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domingo, 16 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23713: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte III: Colocado em Farim, na 1ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim


Guiné > Região do Oio > Farim > Bairro de Nema > s/d > Cortesia de Carlos Silva, publicado, a preto e branco, no livro do Amadu Bailo Djaló, na pág. 61-


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim  (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farim, Nema e K3


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem  (1954) > Escala 1/50 mil >  Posição relativa de Farincó e Fambantã, a norte de Farim, e junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Continuamos a reproduzir, aqui no nosso blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp., capa a seguir, à esquerda). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações. (*)

Não é demais sublinhar que se trata de um documento autobiográfico, único (até à data nenhum dos antigos militares que integraram o Batalhão de Comandos da Guiné publicou as suas memórias), indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe.

Membro da Tabanca Grande desde , tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).

Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (futa-fula, nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro. 

Depois da sua paisagem por Bedandam, nosul, na região de Tombali, onde esteve na 4ª CCAÇ como condutor, desde dezembro de 1962 a junho de 1963, e que não lhe deixou saudades, o Amadu Djaló conseguiu ser colocado na 1ª CCAÇ, em Farim, junto à fonteira com o Senegal. Este execrto é o relato dos seus primeiros dias por lá. 

 
Colocado em Farim, na 1.ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim  (pp. 58-64)

por Amadu Djaló 
 
Quando regressei a Bissau [, vindo de Bedanda] (**), apresentei-me no dia seguinte, pelas 7h00, na CCS do QG e a novidade que tive foi que a 1.ª CCaç já não se encontrava em Bissau [1]. Entreguei a guia de marcha ao comandante da companhia que ma devolveu por eu não pertencer à CCS. Como não via forma de ver a minha colocação resolvida, ainda me lembrei de ir à 4ª. Rep, outra vez ao major Simões, mas não chegou a ser preciso.

Na 1ª. Repartição entreguei a guia de marcha ao 1º. sargento, que depois de a ler, disse ao sargento Ribeiro que tinha aqui um homem. Mandaram-me apresentar no dia seguinte, com a minha bagagem. Ia para Farim, junto à fronteira norte com o Senegal. Esta conversa curta com o sargento Ribeiro, um bom homem, foi o início de uma amizade.

Então no dia e hora acertados, encontrei, junto ao portão do QG, uma camioneta coberta de lona e junto a ela, o 1º sargento Ribeiro, o condutor, um 1º cabo de etnia papel e um soldado balanta, militares que eu não conhecia. Coloquei a minha bagagem na camioneta, que ia com um carregamento de conservas de sardinha, atum, cavalas, leite condensado, manteiga, margarinas, óleo e azeite.

   Subam e acomodem-se o melhor possível    disse-nos o sargento.

Saímos de Bissau, pouco passava das 8h00 da manhã e chegámos a Farim por volta das 12h30. Para me prevenir precavi-me com um saco de conservas de sardinha e outro de leite condensado.

Com a bagagem na mão, dirigi-me para a caserna e coloquei-a em cima de uma cama que me disseram estar vazia. Depois fui tomar um banho que bem estava necessitado. Mudei de farda e fui dar uma volta pela tabanca.

Depois do jantar seguiu-se um jogo de bisca, para distrair um pouco. Como tínhamos de substituir companheiros que estavam de serviço, saí da caserna para respirar um pouco de ar puro, quando vi três oficiais a dirigirem-se na minha direcção.

    Onde estão os condutores?

   Eu sou condutor!

 –   Não dormimos no quartel e queremos ir dormir. E a viatura não pode ficar fora do quartel. Se arranjarmos um condutor para regressar com o jeep, já podemos entrar.

Ofereci-me. Um dos alferes pegou no volante e conduziu até aos quartos. Satisfeitos, agradeceram e entregaram-me o boletim da viatura devidamente assinado.

No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, fui entregar o boletim da viatura e soube que a distribuição das viaturas já tinha sido feita pelo 2º sargento mecânico. Quando lhe entreguei o boletim, ele perguntou-me se eu era condutor.

   Claro que sou, meu sargento!

–  Então, quantos condutores temos cá? Aguentem, ninguém sai daqui!

Foi ao 1º sargento esclarecer-se e informaram-no de que tinha vindo um condutor de Bedanda, que era mais antigo e que, portanto, tinha direito a uma viatura.

Nova forma, um dos novos vai ter que esperar por viatura, até que haja alguma acabada de reparar. Era o António, o soldado condutor mais moderno, a quem lhe tinham entregue uma GMC e que veio para as minhas mãos. Distribuídas as viaturas, arrancámos para a minha 1ª saída rumo a Fambantam, com passagem por Farincó.

Eu nunca tinha conduzido uma GMC. Estranhei, com o acelerador a fundo, não passar dos 30 a 40 kms/hora. Quando cheguei a Fambantam, cheirava a queimado.

Um 1º cabo, negro, mais antigo na vida militar e na companhia, aproximou-se e disse:

   Parece que tens alguma coisa ligada, está a cheirar muito a queimado!

Subiu para ir verificar e descobriu que os redutores estavam ligados.

 – Faltou pouco para queimar o disco   arriscou ele.

Pois, no regresso andei bem, sem mais problemas, embora me tenha ficado a dúvida se teria sido alguém que tenha ligado os redutores, quem sabe para me comprometer.

No meu terceiro dia em Farim, fui dar uma volta pelos bairros. Ainda não conhecia o Adulai Djaló, que era familiar meu no bairro de Nema, muito perto do aquartelamento e que viria a ser meu companheiro.

No caminho encontrei uma moça, aí de 20 anos, e pus-me a falar com ela. Chamava-se Aissata Djaguete Djaló e tinha um bebé com menos de um ano. Era órfã de pai e mãe e divorciada do chefe do bairro de Sinchã, chamado Mode Sore Djare Djaló. Para além do bebé tinha a seu cargo três irmãos mais novos e era ela quem tomava conta deles. 

Era uma história triste e vi que precisava de ajuda. Eu era soldado, o meu vencimento rondava os 120 e poucos escudos [cerca de 50 euros, a preços atuais],  pouco podia fazer por ela. Convidei-a para minha lavadeira e continuei o meu passeio em direcção a Sinchã. Neste bairro noventa por cento da população era futa-fula.

Junto a uma casa vi duas raparigas, uma a fazer tranças no cabelo da outra. Nunca tinha visto uma cena com tanta beleza. Fiquei ali a fazer-lhes companhia.

Uma chamava-se Fatumata Bamba Djaló, a outra Mariama Juto Djaló. Fatumata estava casada com um homem de meia-idade. O pai tinha-a forçado a casar-se, apesar de não ser essa a vontade dela. A outra, a Mariama, ia casar-se no Senegal, dali a duas semanas.

Depois de termos passado a tarde inteira a conversar convidei a Fatumata a ir comigo ao cinema. Se não tinha dinheiro, como ela disse, eu pagava o bilhete. Combinámos encontrar-nos em casa de Aissata Djaguete, que a Fatumata disse ser sua conhecida.

Despedi-me delas por uma tarde tão bem passada e dirigi-me a casa de Aissata.

 – Conheces Fatumata Bamba? Convidei-a a ir comigo ao cinema e ela ficou de vir aqui encontrar-se comigo. E tu, Assumata, queres ir também?

Que sim, que gostava muito.


Guiné > s/l > s/d > Manuel Joaquim dos Prazeres, caçador e empresário do cinema ambulante, com a sua velha Ford de matrícula nº G 05, segundo informação do Amadu Djaló que, por volta de junho de 1963, assistiu, acompanahdo de duas bajudas, a uma sessão de cinema,

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Um senhor chamado Manuel Joaquim percorria todas as vilas e cidades num carro, o nº 5 [2] de matrícula da Guiné, a passar filmes e nesse dia encontrava-se em Farim.

No refeitório já estava todo o pessoal a jantar. Comi muito pouco, estava muito alvoroçado, ia encontrar-me com uma rapariga com uma beleza que eu nunca tinha visto. Quase a correr dirigi-me para casa de Aissata, mas a minha convidada de honra ainda não tinha chegado. Vi uns rapazitos por perto e pedi a um que fosse dizer a Fatumata que eu estava à espera dela, mas que fizesse tudo para que o marido dela não soubesse. O rapaz encontrou-a, ela vinha a correr na nossa direcção.

Juntos os três dirigimo-nos para o salão de cinema, comprei os bilhetes e cada uma sentou-se, comigo no meio delas. 

Do filme não guardo recordação, mas lembro-me que, no intervalo, quando as luzes se acenderam, reparei que o capitão, meu comandante de companhia, estava sentado atrás de nós. Com ele estava também o Alferes Almeida, do esquadrão de Bafatá[3], que estava destacado em Farim e que me fez um sinal. Mal o filme acabou,  peguei nelas e arranquei dali. Depois levei Fatumata a casa.

Demorei-me um pouco e, no regresso, encontrei na estrada de Nema para o quartel o jipe do capitão. O que vou fazer? Fugir, esconder-me? Decidi ficar onde estava, na berma da estrada, até o jipe parar um pouco à frente.

 – O que andas a fazer aqui, a esta hora?

 – Fui ao cinema, meu capitão.

 – O cinema já acabou há muito! Tem cuidado em andar sozinho a esta hora. Sobe!

Foi um fim-de-semana inesquecível. Mais tarde quis casar com ela, mas o pai não deu o consentimento, disse que me autorizava a casar com a irmã mais nova, chamada Mariama Bamba Djaló.
__________

Notas do autor ou do editor literário, Virgínio Briote ("copydesk")_

[1] Desde 1 Julho 1963 instalada em Farim.

[2] G-05

[3] EREC 385. Em 2ago62, rendeu o EREC 54, em Bafatá, ficando integrado no dispositivo do BCaç 238 e depois do BCaç 506. Teve um Pelotão destacado em Farim, na dependência, primeiro do BCaç 239, depois do BCaç 507 e finalmente do BCav 490. Tomou parte em diversas acções de patrulhamento e de contacto com as populações, tendo actuado, a partir de 18mar63, em diversas regiões, nomeadamente em Poidom-Ponta do Inglês 
[Xime], Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá, entre outras, e destacou diversos efectivos para guarnecer diversas localidades, como Xitole, Camamudo e Geba. Em 22jul64 foi substituído pelo EREC 693 e recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso. Fonte: História da Unidade.

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
___________

Notas do editor:

(*)  Vd. postes de:


22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

(**) Vd. poste de 14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22831: Fotos à procura de...uma legenda (159): Cais de Alcântara ou Cais da Rocha Conde de Óbidos ? (Lucinda Aranha, escritora)

Lisboa > Agosto de 1960 > O Sene Sané, o meu pai, Manuel Joaquim Prazeres, na ponta direita e aminha mãe, ao maio. Vieram, com outras senhoras, depedir-se do Elísio (o segundo a contar da esquerda) que ia partir para Cabo Verde, por via marítima...

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Três mensagens da Lucinda Aranha, com datas de 15 e 16 do corrente;

Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) professora de história, nio ensino secundário, reformada; (iii( autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iv) autora também dos livros "Melhor do que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" (Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (v) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014; (vii) tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita; e (viii) vive em Santa Cruz, Torres Vedras.


(i) Segue foto do régulo Sene Sané com os meus pais e umas senhoras. Tu verás se vale a pena pô-la. São pessoas da Guiné, mas como te disse não sei quem são e só sei que a foto foi tirada em Lisboa durante as Comemorações Henriquinas.

(ii) O meu amigo cabo-verdiano que me ajudou a datar as fotografias é o rapaz que está na foto. Não o estva a reconhecer- Enviei-lhe a foto e espero qu ele tenha alguma ideia do que se passa. O Aranha diz que a foto foi tirada na Praça do Império ao pe da Doca do Bom Sucesso. Vamos a ver o que o Elísio Branco Vicente diz.

(iii) Afinal, Luís, mais uma vez me precipitei. Creio que que a fotografia não interessa. Além do Sene Sané, dos meus pais, da Maria Rosa, irmã do Elísio, que está ao lado da minha mãe, as outras semhoras são cabo-verdianas, e foram todas despedir-se ao Cais de Alcântara, do Elísio, que partia nesse dia para Cabo Verde. De certeza o Sene Sané foi levado em passeio pelos meus pais até porque conheceu o Elísio em nossa casa.

2. Comentário de Luís Graça:

Lucinda, adoro fotos antigas e das pequenas histórias da gente da nossa geração e da geração dos nossos pais. Não vai mal ao mundo se publicarmos a foto, até porque eu tenho outra pista para precisar o local em que foi tirada. Para mim, não se trata da Praça do Império, e Doca do Bom Sucesso, em Belém, nem sequer do Cais de Alcântara... Mas sim do Cais da Rocha Conde de Óbidos...

De facto, era de lá, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, que partiam os navios da marinha mercante para as ilhas adjacentes, e para os territórios ultramarinos, incluindo Cabo Verde e Guiné... E os navios de transporte de tropas para a guerra do ultramar (Angola., Guiné, Moçambique)
...

A prova (insofismável) é o edício do palácio das Janelas Verdes (Museu Nacional de Arte Antiga que se vê em parte, ao fundo, do lado esquerdo (corpo principal), seguido do jardim (interior) e da fachada sul do palácio...O primeiro está está sinalizado com uma cercadura a amarelo, enquanto a fachada sul e o jardim estão sinalizados com cercadura a verde (Foto acima).

O Museu Nacional de Arte Antiga fica sobranceiro ao Cais da Rocha Conde de Óbidos. Do lado poente (entrada primcipal), há um jardim adjcente conhecido como o Jardim 9 de Abril, o Jardim das Albertas ou o Jardim da Rocha do Conde de Óbidos). Logo a seguir, a esse jardim, também do lado poente encontra-se o Palácio dos Condes de Óbidos onde está instalada a sede nacional da Cruz Vermelha. Mas esta parte na aparece na foto em questão...

Mas cabe aos nossos leitores decidir, sobretudo aos lisboetas, que conhecem bem a cidade... Veja-se isto como um simples passatempo natalício (**)...



Lisboa > Gare Marítima de Alcântara (arq. Pardal Monteiro), inaugurada em 1943 > 10 de maio de 2015 > O cais e a gare, vistos do navio-escola "Sagres".



Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos > Arquiteto Pardal Monteiro, foi inaugurada em 1948... Foi daqui que partimos, muitos de nós, para a Guiné... Muitos confundem com o Cais de Alcântara, Nos últimos anos da guerra, a partir de 1972, o transporte já se fazia por via aérea, através dos TAM - Transportes Aéreos Militares. (LG)

Foto do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22821: Fotos à procura de... uma legenda (158): Tão meninos que nós éramos!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22812: (De)Caras (184): Sene Sané, régulo de Pachisse, com capital em Canquelifá, tenente de 2ª linha, vogal do Conselho Legislativo, falecido em 1969


Sené Sané, régulo de Canquelifá, eleito pelas autoridades tradicionais para o Conselho Legislativa da Província Portuguesa da Guiné. Sané Sané, régulo de Canquelifá, Tenente de 2ª linha, pertencia *a nobreza mandinga, sendo descendente do último rei do império do Gabu (morto na batalha de Cansalá, em 1867). Publicada em "O Arauto", diário da Guiné, edição de 14 de junho de 1964.

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do do livro de fotografia "Buruntuma: algum dia serás grande, Guiné, Gabu, 1961-63". (Edição de autor, Oeiras, 2016).] (*): o fotógrafo, em 1961, ao lado do então régulo Sené Sané, que era tenente de 2ª linha. junto ao marco fronteiriço ("República Portuguesa: Província da Guiné"), na fronteira com a República da Guiné. Cortesia do autor-

O autor, Jorge Ferreira, ex-alf mil da 3ª CCAÇ (Bolama, Nova Lamego, Buruntuma e Bolama, 1961/63), é membro da nossa Tabanca Grande, é um fotógrafo amador com mais de meio século de experiência, tem um página pessoal no Facebook, além de um sítio de fotografia, Jorge da Silva Ferreira; as suas fotos de Buruntuma inserem-se na categoria da etnofotografia.


1. O PAIGC teve vários militantes (e guerrilheiros), de apelido Sané, provavelmente aparentados com o Sené Sané (**), um dos mais poderosos régulos da Guiné, na época colonial, ao ponto de ter sido eleito para o Conselho Legislativo da Província (criado pela Portaria n.º 19921, Diário do Governo n n.º 150/1963, série I. 

Os outros dois eleitos foram o régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhã, e o régulo de Cachungo, Joaquim Baticã Ferreira, fuzilados pelo PAIGC a seguir à independência. O Conselho começou a funcionar em 1964 sob o "consulado" de Schulz. Sené Sané teve "a sorte" de morrer... em 1969. Mas a sua cabeça devia estar... "a prémio", a par do Bonco Sanhá e do Baticã Ferreira.  Para o PAIGC, era "um dos cães dos colonialistas". (***)

Ironia da história, o actual régulo de Pachisse (vd. carta de Canquelifá 1957, escala 1/50 mil) que abrange as aréas de Canquelifa, Camajaba e Buruntuma, é o José Bacar Sané, um dos filhos do velho régulo Sene Sané (imformação confirmada pelo Cherno Baldé e pelo Patrício Ribeiro).(*)

Em 27/11/2019, o Patrício Ribeiro escreveu-nos (*): 

"Falámos com filho mais velho, do antigo régulo Sene Sané, José Bacar Sané, telemóvel nº 00254...119, morador em Canquelifa, é o actual régulo de Canquelifa e Buruntuma, já com alguma idade. (Foi antigo militar português do grupo de Marcelino do Mata).

"Nomeou o seu irmão mais novo, Mama Sané ( telemovel nº 00 245...330), residente em Buruntuma, seu representante do seu regulado em Buruntuma."

E a propósito o Chermo Baldé comentou no poste P20384 (*):

(...) "Como se costuma dizer, pode-se facilmente conquistar um território pela violência, mas é extremamente difícil continuar a governar as pessoas na base na mentira e na propaganda. Começaram, logo após a independência, por destituir todos os Régulos e Regulados (quando não eram fuzilados) e nomeado seus Comitês de tabancas. Com o tempo constataram que nada funcionava como queriam e a população não reconhecia as autoridades impostas de cima para baixo. Com o golpe de estado de Nino Vieira, voltaram a reconhecer as antigas chefias da época colonial para melhor controlar e manipular as populações."

E esclarece o nosso colaborador permanente, que vieve em Bissau: "O Regulado que tutela a cidade de Pitche chama-se Manna e tem a sua sede em Dara, localidade a cerca de 15/17 Km de Gabu cidade na estrada para Pitche. Este Regulado confina com o de Chanha a sul e o Paquessi a Nordeste/Leste."

O nosso editor LG,  por sua vez,comentou:

"Era voz concorrente que os elementos do grupo "Os Vingadores", comandados por Marcelino da Mata, teriam sido todos fuzilados, a seguir à Independência, com uma ou duas exceções (a começar pelo Marcelino, oportunamente refugiado em Portugal)...

"Se o José Bacar Sané, filho do antigo régulo Sene Saná, da época colonial (e amigo do Jorge Ferreira), foi um antigo militar português, e esteve integrado no grupo de Marcelino do Mata, "Os Vingadores" (de acordo com a informação do Patrício Ribeiro), e está vivo, mora em Canquelifa, e é hoje o atual régulo de Canquelifá / Buruntuma... bom, só temos que nos congratular com esse facto... Espero que seja um sinal, sincero e irreversível, da reconciliação dos guineenses que outrora foram 'inimigos', combatendo uns sob a bandeira do PAIGC e outros sob o estandarte do exército português, naquilo que foi não apenas uma 'guerra pela independência' ou de "libertação' mas também uma 'guerra civil' "


Guiné > Região de Gabu > Canquelifá > s/d  > O régulo Sene  Sané, tenente de 2ª linha, com uma das filhas, e um militar português. Alguém é capaz de identificar este camarada e a subunidade a que pertencia? - Pergunta a Lucinda Aranha. O régulo morreu em 1969.

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Carta de Canquelifá (1957) > Escala 1/50 mil > Pormenor > Posição relativa de Canquelifá, capital do regulado de Pachisse.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


2. Reproduz-se  a seguir um documento, do Arquivo Amílcar Cabral, datado de Kundara, República da Guiné,  16 de janeiro de 1962, e onde é patente o temor que o régulo Sene Sané inspirava em Canquelifá: 

Em carta, datilografada a Amílcar Cabral, José Ferreira Crato faz o balanço das informações obtidas na sua sequência da sua viagem de  reconhecimento da região fronteiriça. Ele e o  seu companheiro, Alphouseni [Sané], natural do regulado de Pachisse,  não conseguiram transpor a fronteira e chegar ao coração da região de Gabu, como pretendiam, e conforme missão que lhes fora confiada pelo Secretário Geral do PAIGC. Todavia, terão recolhido informação relevante sobre Canquefilá.  Na povoação fronteiriça da Guiné-Conacri, que o remetente  não identifica, chama-lhe apenas "a última tabanca dos pajadincas", haveria já muitos "simpatisantes" do PAIGC... Repare-se, estamos o início do ano de 1962...

Pode ler-se: "Encontrámos muitos simpatisantes do nosso partido, porque quase todos os pajincas ali residentes são de Canquelifá, que fugiram por causa do régulo Sené Sané (sic)"... 

E arremata: "Eu não garanto, mas pelos vistos havemos de vencer o Sené Sané, sem dificuldades como muitos julgam".





Citação:
(s.d.), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37630 (2021-12-15)

Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares |  Pasta: 04604.038.014 | Assunto: Informa que já se encontra em Koundara. Missão na fronteira com Alfosseine. Dificuldades na tabanca dos Pajadincas. Can-Quelifá. Declarações da população local. Régulo Sene Sané. | Remetente: José Ferreira Crato, Koundara | Destinatário: Secretário Geral do PAIGC [Amílcar Cabral] | Data: s.d. | Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (...)  |  Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.

  [Reproduzido com a devida vénia...]  

3. Comentário do Cherno Baldé, acabado de chegar,  ao poste P22808 (**)

A acentuação em alguns nomes não está correcta, assim escreve-se Sene e não Sené (nome próprio das etnias mandinga e fula); escreve-se também Alage e não Alagé (titulo honorifico de quem fez a peregrinaçao a cidade "santa" de Meca, transfigurado para nome próprio nos grupos muçulmanos).

O caso da família dos Sané, régulos de Pachisse com capital em Canquelifa e descendentes directos de Djanké Waly, o último rei de Gabu ou Kaabu, ilustra o facto de que, na realidade, nunca houve uma guerra entre fulas e mandingas, como sempre se propalou durante o regime colonial, pois se isso fosse o caso os Sané de Paqhisse (Canquelifa) não seriam régulos após a derrota dos mandingas. 

A história da África Ocidental está repleta de casos de guerras pelo poder em que os derrotados eram sempre obrigados a se submeter ao grupo maoritário de entre os vencedores e o surgimento de novas alianças estratégicas, facto que muitas vezes levava a mudanças radicais entre os vencidos, inclusive o abandono da sua língua e parte de práticas culturais e adopção de uma outra lingua, usos e costumes.

Neste caso concreto, os Sané de Canquelifa, para continuarem a fazer parte do poder foram obrigados a se converter a favor da língua fula, grupo maioritário e mais forte dentro do grupo que conquistou o poder, de tal maneira que as últimas gerações, vivendo no meio de uma maioria fula, já nao falavam a lingua mandinga e muitos nem se consideravam mandingas. 

Quem diz mandingas, diz também padjadincas, saracolés, landumas, bajaras, jacancas etc; da mesma forma que os fulas durante todo o periodo de mais de 6 séculos que estiveram sob o dominio mandinga de Mali, primeiro e Gabu, mais tarde, foram obrigados a falar a língua do dominador, apesar da resistência passiva em curso.

Era esta a realidade no terreno e em espaços humanos ainda em construção e em constantes mutações sócio-politicas e territoriais. Todavia, os novos acontecimentos no território após a independência (1974) tiveram o efeito e a tendência inversa ao curso dos anos anteriores, obrigando a novas situações e novos posicionamentos de adaptação ao novo contexto político e social.
____________

Notas  do editor:


(**) Vd. postes de: 


15 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22808: Fotos à procura de... uma legenda (157): Os quatro membros da comitiva guineense (a saber Sené Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Baldé, amigos do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres,) às Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, agosto de 1960 (Lucinda Aranha, escritora) - II ( e última) Parte

(***) Último poste da série > 24 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22748: (De)Caras (183): Revivendo e partilhando (João Crisóstomo, Nova Iorque, de Visita a Portugal)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22808: Fotos à procura de... uma legenda (157): Os quatro membros da comitiva guineense (a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Baldé, amigos do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres,) às Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, agosto de 1960 (Lucinda Aranha, escritora) - II ( e última) Parte


Foto nº 8 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá > O poderoso régulo Sene Sané, tenente de 2ª linha, aliado dos portugueses, inimigo mortal do PAIGC...Vogal do Conselho Legislativo da província. Morreu em 1969.



Foto nº 9 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá >  s/d > O régulo Sene Sané, tenente de 2ª linha,  com um das filhas, e um militar português.



Foto nº 10 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá >  s/d > Um dos cavalos brancos do régulo Sene Sané, tenente de 2ª linha, e o seu tratador.



Foto nº 11 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá >  s/d > Verso da foto nº 10, em português corretísismo, ecom uma boa caligrafia: "Oferta para (as) meninas: Esta fotografia é do meu cavalo e o seu tratador. Tem prsentemente 7 anos e custou 11.000$00. É uma oferta aliada ao interesse que os metropoliatanos tem ao gado 'cavalar' africano. Do amigo Sene Sané, régulo e tenente."


Fotos (e legendas): © Lucinda Aranha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da mensagem anterior de Lucinda Aranha (*)



Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) professora de história, nio ensino secundário, reformada; (iii( autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iv) autora também dos livros "Melhor do que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" (Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (v) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014; (vii) tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita; e (viii) vive em Santa Cruz, Torres Vedras.


(...) Devo dizer que foi com imenso espanto e agrado que, tardiamente, vim a saber que com as minhas irmãs fui coproprietária de um cavalo oferecido por Sené Sané. 

Foi-me confirmado por Helena Sané que o sogro só possuía cavalos brancos e que a oferta foi genuína, apesar de o meu pai nunca nos ter falado no assunto. Como traria ele o cavalo e o que faríamos nós com o dito? Está bem de ver...

Quanto aos outros três membros da comitiva guineense cujos nomes já referi (*), sei apenas que eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Kankelefá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes e um deles uma "medalha" que o identica como religioso.

Nota final - Quero agradecer a Vital Sauane, amigo da família de Sané, as informações que me prestou, além de me ter posto em contacto com Helena Sané e família . Agradeço também a Carlos Freitas


2. Comentário do editor LG, em mensagem de 8/12/2021, 21:18 


Lucinda, fico muito sensibilizado com o teu gesto, ao quereres partilhar com a Tabanca Grande estas "recordações de família"... Já sabíamos, mas esta "história" vem confirmar quanto o teu pai era estimado, acarinhado e amado pelas gentes da Guiné. Claro, ele era também um homem generoso e um "africanista" de coração... Estas fotos (e legendas) vão enriquecer o nosso património memorialístico...  

Já agora ficas a saber que o cavalinho branco, oferecido às meninas (adquirido em 1953 por 11 contos) valeria, a preços de hoje, mais de 5300 euros (segundo o conversor do INE, Atualização de Valores com Base no IPC - Índice de Preços ao Consumidor, entre anos: 1953-2020)...

(...) Passei há dias por Santa Cruz, lembrei-me de vocês, mas ia com amigos do Norte...

Vamos partindo mantenhas natalícias... Um chicoração, Luís 

3. Nova mensagem da Lucinda Aranha, 11/12/201, 10h55

Bom dia Luís. Recordei-me de um facto "anedótico " mas que podes aproveitar se o entenderes. Além de comovente , mostra bem como as memórias são relativas,  dependendo muitas vezes de um acaso.

Enviei à Helena Sané as fotografias do genro. Numa delas ele está junto a uma cadeirinha com uma menina a falar com um militar (Foto nº 9). Essa menina era uma das suas filhas. A Helena enviou-a a uma sobrinha que desconhecia esta fotografia da mãe entretanto falecida. Ficou extremamente comovida ao ver a mãe ainda bebé.

Agora é de vez, Lucinda

PS- Vou-me encontrar com o Tony Tcheka que me disse ter novidades. Há um lote de fotos completamente diferente que penso será muito interessante se conseguir contextualizá-las. Logo se verá.

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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22806: Fotos à procura de... uma legenda (156): Os quatro membros da comitiva guineense (a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Baldé, amigos do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres,) às Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, agosto de 1960 (Lucinda Aranha, escritora) - Parte I


Foto nº 1  > Sane Sané, régulo de Canquelifá, tenente de 2ª linha, descendente do último rei do império do Gabu (morto na batalha de Cansalá, em 1867), em traje cerimonioso. (Vd. foto dele com o nosso camarada Jorge Ferreira, em 1961, junto ao marco fronteiriço em Buruntuma).

Segundo o nosso calaborador permanente, Cherno Baldé, em mensagem de 27/11/2019, "o actual régulo de Paquessi ou Pakessi que abrange as aréas de Canquelifa, Camajaba e Buruntuma, é o Bacar Sané, um dos filhos do velho régulo dos anos 60."

Por sua vez, o Patrício Ribeiro informou-nos, na mesma data, que o José Bacar Sané, telemóvel nº 00254...119, morador em Canquelifa, é o actual régulo de Canquelifa e Buruntuma, já com alguma idade. (Foi antigo militar português do grupo de Marcelino do Mata)."

 
Foto nº 2 > Lisboa > Agosto de 1960 > Os quatro membros da comitiva guineense, a saber Sene Sané (, aqui trajado à europeia), Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alage Baldé ( este último,  padre muçulmano), à varanda da casa do Manuel Joaquim dos Prazeres (que foi o fotógrafo). O religioso  é o segundo a contar da esquerda, portador de um amuleto. O último, com cinto de 
fivela, seria um alferes de 2ª linha,  um dos Embaló. Segundo imformação do Patrício Ribeiro com data de 27/11/2019, atualmente "o Regulado de Piche é desempenhado pelo marido de Djana Embaló, residente em Dara. Em Piche, não há nenhum régulo."

A grafia correta do reliogos deve ser Alage (El-Hadj) Baldé ou Embaló. (Recorde-se que Alage ou El Hadj é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felicidade de fazer, com sucesso, pelo menos uma peregrinação anual, Hajj, a Meca).

 
Foto nº 3 > Agosto de 1960 > Os nosos convidados à porta da casa... O dignitário religioso, é o primeiro da esquerda; o Sene Sané é o terceiro.


Foto nº 4 >Agosto de 1960 > Almoço dos quatro guineenses em casa do Manuel Joaquim dos Prazeres. Eram seus convidados, mas o pai da Lucinda Aranha não os acompanhou nas cerimónias. 



Foto nº 5 > Os quatro membros da comitiva guineense, com dois brancos que não sabemos identificar (podiam ser acompanhantes) junto às instalações da antiga Exposição do Mundo Português de 1940, que entretanto foram demolidas. As Comemorações do V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique realizaram-se em Lagos e em Sagres, em 6, 7 e 8 de agosto de 1960, com desfile naval e a  presença dos chefes de Estado de Portugal e do Brasil. Mas realizaram-se outras cerimónias noutros pontos do país.  A Lucianda Aranha que já era aluna do liceu, em 1960, não se lembra se os convidados do seu pai deslocaram-se a Sagres e a Lagos.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Gabu > Piche > 1969 > Os outros três membros da comitiva guineense em "trajes tradicionais", Sampulo Embaló, Alage Baldé e Duarte Embaló e  (, não sei se por esta ordem). 

Eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Canquelifá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes  (Foto nº 5) e um deles uma "medalha" que o identica como religioso.



Foto nº 7 > Guiné > Região de Gabu > Piche > 1969 > Legenda no verso da foto nº 6: "Meu caro amigo Manoel Joaquim Prazeres, mando-te esta foto, a fim de lhe cervir (sic) como recordação. Sou eu, Sampulo Embaló e o Alage Baldé e Duarte Embaló. Piche, 11-12-969"


Fotos (e legendas): © Lucinda Aranha (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Lucinda Aranha, 7 de setembro de 2021:

Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iii) autora também dos livros "Melhor que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" ( Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (iv) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014;  (vi)  tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita.

Bom dia, Luís e Carlos.

Espero que tudo esteja bem convosco e família. Aproveito ter de escrever para cumprimentar também o Carlos de quem há muito não tenho notícias.

Luís, infelizmente gravei mal o número de telemóvel da Lena
 [Carvalho], minha amiga de infância que vive nas Caldas, e perdi ainda o cartão dela. 

Acontece que com a morte da minha irmã Ju encontrei uma série de fotografias que estavam perdidas. A Lena está em várias delas e gostava de falar com ela a propósito. 

Encontrei também fotografias de África que me parecem muito interessantes, penso que algumas dizem respeito a sessões cinematográficas e outras de uns certos Sené Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Embaló, algumas com uma "carta" no verso.

Enfim, acho um material interessante, vou pesquisar junto de amigos e conto com vocês os dois para me ajudarem porque penso que não ficariam mal no nosso Blogue.

Desculpem estar sempre a aborrecê-los. Beijos e saudades. Lucinda

2. Nova mensagem de Lucinda  Aranha

Data - Quarta, 8/12/2021, 19:22 
Assunto - Comemorações do quinto centenário da morte do infante D. Henrique

Boa tarde, Luís. Espero que estejas melhor dos teus achaques ósseos.

Como já te disse, encontrei umas fotos que penso podem interessar ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. 

Envio-te só uma parte; há outras que penso serem de uma sessão de cinema mas ainda tenho muitas dúvidas. Se vires que não interessam tudo bem.


Comemorações henriquinas de 1960

Em Agosto de 1960, o Estado Novo comemorou os cinco séculos passados sobre a morte do Infante D. Henrique que a política nacionalista da ditadura guindou a figura primeira dos Descobrimentos portugueses. 

Esta tese é muito contestada por diversos historiadores, nomeadamente por Vitorino Magalhães Godinho que viu o infante como o émulo da expansão pela força das armas ao serviço dos interesses da nobreza.

1960 marca o início da ascendência dos países africanos recém-descolonizados na ONU. Um ano mais tarde, o Conselho de Segurança vota favoravelmente uma resolução condenando a política colonial portuguesa. Portugal enfrentava também ameaças na Índia e em Angola, que rapidamente se estendem a Moçambique e à Guiné-Bissau, onde crescem os movimentos autonomistas.

De nada valeu a Salazar o expediente de 1951, quando extinguiu o conceito de Império dando às Colónias o estatuto de Províncias Ultramarinas, integrando-as no território nacional. Nada fez parar o desejo de emancipação dos povos das Províncias Ultramarinas; a guerra pela independência a que a ditadura chamava guerra terrorista era imparável.

Também de nada lhe valeram outras comemorações que visavam criar a unidade, aproveitando-se datas com heróis insensados pelo regime.

Este pequeno texto procura contextualizar de forma sucinta as fotografias que se seguem pertencentes ao arquivo do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres, de cuja existência tinha conhecimento, mas cujo paradeiro era desconhecido.

Por um acaso, fiquei de posse destas fontes históricas que retratam acontecimentos do quotidiano relacionadas com as comemorações em causa.

Durante estas comemorações, recebemos, em visita social, em nossa casa, por diversas ocasiões, quatro membros da comitiva guineense, a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alage Baldé (Fotos nºs 1,2,3,,4,5,6 e 7)

Dos quatro, o de maior hierarquia era Sene Sané (Foto nº 1), régulo de Canquelifá, mandinga, descendente de Mana Djanque Vali, rei do Império do Gabú, que englobava uma parte do Senegal e a Gâmbia até ao nordeste da Guiné-Bissau. Morreu na batalha de Cansalá, 1867, vencido pelos Fulas de Gabu e do Futa Djalon vindos da Guiné Conacri. Assim acabou o reinado dos Mandingas que foram islamizados.

Quanto aos outros três membros da comitiva guineense cujos nomes já referi (Fotos nºs 2, 3 e 6), sei apenas que eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Canquelifá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes e um deles uma "medalha" que o identica como religioso (Foto nº 2) 

A importância do Sene Sané  fica clara no título de Régulo, Tenente de 2ª linha, tendo inclusive sido eleito, em 1963, pelas autoridades das regedorias como um dos três vogais representantes das várias etnias ao Conselho Legislativo a funcionar na Província Ultramarina da Guiné, criado pela Portaria n.º 19921, D.G. n.º 150/1963, série I.
 [Os outros dois foram o régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhã, e o régulo de Cachungo, Joaquim Baticã Ferreira, fuzilados pelo PAIGC a seguir à independência. LG ]

O dito Conselho reuniu pela primeira vez, em 1964, já sob a presidência de Arnaldo Schulz. Uma outra medida destinada a manter a integridade de todo o império, o que fica muito claro num artigo de O Arauto ( Ano XXII, nº 5338, 14 de junho de 1964, pp 62/63) intitulado "A política da não-discriminação...." Seguem-se alguns excertos do artigo:






Fonte:  Guiné, Bissau, "O Arauto", Ano XXII, nº 5338, 14 de junho de 1964,  pp 62/63 (Excertos)



Sobre o Sene Sané,  é de referir que morreu em 1969, um ano após o final do seu mandato no Conselho Legislativo.

Quero salientar, de entre os restantos vogais,   António Augusto Esteves e James Pinto Bull por terem sido amigos de família e com as respectivas famílias habitués de nossa casa. O primeiro foi padrinho de casamento de três das minhas irmãs; a mulher e os filhos do segundo viveram, por diversas vezes, quando vinham à metrópole na nossa casa ,em Lisboa, tendo também as nossas famílias convivido numa vivenda da Parede, em férias de verão.







Fotos (com legendas): Extraídas de O Arauto, 14 de junho de 1964

(Continua) 
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Nota do editor:

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)


1. Mensagem de , Lucinda Aranha (, nossa amiga e grã-tabanqueira, escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance":  "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita.

É também autora do livro "No Reino das Orelhas de Burro", recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972. Tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue e integra a Tabanca Grande desde 15 /4/2014 (Vd. poste P12991).

Data - terça, 3/08, 12:29
Assunto - Desafio aos/às nossos/as escritores/as: a fábula da cabra Joana e do cão Tigre


Luís, tudo bem?

Recebi o teu repto e estive para não responder por dois motivos. O primeiro respeita à fase horrível por que estou a passar, desde Março perdi três irmãs, um sobrinho por afinidade ( nenhum com Covid) e uma outra irmã fracturou um joelho e o colo do fémur. O segundo porque não me via a fazer pesquisa pelo Boletim Cultural da Guiné para me inspirar nos hábitos dos animais africanos.

Finalmente e até para tentar arejar a cabeça lembrei-me de escrever um pequeno texto que, embora passado em Portugal, pode, penso eu, ser entendido como uma metáfora das relações coloniais entre Portugal e a Guiné. Tens toda a liberdade, não me ofenderei se entenderes que não cabe no Luís Graça & Camaradas da Guine.

Enfim, foi o que saiu. Tu dirás de tua justiça  
Beijos saudosos e até um dia destes. Lucinda Aranha


A cabra Joana e o cão Tigre

por Lucinda Aranha


Matreiro, o Tigrado estava de tocaia à presa, a atrevida cabra Joana, uma pérfida dada ao latrocínio.

Quando lhe dava na real gana, lá vinha ela numa expedição de saque,  atacando a propriedade dos donos de que ele, cão cumpridor, se via como fiel guardador. Invariavelmente impunha-lhe pesadas derrotas com os seus ataques de supetão, de bate e foge.

Mas hoje não o havia de fintar. Estava preparado para dar uma lição àquela guerrilheira lusitana. Hoje é que iam ser elas : a grande gulosa havia de ver as verdes e tenras alfaces da Florinda por um canudo. Hoje é que havia de provar no corpo os seus dentes afiados, quais bisarmas. E com os olhos semicerrados, antevia com deleite o momento em que a poria definitivamente KO. Ela havia de saber o que era a paz tigre à romana.

Nestas cogitações, salta do nada a cabra Joana para a surtida habitual. O Tigrado investe e, num segundo, as suas expectativas de vitória saem goradas. Como sempre, ela finta-o, pula pelas serras e montes, arrastando-o, cego de fúria, numa corrida feita de trambolhões até o fazer dar com os costados num baixio onde cai feito prisioneiro.

– Com que então vais pelas nossas galinhas todo ancho como se fosses o pai da tua dona nas caçadas pelos matos da Guiné! – invetiva-o a Joana, enquanto o Tigrado tentava em vão saltar da sua prisão. – Aprende: todos temos de ser respeitados e termos a liberdade de fazermos o que queremos e como queremos. Muitas galinhas pagaram os teus donos aos meus e nem por isso eles te perseguem. Não dão eles volta e meia aos teus donos boas tronchas e até uns anhos? Porque és tão ganancioso?

Em transe tão aflitivo, o pobre cão cai em si.
– Tens razão, Joana, agora enxergo a minha soberba, realmente eu era um egoísta. Só via os meus interesses e os dos meus donos, achava que os dos outros não contavam.

Com dois coices, a cabra rebentou a cancela escancarando-lhe o portão da prisão e lá foram os dois serra acima, uma cabriolando, o outro correndo em grande companheirismo e cumplicidade.

Lucinda Aranha

2. Comentário do editor LG:

Querida amiga Lucinda:

Antes de mais, a minha solidariedade na dor pela perda dos teus entes queridos, as tuas manas cujas pequenas grandes vidas tu evocaste, com tanto talento e fina ironia no teu livro "O homem do cinema". 

A capacidade de fazer o luto faz parte da nossa condição humana. Desde que nascemos e temos consciência de nós e dos outros, aprendemos a lidar com a perda (, de que a morte é a mais dolorosa e irrversível). 

Quanto à versão que me mandaste, da fábula da Cabra Joana e do Cão Tigre, não podia ser mais original. Estou-te grato, em meu nome e em nome da Tabanca Grande. Espero que os nossos leitores a saibam ler e queiram comentar. 

Por outro lado, é bom saber de ti, depois de tantos meses de silêncio, em grande parte imposto pelas contingências da pandemia de Covid-19 (, que não nos deixou, por exemplo, concretizar a ideia de poderes vir à Lourinhã falar do teu livro e das memórias do teu pai).

Recorde-se o ponto de partida, real: A cabra Joana de Nhacobá foi apanhada pelo pessoal da CCAV 8351, justamente em Nhacobá, tabanca até então controlada pelo PAIGC, no "corredor de Guileje", no decurso da Op Balanço Final (17-23 de maio de 1973). Nhacobá era um lugar de importância estratégica para ambos os contendores. Foi levada, a Joana, para Cumbijã, sendo obrigada a coexistir, pacificamente, com o cão rafeiro, o "Tigre de Cumbijã", mascote do pessoal. 

Não sabemos como esta história acabou, a pequena, insignificante, história destes dois animais domésticos, só sabemos, pelo Joaquim Costa,  que estavam vivos quando o aquartelamento de Cumbijã foi entregue ao PAIGC, em 7 de agosto de 1974. Em todo o caso,  sabemos também que não fazem parte da História com H Grande. (**)
Vd. também: 

1 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22422: Passatempos de Verão (24): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 2: "Ao que parece, nem os macacos se salvaram" (Joaquim Costa)

31 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22420: Passatempos de Verão (23): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 1: "Não se pode servir dois senhores ao mesmo tempo" (Luís Graça)

30 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22417: Passatempos de verão (22): A fábula da cabra Joana de Nhacobá e do cão rafeiro Tigre do Cumbijã, obrigados a coexistir pacificamente até ao final da guerra

(**) Vd. poste de 29 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22413: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIII: O Dia Mais Negro: o segundo murro no estômago (Op Balanço Final)