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segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22679: Notas de leitura (1391): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Trata-se de uma investigação cuidadosíssima, logo na 1.ª edição foi acolhida pelos especialistas com rasgados encómios. David Brookshaw disse mesmo que se pode ler como um romance pós-moderno, é um cintilante percurso onde se fala da aurora dos nacionalismos, se perfilam protagonistas, se contextualizam no pós-II Guerra Mundial os pilares da autodeterminação que levam à organização da luta armada. 

Relato imparcial, como se poderá ver na descrição da participação dos cabo-verdianos nos teatros de guerra da Guiné, a forma como se apresentam as referidas identidades culturais e, compreensivelmente, a história do PAIGC em Cabo Verde até 1991, quando chega e se consagra a via pluripartidária. 

De leitura obrigatória para quem estuda a Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (3)

Beja Santos

Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013. 

Vai longa a pesquisa deste valioso documento onde a história oral tem um peso determinante. O autor percorreu as raízes da independência, apresentou protagonistas, deitou um olhar alargado às conjunturas internacionais, contextualizou os ideais do império português, iniciou-se a luta armada na Guiné, descreveu-se ao pormenor as tentativas de subversão nas ilhas e mesmo as tensões entre os cabo-verdianos e a liderança do PAIGC. 

Assim se chegou à independência da Guiné-Bissau e se preparou a independência de Cabo Verde. É neste ponto que o investigador pergunta, depois de saber que tudo foi facilitado ao PAIGC para dispor do monopólio do poder: poderia ter sido diferente?

O PAIGC arrogava-se ao papel de interlocutor privilegiado, a sua implantação nas ilhas era minoritária, cita mesmo um trabalho de Manuel Lucena em que este escreveu num relatório enviado a Melo Antunes que “a maior parte da população ficaria muito contente com uma autonomia menor do que a dos Açores…”

São opiniões que valem pelo que valem, vinte anos após a independência quadros cabo-verdianos do então PAIGC irão deplorar o facto de não se ter tratado bem uma real oposição ao PAIGC, que existia, designadamente a de Leitão da Graça e o seu grupo. O próprio Aristides Pereira admitiu excessos. Leitão da Graça, líder da UPICV, simpatizante da linha chinesa, reconhece que o contexto era favorável ao apoio soviético e dos países socialistas, Mao Tsé-tung estava em decadência e os chineses acabaram por se aliar ao imperialismo americano. 

O PAIGC tinha sido reconhecido tanto pela OUA como pela ONU como o único representante do povo de Cabo Verde, fazia a sua entrada triunfal nas ilhas. Carlos Reis, do PAIGC, tecerá o mesmo tipo de considerações, dizendo: 

“O partido único foi proclamado na rua, pela própria evolução dos acontecimentos. Vivia-se naquela altura um clima favorável ao partido único. A própria ONU escolhia representantes legítimos e únicos dos povos que lutavam pela sua independência”

José Vicente Lopes aborda seguidamente a questão do PAIGC e dos intelectuais. Havia uma figura consagrada, Baltazar Lopes, licenciado em Direito e Filologia Românica, passou a sua vida em Cabo Verde no ensino, foi reitor do Liceu Gil Eanes. Distinguiu-se por romances como o “Chiquinho” e pela criação da revista “Claridade”, fundada em 1936. Desconfiava do PAIGC, quadros importantes como Silvino da Luz e Osvaldo Lopes da Silva fizeram acusações bastante ásperas a determinados escritores, falava-se mesmo em atirar os intelectuais ao mar. Baltazar Lopes irá registar magoado o seu ressentimento com o tratamento que lhe deram. Muito se falará também de Onésimo Silveira e de Teixeira de Sousa, figuras que entrarão em rota de colisão com o PAIGC.

Segue-se a construção do Estado, Pedro Pires fica à frente do Governo onde constarão, entre outros, Abílio Duarte, Silvino da Luz, Carlos Reis, Osvaldo Lopes da Silva, Amaro da Luz, Sérgio Centeio, Manuel Faustino. E diz-nos o autor: 

“O Arquipélago ascendia à independência com uma população estimada em 280 mil habitantes, uma economia completamente arruinada, cabendo ao setor terciário – comércio, serviços públicos e privados – um predomínio absoluto, aparecendo o Estado como o principal empregador. A agricultura, essencialmente a de sequeiro, encontrava-se em profunda crise, face aos efeitos da seca que já se prolongavam há oito anos, mantendo 91% da população economicamente ativa sobre a sua dependência, na maioria dos casos através de brigadas de apoio social. A indústria resumia-se a três ou quatro padarias, uma fábrica de tabacos e duas unidades falidas de pesca”

Este primeiro Governo centrou as suas prioridades no combate ao desemprego, na procura de aquisição de meios de transportes marítimos, na construção de silos e armazéns; os investimentos foram para o desenvolvimento rural e a pesca, numa primeira linha e mais abaixo os transportes e as comunicações. Houve recursos externos que facilitaram muitas destas iniciativas. Mas havia divisões ideológicas, há que as ter em conta para perceber as linhas políticas do PAIGC até ao dia em que o multipartidarismo, depois da queda do Muro de Berlim, mudou o xadrez cabo-verdiano. 

José Vicente Lopes dá-nos um impressivo olhar sobre esta governação do PAIGC: a política de independência face às superpotências, como foi tratado o dossiê da África do Sul, como se tentou um modelo económico misto mas sob a supervisão do Estado, e passa em revista os múltiplos dossiês da governação. 

A oposição foi-se organizando, a UCID ganha expressão. E começam as contradições, a formação de grupos, a fragmentação ideológica, releva-se, pelo bom senso e prudência, a figura de Pedro Pires. O III Congresso do PAIGC realiza-se em Bissau, em novembro de 1977, avultam tensões entre maoístas, trotskistas e leninistas, Pedro Pires passa a ser muito questionado. Toda a problemática da identidade cultural cabo-verdiana é analisada nesta obra.

E assim chegamos à questão constitucional, que levantará muita celeuma nas ilhas e com forte ressonância em Bissau, dirão muitos analistas que será um dos motivos fundamentais para o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980. O tema é abordado com profundidade, a páginas 600 do seu importantíssimo trabalho o autor analisa as diferenças entre Cabo Verde e a Guiné:

“Estudiosos das causas que conduziram à rutura entre os dois países situam-nas, geralmente, na discrepância das realidades que se foram construindo na Guiné e em Cabo Verde. Enquanto, no primeiro caso, havia uma hierarquia partidária e militar que era mais obedecida; no segundo, prevalecia, pelo menos inicialmente, uma massa crítica e uma liderança mais baseada na discussão dos problemas do que na obediência cega. 

A estrutura da sociedade cabo-verdiana – mais moderna, escolarizada e crítica, além de dependente do exterior –, contribuía para que o regime na Praia fosse menos pretoriano do que o seu congénere de Bissau. Em suma, para Pedro Pires, o 14 de novembro foi o desfecho de uma situação contraditória, ‘duas realidades que se foram desenvolvendo e que, em vez de se aproximarem, se afastaram. Teria de ser assim. Não havendo um 14 de novembro, talvez viesse a acontecer uma outra coisa. Sabíamos, entre nós, que havia qualquer coisa que não marchava bem’”

Tanto Aristides Pereira como Luís Cabral se referiam regularmente a desvios, práticas de corrupção, passividade e falta de rigor ideológico. E vão surgir acusações múltiplas: de Nino Vieira contra Luís Cabral, de Aristides Pereira contra Luís Cabral e Nino, de Vasco Cabral contra Luís Cabral, e muito mais. Os dois partidos separam-se, perdurarão as feridas, a reconciliação virá depois. E inicia-se um processo histórico que conduzirá ao multipartidarismo em Cabo Verde. 

A 13 de janeiro de 1991, realizar-se-ão no Arquipélago as primeiras eleições livres e pluralistas da sua história, ganhas pelo Movimento para a Democracia (MpD). No mês seguinte, António Mascarenhas Monteiro vencerá Aristides Pereira, tornando-se no primeiro Presidente da República eleito em eleições multipartidárias.

Obra singular, hoje de referência para entender o papel cabo-verdiano na formação, desenvolvimento, luta armada e independência de Guiné e Cabo Verde. A sigla da unidade foi o medicamento eficaz para a luta vitoriosa mas encerrava em si o peso de uma tormenta que se chama em História a longa duração dos acontecimentos que tanto os guineenses como os cabo-verdianos não ignoravam – dois países com identidades tão distintas jamais poderiam ficar associados.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22659: Notas de leitura (1390): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22659: Notas de leitura (1390): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Há que reconhecer que esta investigação de José Vicente Lopes nos assegura uma maior transparência para a compreensão da evolução do PAIGC antes, durante e após a luta armada na Guiné. O que mais impressiona neste trabalho, rigoroso dentro das regras do que se chama a história oral, é permitir ouvir os quadros cabo-verdianos, vinte anos depois das independências e perceber claramente que havia enormes divisões, desconfianças e desacertos nas linhas do rumo a traçar para os dois países. E perpassa, ao longo de toda esta investigação, de forma liminar, que aqueles dois povos não podiam coincidir para um futuro comum, eram patentes os antagonismos e os constrangimentos ditados pela cultura, pela identidade e até pela religião. É pena que o documento de José Vicente Lopes quanto a Cabo Verde não tenha o contrapeso de outro documento de igual valor e seriedade na Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (2)

Beja Santos

T
rata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013.

Amílcar Cabral definira, em termos inquestionáveis, a unidade Guiné-Cabo Verde com uma grande consigna que levaria à independência os dois países. A tese, chamemos-lhe assim, não entusiasmou todos os simpatizantes do PAIGC, e muito menos os que dele estavam fora. Reconheço que o maior mérito deste livro é deixar claro o que separa a cultura guineense da cultura cabo-verdiana. Amílcar Cabral tudo fazia para encontrar afinidades históricas na complementaridade, camuflando problemas da longa duração de péssimo relacionamento entre os profissionais liberais, os funcionários da Administração colonial, os comerciantes de extração cabo-verdiana e as etnias guineenses. Logo em 1963 se pôs a questão da luta em simultâneo, pela independência da Guiné e Cabo-Verde. Não havia saída para lançar a guerrilha no Arquipélago, tão só a subversão, infiltrar elementos do PAIGC e sensibilizar as populações das ilhas, a luta armada foi sempre diferida, houve treino militar na RDA, na URSS e em Cuba, o desembarque adiado. Jorge Querido, então o responsável do PAIGC em Cabo Verde, ainda supôs ser possível lançar comandos e atacar aquartelamentos e fazer reféns, mas tudo isso foi dado como inviável, utópico. Alguém comenta: “Seriamos depois cercados e morreríamos de fome, ou então acontecia o contrário: o próprio povo chacinaria em dois tempos os dirigentes da luta armada em Cabo Verde, antes que ele próprio morresse de fome”. Amílcar Cabral viverá em permanente tensão todo o seu relacionamento com os cabo-verdianos, houve mesmo a sugestão de criar um posto avançado da luta em Nouakchot, na Mauritânia, mas os mauritanianos não apoiaram tal projeto. E por ironia da História, estes cabo-verdianos desviados da luta armada nas ilhas irão ter um papel determinante na ofensiva de 1973.

Nem mesmo com a morte do líder do PAIGC o problema da luta armada em Cabo Verde diminuiu de intensidade. Abílio Duarte resolve desenterrar o problema no II Congresso do PAIGC, realizado de 18 a 22 de julho de 1973, na região do Boé. Ele sugere a criação da Comissão Nacional de Cabo Verde, foi fortemente contestado, acusado de estar a quebrar a unidade. José Vicente Lopes vai dando a palavra a outros protagonistas como Osvaldo Lopes da Silva, que também tinha uma relação cortante com Cabral. Segundo ele, o líder do PAIGC entrega-lhe a missão de tomar um quartel, escolheu-se Guileje. É neste congresso que Abílio Duarte terá salvo Osvaldo Vieira de fuzilamento, corria o rumor de que este guerrilheiro mítico estava seriamente envolvido no complô do assassinato do líder. Osvaldo foi suspenso de todas as suas atividades e morreu alguns meses depois.

É neste contexto que vai ganhando notoriedade Pedro Pires, que se irá distinguir na dita Comissão Nacional de Cabo Verde. Aristides Pereira é confirmado como novo secretário-geral do PAIGC e Luís Cabral como seu adjunto, julgava-se ter pacificado o interior do partido, a rivalidade entre gente de dois países entrara num compasso de espera, impunham-se medidas enérgicas de luta, como virá a acontecer em Guileje, Gadamael e Guidaje e em 24 de setembro dá-se a independência unilateral, o autor descreve a diplomacia de Cabral, a procura da conquista dos emigrantes, a operação de preparar eleições junto das populações afetas ao PAIGC, a elaboração da Constituição, o apoio da ONU e de muitas dezenas de países para reconhecerem a Guiné-Bissau como um Estado independente parcialmente ocupado por uma potência colonial.

Com muito detalhe e pormenor, o autor descreve Cabo Verde nas vésperas do 25 de abril e não ilude o facto de que a agitação do PAIGC nas ilhas era muito reduzida, a PIDE sufocava com relativa facilidade os agitadores. E assim chegamos ao 25 de abril, logo o PAIGC começou a preparar o regresso às ilhas de quadros relevantes e mesmo oposicionistas de peso ao PAIGC, como Leitão da Graça, pensaram em regressar. Começam as negociações com as novas autoridades portuguesas, assim se vai chegar aos acordos de Argel, o PAIGC entrará em Bissau em outubro de 1974. As negociações decorrem numa atmosfera difícil quanto ao reconhecimento à independência de Cabo Verde, imiscuíam-se interesses geoestratégicos e geopolíticos, tais como as preocupações da NATO, o temor de bases soviéticas nas ilhas, dificuldades em voos da África do Sul no aeroporto do Sal, por exemplo.

Os quadros cabo-verdianos entrarão em luta renhida, na disputa pelo poder. Jorge Querido é arredado, guerreiam-se várias linhas, com peso para os marxistas-leninistas e trotskistas, o PAIGC terá a vida facilitada por uma linha do MFA que impedirá a circulação de outras forças políticas, incluindo a de Leitão da Graça. De novo José Vicente Lopes transfere a sua linha de leitura para a Guiné, voltamos ao protocolo de Argel, o PAIGC entra em alta com o reconhecimento internacional, volta-se a Cabo Verde e descreve-se minuciosamente a consagração do PAIGC, o modo como irão ser sufocadas as oposições, a formação de um Governo de transição, os saneamentos, o papel desempenhado por Aristides Pereira, Luís Cabral e Pedro Pires. Há eleições em 5 de junho de 1975, o partido único elege 56 deputados, há Assembleia Nacional Popular. Aristides Pereira é eleito Presidente da República, ele apela a que “todos os cabo-verdianos, independentemente da sua tendência, acabarão por aderir à causa da independência da sua terra”. Aristides Pereira e Pedro Pires não ignoram os condicionalismos internacionais, as colónias de emigrantes cabo-verdianos nos Estados Unidos e na Europa, expectantes quanto à natureza do Estado a implementar, os sucessivos anos de seca, a fortíssima oposição ao PAIGC. E nessa hora de independência, as figuras gradas da oposição são recambiadas para Portugal.

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22640: Notas de leitura (1389): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22640: Notas de leitura (1389): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Por uso e costume, circunscreve-se a história da luta armada a um conjunto de intervenções, faseadas no tempo que esta durou, trazendo à cena protagonistas guineenses e cabo-verdianos. No início da guerra, como se viu no chamado Congresso de Cassacá, houve que punir líderes que agiam sem freio, era uma prepotência que aterrorizava as próprias populações coniventes com o PAIGC. Foram severamente punidos, embora não se saiba quantos e como. O PAIGC adquire um formato rígido: todos os comissários militares dependem de uma cúspide pública onde pontificam Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. A questão cabo-verdiana não se põe, a sua presença é ténue, passará a ser um problema quando os cabo-verdianos chegarem em massa a Conacri, ir-se-ão distinguir como artilheiros e técnicos, viverão à margem dos guineenses, eram outros preceitos culturais. Com este livro, temos pela primeira vez uma linha sequencial do que foi o PAIGC na linha cabo-verdiana, como Cabral teve que gerir problemas de tomo como a unidade Guiné-Cabo Verde e o sonho de uma invasão que era totalmente inviável. Uma obra que deixa claro o papel incontornável dos cabo-verdianos na guerra da Guiné, se dúvidas subsistissem.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (1)

Beja Santos

Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013.

A obra arranca no dia da independência de Cabo Verde, 5 de julho de 1975, tudo aconteceu no Estádio Municipal da Várzea, e vemos Abílio Duarte, líder do PAIGC, a ler a proclamação da independência, é um passeio íntimo, ouvem-se declarações de diferentes protagonistas. Segue-se um capítulo onde se procura interpretar as raízes da independência, destacam-se figuras nos chamados protonacionalistas e caímos na chamada fundação do PAIGC que, segundo a história oficial, teria nascido a 19 de setembro de 1956. A data é questionada por Abílio Duarte que declarou o autor que estranhou, estando em Bissau nessa data, não ter sido convocado para o encontro: “Pode ter havido reunião, mas não pode ser considerada a fundação do partido. A grande verdade é que Amílcar Cabral esteve em 1957 em Paris, onde se encontrou com Mário de Andrade e Marcelino dos Santos, e nunca falou da fundação do PAIGC com ninguém”. E ouve-se longamente o depoimento de Abílio Duarte que saiu de Cabo Verde em jovem e foi trabalhar para o BNU de Bissau. Fala-se da chegada de Amílcar Cabral a Bissau, em 1952, abre-se o proscénio da Casa dos Estudantes do Império, e é referida a atividade dos nacionalistas guineenses no período que precede a eclosão da luta armada.

Salta-se para Cabo Verde, é então governador o Major Silvino Silvério Marques, no período de 1958 a 1962 e entra em cena José Leitão da Graça, um dirigente nacionalista que se confrontará com Amílcar Cabral, Leitão da Graça nunca se conformará com a tese da unidade Guiné-Cabo Verde. E passamos ao Senegal, estamos em Dacar onde há inúmeros cabo-verdianos e guineenses, aqui emergem movimentos de libertação, igualmente como em Conacri. O autor dá-nos a conjuntura internacional, os ventos da História chegaram a África, os Estados Unidos, a esfera socialista e os países do Terceiro Mundo aparecem como os grandes aliados das independências africanas. Amílcar Cabral visita Londres, estivera em Tunes, na Conferência dos Povos Africanos, por enquanto ainda não se fala nas colónias portuguesas, é em Londres que Cabral faz a sua investida, conta com a ajuda de Basil Davidson, distribui documentação, dá conferências, concede entrevistas. Os movimentos nacionalistas procuram conjugar esforços. Amílcar Cabral contribui para fundar a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas, era a herdeira do Movimento Anti-Colonial, surge a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), agrupando o PAIGC, o MPLA e nacionalistas de Moçambique e Goa, isto em 18 de abril de 1961. E Abílio Duarte parte para a luta, será representante do PAIGC em vários países.

O autor destaca o período do Governo de Alves Roçadas e explica porquê. Alves Roçadas foi governador de Cabo Verde entre 1949 e 1953. Deve-se-lhe um “Plano de ressurgimento de Cabo Verde”, que previa várias fases: colmatar as grandes crises alimentares e fase de reconstrução, ampliação e melhoramento do património cabo-verdiano. Os seus relatórios anuais eram diretos e desabridos: “As padarias, talhos, hotéis, fábricas, garagens, etc., são, regra geral, uma porcaria”. E noutro documento: “Neste Arquipélago, onde o nível de vida da grande maioria da população é baixo, chega-se por vezes a pagar soldadas miseráveis, como remuneração do trabalho humano, a que é preciso pôr, ou procurar pôr, o devido cobro”. Partiu desiludido, não lhe deram os meios suficientes em Lisboa.

Fala-se de Dulce Almada Duarte e das peripécias da sua vida itinerante ao lado de Abílio. A ascensão do nacionalismo é passada em revista, aqui se falará do alferes Pedro Pires, de Osvaldo Lopes da Silva, estudante na Crimeia, de Honório Chantre, que se preparou em Cuba, de Silvino da Luz, que andou pela Argélia, e de Onésimo Silveira e Olívio Pires. Olívio Pires parte para Paris em 1964, aqui se encontrará com Manecas Santos e outros, aqui se mobiliza emigrantes cabo-verdianos para o PAIGC, uns irão para a Argélia, outros para Havana, outros para Conacri. E fala-se igualmente do último encontro entre Leitão da Graça e Cabral, em 1962, em definitivo a unidade Guiné-Cabo Verde separou-os irremediavelmente.

Em 1961, surgem ofertas de armamento da RDA, promessa não concretizada. Serão os marroquinos que enviarão armamento, muita gente converge para Conacri. Nesse mesmo ano, o ministro Adriano Moreira retoma a tese da adjacência de Cabo Verde, não terá futuro. Começam a chegar a Conacri os quadros formados na China, a luta entra no nível da subversão, no segundo semestre de 1962, um pouco por todo o Sul. José Vicente Lopes disseca a agitação nacionalista em Cabo Verde, há prisões, a figura proeminente será Jorge Querido, a partir de 1968, ano em que Salazar deixa o mando e em que Spínola sucede a Schulz. Fala-se sinteticamente da evolução da guerra, de diferentes iniciativas conducentes a um cessa fogo. No Arquipélago, a situação continua controlada pelas autoridades portuguesas. E assim se chega ao assassinato de Cabral, de novo se retomam velhas teses quanto a hipóteses de quem mandou matar o líder do PAIGC, a tónica é sempre a mesma: o complô era conduzido exclusivamente por guineenses e aqueles que foram ameaçados de morte eram todos cabo-verdianos. Ventila-se um compromisso português com os sublevados, Valentino Cabral Mangana depôs a existência de um pacto entre eles e as autoridades de Bissau, barcos portugueses esperariam fora das águas territoriais guineenses os capturados, Cabral e Aristides Pereira, tese delirante, não há qualquer documento sobre envolvimento da Armada ou concentração de barcos no Sul da Guiné, naquela data. Um outro sublevado, Lansana Bangoura, revelara a existência de um plano de agressão em preparação contra a Guiné Conacri e contra a Tanzânia e Zâmbia, nestes dois casos por causa do apoio à Frelimo e ao MPLA, depoimento sem pés nem cabeça. Volta-se a falar do ambiente podre em Conacri sem explicitar em que se manifestava tal podridão. Depois de desfiar contas do rosário que vêm em muitos livros, o autor fala no culminar de rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos. Em setembro de 1972, segundo Osvaldo Lopes da Silva que tivera com Cabral uma conversa tensíssima, nasce a ideia de destruir um quartel fundamental, era preciso sair do impasse já que Spínola pusera em andamento a reocupação do Cantanhez, ressuscitara gravíssimos problemas na liberdade de ação do Sul, com a evacuação de escolas e hospitais. Fala-se igualmente num possível envolvimento de Sékou Touré, um pouco de mais do mesmo. Segue-se a tomada de Guilege e retoma-se a velha questão de como invadir Cabo Verde.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22620: Notas de leitura (1388): Um acontecimento científico de renome: A Missão Geoidrográfica da Guiné (1947-1957) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 13 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20730: Casos: a verdade sobre... (8): O campo penal da Ilha das Galinhas e o Campo de Trabalho de Chão Bom (ou Tarrafal II)


Cabo Verde > Ilha de Santiago > Concelho de Tarrafal > Chão Bom ("Txon Bon") >  Julho de 2018 > O antigo antigo Campo Penal do Tarrafal (1936-1954) e depois Campo de Trabalho de Chão Bom (1961-1974) > Hoje Museu da Resistência > Entrada exterior


Cabo Verde > Ilha de Santiago > Concelho de Tarrafal > Chão Bom ("Txon Bon") >  Julho de 2018 > O antigo antigo Campo Penal do Tarrafal (1936-1954) e depois Campo de Trabalho de Chão Bom (1961-1974) > Hoje Museu da Resistência > Entrada interior

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Lisboa > IndieLisboa'10 > 7º Festival Internacional de Cinema Independente > Culturgest > 23 de Abril de 2010 > Sessão de estreia do filme "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta", produção e realização de de Diana Andringa (Portugal, 2009, 90'' > Não se trata de fotogramas mas de imagens obtidas por máquina fotográfica durante a exibição do filme (com a devida vénia à realizadora a quem não pedi expressamenete autorização...), e editadas por mim >  Reprodução da Portaria nº 18539, de 17 de junho de 1961, que cria o Campo de Trabalho de Chão Bom... (Não se diz aonde, e muito menos há referência ao antigo campo do Tarrafal, encerrado em 1954...Deixa-se para o "regulamento", a aprovar pelo Ministro do Ultramar, os detalhes da sua localização, organização e funcionamento.)



1. Como é sabido (, antes do 25 de Abril, poucos o sabiam...), a "colónia penal de Cabo Verde", no Tarrafal,  ilha de Santiago, foi criada em 1936, e ficou tristemente conhecida como "campo da morte lenta". Surge na sequência da grande reforma do sistema prisional de 1936 (Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936), da autoria do professor doutor José Beleza dos Santos, da Unversidade de Coimbra. (Nasceu em Vila da Feira, em 1885, morreu em Lisboa, 1962).

Era destinada a presos políticos, opositores do regime do Estado Novo... Dez por cento dos presos, de um total de 340 que por lá passaram, entre 1936 e 1954, morreram, na sequência das duras condições de detenção: sevícias, maus tratos, alimentação, alojamento, higiene, cuidados sanitários, isolamento, clima, etc.

Eram nossos concidadãos, de diferentes opções político-ideológicas (comunistas, anarquistas, republicanos...), sobretudo "arraia-miúda", como diria o cronista Fernão Lopes (c. 1380/90 - c. 1460), o nosso primeiro historiógrafo... Eram marinheiros, estivadores, operários, artesãos, empregados de escritório e de comércio, etc., dos mais diversos pontos do país, da Marinha Grande a Vila Nova de Foz Côa, de Lisboa a Castro Verde, de Almada a Vila Nova de Gaia.
Apesar da vitória das "forças democráticas", os "Aliados", em 1945, sobre as potências do Eixo (os "regimes nazifascistas" da Alemanha, Itália e Japão...), o campo (de concentração) do Tarrafal só foi fechado... quase vinte anos depois, em 1954!... Dizem que por "pressão internacional"...


 2. Vai reabrir, todavia, na sequência da guerra colonial, que se inicia em Angola, em 1961, mas com outro nome, um eufemismo "Campo de Trabalho do Chão Bom" (CTCB) (sic)... Desta vez para detenção dos "terroristas angolanos" (, como eram tratados, na época, os nacionalistas que lutacam contra o colonialismo português).
Haverá, no entanto,  mais campos para detenção de nacionalistas africanos durante a guerra do ultramar, e com condições de detenção bem mais duras, e de que pouco se fala entre nós: Missombo e São Nicolau, em Angola; Machava e Madalane, em Moçambique... Na Guiné, já existia a "colónia penal  e agrícola" da Ilha das Galinhas (, fundada em 1934) (*)... 
No Tarrafal, ou melhor do Campo de Trabalho de Chão Bom, na 2ª fase, dita "africana (1961-1974), morreram apenas 3 homens, por doença, incluindo 2 guineenses, com sequência, muito provavelmente,  dos "maus tratos" recebidos na altura da sua prisão pela PIDE...
Já em São Nicolau, no Sul de Angola, e segundo a historiadora Dalila Mateus ("A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974", Lisboa, Terramar, 2004), terão morrido "de doença", só entre 1969 e 1972, "bem mais de uma centena de pessoas". Em 1972, em Angola, em São Nicolau havia 123 presos, enquanto no Missombo estavam 874.

Há quem diga que o Tarrafal, nesta fase, não era assim tão "mau"... (Chamemos-lhe Tarrafal II).

O jornalista e investigador cabo-verdiano, José Vicente Lopes, que já se cruzou connosco no nosso blogue (**), tem uma obra de referência sobre o Tarrafal: "Tarrafal - Chão Bom; memórias e verdades", 2 volumes, Praia, IIPC - Instituto de Investigação e do Património Cultural, 2010.  Ainda não não conhecemos o original, mas também acesso a uma extensa recensão bibliográfica, feita pelo  José Pedro Castanheira (Expresso, revista Atual, 14 de agosto de 2010: "Tarrafal: Verdades e mentiras do Campo de Trabalho de Chão Bom").
Também é desta ano, 2010, o documento de hora e meia produzido e realizado pela Diana Andringa "Tarrafal,  Memórias do Campo da Morte Lenta".  (Vd. poste P6204, de 21 de abril de 2010.)


2. Os "deportados" foram chegando ao CTCB / Tarrafal, em várias levas, a última em 1972 (14 elementos do MPLA).

Na primeira leva, em 1961,  vieram angolanos (n=107), de vários movimentos, com destaque para o MPLA.... Todos eles "condenados em tribunal"... Numa segunda leva, em 4/9/1962, vieram os pobres dos guineenses (, os 100, para ser um número redondo), mesmo sem julgamento, que já não havia nem tempo, nem paciência, nem juízes, nem leis para os julgar... Já andava tudo nervoso em Bissau e em Lisboa...Nessa centena de "deportados" guineenses, estava também o Inácio Soares de Carvalho (***)...

Os guineenses foram alojados numa ala separada. Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sem qualquer culpa formada nem julgamento, sendo os restantes libertados em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor", do Governador Geral e Com-Chefe António Spínola.

Recorde-se que, ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um dos históricos do PAIGC, Rafael Barbosa (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós (, nunca tendo sido "tarrafalista": não se sabe porquê, mas a PIDE quis tê-lo à mão, no território da Guiné)...  Foi escolhido para discursar no 10º aniversário do Massacre do Pi(n)djiguiti, em 3 de agosto de 1969, agradecendo em seu nome e dos  outros prisioneiros o gesto de Spínola. Esse momento foi terrível para o antigo nº 2 do PAI(GC). O labéu de "colaboracionista" colou-se à sua pele. Será julgado e condenado à morte depois da independência, pena que lhe será comutada por 'Nino' Vieira,

Antes de serem soltos do CTCB (Tarrafal II), parece que tinham que responder a um questonário e fazer uma declaração de confissão de arrependimento", e em que se comprometiam a nunca mais se envolver em atividades contra a segurança do Estado.... Três deles ter-se-ão recusado a responder, incluindo Aristides Barbosa e Mário Mamadú Turé... Curiosamente, por coincidência ou não,   em janeiro de 1972,  em Conacri, estes dois últimos irão figurar  no grupo de dissidentes do PAIGC que estarão no complô para prender e/ou assassinar Amílcar Cabral.

Mas também estiveram lá, no CTCB, 20 cabo-verdianos, militantes do PAIGC... Os últimos presos foram libertados com o 25 de Abril de 1974, aliás um semana depois em 1 de Maio. Mas o PAIGC, ao que escreve o csbo-verdiano José Vicente Lopes,  cedo se apoderou do CTCB e meteu lá dentro, passado algum tempo,  70 "opositores", militantes de outros movimentos (como a UDC e UPICV)... (Às vezes, até parece que a História se repete...).
Caricatas são as visitas que a Cruz Vermelha Internacional faz ao  CTCB,  por duas vezes, em fevereiro de 1969 e em fins de 1971... Os seus delegados parece que ficam com uma boa impressão do lugar... Aquilo, afinal,  não era "assim tão mau": os presos até tinham algumas "regalias", como idas semanais à praia, sessões de cinema, biblioteca (oferecida pela Fundação Calouste Gulbenkian), consultas no hospital da cidade da Praia, possibilidade de prosseguir os estudos e fazer exames, e até de escrever livros como o "Luuanda", do Luandino Veira... (***)

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estavam ainda vivos, por ocasião do Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que teve lugar entre 28 de Abril e 1 de Maio de 2009.

Mas, segundo José Vicente Lopes, o autor do livro, em 2 volumes,  "Tarrafal - Chão Bom; memórias e verdades", 85 a 90% dos guineenses "tarrafalistas" já tinham morrido. Foi o caso do Inácio Soares de Carvalho (,cabo-verdiano, nascido em 1916, mas levado em criança para a Guiné, com os seus pais): voltou para a Praia, sua terra natal, em finais de 1970, cinquenta e tal anos depois, muito provavelmente desgostoso com (e ignorado por) o seu partido; morreu em 1994. (****)  _______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

(...) Sobre a "colónia penal agrícola" (sic) da Ilha das Galinhas, vd.

Casa Comum > Arquivos > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral (...)

Citação:
(1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

 (**) Vd. postes de

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

Vd. também postes de:
3 de agosto de  2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)

10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

(***) Último poste da série > 27 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

(***) Vd. poste de 9 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20717: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - V ( e última) Parte (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

sábado, 17 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)


Guiné > Mapa da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Copa e canquelifá junto à fronteira com o Senefgal e a Guiné-Conacri.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso editor LG, enviado ao José Vicente Lopes, em 15 de janeiro de 2015  13:22 (*)

Caro amigo José Vicente:

Aqui tem uma versão, em primeira mão dos acontecimentos. O José, no seu artigo, parece sugerir que a execução sumária do Jaime Mota tenha sido obra do Marcelino da Mata e do seu grupo [, que esteve ne zona de Copá em março de 1974, e não em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá]...

Tudo aponta para que o Jaime Mota tenha sido abatido pela  CCAÇ 21, unidade regular do exército colonial, constituída apenas por graduados, especialistas e praças do recrutamento local. Não confundir com o batalhão de comandos africanos. A CCAÇ 21 era uma unidade de intervenção, ao serviço do Comando Operacional da Zona Leste. A CCAÇ 21 estava sediada em Bambadinca.

Nesta ação (Minotauro) estão envolvidos dois grupos de combate, comandados por antigos oficiais comandos graduados, fulas, os alferes Aliu Candé e Braima Baldé, que serão torturados e executados pelo PAIGC em 1975, tal como o comandante da companhia, o tenente graduado Abdulai Jamanca, e um antigo soldado da minha CCAÇ 12, o Abibo Jau. Entre outros...

Eu tenho um especial afeto por Cabo Verde (onde o meu pai foi expedicionário, em 1941/43, Mindelo, São Vicente,  e onde tenho bons amigos). Tenho também um grande carinho pela Guiné e as suas gentes. O meu/nosso blogue "faz pontes" há mais de 10 anos...

Um abraço. Luis Graça


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 6 - O Furriel Ventura em ambulância capturada ao PAIGC" [, entre Copá e a fronteira, em Março de 1974, pelo Grupo do Marcelino da Mata e o Astérix, nome de guerra do Cap Pára-quedista do BCP 12, António Ramos, já falecido]


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 4 > Viatura [, Berliet,] minada na emboscada de 7 de Janeiro de 1974.


Fotos do álbum dfe Amílcar Ventura, ex-Fur Mil Mec Auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves.

Fotos (e legendas): © Amilcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]


2. Resposta do  jornalista e escritor José Vicente Lopes:

Data: 15 de janeiro de 2015 às 19:40

Assunto: Canquelifá 74

Meu caro Luis Graça:

Uma vez mais agradeço a ajuda para o esclarecimento deste caso - a morte de Jaime Mota e dos outros dois combatentes do PAIGC, um cubano e outro guineense. Tudo parece apontar que a operação Minotauro é realmente o mesmo episódio por mim reportado no meu artigo de "A Nação", reaproveitado pela Fundação Amilcar Cabral. 

A história chegou ao meu conhecimento através de várias fontes do PAIGC; como jornalista, na altura, procurei outras possiveis fontes, neste caso portuguesas,para um equilíbrio dos argumentos de um e doutro lado. Cheguei a recorrer ao vosso blogue e outros meios, o que levou a aproveitar alguns relatos que pareceram estar relacionados com esta história há muito perdida nas brumas da memória - daí a menção a Marcelino da Mata que nessa altura, pelo que me pude dar conta, actuava também na região de Canquelifá. 

Um dos meus informantes, o comandante cabo-verdiano Joaquim Pedro Silva (Baró), que também actuou na Guiné, sendo um dos primeiros responsáveis do PAIGC a chegar a Bissau em 1974, juntamente com Julião Lopes, relatou-me que ouviu pela primeira vez do "martírio" de Jaime Mota através de um oficial militar português já em Bissau que terá assistido ao triste episódio. 

Uma outra fonte, também antigo guerrilheiro cabo-verdiano do PAIGC, António Leite, o tal que se refere à "forquilha", diz que ouviu isso de populares quando ele e outros mais guerrilheiros se abeiraram do povoado e tomaram conhecimento ao que se tinha passado com os três combatentes mortos. 

Amâncio Lopes, que escapou com vida da emboscada, e que comandava o tal grupo de 7 homens, também fala na tortura de Jaime Mota e entende, inclusive, que o comandante desse quartel é o responsável por essa suposta tortura, um "crime de guerra",  a ser isso verdade. 

Todos os meus informantes estão convencidos que essa foi uma operação de "comandos africanos", quando, pelo que deduzo do material que me enviaram, ter se tratado e uma CCaç com soldados guineenses [, a CCaç 21]. Aliás, como a vossa própria fonte refere, no passado, terá havido a prática de seviciar prisioneiros. Eu, como calcula, tenho de lidar com o que diz os dois lados. 

Note-se que esta foi a primeira vez que alguém em Cabo Verde, neste caso o autor destas linhas, procurou indagar das condições de morte de Jaime Mota, cuja existência tomei conhecimento de forma incidental. 

Tudo mais que que você e os seus companheiros tiverem e quiserem compartilhar comigo,  estarei ao vosso inteiro dispor. 

Subscrevo-me com um forte abraço, desejando a todos um bom ano. 

JVL


PS - Volto a perguntar-lhe onde poderei obter o tal livro [, do Amadu Bailo Jaló] a que se refere num dos emails. E, já agora também, se pode dizer-me onde poderei encontrar material sobre os cabo-verdianos na guerra da Guiné, não importa se do lado do PAIGC ou de Portugal. Como já deve ter dado conta não tenho uma visão unilateral ou maniqueista da história. Pela minha idade escapei da guerra colonial, sou dos primeiros "historiadores" a procurar dar uma visão aberta acerca da história contemporânea de Cabo Verde e de outras antigas colónias. Um exemplo disso foi o meu livro sobre o Tarrafal, "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", que deixou muita gente indisposta, mas isso não é problema meu, foram os dados a que tive acesso.




Cabo Verde >  Ilha de Santiago >  Cidade da Praia > Quartel Jaime Mota > 2012 > Imagem do domínio público, cortesia da Wikimedia Commons.


3. Segundo mail do nosso editor LG, com data do mesmo dia:


Obrigado, amigo, acho que nos move a ambos a vontade de esclarecer a verdade, sem preconceitos, sem ideias feitas, sem ressentimentos... Ambos temos formação científica, você em história, eu em sociologia e em saúde pública... Para além do mais, temos profissões (você jornalista e eu investigador social e professor) com exigências éticas e deontológicas acrescidas... Claro que você não fez a guerra colonial, e ainda bem...

De qualquer modo, pessoas como nós, temos a obrigação de ajudar a geração que fez a guerra, de um lado e do outro, a fazer as contas com o passado e a transmitir às gerações seguintes uma visão positiva da nossa história partilhada... Como eu costumo dizer em relação aos meus camaradas que integram esta "tabanca grande", virtual, cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa. E nem todos são ex-militares...

Há mais de 10 anos que, neste blogue, procuro põr os antigos combatentes , a juntar as "pontas", a salvaguardar e partilhar as suas memórias, a fazer pontes entre os dois lados...Estive em 2008, no Simpósio Internacional de Guileje, a convite do meu saudoso amigo Pepito, mas foi pena que nessa altura, os antigos combatentes do PAIGC, oriundos de Cabo Verde, não tivessem podido viajar até Bissau por razões alegadamente de segurança: Nino ainda estava no poder...

Obrigado pelos seus esclarecimentos que, não havendo objeção da sua partem, irei partilhar com os leitores do nosso blogue. Oxalá apareçam outras versões de quem presenciou os acontecimentos em questão, e que estava em Canquelifá por esses dias de janeiro de 1974, nomeadmente antigos militares, guineenses, da CCAÇ 21, e antigos militares, metropolitanos da CCAÇ 3545, comandada pelo capitão de infantaria miliciano Fernando Peixinho de Cristo. Seria importante igualmente identificar e localizar o oficial médico (, possivelmente alferes miliciano) que terá vindo de Nova Lamego para reconhecer os cadáveres dos dois guerrilheiros mortos, que não eram guineenses (um dos quais seria o Jaime Mota).

Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça

PS - Quanto ao livro que me pede, não sei se está esgotado, mas vou empenhar-me em arranjar um exemplar. Até à data é o único escrito (com a ajuda do meu camarada e amigo Virgínio Briote) por um antigo comando africano, do batalhão de comandos africanos (a que o Marcelino da Mata não pertencia!). O Amadu Bailo Jalô, fula, infelizmente bastante doente, é um muçulmano com elevados valores morais e uma conduta que me parece exemplar do ponto de vista militar e humano. Andou na guerra desde 1962 até 1974... Temos, no nosso blogue.  o descritor Amadu Djaló com quase 50 referências.

Sobre combatentes caboverdianos... Temos bastantes referências a Cabo Verde... E eu gostaria de ter ainda mais... Ocorre-me, desde já dois ou três nomes: Barbosa Henriques, António Medina, Manuel Amante da Rosa (, que pertenceram ao exército português).

O Barbosa Henriques foi ofiicial do exército português e instrutor da 1ª companhia de comandos. Conheci-o pessoalmente, em Fá Mandinga e em Bambadinca. Acho que era da Brava, tenho que confirmar...

O António Medina vive hoje nos EUA, e fez a guerra, em 1963/65... É de Santo Antão.  Esteve no BNU de Bissau até 1974 e é primo do Agnelo Medina Dantas Pereira, que foi comandante do PAIGC... Encontraram-se em Bissau, após o 25 de abril... Uma história bonita, veja aqui.

 Tenho também aqui um bom amigo e camarada, que é hoje o vosso embaixador em Itália, o Manuel Amante da Rosa.

... E há muitas mais referências a Cabo Verde (mais de 170)...Incluindo fotos do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), expedicionário no Mindelo (em 1941/43)... E, mais recentemente, do meu fiho que foi lá tocar no Festivel Sete Sois Sete Luas... (João Graça, da banda Melech Mechaya) (...).

 4. Mail do José Manuel Matos Dinis, com data também de 15 do corrente:

Viva,  Luis!

Obrigado pela tua vontade de me manteres a par deste caso. Recordo agora, que há poucos dias o Blogue publicou um episódio ocorrido em Copá, acho que em data coincidente, mais dia, menos dia. Nós sabemos que o Marcelino chegou lá imediatamente a seguir, ou iria na coluna de reabastecimento que caíu na emboscada. Sabemos, ainda, que logo a seguir foi abatido um avião em Copá, e Marcelino foi buscar uma ambulância IN algures na fronteira. 

Não sei quanto tempo decorreu entre essas datas. A distância entre Copá e Canquelifá é de cerca de 12 km, e, que havendo informações sobre um ataque a Canquelifá, não seria dificil proceder a um patrulhamento, com uma ou mais unidades em coordenação. Assim, se o Virginio comparecer na próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, no dia 22, pode ser que perante uma abordagem, o Marcelino possa confirmar, se esteve ou não envolvido nesse caso e, em caso afirmativo, possa produzir um esclarecimento. Também o Francisco Palma, parece-me, terá pertencido a essa Companhia, mas podia já ter sido evacuado. Vou indagá-lo.