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sexta-feira, 15 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Prossegue a narrativa alusiva ao esforço dos altos-comandos na Guiné para assegurar que o teatro de operações estivesse efetivamente protegido por eficazes sistemas de defesa antiaérea; sob o comando de Spínola e com o Coronel Diogo Neto no comando da Zona Aérea procuraram-se aeronaves mais potentes e até adequar os Fiat com melhores mísseis, como é sabido as negociações para adquirir aviões Mirage ainda decorriam em abril de 1974; a par de todas estas diligências, aqui se revelam as operações, mormente na Península do Quitafine, para aniquilar os sistemas antiaéreos do PAIGC, este recebe um novo canhão em 1970 e, entretanto, em sucessivas operações, vão sendo demolidos os sistemas defensivos, com a particularidade de renascerem como cogumelos.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.



Capítulo 4: “A pedra angular”

Procedeu-se no texto anterior a um histórico das intrusões no espaço aéreo guineense e as preocupações e medidas tomadas nomeadamente por Schulz e Spínola para proteger o aeroporto de Bissalanca e outros lugares críticos. Em 1970, Spínola apelou de um modo um tanto dramático para que houvesse aumento dos dispositivos antiaéreos, reconhecia-se a necessidade de um total de seis pelotões, que deviam ser distribuídos pelo Teatro de Operações. Nenhum reforço esteve disponível até, pelo menos, 1971, e o Comandante-chefe não escondeu a frustração de só dispor de um pelotão mal equipado. Para reforçar o sistema de defesa aéreo da Guiné, a FAP recomendou a aquisição de equipamentos portáteis, mísseis terra-ar guiados por infravermelho, os FIM-43 “Redeye”, de origem norte-americana. Este míssil estava ao serviço das forças norte-americanas desde 1967, tinham sido projetados para proteger as tropas da linha da frente de aeronaves táticas hostis, embora se tenham revelado apenas marginalmente eficazes contra jatos rápidos. Mas não se ignoravam as restrições de armas por parte dos Estados Unidos. O embargo norte-americano deu-se logo em 1964 com os F-86, demorou anos até chegar ao Fiat, em 1968, esta era uma aeronave de apoio tático, havia, portanto, que preencher a lacuna para dissuadir jatos de ataque.

Portugal tinha recebido 440 “Sidewinder” no início da década de 1960, especificamente para equipar os F-86. Em maio de 1969, Spínola concordou na necessidade de aumentar o armamento dos Fiat com Sidewinders, com a intenção de melhorar o seu potencial de combate. No entanto, os testes efetuados revelaram que o Fiat estava em clara desvantagem comparativamente ao desempenho de prováveis inimigos, nomeadamente o MiG-17. Durante os mesmos testes os mísseis Sidewinder revelaram-se ineficazes contra alvos a baixa e média altitude, o que fora provado nos combates ar-ar no Vietname. Em consequência, em abril de 1970, o chefe das operações da Força Aérea, Coronel António da Silva Cardoso, revelou-se contra novas tentativas para armar os Fiat com mísseis, o que gerou grande discussão na Força Aérea e no Ministério da Defesa. Em janeiro de 1970, a solução para colmatar as deficiências quanto ao combate aéreo na Guiné residia na aquisição de um novo caça. Na sua avaliação anual da situação, Spínola solicitou um mínimo de 16 aviões Mirage, projeto que exigia anos de negociações internacionais, formação de pilotos e melhorias de infraestruturas.

Mesmo um caça como o Mirage, reconhecia-se, seria inútil como intercetador sem aviso adequado de que havia um ataque. Embora dois radares de vigilância aérea AN/TPS-1D tivessem sido fornecidos a Bissalanca a partir de 1964, eles operavam com limitações e até paralisação. Eram reconhecidamente obsoletos e com problemas de manutenção, tudo agravado pelas dificuldades na obtenção de peças sobressalentes. Como resultado, um dos radares foi canibalizado para manter o outro em atividade. Dois conjuntos AN/TPS-1D foram posteriormente enviados para a Guiné, mas ambos acabaram inoperantes ou canibalizados. Além disso, mesmo em condições de bom funcionamento, o radar AN/TPS-1D dava apenas aviso entre quatro a sete minutos de um intruso a voar a 3 mil pés e 450 nós, a interceção chegaria tarde e a más horas. Esta era a situação em 1970, altura em que a Zona Aérea solicitou quatro conjuntos adicionais para implantar noutros lugares da província. A Zona Aérea procurava melhorar a proteção física das suas instalações. Em 18 de fevereiro de 1968, um grupo de guerrilha procurou ameaçar com um ataque aéreo Bissalanca; o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea ordenou que se fizesse um estudo urgente para proteger as aeronaves contra possíveis intrusões aéreas. Dispersar os meios de defesa antiaérea era virtualmente impossível devido ao número de superfícies de estacionamento disponíveis; reconhecida essa impossibilidade, foi recomendada a construção de abrigos e plataformas em Bissalanca, que seriam complementados pelos radares de vigilância que tinham sido solicitados, bem assim como os aviões de combate que o Governo de Lisboa estava a procurar negociar. Em abril de 1970, uma missão conjunta do Exército e da Força Aérea renovou essas exigências de um Centro de Alerta Aéreo e Centro de Operações Antiaéreas na Base Aérea N.º 12. Estas melhorias recomendadas implicavam despesas muito além do orçamento da Força Aérea. Apesar de todas estas recomendações e repetidos apelos, não se deu satisfação ao provimento de adequados sistemas de defesa aérea.

Com Spínola continuaram as operações para procurar destruir as defesas aéreas do PAIGC. Em setembro de 1969, um reconhecimento aéreo revelou uma nova ZPU-4 em Cassebeche, o que mostrava que a guerrilha procurava reconstituir as suas defesas aéreas na Península do Quitafine. Três formações de Fiat visitaram aquele lugar em três dias consecutivos, de 24 a 26 de setembro, daí resultou a destruição do sistema antiaéreo da quádrupla. Mas o PAIGC continuou a comprometer os seus meios de defesa aérea em Cassebeche, e em 20 de janeiro de 1970, uma formação de Fiat relatou ter tornado ineficaz uma ZPU-4 e incendiado uma DShK. Seguiu-se a Operação Cravo Azul, lançada imediatamente, quatro Fiat partiram de Bissalanca com carga máxima e destruíram a ZPU-4 e duas DShK. O reconhecimento pós-ataque revelou que não havia sinais de atividade da guerrilha em Cassebeche. A tripulação portuguesa anunciou a Operação Cravo Azul como uma conclusão bem-sucedida dos 27 meses da “Batalha do Quitafine”.

Apesar de todo este otimismo, os pilotos dos Fiat relataram nove incidentes subsequentes com disparos de sistemas antiaéreos até ao final de 1970, incluindo sete na região do Quitafine ou ao longo da fronteira próxima com a República da Guiné. Além disso, houve o fogo das armas contra aeronaves leves e helicópteros, pelo menos em quatro ocasiões. Neste ano surgiu um novo tormento para os aviadores portugueses, o PAIGC começava a utilizar uma outra arma antiaérea, o canhão M1939 de 37 mm, também de fabrico soviético, duplamente mais potente que as armas anteriores. A sua presença foi revelada pela primeira vez em 12 de maio por pilotos de Fiat que patrulhavam a fronteira sudeste, observaram detonações antiaéreas enquanto voavam a uma altitude supostamente segura. Uma subsequente operação de reconhecimento confirmou a presença de quatro canhões antiaéreos de 37 mm, duas ZPU-4 e quatro antiaéreas DShK, nas proximidades de Guileje, armamento que presumivelmente utilizava a base transfronteiriça do PAIGC em Kandiafara.

Procedeu-se ao planeamento operacional, a Diamante Azul, que ocorreu em 13 de maio; duas vagas de quatro Fiat atingiram as armas montadas com 600 quilos de bombas específicas, na primeira vaga, e cargas de profundidade de 750 libras convertidas em bombas de demolição, na segunda vaga. Num reconhecimento posterior, revelou-se que as armas do PAIGC, ou o que delas restava, tinham regressado a Kandiafara. Em finais de junho de 1970, um Fiat identificou canhões antiaéreos de 37 mm em Sare Morso, junto da fronteira com a República da Guiné, a 14 km a nordeste de Guileje, o que levou à Operação Pérola Azul. 24 missões de Fiat atingiram o local na primeira semana de julho, com aparente sucesso, já que não houve mais avistamentos de armas antiaéreas de 37 mm ou da atividade do PAIGC até maio de 1972.

As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico testaram os mísseis Sidewiner em Fiat, mas a combinação provou-se ineficaz (imagem das OGMA)
Soldado norte-americano manipulando um Redeye durante um exercício em 1963. O Governo português procurou desesperadamente obter este sistema, a despeito do embargo norte-americano (Arquivos Nacionais dos EUA)
Operações contra os sistemas de defesa antiaérea do PAIGC entre setembro de 1968 e julho de 1970 (Matthew M. Hurley)
Um canhão M1939 de 37 mm usado pelo PAIGC no Sul da Guiné (Casa Comum/Fundação Mário Soares)
Relatório da atividade da defesa aérea entre 1965 e 1972 (Matthey M. Hurley baseado em documentação militar do tempo)

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25263: Notas de leitura (1675): Capitães/MFA – A conspiração na Guiné (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Março de 2024:

Queridos amigos,
A narrativa dos autores dirige-se agora para a problemática de possíveis intrusões aéreas a partir de países hostis; dá-se uma relação de situações de intrusão de aeronaves, durante a governação Schulz, e relevam-se as preocupações de Spínola quanto às hipóteses, que já eram patentes em informações, de que o PAIGC estava a preparar pilotos na União Soviética; faz-se uma descrição dos meios existentes em termos de artilharia antiaérea e recorda-se a insatisfação deixada na Força Aérea pela Operação Vulcano, se bem que Amílcar Cabral tenha considerado um verdadeiro desastre o que se passou em Cassebeche.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 4: “A pedra angular”

Como se viu no texto anterior, a Operação Vulcano não resultou como se esperava. Envolveu 20 surtidas de Fiat em 9 ataques, teve 7 pilotos a participar nas missões, quase todos eles tiveram três operações de ataque cada um, no total os Fiat largaram 7,2 mil quilos de bombas, 1,4 mil litros de napalm, 56 foguetes de 2,75 polegadas e vários milhares de munições de espingarda metralhadora, o que representou “um esforço notável ao nível do nosso escasso arsenal”, como observou o Coronel Diogo Neto. A Zona Aérea reivindicou ter neutralizado quatro DShK de 12,7 mm e a destruído uma ZPU de 14,5 mm; foram intercetadas comunicações entre os guerrilheiros, ficou-se a saber que estes tinham tido 19 mortos e 32 feridos. Amílcar Cabral considerou que esta operação fora “o desastre de Cassebeche”. Em contrapartida, dois dos sete Fiat tinham sido atingidos por fogo antiaéreo e um comando transportado em DO-27 fora atingido na asa por fogo de uma de 12,7 mm. As três aeronaves regressaram a Bissalanca, mas a frota de Fiat disponíveis passou para cinco. O General Nico escreveu mais tarde que “a partir daí, em determinados momentos, a presença continuada dos Fiat na zona de ação só poderia ser assegurada com aeronaves isoladas". Se o PAIGC considerara a operação um ‘desastre’ do lado português ninguém ficou satisfeito.

A análise posterior da operação bem como a atividade inimiga que lhe sucedeu, deixavam claro que pelo menos duas armas antiaéreas permaneciam operacionais nas proximidades de Cassebeche e havia outros agrupamentos de defesa antiaérea localizados noutros locais da península do Quitafine. Com efeito, em 9 de março de 1969, apenas dois dias após a Operação Vulcano, quatro posições inimigas perto de Cassebeche dispararam contra uma aeronave portuguesa numa missão noturna e ocorreu um incidente semelhante na semana seguinte. O General Nico concluiu mais tarde: “Tínhamos todas as condições para destruir o sistema aéreo e infligir um duro golpe ao PAIGC; o resultado, se bem que positivo, ficou muito aquém das nossas expetativas.” Os fatores que conduziram a esta insatisfação prendiam-se com o longo atraso de meses após a identificação inicial do alvo, bem como as dificuldades de coordenação e sincronização; mas também a decisão de empregar uma única companhia de paraquedistas para o ataque terrestre, e, não menos importante, houvera uma subestimação das capacidades do PAIGC no seu poder de resposta. Observou o Coronel Diogo Neto: “No futuro, teremos que ter mais cuidado, não podemos ficar entre a espada e parede sem ter uma saída.” Os insurgentes deixaram Cassebeche sabendo que “a aviação continuava a ser o único meio pelo qual os portugueses lhes podiam causar problemas” como observou Luís Cabral.

Ironicamente, as autoridades portuguesas na Guiné também estavam preocupadas com a ameaça de bombardeamento aéreo por parte do inimigo. Um dos desafios mais imediatos postos a Spínola envolvia a vulnerabilidade da Guiné Portuguesa face à infiltração aérea e, potencialmente, a ataques provenientes de países vizinhos. A ameaça era quase tão antiga quanto a guerra em si, quando aviadores da Força Aérea avistaram um jato não identificado no espaço aéreo da região, em 23 de julho de 1963. E havia também relatos oriundos das forças terrestres que informavam ter por ali passado aeronaves misteriosas, sobretudo à noite. Os radares de controlo antiaéreo corroboraram alguns desses relatórios. No começo de 1966, o Comandante-chefe Schulz ordenou a Operação Ver Para Crer, foi marcada para 25 de maio de 1967. Durante esta operação, os Alouette III levaram um pelotão de paraquedistas para a região de Pache, no lado ocidental da Guiné, para investigar relatos de atividade noturna não identificada de helicópteros ao serviço do PAIGC. Avaliações no local levaram o comandante da Zona Aérea a concluir que “um pequeno helicóptero inimigo havia possivelmente pousado em Pache algumas vezes”. Naquela época as autoridades portuguesas não acreditavam que o PAIGC possuísse aeronaves por conta própria. Amílcar Cabral concluíra em 1964 que possuir qualquer tipo de aeronave estava fora dos recursos do partido. Mas as autoridades portuguesas esperavam que isso viesse a alterar-se; uma enorme quantidade de relatórios, a partir de 1969, alegava a formação de pilotos do PAIGC na União Soviética e falava-se em possíveis planos para lhes fornecer aviões MiG, que ficariam baseados na República da Guiné.

O risco de intervenção aérea cresceu também com as forças aéreas dos Estado vizinhos sempre hostis a Portugal. A República da Guiné recebeu 10 MiG-17 no início da década de 1960, estes aviões formaram o núcleo ofensivo da Force Aérienne de Guinée até meados da década de 1980. O Senegal só possuía um pequeno número de helicópteros e aeronaves leves durante a década de 1960, mas eram meios que podiam ser usados para transportar armas e pessoal do PAIGC. Ambas as nações tinham aumentado o apoio moral e material ao PAIGC ao longo da década de 1970, o que preocupava cada vez mais os portugueses visto que o inimigo podia ser reforçado com recursos aéreos de outros países, estes podiam intervir abertamente no conflito. Vários incidentes justificavam tais preocupações. Em 24 de abril de 1968, um par de T-6 portugueses foi “intimidado” por aeronaves não identificadas no corredor de Guileje, a poucos quilómetros com a fronteira da República da Guiné. Um dos pilotos, o Tenente Oliveira Couto, lembrou ter sido surpreendido por dois golpes de asa varrida de jatos que manobravam agressivamente contra os T-6. Os Fiat em Bissalanca estavam inoperacionais, ficou para depois a especulação de que os T-6 tinham tido aviões MiG pela frente, que tinham atravessado inadvertidamente a fronteira.

Apenas um mês antes, em 26 de março de 1968, um Antonov-14 Pchelka, de construção soviética, aterrou por engano em Aldeia Formosa. As autoridades portuguesas fizeram transportar a aeronave para Bissalanca, foram imediatamente libertados os 6 passageiros malianos, mas os dois tripulantes da Força Aérea da Guiné ficaram detidos como forma de garantir trocas de prisioneiros: um piloto da Guiné-Conacri por cinco militares portugueses. O piloto e o mecânico do Antonov foram finalmente libertados cerca de três anos depois, depois de Portugal ter assegurado a libertação dos seus prisioneiros; mas o Antonov ficou a apodrecer na pista de Bissalanca. A ele se juntou um Westland Wessex, marcado como propriedade da Bristow Helicopters, empresa britânica com múltiplas operações na Nigéria. Em 10 de setembro de 1967, este helicóptero civil foi avistado sobre o norte da Guiné por uma tripulação de um C-47, intercetado por aviões Fiat e forçado a pousar na pista de Bula. Horas depois, este helicóptero voou sobre escolta de helicanhão até Bissalanca. O incidente levou a especulações, se não estaria envolvido em operações do PAIGC, sabia-se que a Bristow Helicpoters vendera em 1966 dois aviões ao Gana, um dos apoiantes do PAIGC.

Independentemente do que esteve por detrás destes incidentes, eles reforçaram a perceção do novo Comandante-chefe de que um “ataque surpresa ou mesmo um simples sobrevoo a baixa altitude sobre as nossas tropas” poderia causar “desmoralização e pânico”. O General Spínola temia que “tal ataque, realizado por pilotos insurgentes ou por tripulações estrangeiras, teria consequências verdadeiramente catastróficas.” O novo Comandante-chefe renovou as exigências de melhorar a defesa contra ataques aéreos. A solução mais óbvia era a melhoria da cobertura por artilharia de Bissalanca, bem como em outras instalações críticas. Já em janeiro de 1962 – um ano antes do início formal da luta da guerrilha – o primeiro pelotão de artilharia antiaérea foi instalado em Bissalanca, equipado com um conjunto de canhões de 12,7 mm e canhões Bofors L/60 de 40 mm. Esta escassa força representou a defesa antiaérea até ao fim da década a seguir à retirada dos F-86 em 1964. O pelotão de defesa antiaérea lutou para superar uma enorme escassez de pessoal e armamento obsoleto, mais do que inadequado para responder a qualquer ameaça aérea credível.

Um MiG-17 (Coleção Alexey Tolmachev)
O avião Antonov que aterrou por engano em Aldeia Formosa, em março de 1968, vemo-lo na pista de Bissalanca, onde apodreceu na pista (Coleção Virgílio Teixeira)
Uma quádrupla usada pelo pelotão de artilharia antiaérea em Bissalanca (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 1 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25229: Notas de leitura (1671): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 6 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25242: Notas de leitura (1673): Recordando o Augusto Cid (Horta, 1941 - Lisboa, 2019) e o humor na guerra (Virgínio Briote)

sexta-feira, 8 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25249: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte X: as directivas do último trimestre de 1973


Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea 12 > s/d. 


1. Em 25 de Agosto de 1973 foi nomeado para os cargos de Cmdt-Chefe das Forças Armadas da Guiné  e de Governador da Guiné, o general José Manuel Bettencourt (ou Bethencourt) Conceição Rodrigues (1918-2011), oriundo da arma de infantaria,  em substituição do general António Sebastião Ribeiro de Spínola (1910-1992), oriundo da arma de cavalariam que terminou a sua  comissão de serviço  nesse data. (Já estava, de resto, de licença de férias no Continente desde o dia 6 de agosto.).


O gen Bettencourt Rodrigues chegou ao CTIG numa altura em que já era pública e notória a degradação da situação político-militar, e o cansaço de ambos os lados (as NT e o PAIGC), ao fim de 10 anos de guerra de guerrilha e contra-guerrilha (a evoluir cada vez mais para uma guerra com meios convencionais). 

Chegou, podemos dizê-lo,  na 23ª hora, já praticamente no último trimeste do ano de 1973, considerado pelos historiados como o "annus horribilis" de Marcelo Caetano(*)

Aceitou, por dever de obediência militar mas também "por amizade" (e,  em última análise,  "alinhamento político) o presente envenenado que o Marcelo lhe ofereceu... Um dos nomes indigitados, o general da FAP, Diogo Neto, terá recusado, por não querer acumular a função de com-chefe com a de governador-geral (por sugestão,aliás,  do próprio gen Costa Gmes, então CEMGFA). 

Bettencourt Rodrigues, madeirense de ascendência, tinha sido ministro do Exército (1968-1970), e chegava de Angola, "coberto de honra e glória", onde fora comandante da Zona Militar Leste (1971-1973).

Com uma brilhante folha de serviço, e talvez o melhor general disponível no ativo para substituir o carismático gen Spínola (dois h0mens de escolas e  estilos de comando muito diferentes), Bettencourt Rodrigues aceitou os riscos da estratégia do governo de Marcelo Caetano que era, em última análise, resistir até à exaustão de meios e deixar cair a Guiné se tal fosse preciso, mas nunca negociar com o inimigo (o PAIGC)... 

Será exonerado do cargo na sequência do golpe de de estado do Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril de 1974. 

Em tempo recorde, nos  últimos três meses do ano de 1973,  o novo Com-Chefe publicou três Directivas (o seu antecessor só no ano de 1971 tinha publicado 26; e em 1972, 24; e mais 26 at
até 21 d setembro) em 21 de outubro, 30 de novembro e 17 de dezembro de 1973. (O seu antecessor só no ano de 1971 tinha publicado 26; e em 1972, 24; e mais 26 até 21 de setembro: já agora acrescente-se que, segundo a CECA, o foi possível encontrar as Directivas do Comandante-Chefe das FAG relativas a 1974, mas mas no Arquivo Histórico-Militar há compilações  das decisões do Cmdt-Chefe. ) 

A primeira, a 21 de outubro de 1973, será a "Directiva para a diminuição das vulnerabilidades". Não tem número.

Reproduz-se aqui o excerto publicado da CECA (2015, pp. 286-288). Numa primeira leitura, fica-se com a ideia que esta diretiva é ditada pelos ensinamentos colhidos dos acontecimentos mais recentes, ocorridos no 1º semestre  de 1973, e em especial a chamada "batalha dos 3 G" (Guidaje, Guileje e Gadamael); por outro lado, identificam-se algumas das "vulnerabilidades" mais conhecidas das NT no TO da Guiné, como o deficiente treino e preparação, a indisciplina de fogo, o laxismo, a rotina, o cansaço, etc.  Não se faz referência ao facto de uma das vuknerabilidades maiores das nossos guarniões era serem fronteiriças (Canquelifá, Buruntuma, Copá, Gadamael, etc.), expostas ao bel prazer da artilharia do IN e dos países vizinhos que o apoiavam (como irá acontecer logo no início da época seca, de 1973/74).


Capa e contracapa da  2ª edição do livro do António Martins de Matos [ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74; ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2008, com mais de uma centena de referências no nosso blogue; autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas" (2ª edição, Lisboa: O Sítio do Livro, 2020,  456 pp. ;  a 1ªedição é de 2018, Lisboa,BooksFactory 375 pp.) ]


(i) Directiva do Com-Chefe,  de 21 de outubro de 1973 > Determina às Forças Armadas da Guiné que adoptem medidas tendentes à diminuição dos efeitos causados pela acção do lN sobre as nossas forças.

Transcreve-se a "Execução":

"a. Com vista ao cumprimento desta missão impõe-se:

(1) preparar as Unidades, a todos os níveis de Comando, para, face às possibilidades lN esboçadas, conseguir uma "diminuição de vulnerabilidades";

(2) estudar e adoptar, a todos os níveis de Comando, as medidas mais adequadas e velar exaustivamente pelo seu rigoroso cumprimento;

(3) responsabilizar todos os escalões de comando pelo estabelecimento de medidas convenientes, pela orientação das Unidades e pela fiscalização da execução, com vigor e com rigor;

(4) não aceitar desculpas como o calor, o cansaço do pessoal, o tempo de comissão, o desembaraço criado pela veterania e a incomodidade do esforço físico porque está em causa "a troca de sangue por suor".

b. Os Comandos do TO, a todos os níveis, adoptam todas as medidas convenientes, de entre as quais se indicam aquelas cuja adopção se considera imprescindível:

(1) Manter abertos os itinerários da respectiva ZA que permitam a ligação a Unidades vizinhas e, através dos quais, se possam executar reabastecimentos normais e de emergência e deslocamentos de forças para apoio mútuo e reforço de localidades ameaçadas.

Com esta finalidade, toma-se necessário:

  • a desmatação de itinerários de molde a dificultar a montagem de emboscadas lN;
  • a realização de patrulhamentos frequentes para impedir a implantação de minas e para detectar e neutralizar as existentes;
  • a montagem de emboscadas e de minas e armadilhas nos trilhos de acesso às vias de comunicação e nos locais mais propícios a emboscadas lN.

(2) Treinar as tropas na reacção a emboscadas lN.

(3) Assegurar a defesa e segurança das pistas e heliportos de molde a mantê-las em permanente estado de utilização.

(4) Executar acções dinâmicas que criem insegurança e intranquilidade ao lN.

(5) Eliminar todas as rotinas que possam dar vantagens ao lN.

(6) Verificar a instrução de tiro do pessoal (1 cartucho por homem serve para detectar maus atiradores) e treinar os menos aptos.

(7) Mentalizar permanentemente o pessoal quanto à necessidade de disciplina de fogo. O consumo exagerado de munições denuncia nervosismo, baixo moral e deficiente nível de instrução e pode colocar as tropas perante a necessidade dum reabastecimento urgente, nem sempre possível.

(8) Estudar e ensaiar medidas de reacção dinâmica que devem ser procuradas com o maior interesse e executadas com a máxima agressividade.

(9) Aperfeiçoar todos os procedimentos para pedidos de apoio, de molde a que estes possam ser feitos de maneira eficiente e em tempo útil. Salientam-se os referentes a apoio de fogos da Força Aérea e de Artilharia e aos transportes de evacuação (TEV).

(10) Rever os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, de forma a aperfeiçoar os dispositivos de defesa imediata, bem como os sistemas de apoio mútuo, quer pelo fogo quer pela
manobra.

(11) Melhorar a organização do terreno quer em abrigos, quer em trincheiras ou locais de combate, para fazer face à hipótese de tentativas de abordagem e assalto.

(12) Assegurar a defesa afastada dos aquartelamentos e localidades por meio de: 
  • patrulhamentos e emboscadas frequentes nas possíveis bases de fogo lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
  • implantação de minas e armadilhas nas bases de fogos lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
  • elaboração de planos de fogos perfeitamente adaptados às realidades.

(13) Treinar os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, pela execução de frequentes "exercícios de alarme", de dia e de noite, promovendo imediatamente as necessárias correcções.

(14) Proteger as populações.

(15) Intensificar o serviço de informações e o rigor de medidas de contra- informação.

(16) Assegurar uma efectiva e eficiente acção de comando, em todas as situações de modo que a tropa se encontre sempre convenientemente enquadrada.

(17) Dispor de uma reserva pronta a sair com prévio alerta, com vista a actuar contra  grupo lN detectado ou a socorrer uma Unidade vizinha. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 286-288. (Com a devida vénia...)

(ii) A segunda directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues é a Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número. 

No essencial, é decalcada da Directiva nº 20/73 de 29Mai73, do anterior Com-Chefe, gen António Spínola: Directiva nº  20/73 de 29Mai73 - Condições em que é executado o apoio aéreo as FA do TO face à evolução da situação.

(...) A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar, impôs profundas alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das forças de superfície (F.S.). Aquelas alterações traduzem-se por: 

(1) Cancelamento de acções operacionais da Força Aérea; 

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específicos, para cada tipo de aeronaves; 

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das F.S. (...)

Reproduz-se a seguir o excerto publicado da CECA (2015, pp. 288-292).  

Reveja-se depois o estudo do investigador independente José Matos (e membro da nossa Tabanca Grande), suportado por dados empíricos, sobre o  impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (*)

Neste estudo José Matos refere "que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio." (...)



Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis). Os T 6G desempenharam o seu  importante papel ao longo da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora). 

O míssil terra-ar Strela, se não lhe ditou a morte, afectou a sua exploração operacional pela FAP. Como diz José Matos,  "o  efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise" (, ou seja, 1973).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


"1. SITUAÇÃO

a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar  [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).

b. Aquelas alterações traduzem-se por:

(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força  Aérea.

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.


"2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS

São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:

a. DCON  [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]

b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]    ("T-6" - armado). [...]

c. ATAP [ Ataque de Apoio]   ("T-6" - armado). [ ]

d. ATAP  [ Ataque de Apoio]  ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]

e. ATIR  
[Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID  [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]

f. RVIS [Reconhecimento Visual ]  ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].

"3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL

São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:

a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés.  
[1 pé=30,48 centímetros. ]

b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).

c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.

d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.

e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.

f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:

(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.

(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).

g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A 
[omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

"4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES

a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").

(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.

(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]

b. TGER  
 [Transportes Gerais ]    ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.

(1) "DO-27"

(a) As disponibilidades de carga a transportar são:

  • Descolagem de Bissau 300 Kg
  • Descolagem de outras pistas 200 Kg

(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]

(i) O pedido de uma acção TEVS 
 [ Transporte de Evacuação Sanitária]  é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.

c. PCV 
 [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")

Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.

d. Ataque ao solo (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(1) "FIAT G-91". [... ]

e. TMAN  
 [Transporte de Manobra]  (Helicóptero "AL-III")

(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.

(2) O número de vagas deve ser o menor possível.

(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.

(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.

(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.

f. RFOT 
[Reconhecimento Fotográfico ] 

(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.

(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.

g. AESC  
Ataque em Escolta ]   (Helicóptero "AL-III")

(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.

(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.

h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] 

O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT   
[Comando Operacional Aero Terrestre  ]   e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.

i. DLIG   [Missão Diversa de Ligação]

Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.


"5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO

a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.

b.  
(1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde). 

Há que ter em atenção as distâncias de segurança adequadas (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ]O ATAP pode, em casos específicos, ser executado por dois helicópteros armados que, além do ataque ao solo, também se apoiam mutuamente. A sua presença na zona é por períodos curtos. Quando conveniente, podem ser lançadas do helicóptero granadas de fumo para sinalização de objectivos a atacar por aviões "FIAT" (em alerta).

(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:

- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.

- Qual o armamento utilizado pelo lN.

- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.

- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.

"6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG 
 [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné]  NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO

a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.

b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.

c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.

d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.

e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.

f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 288-292 (Com a devida vénia...)


(iii) A terceira (e última, no ano de 1973) directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues, é a "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

É também um sinal dos tempos.  Bissau está ao alcance dos foguetões (ou "foguetes") 122 mm e vulnerável a eventuais acções de sabotagem e terrorismo urbano (como virá acontecer, já em 1974, com o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau, em 26 de fevereiro,  que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG, em 22 de fevereiro, onde parte do edifício principal foi destruída, numa acão reivindicada pelas (ou atribuída às) Brigadas Revolucionárias. O perímetro da base aérea nº 12, e o aeroporto  de Bissalanca também  também podia estar sujeito à infiltração de um furtivo apontador de Strela...

Por outro lado, a  CECA (2015, pág. 12) recorda que já em 1971 se registaram dois factos graves e/ou preocupantes:

(i)  em fevereiro, "2 aviões MiG-17 com as cores da República da Guiné, tripulados por argelinos, sobrevoaram Bissau, tendo continuado a verificar-se, posteriormente, acções várias de violação do espaço aéreo por helis e aviões não identificados" (ic);

(ii) e em 9 de junho, "o PAIGC levou a efeito o primeiro ataque a Bissau e a diversos aquartelamentos das proximidades, provocando num deles um número significativo de baixas".
 
Ainda segundo a mesma fonte, mas já em 1972, explodiram três engenhos explosivos, durante a noite, em locais diferentes da cidade de Bissau, capital do território,  "o que indiciava propósitos de terrorismo urbano". Nestes engenhos foram utilizados espoletas de efeito retardado MUV-2 (CECA, 2015, pág. 121).

Não em Bissau, mas na segunda maior cidade, Bafatá, o PAIGC em 8 de janeiro de 1972 levara a cabo  "um aparatoso ataque", com foguetões 122 mm (CECA, 2015, pág. 121).  

Destaca-se também, nesse ano, em 9 de março, "a flagelação ao topo norte da Base Aérea de Bissau, no dia 9 de Março, fazendo uso de lança-granadas foguete RPG-7".
 
Num dos últimos discursos que proferiu antes de ser assassinado, em Conacri, em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral "referiu a necessidade de intensificar a guerrilha
em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos." (CECA; 2015, pág. 239). 

E como é sabido em março desse ano entram em acção os mísseis terra-ar Strela...
 
Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

Excertos:

"1. SITUAÇÃO

a. Inimigo

A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.

Nas áreas urbanas e suburbanas destacam-se, como pontos sensíveis a acções de sabotagem lN:
  •  as instalações da SACOR; 
  • a Central Elevatória da Mãe de Água;
  • o Centro Emissor de Brá; e
  • a Central Eléctrica (Av. Brasil).

b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.

2. MISSÃO

As Forças Armadas colaboram na defesa dos pontos sensíveis das áreas urbana e suburbana de Bissau, ficando a seu cargo a defesa das instalações da Central Eléctrica (Av. Brasil), da Central Elevatória da Mãe de Água e do Centro de Brá.

3. EXECUÇÃO

a. Conceito da Manobra

Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.

b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
  • Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
  • Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
  • Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________
 
Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25245: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte IX: O adeus a Aldeia Formosa, onde também tinha um sobrinho, madeirense [Fernando Costa (1951-2018), ex-fur mil trms, e músico, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, março de 1973/ setembro de 1974)]

(...) A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

 A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. (...)

(...) As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. 

O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros (...) . Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. (...)

(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:

  • T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  • Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  • Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)

(...) As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. (...)

(...) Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara (...).

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. 

No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. (...) 

6 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)

(...) É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno.

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...).  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...) 


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

sexta-feira, 1 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25229: Notas de leitura (1671): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Queridos amigos, não é a primeira vez que se refere no blogue a Operação Vulcano, escritores oriundos da Força Aérea a ela fizeram referência, temos aqui o relato pormenorizado das atividades desenvolvidas a partir de 6 de março de 1969, dentro desta saga de atividades que visavam destruir os sistemas antiaéreos do PAIGC no Quitafine. Aqui se conta o que aconteceu, os autores não escondem que havia poucas informações concretas sobre o dispositivo militar do PAIGC na Península do Quitafine, ora as antiaéreas tinham proliferado, Spínola, contrariando o desenho da operação feito pelo Coronel Diogo Neto reduziu a metade o contingente de paraquedistas, e depois veio a surpresa, o PAIGC defendeu-se fortemente, imobilizou a força paraquedista, danificou dois aviões. Houve que abortar a Operação Vulcano, pelo adiante teremos notícias de como continuou, aprendida que fora a experiência amarga.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 4: “A pedra angular”


Os autores estão a analisar as alterações introduzidas pelo novo Comandante-chefe, António de Spínola, no tocante às atividades da Força Aérea. Reconhecia-se que era prioritário fazer calar o sistema antiaéreo do PAIGC, com prioridade para o existente na área de Cassebeche.

À semelhança de operações anteriores, envolvendo paraquedistas, desenhou-se uma operação envolvendo um bombardeamento aéreo inicial, a que se seguia um ataque helitransportado. O ataque inicial foi cometido aos Fiat, procurava-se suprimir as posições antiaéreas conhecidas ou suspeitas. O comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, Coronel Manuel Diogo Neto, recordou: “Era opinião de alguns pilotos experientes que se fosse possível destruir a ZPU, imediatamente a defesa do PAIGC no local entraria em colapso, o que facilitaria a ação dos paraquedistas.” O projeto deste plano previa duas companhias de paraquedistas helitransportadas que seriam postas no solo a Norte e a Sul da área-alvo. A sua missão era de destruir os posicionamentos do PAIGC, apoiados por um posto de comando DO-27, dois helicanhões, quatro T-6 e os Fiat reabastecidos e rearmados. Estes meios, T-6 e PCV, ficariam temporariamente baseados em Catió, a 45 quilómetros da zona de ação. Todos os Fiat atribuídos à Zona Aérea, 10 dos 11 Alouette III, e a maioria dos transportes de asa fixa, foram comprometidos para esta operação, bem como a generalidade dos pilotos. Na Operação Vulcano participariam mais de 25 aeronaves e 240 paraquedistas, era o maior esforço combinado de ataque de assalto e aéreo até então feito.

No entanto, o planeamento da Operação Vulcano acabou por ser prejudicado por questões que vieram a complicar a execução e o seu resultado. Havia falta de informações no Comando-Chefe quanto à disposição das forças do PAIGC no Quitafine. A informação disponível era vaga e esporádica, aludindo à presença de diferentes grupos de guerrilha “fortemente armados” na Península. Mesmo assim, Spínola reduziu inexplicavelmente para metade o número de grupos de paraquedistas, considerando que uma só companhia era suficiente, e “nada o convenceu da necessidade de empregar as duas companhias”, recordou Diogo Neto. Mas o pior para a Força Aérea era que os canhões antiaéreos se tinham multiplicado “como cogumelos” nas semanas posteriores à sua identificação.

Agendou-se a Operação Vulcano para 7 de março de 1969, não havia ilusões de que as forças portuguesas se iriam defrontar com forte oposição dos grupos de guerrilha. No dia anterior, 6 de março, 60 paraquedistas voaram em C-47 de Bissalanca para Catió, onde já estavam quatro T-6 que iriam apoiar a operação no dia seguinte. No início de 7 de março, numa sucessão de voos em quatro DO-27, chegaram 40 paraquedistas para a segunda onda de assalto de helicóptero. A primeira onda, composta por 40 paraquedistas, deveria vir diretamente de Bissalanca para o objetivo em 8 Alouette III, logo a seguir ao bombardeamento aéreo inicial. Depois de entregar a primeira onda, os mesmos 8 helicópteros Alouette III deveriam voar para Cabedú e regressar à zona de ação transportando a segunda leva de paraquedistas. A missão de ambas as formações deveriam avançar sobre Cassebeche, completando a destruição dos meios antiaéreos do PAIGC, eliminando quaisquer outras posições da guerrilha, ou outras armas existentes.

A Operação Vulcano começou às 7 horas do dia 7 de março, partiu um DO-27 encarregado de realizar o reconhecimento visual da área-alvo. Após o relatório do piloto sobre as condições atmosféricas, dez Alouette III, incluindo dois helicanhões, descolaram de Bissalanca com 40 paraquedistas. O seu sucesso dependia da capacidade do primeiro ataque suprimir a ameaça da defesa aérea para que as armas antiaéreas do PAIGC não atacassem violentamente os helicópteros. Essa tarefa coube aos 7 Fiat disponíveis, três dos quais descolaram de Bissalanca armados com bombas. Estes três subiram a 8 mil pés para um voo de 8 minutos até Cassebeche, a 120 quilómetros de distância. Contornaram a fronteira com a República da Guiné para atacar do lado do Sol, mas os Fiat encontraram imediatamente fogo das armas defensivas do PAIGC de, pelo menos, 7 posições antiaéreas ativas, compostas por 6 armas antiaéreas DShK de 12,7 mm e um ZPU-4 de 14,5 mm de cano quádruplo. Os pilotos concentraram-se na ZPU e lançaram 12 bombas de 50 kg e 6 bombas de 200 kg contra a posição, com o comandante do Grupo Operacional 1201, Capitão Fernando de Jesus Vasquez a reportar em direto o acontecimento.

Uma das posições DShK foi destruída, a parte mais difícil parecia estar feita. Como nenhuma outra atividade antiaérea fora detetada imediatamente após os ataques iniciais, o comandante da Zona Aérea concluiu erradamente que todas as atividades de defesa do PAIGC estavam suprimidas, e transmitiu essa avaliação ao PCV. Dois minutos depois, os Fiat completaram o ataque, os paraquedistas iniciaram a sua missão, protegidos por um DO armado com um foguete e dois helicanhões. Os primeiros paraquedistas pisaram o solo pelas 9h da manhã e iniciaram a sua marcha em direção às posições do PAIGC, a pouco mais de 1 km de distância. Pelas 9h16, deu-se o segundo ataque, um par de Fiat carregado de bombas como os três Alouette III anteriores começaram a atacar o ninho de defesa aérea em Cassebeche, identificando uma sétima posição antiaérea. Quatro minutos depois, a segunda leva de paraquedistas pisou solo e partiu em direção à área do objetivo, foi recebida pelos disparos de armas ligeiras. Pelas 9h27, uma terceira formação constituída por dois Fiat atingiu os lugares de defesa antiaérea à volta de Cassebeche, silenciando uma segunda DShK. Por esta altura, os paraquedistas estavam a ser atingidos por RPG e espingardas metralhadoras; o DO-27, onde funcionava o PCV, informou que havia três posições antiaéreas ativas, uma das quais atingiu a DO numa asa. Estava visto que o PAIGC recuperara do choque dos ataques iniciais, o que deixou Diogo Neto “apreensivo”.

A não eliminação de toda a capacidade aérea do PAIGC impediu que os T-6 e os helicanhões apoiassem os paraquedistas, pelo receio de que devido à sua baixa velocidade acabassem por ser inutilmente massacrados. Até os Fiat estavam em risco, na sua quarta missão dessa manhã, foram recebidos com o fogo das armas de 12,7 mm, o que danificou um dos aviões. Nessas condições, não era possível alcançar os objetivos definidos, uma vez que tudo pressupunha um avanço sem resistência significativa. O General Nico recordou mais tarde que havia uma preocupação crescente que as forças portuguesas ficassem encurraladas numa posição que estava rapidamente em deterioração. A reserva de 25 paraquedistas ficou comprometida, dado que a operação terrestre estava paralisada, enquanto três Fiat chegaram ao local para um quinto ataque contra as posições antiaéreas, trazendo desta vez foguetes e metralhadoras, mas pelo menos dois dos locais das armas do PAIGC permaneciam ativos. Os paraquedistas envolvidos foram atingidos por um intenso fogo inimigo quando estavam a 500 metros do seu objetivo. Foi chamado um outro par de Fiat com o fim de suprimir as defesas do PAIGC e liquidar a persistente ameaça antiaérea, mas um segundo avião a jato foi atingido e danificado pelo fogo de uma antiaérea de 12,7 mm, teve de regressar a Bissalanca e fazer uma aterragem de emergência.

Recordou Diogo Neto que estavam reduzidos a 5 Fiat, havia que considerar a probabilidade de novas perdas, mas também percebeu logo que sem apoio aéreo a recuperação das forças terrestres ficava seriamente comprometida. Pelas 13h30, as três colunas de paraquedistas tinham-se reunido após um sétimo ataque de Fiat contra as antiaéreas, estavam agora a ser flageladas pelo fogo do PAIGC. Pouco depois, apareceram outros três Fiat e lançaram napalm sobre a posição DShK. O ataque falhou, pelo menos três antiaéreas mantinham-se ativas enquanto os paraquedistas continuavam a ser sujeitos a um pesado fogo. Com a ameaça daquele sistema antiaéreo não suprimido, com o elemento terrestre imobilizado e dois Fiats fora da operação, Diogo Neto ordenou prudentemente a retirada de todos os elementos da Zona Aérea, incluindo os paraquedistas, e assim ficou abortada a operação.

Vista aérea de Gadamael na Península do Quitafine. A aldeia e destacamento estavam perto do ataque dos Fiat contra as ZPU do PAIGC, isto em janeiro de 1969 (Arquivo da Defesa Nacional)
Durante a Operação Vulcano (março de 1969), empregaram-se todos os Fiat contra as posições antiaéreas do PAIGC no Sul da Guiné (Coleção José Nico)
Quadro descritivo da Operação Vulcano (Matthew M. Hurley)
Coronel Diogo Neto, comandante da Zona Aérea durante a Operação Vulcano (Arquivo da Defesa Nacional)
Capitão Alberto Cruz, um dos pilotos dos Fiat que participaram na Operação Vulcano (Coleção Alberto Cruz)

(continua)
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Notas do editor:

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