª Companhia de Comandos com a qual cheguei a Guiné em 68 [, 16 de agosto]. No fim da fase operacional [, IAO, que decorreu em Bula, Binar e Có, em setembro] não quis ser comando e fui então destacado para a Cart 1746, Xime, onde o Capitão [António] Vaz [ 1939-2015] me responsabilizou em formar um grupo de combate com o segundo pelotão cujo alferes tinha sido enviado para Lisboa doente" (...).

O J. Ferraz de Carvalho, uma vez terminada a comissão da CART 1746, em junho de 1969, foi colocado em Bissau, no QG, e deve ter regressado à Metrópole, com a 16ª Ccmds, em 24 de junho de 1970 (**)..
.



(*****) Vd. poste de 30 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime

segunda-feira, 1 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21958: Fichas de unidades (16): a 16ª CCmds (1968/70), de que temos um único representante no blogue, o ex-fur mil op esp, José Ferraz de Carvalho, que vive hoje nos EUA, no Texas, em Austin




Capa do livro de José Pardete Ferreira - O Paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, 2004, 169 p., [12] p. il. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.


1. O soldado 'comando' Gabriel, aliás, "Paparratos", é uma criação literária do nosso saudoso camarada J. Pardete Ferreira. A sua fonte de inspiração foi seguramente algum bravo soldado da 16ª CCmds, na altura  em que o médico  esteve afecto ao CAOP, em Teixeira Pinto, entre fevereiro e  junho de 1969, antes de ir para o HM 241, em Bissau. 

 Temos escassas referências a esta companhia de comandos, que serviu no CTIG entre agosto de 1968 e junho de 1970. Apresenta-se a seguir a ficha da unidade. (*)

E o único representante da 16ª CCmds na Tabanca Grande é José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp,  que  foi depois colocado na CART 1746 (Xime, 1968/69), a companhia que veio de Bissorã, comandada pelo nosso querido amigo  e saudoso capitão mil António Vaz (1939-2015). 

O José Ferraz de Carvalho tem 18 referências no nosso blogue.Vive hoje em Austin, Texas, EUA. [Foto à direita.] (**)



Ficha de unidade: 16ª Companhia de Comandos


Identificação 16ª CCmsds

Unidade Mob: CIOE - Lamego

Cmdt: Cap Inf Cmd Jorge Duarte de Almeida

Partida: Embarque em 11Ag068; desembarque em 16Ag068

Regresso: Embarque em 24Jun70


Síntese da Actividade Operacional


Após efectuar o treino operacional nas regiões de Bula, Binar e Có, em coordenação com o BCav 1915, desde 6Set68 até 26Set68, ficou instalada em Brá (Bissau), como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe.

Em 30Set68, foi deslocada para Binar, a fim de tomar parte em patrulhamentos e emboscadas na região de Binar-Bula, em reforço do BCav 1915, até 180ut68.

Em 270ut68, foi atribuída ao BCaç 1932, deslocando-se para Farim, a fim de tomar parte na operação "Boas Vindas", na região de Bricama, após o que se instalou, a partir de 2Nov68, em Jumbembém, com vista a actuar nas acções de contrapenetração no corredor de Lamel e recolhendo a Bissau em 12Dez68.

De 1 a 12Jan69, tomou parte em operações realizadas pelo BCP 12 na região de Fulacunda, sendo depois atribuída ao CAOP, com vista à realização de operações na região de Jol, Bachile, Pijame e Có, de 4Fev69 a 31Mai69, ficando então instalada em Teixeira Pinto.

De 4 a 27Jun69, acompanhou o Pel Cav do CAOP, deslocando-se para Aldeia Formosa, para intervenção na operação "Grande Salto", após o que se deslocou, a partir de 2Ju169, para Bula, com vista à realização de operações nas regiões de Churo e Caboiana e à segurança e protecção dos trabalhos da estrada Bula-S. Vicente, estes em reforço do BCav 2868.

A partir de 2Ag069, regressando a Teixeira Pinto e à dependência do CAOP, efectuou diversas operações nas regiões do rio Costa/Pelundo, de 1 a 300ut69; de Burné-Bijope, de 200ut69 a 09Nov69, de 1 a 21Dez69 e de 10Jan70 a 3Mar70; e de Jolmete, em 16 e 17Nov69.

Voltou a reforçar o BCav 2868, em acções no sector de Bula nos períodos de 3Mar69 a 7Abr69 e de 29Abr69 a  1Jun70, tendo ainda ministrado instrução de aperfeiçoamento operacional à 26ª  CCmds, de 7 a 29Abr70.

Em 2Jul70, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa 0.° 118 - 2.a Div/4." Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág. 532

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21881: Fichas de Unidades (15): CAOP, CAOP Oeste, CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1968/74)

(*) 14 de novembro de  2011 > Guiné 63/74 - P9043: Camaradas da diáspora (7): José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, Fur Mil Op Esp, da 16ª CCmds e da CART 1746 (Xime, 1968/69): vive hoje em Austin, Texas, EUA

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11374: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (2): Respostas de José Ferraz (EUA), Tony Borié (EUA), Eduardo Estrela e Manuel Reis

1. Continuação da publicação das respostas ao "questionário aos leitores" do blogue (*),l no âmbito das comemorações do nosso 9º aniversário. Aqui fica, a seguir,  o guião com as "15 perguntinhas ao leitor" que foram enviadas a todo o pessoal que se senta debaixo do poilão da Tabanca Grande.  A mensagem, por nós enviada, sempre em BCC (como manda as boas regras de segurança na Net), foi devolvida nos seguintes (por desatualização do endereço de email): Henrique Castro, Joaquim Fernandes, José Belo, Nuno Rubim, Ricardo Figueiredo, Rogério Ferreira e Sérgio Pereira.


(1) Quando é que descobriste o blogue ?

(2) Como e através de quem ? (por ex., pesquisa no Google, informação de um camarada)

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) desde quando ?

(4) Com que regularidade vês/lês o blogue ? (diariamente, semanalmente, de tempos a tempos...)

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.)

(6) Conheces também a nossa página no Facebook ? (Tabanca Grande Luís Graça)

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue ?

(8) O que gostas mais do Blogue ? E do Facebook ?

(9) O que gostas menos do Blogue ? E do Facebook ?

(10) Tens dificuldade, ultimamente, de aceder ao Blogue ? (Tem havido queixas de lentidão no acesso...)

(11) O que é que o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti ? E a nossa página no Facebook ?

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos sete anteriores encontros nacionais ?

(13) Estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de junho, em Monte Real ?

(14) E, por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra... para continuar ?

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer

Obrigado pela tua resposta, que será publicada, com direito a foto. O editor, Luís Graça.






Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Meninos no banho... Foto do álbum do Arlindo T. Roda ex-fur mil at inf, 3º Gr Comb da CCAÇ 12.

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados.



2.4. José Ferraz  [de Carvalho]ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70)]

(1/2) Se bem me lembro descobri o "nosso" blogue por acidente quando, navegando a Internet sobre assuntos relacionados com a guerra colonial, acabei convosco, desde ai visito-o diariamente porque me ajuda a desenferrujar as armadilhas da minha mente.

(3) Sou a membro 527 (salvo erro), tendo "assentado praça" na Tabanca Grande em Novembro de 2011.
(4) Visito o blogue diariamente.

(5) Infelizmente através de todos estes anos, nas minhas andanças pelos "States",  perdi todas as recordações que tinha do meu tempo na Guiné.

(6) Conheço a página no Facebook mas não a utilizo.

(7) Blogue,  maiormente.

(8/9) Nã posso responder por falta de opinião sobre a página no Facebook. No blogue o que gosto mais e ler as impressõees dos demais camaradas quer concorde ou discorde delas, porque como me dizia um professor de filosofia: "A troca de impressões entre pessoas de diversas idades e diversos pontos de vista eé intelectualmente um estimulante". O que lamento no blogue é a pontificação de alguns dos autores nos seus postes que o utilizam para dissertar em assuntos que não têm nada que ver com o espírito e palavra do blogue. Por vezes não posso evitar pensar que alguns participantes aparentemente esgotaram as suas memórias sobre o que é pertinente para o espirito deste e escrevem postes que a meu ver são supérfulos e como tal perdem valor nesta tribuna.

(10) Até hoje nunca tive dificuldade em entrar no blogue.

(11) O blogue representa para mim essencialmente uma viagem espiritual através da minha vida e como certos efeitos impactarão o que me considero ser hoje, bem ou mal e uma conclusão muito pessoal.

(12/13) Infelizmente com com muita pena pessoal nunca tive a oportunidade de assistir a nenhum dos encontros da Tabanca.

(14) Como tudo na vida eventualmente o blogue perderá a sua, por mil e uma justificações, mas até lá, força e para a frente. Com certa audácia,  se me é permitido comentar nesta pergunta o mero facto que é proposta,  poderá ser um sinal do inevitável princípio do fim. O que me dará muitíssima pena.

(15) Sugestões serão como fazer ver a audiência do blogue a importância de relacionarem os seus postes com o tema da nossa presença na Guiné e não em outros temas, de modo a que as novas geraçõees deixem de cometer os mesmos erros da nossa. Como diz George Santyanna, " aqueles que se esquecem dos erros cometidas no passado serão obrigados a repeti-los no futuro"

2.5. Tony Borié [ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66),

(1) Quando é que descobri o blogue ? Talvez há ano e meio.

(2) Como e através de quem ?  Pesquisando no Google sobre coisas da Guiné.

(3) Sou membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) há talvez um ano.

(4)  Visito o blogue  diriamente, mesmo em viagem.

(5)  Tenho mandado material para o blogue , e está tudo OK comigo.

(6/7) Não, não conheço a nossa página no Facebook.

 (8) O que gosto mais do Blogue...são as istórias passadas por antigos combatentes, contando a vida que levaram em zona de guerra.

(9) O que gosto menos do Blogue... Fotos mostrando guerrilheiros ou militares feridos ou mortos em combate.

(10) Não tenho dificuldades em aceder ao blogue.

(11) Para mim, o blogue representa preciosa informação, lembrando factos verdadeiros.

(12/13)  Nunca participei em anteriores encontros, e como estou um pouco distante, talvez não seja possível ir, mas continuo na expectativa.

(14)  Com certeza que sim, por muitos e longos anos, os meus netos, ainda vão escrever no blogue.

(15) Outras críticas, sugestões, comentários: Delegações do blogue nos cinco continentes, mostrando histórias e factos de descendentes de antigos combatentes da Guiné, que agora servem as forças armadas de outros países, e em outros continentes.


2.6. Eduardo Estrela [ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]

Amigo, companheiro e camarada Luís Graça!

Há alguns anos atrás sentei-me ao computador e coloquei CCaç 14 no Google. Foi dessa forma que descobri o Blogue.

Sou efectivamente membro da Tabanca Grande desde o início de 2012.

Duas a três vezes por mês vou ao Blogue e, verdade se diga, gostava de participar com mais frequência. Não o faço porque o computador é de secretária, está em Faro e nos últimos tempos tenho estado entretido a conviver com a natureza, em Cacela, onde a minha mulher tem uma casa velha que herdou da avó. 
Não tenho Facebook, pelo que é no Blogue que contacto com os textos dos meus camaradas de infortúnio.

Claro que o Blogue tem garra e força anímica para continuar, até porque há,  pela certa, [ainda]muitas histórias para serem contadas.

Ultimamente tenho notado alguma lentidão no acesso ao Blogue.

Em ti personifico o abraço a todos os companheiros da luta que travámos e que continuamos a travar, nesta sociedade cada vez mais esquecida das palavras que são ou deveriam ser a essência da convivência humana. Solidariedade, Amizade, Respeito, Fraternidade e Amor.


2.7. Manuel [Augusto] Reis  [, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974]

Julgo ter descoberto o Blogue em 2006 ou 2008, não consigo precisar.Tive conhecimento através do Coronel Coutinho e Lima que referiu que ele e a CCAV 8350 estavam a ser alvo de críticas contundentes, sem correspondência com a realidade ocorrida.

Sou membro da Tabanca Grande desde o momento em que tive conhecimento da sua existência.

Procuro visitar a página diariamente, muitas vezes só para verificar se é dia de aniversário de algum camarada e felicitá-lo pelo evento. O tempo nem sempre dá para mais.

A ida ao Facebook é idêntica à ida ao Blogue, em termos de tempo de intervenção/ocupação.

Gostaria de ser mais interveniente no Blogue, mas neste momento evito a controvérsia e a abordagem de assuntos melindrosos,  estão fora de hipótese. Em dois anos de guerra, no contexto em que foi vivida, obrigaram-me a ter contactos com imensos camaradas, em diversos locais, enriquecendo-me em termos de conhecimento sobre o evoluir, quase diário, da guerra na Guiné. Agora limito-me a emitir alguns comentários.

As vivências dos camaradas, quer em situação de guerra, quer em ocorrências de diversão e o aparecimento de vários camaradas, cuja localização desconhecia, prendem a minha curiosidade. No Facebook limito-me a emitir a minha opinião sobre algum assunto que considere interessante e oportuno.

Não sinto qualquer dificuldade em aceder ao Blogue, neste portátil, mas já me apercebi que em alguns portáteis isso não é fácil.

O que mais me desagrada no Blogue são as discussões estéreis, por vezes insultuosas, sem argumentação consistente, utilizando uma linguagem agressiva, sem respeito por camaradas que também vivenciaram a guerra. A discussão podia fazer-se a outro nível, sem perda de qualidade. Nem sempre fui um exemplo daquilo que refiro, também ia na onda, principalmente nas minhas primeiras intervenções. Aprendi com o tempo a gerir este tipo de situações e a moderar as minhas intervenções.

Só por impossibilidade, como vai suceder este ano, é que não estive presente no convívio da Tabanca Grande. Lamento o facto, porque é uma boa oportunidade para encontrarmos camaradas que só de ano a ano vemos.

A nossa página no Facebook é uma óptima divulgação da existência de uma guerra, que muitas gerações desconhecem, em muitos países. Ocorre-me a intervenção de um cidadão brasileiro, escandalizado pelo seu desconhecimento da guerra colonial.

O Blogue, com o esgotar de muitos temas, perdeu um pouco de fôlego, mas continua com pernas para andar, enquanto a equipa editorial se mostrar empenhada.

Um abraço para toda a equipa do Blogue de modo especial para o Luís e o Carlos.

___________

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9142: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (11): Pilhas para o datador, ou um partida ao nosso Primeiro, com a cumplicidade do Capitão Lanjinhas

1. Outra história do José Ferraz de Carvalho, filho de um oficial da marinha, emigrante nos EUA desde 1970 (O Zé vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70)(*)


Companheiro e Camarada Luís: Outra história humorística do meu tempo na CCS/QG-Bissau.

O tal Primeiro que tinha recentemente chegado de Lisboa, e que era da GNR (*), de início trabalhou para a Secção de Justiça do QG mas fez tal granel com a arquivo que ninguém conseguia encontrar nada porque decidiu reorganizar o arquivo por ordem alfabética e não por ordem do processo. Foi portanto transferido para outra secção. (**)

Ora bem, em conversa com ele na messe de sargentos um dia perguntei-lhe:
- Então,  ó meu Primeiro,  que tal no novo trabalho? - Diz-me ele:
- Ah,  nosso furriel,  comecei ontem e agora tenho um trabalho muito importante.
- Ah sim, então diga-me o que é que faz ?
- Bom - diz-me ele - sento-me a minha secretária e tenho esta máquina e um carimbo com uma setazinha e então quando chegam mensagens eu agarro na máquina e imprimo na mensagem a data de recepção, depois pego no carimbo e aqui tenho que ter muito cuidado porque se a setazinha não está em frente do nome da pessoa para quem  essa mensagem é dirigida, é uma chatice porque vai para outra pessoa...
- Ah - comentei eu - sim,  senhor,  isso é um trabalho da maior importância, ó meu Primeiro...

Fez-me então uma confidência:
- Ó nosso Furriel, eu tenho um problema com a essa máquina da data.
- Ah, sim? - digo eu - Qual é o problema ?
- Ontem a data estava correcta,  hoje já tinha carimbado uma quantidade de mensagens quando me dei conta que tinha a data de ontem e não a de hoje... O que é que eu faço ?...

Eu não queria acreditar no que o pobre Primeiro me estava a dizer e pensei que estava a reinar comigo e então continuei:
- Bom,  meu Primeiro,  lá na GNR não tinham esse tipo de máquina?
- Não - responde-me ele -  lá no quartel era tudo feito à mão...
- Não me diga!... Deixe-me lá ver se o posso desenrascar... - Diz-me ele:
- Ficava-lhe muito agradecido...

E aqui vem a estocada:
- Pois é,  ó meu Primeiro,  o que o senhor tem na sua secretária é um destes modernos datadores e o que o senhor precisa é de pilhas.
- Muito obrigado... E a propósito, onde é que eu arranjo essas pilhas ?...
- Isso é facil,  o Primeiro faz uma requisição em cinco cópias e apresenta-se na CCS/QG a despacho e eu peço ao nosso Capitão que assine essa requisição e com ela aprovada o Primeiro vai ao depósito e levanta essas pilhas.
- Mas,  ó nosso Furriel,  eu preciso delas hoje... Como é que faço essa requisição ?
- É simples, em papel timbrado e dirigida ao comandante da CCS/QG. O senhor escreve algo do estilo Vossa senhoria,  meu capitão,  venho por este meio requisitar pilhas para o datador da minha secção... O senhor assina e não se esqueça de escrever Aprovado e uma linha abaixo para o nosso capitão assinar...Bom, hoje depois do almoço passe por lá que eu arranjo-lhe isso... Até logo...

Eu a rir como um estúpido e a pensar:
- Vou reinar com o Langinhas [Cap Laranjeira Henriques, último comandante da CART 2339, Mansambo, 1968/69, colocado depois na CCS/QG, Bissau; fora colega de Liceu do Zé Ferraz]...

A minha secretária estava dentro do gabinete do Langinhas, por isso eu queria e podia ver a reacção dele quando esta partida se desenrolasse.

Aí chega o Primeiro,  eu morto de riso,  bate à porta do gabinete;
- Entre - diz o Langinhas...- Fazem as cortesias do costume e diz o Primeiro:
- Meu Capitão,  aqui o nosso Furriel foi uma grande ajuda.
- Ah sim ? - responde  o Langinhas -. E então o que é que  quer ?
- Preciso que me assine esta requisição. - E  põe-lhe o documento em frente...

Ah,  pá,  quando o Langinhas deixa cair a caneta... e dispara:
- Ó Primeiro,  espere lá fora...
O Primeiro olha para mim com um ar amedrontado e  lá vai porta fora.

Pergunta-me o Capitão:
- Ó Zé,  o que é isto?
Quando lhe expliquei os antecendentes,  rimo-nos a fartazana... Por fim, diz-me o Capitão:
- Manda lá entrar essa ave rara... - E dirigindo-se ao homem: 
- Ó nosso Primeiro,  aqui o nosso Furriel quis ajudá-lo mas não precisa desta requisição,  essa máquina datadora não deve precisar de pilhas mas o nosso Furriel aqui vai consigo e ensina-lhe como mudar a data...Não é verdade,  nosso Furriel?

Ah grande Langinhas,  o ultimo a rir é o que se ri melhor...

Um forte abraço, Zé


__________________

Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 2 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9130: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (12): Os azares de um Primeiro, periquito, que apanhou a Flor do Congo, na sua primeira viagem a África...


(**) Veja-se esta história apenas como um momento de humor de caserna, um espécie de caricatura desenhada com o lápis grosso do caricaturista....Não se façam, portanto, generalizações abusivas, nem se vejam aqui intenções de atacar nenhuma classe profissional do exército português de então. Conheci gente de muito mérito entre oficiais, sargentos e praças. Mas também conheci gente que eram verdadeiros erros de "casting". Na Guiné, havia de tudo, até básicos que, à noite, viam elefantes junto ao arame farpado do quartel...


Devo acrescentar que tive, na Guiné, bons amigos entre os sargentos do quadro. E até ajudei, com explicações, pelo menos dois Primeiros (da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e da CCS/BART 2917) a prepararem-se para o exame de acesso à então Escola Central de Sargentos, em Águeda.  Hoje, ao que sei, são majores reformados, embora nunca mais os tenha visto.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9130: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (12): Os azares de um Primeiro, periquito, que apanhou a Flor do Congo, na sua primeira viagem a África...

1. Outra história do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70)(*)


Durante os fins de semana trabalho dois turnos por dia,  sábados e domingos,  16 horas respectivamente, num centro de reabilitação (para homens) a que clinicamente se chama aqui Men's Intensive Residential Treatment,  com uma duração  de 28/30 dias por paciente. Portanto tenho tempo para me entreter.

O Blogue ajuda-me psicologicamente a distanciar-me emocionalmente destes doentes e evitar as chamas Transfer and countertransfer issues... E é evidente que, à medida que me embrenho a ler os postes,  a minha memória acorda e é um ver se te avias...

Lembrei-me hoje de outra anedota nos meus tempos do QG-CTIG...

Apareceu na messe de sargentos  um Primeiro,  periquito,  recém chegado de Lisboa. Aparentemente ninguém conhecia; nem os outros Primeiros porquanto este pobre tipo tinha passado a maior para do seu serviço na Guarda Nacional Republicana que eu detestava por experiências passadas quando nós,  como estudantes,  nos anos 60,  fazíamos manifestações contra a ditadura do Salas... Enfim essa e outra história...

Ora bem,  o nosso Primeiro nunca tinha estado em África e muito menos com a nossa malta... Era como um camelo a olhar para um palácio...

Um dia, à conversa,  ele pergunta-me, em tom de confidência:
- Ó nosso Furriel, eu tenho um problema e não sei o que fazer...
- Ó meu Primeiro - disse-lhe eu - conte-me lá o que se passa a ver se eu o posso ajudar...

Diz-me ele:
- É que nestes últimos dias me apareceu esta merda nos sovacos e nas virilhas que me dá muita comichão e cheira mal,  há tres dias que não tomo banho...
- Ó meu Primeiro - respondi-lhe eu - o que o senhor apanhou é o que nos chamamos a Flor do Congo... É uma micose...
_ E, o nosso Furriel,  isso é perigoso?...
- Muito! - disse eu...
E agora pergunta o Primeiro:
- O que é que eu faço ?...
- Bom - disse-lheu - a Flor do Congo é um fungo e o que o senhor precisa é de lavar o corpo todo com água pura... Por exemplo,  o senhor compra o sabão encarnado e, como estamos na época da chuva,  quando estiver chover bem,  o primeiro ensaboa o seu corpo com o sabão e depois deixa que a chuva lave o corpo....

Passados uns dias aí estava o Primeiro,  nu em pelota,  fora do seu quarto,  na rua que passava em frente da messe de sargentos e ia para a messe de oficiais,  a lavar o corpo com o sabão encarnado e a malta na messe,  todos a rir...
- Ó Furriel como é que eu lavo a rego do cu ?... - Dizia-lhe eu:
- Meu Primeiro,  dobre-se prá frente,  ponha-se de cu pró ar e deixe que chuva lhe lave o cu ...

Mais gargalhas e o Primeiro nem se quer se deu conta .... Nisto, era noite, aí vem um carro, dá a curva e os farois batem no cu branquinho do Primeiro,  periquito ...
Mais gargalhas... O problema,  ouvimos mais tarde,  foi que a esposa de um oficial era passageira nessa viatura e aparentemente ficou mal impressionada com a brancura do cu do Primeiro e,  possivelmente o resto que viu,  porque o Primeiro não se perturbou com nada,  o que ele queria era ver-se livre da comichão...
Um forte abraço, Zé.
_________________


Nota do editor:

(*) Último poste da série > 1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9123: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (11): Uma cena do Júlio, em combate: Furriel, os meus t... ?!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9123: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (11): Uma cena do Júlio, em combate: Furriel, os meus t... ?!



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > António Fernando Marques e Arlindo Teixeira Roda, dois camaradas da 1ª geração da CCAÇ 12 (1969/71), junto ao monumento da CCAÇ 1550 (1966/68),  unidade de quadrícula do Xime que  antecedeu a  CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... A CCAÇ 12 conheceu bem e duramente, o subsetor do Xime, entre 1969 e 1974... (LG)

Foto: © Arlindo Roda (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.





1. Texto do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):


Curiosamente fui eu que fiz os prisioneiros na tal [Op Baioneta Dourada, iniciada em 2 de Abril de 1969, às 0h00, com a duração prevista de dois dias, e com o objetivo de se completarem as destruições dos meios de vida na área, executadas aquando da Op Lança Afiada (8-18 de Março de 1969), na região de Poindon]...

Íamos a sair da mata para uma abertura com capim,  talvez de meio metro de altura,  e um trilho que cruzava essa abertura em sentido perpendicular ao nosso sentido de marcha... Se bem me lembro,  eram dois [turras] e não um... Quando nos demos conta que eles vinham na nossa direcção a conversar e, portanto sem se darem conta de nós ( ainda bem que tinha ensinado ao meu pessoal balanta os sinais aprendidos em Lamego...),  dei ordens para que se alapassem e eu deitei-me de costas para o chão, ao lado desse trilho.


Eles [, os turras,]  só se deram  conta de mim talvez a um par de metros donde eu estava deitado. Levantei o torso,  apontei-lhes a G3 e disse:
- A boó firma aí!

Tremiam como se tivessem visto um fantasma e eu ri-me... Foram então levados para junto do comandante dessa operação, e interrogados. O resto da história vocês já sabem. 


Também me lembro agora de mais uma história com o  Júlio que,  como responsável pelos dilagramas, andava sempre ligado a mim. Quando o contra-ataque se desencadeou,  ele e eu abrigámo-nos atrás de um  bagabaga enorme. Começámos a responder, o Júlio por um lado do baga baga e eu pelo outro.


Tivemos, entretanto,  que nos desabrigar,  disse-lhe para onde atirar os dilagramas e e nisto dou-me conta de que o Júlio está de joelhos no chão a disparar dilagramas e que cai prá frente,  redondo. Atirei-me para junto dele com terrível ansiedade porque estava convencido que ele tinha sido ferido, mas dei-me conta de que felizmente estava vivo. A primeira coisa que me perguntou, foi:
- Furriel,  os meus tomates? !


Houve mais tiroteio,  acabou o contacto,  levanto-me,  ajudo o Júlio a levantar-se e, quando de pé ele puxa as calçaas debaixo dos tomates,  vejo que aí estava um buraco de bala... Uns centímetros mais a cima... e pobre do Júlio!  Disse-lhe,  em descarga nervosa:
- Ah, Júlio ainda bem ..senão nunca mais comíamos galinha!
____________

Nota do editor:


Último poste da série > 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime


(...) Quando estava a recordar vendo as fotos da RTX [, Rádio Televisão do Xime,] lembrei-me de outra história do Júlio,  homem desenrascado e esperto até dizer chega...Ora bem,  havia um acordo tácito de que galinha que entrasse para dentro do arame farpado era nossa e ia para o tacho  (...) 


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Militares da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), em passeio despreocupado pela tabanca do Xime. O Sousa de Castro, o nosso tertuliano nº 2 (ou o nosso tabanqueiro mais antigo),  é o segundo a contar da esquerda para a direita.  Por outros arruamentos, três anos antes, também andou a parelha Zé Ferraz-Júlio... (LG)


Foto: © Sousa de Castro (2005) / Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Mais um história do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):


Caríssimo companheiro e camarada Luis: Hoje [,24 do corrente,]  estou de folga e tenho passado algumas horas a ler várias histórias. Formidável, o nosso Blogue. Digo nosso,  por ousadia... 


Quando estava a recordar vendo as fotos da RTX [, Rádio Televisão do Xime,] lembrei-me de outra história do Júlio,  homem desenrascado e esperto até dizer chega...Ora bem,  havia um acordo tácito de que galinha que entrasse para dentro do arame farpado era nossa e ia para o tacho ...

Júlio, mais do que qualquer outro,  era formidavel com a sorte que tinha em apanhar as pobres galinhas ou assim pensava eu até que me dei conta que não era tanta a sorte como a esperteza...

Aqui vai o resto da história: o Júlio numa coluna que fizemos até Bafatá disse-me que ia comprar milho e eu perguntei-lhe:
- Milho? 
- Pois,  meu furriel,  se quer comer galinha ... - E lá foi. 


Não pensei mais no milho até que regressámos ao Xime e,  no dia seguinte,  tínhamos galinha como reforço do rancho... Aí lembrei-me do milho e questionei-o:
- Ó Julio,  o que é isso com o milho ?

Diz-me ele com um sorriso de esperto:
- Vê,  meu furriel ... - E mostra-me um buraco no bolso dos calções, continuando:
- Encho o bolso de milho,  dou um passeio pela tabanca e vou deixando cair o milho... Quando volto cá prá dentro,  as galinhas vêem o milho e seguem-me até entrar no quartel. Aí, pumba, e tacho com elas!... 


Que eu saiba nunca ninguém na tabanca se deu conta disto e o pessoal balanta reforçava o seu rancho... Ah grande Júio!


Um forte abraço, Zé.

________________

Nota do editor:


Postes anteriores  da série < 29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9110: Se bem me lembro... O bau de memórias do Zé Ferraz (9): E aqui estou eu hoje vivo...

(...) Numa dessa operações de inflitração em território inimigo, [ no subsector do Xime,] com o propósito de destruição dos seus meios de vida, entrámos por uma tabanca em que as cubatas eram de paredes redondas com um poste central que suportava o tecto, e à volta do qual havia uma parede cilíndrica que formava um silo para a bianda [, arroz] (...)

27 de Novembro de 2011> Guiné 63/74 - P9106: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (8): O meu colega do Liceu do Oeiras que fui encontrar em Mansambo e em Bambadinca...

(...) Uma vez cheguei a Bambadinca e a minha farda de campanha consistia em calças camufladas, dólman a que tinha cortado as mangas, uma écharpe de seda que havia pertencido a minha mãe; como armamento, a G-3 com a tanga do primeiro turra que lerpei, atada ao tapa-chamas; como galhardete, cinturão sem cartucheiras, um punhal enorme, fula, cujo cabo era um cartucho calibre 50; e cinco granadas de mão. (...)
26 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9101: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (7): Um acidente... no Pilão

(...) Um dos meus amigos fixes desse tempo era um furriel miliciano, destacado no Cacheu, que sempre que conseguia desenfiava-se e aparecia em Bissau, quase sempre de madrugada. Abreviadamente, era o A. T....Vinha bater a porta do meu quarto sempre com a burra e o mesmo grito:
- Zé, acorda vamos pró Pilão que as meninas estão à MINHA espera (...).

25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9095: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (6): Não matem a bajudinha...

(...) Falando de acção psicossocial, de que sempre fui partidário, lembrei-me que durante uma operação de penetração ao sul do Xime, aprisionámos 2 elementos IN.  Depois de interrogados, guiaram-nos a uma tabanca IN. Fizemos um assalto e durante esse combate ferimos uma miúda, bajuda, com um tiro por detrás do joelho que lhe destroçou a patela [ ou rótula]. (...)

 
24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9090: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (5): O desenrascanço... na justiça militar!
 
(...) Quando prestava serviço na CCS/QG em Bissau, uma vez por mês tinha que prestar serviço como sargento da guarda na prisão do QG (à direita da porta d'armas do dito quartel), guarda de honra em funerais locais e ainda montar segurança no Pidjiguiti ao navio de abastecimento quando atracado nas suas fainas. (...)
 
23 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9084: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (4): Quando os nossos soldados indígenas se suicidavam...
 
(...) Já estava no QG, [em Bissau, em meados de 1969,] quando um dia, por volta do almoço, apareceu lá um jeep da PM [ Polícia Militar]. Queriam falar comigo urgentemente (...) 


22 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9080: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (3): Hugo Spadafora, o Che Guevara italopanamiano (1940-1985), terá estado no (ou passado pelo) Fiofioli nos idos anos de 1965/67

(...) Da conversa que tive com o Hugo Spadafora, nessa tarde tão interessante, houve de princípio certa reserva da minha parte devido à multitude de emoções que sentia nesse momento. Passado isso, fomo-nos abrindo pouco a pouco e aqui está o que me lembro (...)

21 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9070: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (2): Hugo Spadafora (1940-1985), que combateu como médico e guerrilheiro nas fileiras do PAIGC (entre 1965 e 1967), e que encontrei na década de 1980 no Panamá...


(...) Na década de 80, quando era Zone service manager - para a América Central e Caraíbas - da divisão Detroit Diesel Allison da General Motors, ia muitas vezes ao Panamá. (...)

20 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9068: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (1): O valente soldado Júlio


(...) Uma manhã ao alvorecer saí do Xime com a minha malta para montar segurança na área do costume, entre o Xime e Amedalai para uma coluna de reabastecimentos que sairia pouco depois. Sem novidades passaram e nós regressamos ao Xime.  Essas colunas de reabastecimento de costume regressavam por volta das 3 da tarde. Chegam as três e nada... Quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze e nada. Nunca soube porque os meios rádio nesse dia estavam de rastos e não conseguíamos comunicar com Bambadinca. (...)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9110: Se bem me lembro... O bau de memórias do Zé Ferraz (9): E aqui estou eu hoje vivo...

1. Texto do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746, Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):   

Este Baú parece que não tem fundo... Outra memória suscitada por um comentário anterior [ respeitante à Op Lança Afiada, em que a CART 1746 foi comandada pelo Cap Neto na ausência do Cap Vaz] (*)...

Numa dessa operações de inflitração em território inimigo,  [ no subsector do Xime,] com o propósito de destruição dos seus meios de vida, entrámos por uma tabanca em que as cubatas eram de paredes redondas com um poste central que suportava o tecto, e à volta do qual havia uma parede cilíndrica que formava um silo para a bianda [, arroz]...

Descubri que,  se deitasse um granada para dentro desse silo quando explodia rebentava com o poste mestre do tecto e o peso deste,  sem suporte, arrazava a cubata. Tinha assim destruído várias cubatas, usando granadas ofensivas.

Entro nesta para fazer o mesmo e dei-me conta que só tinha granadas defensivas. Por outra parte,  do meu treino em Lamego [ no curso de operações especiais], estava bem vinculado  na minha cabeça o aviso "No caias em rotina, a rotina mata".

Ora uma explicação: o manual diz "ponha a granada na mão com a alavanca contra a chave da mão,  puxe o pino [ cavilha,] e lance a granada"... Nunca usei essa forma: agarrava na granada contra a palma da mão e a alavanca com os dedos,  puxava o pino e lançava-a então; desta forma atirava com muito mellhor direcção e efeito de foiçada.

Nessa particular altura decidi lançar essa granada defensiva como dizia o manual de instrução... Agarro na granada,  puxo o pino [ cavilha,] e,  quando abri a mão para a soltar dentro do silo,  a força da mola da alavanca contra a palma da mão fez com que a granada em vez de entrar no silo fosse bater contra a parede e cair-me aos pés...

Dizem que frente à morte [o filme da] nossa vida instantaneamente passa pela mente ... Recordo-me,  com plena claridade,  desse momento...3 segundos e morte!...

Voei,  aterrei fora de porta e, bumba,  explode a granada, e eu aqui estou hoje,  vivo!...

Acredito em milagres... Nunca falei disto com ninguém. Nesse dia nasci outra vez e nasci outra vez quando ingressei,  em 1991,  na mais antiga faternidade de homens de pensamento livre.

Um forte abraço. Zé
________________

Nota do editor:

Último poste da série >Guiné 63/74 - P9106: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (8): O meu colega do Liceu do Oeiras que fui encontrar em Mansambo e em Bambadinca...

domingo, 27 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9106: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (8): O meu colega do Liceu do Oeiras que fui encontrar em Mansambo e em Bambadinca...

1. Mais um história do Zé Ferraz,  português radicado nos EUA (vive em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp ex-Fur Mil, Op Esp, CART 1746, Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):


Para o Torcato: Se bem me lembro,  numa das operações em que estive envolvido,  fomos até Mansambo e,  para surpresa minha,  o comandante era um amigo meu do Liceu de Oeiras.  Quando deixou o mato foi comandar a CCS do QG em Bissau e eu era o seu "ajudante". Raios me partam,  não me lembro do seu nome.


Numa das minhas anedotas desse tempo,  uma vez cheguei a Bambadinca e a minha farda de campanha consistia em  calças camufladas,  dólman a que tinha cortado as mangas,  uma écharpe de seda que havia pertencido a minha mãe;  como armamento,  a G-3 com a tanga do primeiro turra que lerpei, atada ao tapa-chamas;  como galhardete,  cinturão sem cartucheiras,  um punhal enorme, fula,  cujo cabo era um cartucho calibre 50;  e cinco granadas de mão.


Vinha no Unimog,  passei à frente da messe de oficiais,  dei uma bruta continência a um tenente coronel periquito pela aparência da sua farda.  O homem olhou para mim,  começa a gritar pelo capitão,  eu disse ao condutor para parar,  apiei-me da viatura e fui falar com o tal TC. 


Nessa altura o capitão que apareceu,  era o meu amigo do liceu que estava não sei porquê em Bambadinca, nem eu sabia as razões pro que o TC queria participar de mim. Além disso, nesse tempo usava uma larga barba. O dito capitão disse então:
- Meu tenente coronel,  este é o furriel Ferraz,  do Xime... -  e olhou para mim com uma vontade de rir tremenda.


A única coisa que me lembrei de lhe dizer foi:
- Vossselência.  meu tenente coronel... eu estou aqui para fazer a guerra, não para desfiles. 


Tenho muitas saudades desse capitão porque tivemos largas conversas no seu gabinete,  e fora,  num dos bares-cafés de Bissau,  sobre a futilidade da luta em que estávamos envolvidos e das inevitáveis consequências que a derrota nos iria trazer. 


Hoje, ainda que longe do meu querido Portugal,  vejo e leio o triste estado em que o país se encontra. Esta realidade causa-me profundo pesar. Estou velho e não há nada que possa fazer para mudar a pobre situação do nosso país. Vivo aqui há 41 anos e ainda não me tornei cidadão americano como patriota que fui e sou. Se por acaso estiveste em Mansambo,  penso que deverias ter conhecido a capitão de que falo. Diz-me o seu nome.


2. Comentário do Torcato Mendonça ao Poste P9043:


O Capitão era o Capitão Neto.  Havia um Capitão [, Eugénio Batista] Neves que era o comandante da CCS do BCAC 2852 e depois comandou a 2404 que nos rendeu em Mansambo (Novembro de 69).


3. Comentário de L.G.:


Quererá o Torcato referir-se ao Cap Mil Sérgio Luís Taveira Neto, que à época da Op Lança Afiada - 8 a 18 de Março de 1969 - comandou a CART 1746 ? ... Certamente por impossibilidade temporária do Cap Mil António Vaz que era efetivamente o comandante da CART 1746, no Xime, "de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969", como ele próprio nos confirmou, há uns anos atrás.

Por seu turno, será que o José Ferraz queria referir-se ao comandante da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) ? O Torcato deve ter pensado que ele se referia ao seu próprio comandante (, CART 1746, Xime, 1968/69).

Segundo os registos que temos, no nosso blogue, e com base nos postes do Torcato Mendonça, o primeiro comandante da CART 2339 foi o Cap Mil Meira de Carvalho ("Logo em Évora, devido a doença, teve que abandonar a Companhia").

"O Capitão Lima foi o segundo dos quatros comandantes que a companhia teve". O terceiro e penúltimo Comandante da Companhia foi o Capitão QP  Moura Soares.  "Por motivo de doença" (...) "foi substituído, em Dezembro de 1968, pelo quarto e último Comandante, o Capitão QP  [Raul Alberto] Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão no Ultramar"...

O Laranjeira Henriques, que eu conheci bem (eu e os meus camaradas da CCAÇ 12), era o comandante da CART 2339 ("Os Viriatos") já na altura da Op Lança Afiada... 

Seria este o colega de Liceu do José Ferraz ?... Em princípio, o Laranjeira Henriques era mais velho (terá nascido em 1940 ou 1941) do que o José Ferraz (que é de 1945)... Era capitão do QP, logo oriundo da Academia Militar... 

Pertencia originalmente à CART 2413 (Independente, foi mobilizada pelo RAP 2; partiu para a Guiné em 11 de Agosto de 1968 e regressou a 18 de Junho de 1970; esteve em  Fá Mandinga e Xitole; comandantes:  Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques; Cap Inf José Medina Ramos)...

Por seu turno, a CCAÇ 2404/BCAÇ 2852  substitui a CART 2339, (Mansambo)  entre Novembro de 1969 e Maio de 1970... Foi,  por sua vez, rendida pela CART 2714 ("Bravos e Leais"), pertencente ao BART 2917 (1970/1972). Confirma-se, por outro lado, a transferência do Cap Inf Eugénio Batista Neves, "por motivos disciplinares", em Agosto de 1969, para a CCAÇ 2404/BCAÇ 2852 que comandou até Fevereiro de 1970... A CCAÇ 2404 foi transferida para Mansambo em Novembro de 1969.

O José Ferraz, de rendição individual,  foi para a CCS/QG, em Bissau, em Junho de 1969, quando a CART 1746 terminou a sua comissão e regressou à metrópole. Logo, em Mansambo, entre Janeiro e Maio de 1969, só podia ter conhecido o Cap Art Laranjeira Henriques... Talvez o Torcato Mendonça nos possa dizer se o Laranjeira Henriques foi para a CCS/QG, em Bissau, em Novembro de 1969... O Ferraz regressou a casa em 1970, não sei exatamente em que mês... Em Dezembro desse ano, emigrou para os EUA.

_____________

Nota do editor:

sábado, 26 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9101: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (7): Um acidente... no Pilão

1. Mais um pequena história, retirada das "teias de aranha" do baú de memórias... do Zé Ferraz:

Um dos meus amigos fixes desse tempo era um furriel miliciano,  destacado no Cacheu,  que sempre que conseguia desenfiava-se e aparecia em Bissau, quase sempre de madrugada.

Abreviadamente, era o A. T....Vinha bater a porta do meu quarto sempre com a burra e o mesmo grito:
- Zé,  acorda vamos pró Pilão que as meninas estão à MINHA espera...

Ora bem,  quase sempre durante a minha estadia em Bissau conseguia que o "nosso primeiro",  responsável pela distribuição de alojamentos,  se esquecesse de que no meu quarto havia duas camas. Portanto,  quando os meus amigos vinham a Bissau,  sabiam que tinham onde ficar...

Numa dessas visitas o A.T. comprou um pingalim de pau santo,  igual ao meu,  que usava quando eu ia ao Pilão. Era uma exelente arma de defesa porquanto se ouvesse necessidade partia-se com o joelho e tinhamos dois punhais improvisados...(Lamego).

Como eu ia dizendo,  numa dessa visitas depois de se recompor e depois do jantar,  era da ordem a visita ao Pilão,depois de o A.T.  ter feito,   durante o dia,  o respectivo reconhecimento. Dizia ele então:
-Ó Zé, descobri estas meninas e temos que lá ir hoje à noite,  pá. (O A.T. estava convencido que era o Adónis de toda a Guiné,  não só do Pilão).

Nessa noite parece que o estou a ver vestido a rigor,  todo de calças e camisa branca e de pingalim debaixo do braço. Arrancámos pró Pilão e fomos para uma área que eu desconhecia, o que me preocupava e perguntava-lhe:
- Ó pá,  tu sabes para onde vais ? Parece-me bem que não...

O A.T. respondia-me:
-Sei,  sei, é por aqui...

E lá íamos cada vez mais embrenhados em território inimigo... Noite de lua nova,  escuro como breu, a única coisa que eu via era o branco do A.T.... De repente o A.T. desaparece da minha vista (ia vários passos à minha frente) e, antes que eu pudesse falar, ouvi-o vociferar:
- Ah,  f...-se!| Porra! C... Ó Ze,  ajuda-me!...
- Porra,  onde é que estás ? -  pergunto eu...
- Aqui,  pá!

Acendi o isqueiro e com a  pouca luz que dava vi que o A. T.  tinha caído numa fossa de merda,  atascando-se até ao peito e de pingalim na mão a gesticular... Parecia o maestro dos cagalhões!...
- Ó Zé,  ajuda-me!  F...-se!...

Tirei o meu cinto,  passei-lhe uma ponta e ajudei-o a vir para terra firme... Ah,  meu Deus,  e o cheiro...poça!

E aí fomos os dois andando em busca de lugares conhecidos com o A.T.,  caminhando de pernas abertas, e deixando um rasto de merda... E os dois, às gargalhadas. Lá chegámos ao pé do quartel da PSP onde entrei para chamar um táxi para o levar para o hospital militar onde recebeu um banho de antibióticos e mais não sei quantos medicamentos. 

O resto deste acidente: o taxista que chegou quando viu o estado em que estava o A. T., disse logo:
- Não senhor,  não entra no carro,  nunca mais tiro esse cheiro do assento!

Por sua vez,  os cabrões da PSP não deixaram o A. T. usar os seus chuveiros. Lá consegui uma mangeira da PSP. O  A.T.  despiu-se e eu de mangeira na mão a dar-lhe um duche como se estivesse a lavar um cavalo...

Já mais limpo e tremer de frio,  lá o meti no táxi e toca ir pró hospital... Arrancámos, e agora  imaginem a malta do hospital quando aí chegámos,  de táxi,  com um passageiro nu em pelota e a tremer de frio... Disse o médico que o viu:
- Teve muita sorte e lavar-se foi muito boa ideia...
- OK,  o que não sabe é que, sem essa lavagem,  tínhamos que vir  à pata para o hospital.

Graças a Deus o A.T.  nÃo só sobreviveu a este acidente como recuperou a sua saúde. Em 1974 quando levei a minha então esposa a Portugal para conhecer o resto da minha família e amigos,  tive o prazer de o convidar para vir jantar comnosco e estivemos noite fora à conversa:
- E lembras-te disto... e lembras-te daquilo ?...

Sinto enormes saudades desse AMIGO e camarada.

_________________

Nota do editor

Último poste da série > 25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9095: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (6): Não matem a bajudinha...


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9095: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (6): Não matem a bajudinha...

1. Texto de José Ferraz  (ex-Fur Mil, Op Esp, CART 1746, Xime e Bissau, 1968/70;  radicado nos EUA há desde 1970):



(i) Falando de acção psicossocial, de que sempre fui partidário, lembrei-me que durante uma operação de penetração ao sul do Xime, aprisionámos 2 elementos IN (*).

Depois de interrogados, guiaram-nos a uma tabanca IN. Fizemos um assalto e durante esse combate ferimos uma miúda, bajuda, com um tiro por detrás do joelho que lhe destroçou a patela [ ou rótula].
- Mata a miúda... - disse alguém.
- Não mata nada - disse eu [, que estava a comandar o pelotão].

E ordenei ao meu pessoal para fazer uma liteira, trazendo a bajuda para o Xime de onde foi posteriormente helitransportada para o hospital em Bissau. Oxalá ainda seja viva.


Nem tudo na guerra é destruição. Talvez alguém dos meus tempos no Xime se lembre deste episódio.

(ii) Mas ainda a respeito desta bajudinha do Xime, alguém que não tenha estado nesta situação, é capaz de não perceber o que me levou a fazer o que fiz.... Por outro lado,  se alguém que tenha estado  lá comigo se lembrar [deste episódio], seguramente dirá que o tempo que levámos a preparar a liteira, deu tempo ao IN para começar a mandar morteiradas para dentro da tabanca e tiroteio de armas ligeiras como eu nunca tinha visto. De facto, poderia ter causado sérios problemas, mas graças a Deus tudo correu bem.

A minha intenção é apenas a de dizer publicamente que nós, no mato, e em situações de perigo, tínhamos coração e respeito pela vida humana, nem sempre tudo era ronco e destruição de tudo por onde pássavamos - a [alegada política da] "terra queimada".

José Ferraz (**)

________________

Notas do editor:



(*) Muito provavelmente) trata-se da Op Baioneta Dourada, iniciada em 2 de Abril de 1969, às 0h00, com a duração prevista de dois dias, e com o objetivo de "se completarem as destruições dos meios de vida na área, executadas quando da Op Lança Afiada [8-18 de Março de 1969], na região de Poindon".

As NT eram constituídas por dois 2 destacamentos:

(i) Dest A: CART 1746 (Xime) (a 3 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Fulacunda ou Tite) (1 Gr Comb);

(ii) Dest B: CCAÇ 2405 (Galomaro) (a 2 Gr Comb) + CCAÇ 2314 (Fulacunda ouTite) (1 Gr Comb).

Podemos publicar, oportunamente, um excerto do o relatório desta operação, em que foi capturado um elemento IN,  desarmado. Na exploração imediata de informações dadas pelo prisioneiro, o Dest A fez uma batida à zona, surpreendendo "9 homens sentados acompanhados de 2 mulheres" (sic).  Aberto fogo, foram capturadas as duas mulheres, feridas. Os restantes elementos fugiram, com baixas prováveis.

Entretanto, "ao serem prestados os primeiros socorros às mulheres feridas, um grupo IN de efectivo não estimado flagelou as NT durante cerca de 6 minutos com LGFog, mort 60 e cerca de 6 armas automáticas", sem consequências para as NT.

(Fonte: BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70. História da Unidade. Cap II, pp. 78/79).


(**) Último poste da série > 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9090: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (5): O desenrascanço... na justiça militar!