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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18930: Toponímia de Lisboa: em dez nomes de "heróis do ultramar", consagrados nas ruas da capital no tempo do Estado Novo, em Olivais Velho, Benfica e Alcântara, 7 são de militares falecidos na Guiné e os restantes em Angola


Ilustração: Toponímia de Lisboa (2017) (com a devida vénia)

1. Toponímia de Lisboa é um blogue do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa – Núcleo de Toponímia, que se publica desde novembro de 2012. Nele fomos encontrar um artigo interessante sobre ruas, em Lisboa, com os nomes de "dez heróis do Ultramar", 3 falecidos em Angola e 7 na Guiné. [Contacto: toponimia@cm-lisboa.pt].

Com a devida vénia reproduzimos um extenso excerto desse poste:

Toponímia de Lisboa > 23 de Fevereiro de 2017 > Dez Heróis do Ultramar em Olivais Velho, Benfica e Alcântara

 Dez anos após o início da Guerra Colonial, a edilidade lisboeta colocou através de um único Edital (22 de junho de 1971), de acordo com a legenda, dez «Heróis do Ultramar» em Olivais Velho, Benfica e Alcântara, «falecidos no Ultramar, em combate ao terrorismo», conforme se lê no despacho do Presidente da Câmara de então, Engº Santos e Castro.

Este procedimento está justificado na Ata da reunião da Comissão Consultiva Municipal de Toponímia de 16 de junho de 1971 da seguinte forma:

 «Despacho de Sua Excelência o Presidente, solicitando parecer sobre a consagração na toponímia de Lisboa, dos nomes dos seguintes militares falecidos no Ultramar, em combate ao terrorismo : major aviador Figueiredo Rodrigues, alferes Mota da Costa, Carvalho Pereira e Santos Sasso, furriel Galrão Nogueira, soldados Rosa Guimarães, Santos Pereira e Purificação Chaves e marinheiros Correia Gomes e Manuel Viana. Considerando justificar-se plenamente uma homenagem à memória de tão heróicos militares e, tendo em vista a circunstância de os soldados e marinheiros não terem patente, a Comissão emite parecer favorável à consagração dos seus nomes».

[Olivais Velho:]

Os seis topónimos fixados em Olivais Velho foram:
  •  a Rua Alferes Mota da Costa/Herói de Ultramar/1937 – 1961,
  •  o Largo Américo Rosa Guimarães/Herói de Ultramar/1945 – 1967, 
  •  a Rua Furriel Galrão Nogueira/Herói de Ultramar/ 1941 – 1965, 
  • a Rua Alferes Carvalho Pereira/Herói de Ultramar/1941 – 1966, 
  • a Rua Alferes Santos Sasso/Herói do Ultramar/1941 – 1965 
  • e a Rua Major Figueiredo Rodrigues/Herói de Ultramar/ 1939 – 1969.

Manuel Jorge Mota da Costa (Porto – freg. Cedofeita/14.05.1937 – 14.05.1961/Angola), alferes paraquedista da 1.ª Companhia de Caçadores Paraquedistas do Batalhão de Caçadores 21 em Angola onde chegou a 17 de abril de 1961 e onde faleceu menos de um mês depois no Bungo, aos 24 anos, condecorado a título póstumo com a Medalha de Prata de Valor Militar com palma, ficou no Impasse 1 do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

O soldado Américo Rosa Guimarães (Oeiras/21.09.1945 -05.10.1967/Angola), condecorado postumamente com a Medalha de Cobre de Valor Militar com palma, também faleceu em Angola, aos 22 anos, e foi fixado no Impasse 2 do Plano de Urbanização de Olivais Velho.

Os outros quatro militares fixados em Olivais Velho faleceram na Guiné. 

O Furriel [Silvério] Galrão Nogueira (1941 – 1965/Guiné), falecido aos 24 anos, foi perpetuado no Impasse B do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

Ao alferes miliciano de Infantaria José Alberto de Carvalho Pereira (Lisboa/13.02.1941 – 12.03.1966/Guiné), falecido aos 25 anos e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe, coube-lhe o Impasse 3 do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

 O também alferes miliciano de Infantaria Mário Henrique dos Santos Sasso (Lisboa – freg. de Stª Engrácia/14.12.1941 – 05.12.1965/Guiné), da Companhia de Caçadores n.º 728, condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe a 2 de julho de 1965 e falecido aos 23 anos, ficou no Impasse 3′ do Plano de Urbanização de Olivais Velho. 

E por último, o major piloto aviador António de Figueiredo Rodrigues (Penalva do Castelo/01.01.1939 – 12.07.1969/Guiné) , falecido aos 30 anos, foi colocado na Rua A do Plano de Urbanização de Olivais Velho.

[Benfica:]

Em Benfica, homenagearam-se 3 militares falecidos na Guiné nos anos de 1964 e 1965, com a Rua José dos Santos Pereira/Herói do Ultramar/ 1943 – 1964, a Rua José da Purificação Chaves/Herói do Ultramar/1942 – 1964 e a Rua Manuel Correia Gomes/ Herói do Ultramar/1936 – 1965.

O soldado José dos Santos Pereira (Torres Vedras – A-dos-Cunhados/19.09.1943 – 15.12.1964/Guiné) faleceu aos 21 anos e foi condecorado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 2ª classe, tendo sido perpetuado na Rua C, à Estrada do Calhariz de Benfica (Quinta de Santa Teresinha). 

O soldado condutor Francisco José da Purificação Chaves (Loures/08.08.1942 – 24.01.1964/Guiné), falecido aos 21 anos na Ilha do Como e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 1ª Classe, ficou no Impasse I à Estrada do Calhariz de Benfica. 

O marinheiro fuzileiro especial Manuel Correia Gomes (Vila Verde-Turiz/15.02.1936 – 14.03.1965/Guiné), falecido aos 29 anos e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 2ª classe, foi fixado no arruamento de acesso entre a Estrada do Calhariz de Benfica e o arruamento paralelo ao caminho de ferro (Quinta de Santa Teresinha).

Também encontramos a Rua José dos Santos Pereira, em Maceira, no Concelho de Torres Vedras, de onde este soldado era natural, bem como a Rua Francisco José Purificação Chaves em Loures, concelho de nascimento do soldado.

[Alcântara:]

Finalmente, em Alcântara ficou a Rua Manuel Maria Viana/Herói de Ultramar/1944 – 1968, na Rua A à Travessa da Galé, também conhecida por Rua A à Avenida da Índia. 

O marinheiro fuzileiro especial Manuel Maria Viana (Odemira – S. Teotónio/07.08.1944 – 16.08.1968/Angola), integrado no Destacamento n.º 2 de Fuzileiros Especiais faleceu aos 24 anos e foi condecorado a título póstumo com a Medalha de Cobre de Valor Militar, com palma. Em 1971 a Escola de Fuzileiros criou também o Prémio Manuel Viana, em sua honra, a ser atribuído anualmente ao aluno com melhor classificação nos cursos de aplicação do 1.º grau.

A maioria destes topónimos – oito – são exclusivos de Lisboa e não se encontram na toponímia de mais nenhum local do país, excepto nos 2 casos mencionados de homenagem prestada na terra natal. 

Ver também outros artigos relacionados:

1 de Fevereiro de 2017 > A Guerra Colonial nascida há 56 anos, também no tabuleiro da Toponímia de Lisboa

14 de Fevereiro de 2017 > Quinze cidades e vilas de Moçambique na toponímia de Olivais Sul desde 4 de julho de 1967

16 de Fevereiro de 2017 > Doze cidades de Angola na toponímia de Olivais Sul desde 1969

[Revisão e fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de agosto de  2018 > Guiné 61/74 - P18917: Blogues da nossa blogosfera (99): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (18): Palavras e poesia

Vd. também poste de  16 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10682: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (5): Os cheiros de Lisboa, Parte III: As brumas fadistas de Alfama e Madragoa (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)


Lisboa > Belém > Dezembro de 2007 > Lisboa ao anoitecer, com vista da ponte sobre o Rio Tejo e do Cristo Rei.

Foto: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados




A. Em 25 de setembro p.p., demos início à publicação desta nova série, Ficou um Palmeirim nas Bolanhas da Guiné, "parte de uma novela escrita em memória do nosso saudoso camarada [Mário] Sasso", da autoria do seu amigo e camarada de armas J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil inf da CCAÇ 728 (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) [, foto atual, à direita].

Até à data publicámos 5 postes, de acordo com o "plano da obra" e o material que nos foi enviado. Este, de hoje, é o último texto em carteira que temos disponível. Espero que o autor (, a viver na Alemanha,) vá alimentando a série... Para ele vai um especial Alfa Bravo. LG


Plano

1. A Origem do Nome – “Palmeirins”
2. A Cidade Moçambicana da Beira
3. A Barra do Tejo
4.  Os Cheiros de Lisboa
41. A Feira Popular
42. Uma sardinhada em Cacilhas
43. As Brumas (Ruelas) Fadistas de Alfama e Madragoa
44. As Palmeiras da Estufa Fria
45. As Vielas da Ameixoeira
46. A Feira da Ladra
47. A Baixa às ordens de Pombal
48. O Jardim do Campo Grande
49. A Estrela Real
410. Os Bosques de Monsanto (...)


B. Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné > 4. Os cheiros de Lisboa > 43 . As Brumas fadistas de Alfama e Madragoa

por J. L. Mendes Gomes

Naquela noite ninguém ia sair. O Benfica ia jogar com o Sporting de Portugal. No estádio do Benfica. Constava que o desafio ia ser transmitido pela televisão. Só no telejornal é que se iria saber a certeza. Sempre seria mais barato. E até se via melho,  adiantava o tio Diógenes, para se justificar. A rapaziada lá em casa era toda perdida pela bola. Até a tia Judite. Bilhetes para todos saía muito caro.

Era a altura dos famosos violinos do Benfica: o Eusébio. Ainda por cima o Eusébio também era de Moçambique. Um espanto a jogar; o Caiado....o....

A tia Judite, pelo sim pelo não, foi adiantando o jantar, para que pelas 21h toda a gente estivesse despachada e livre, para se seguir o desafio em família. Com certeza que seria dado pela TV. Já se sabia.

Uns amendoins nunca faltavam nestas alturas. E umas cervejinhas no frigorífico...Tudo bons costumes e recordações de Moçambique. Aí reinavam as ostras a rodos, o camarão, as cervejas às grades,...naqueles ares quentes dos trópicos.

Se não fosse o futebol, os primos já tinham desafiado o Mário para uma noitada de fado em Lisboa. Estava prometida desde há muito. Ficou para outra semana.

Depois do jantar, sempre animado, em família, os três primos estavam prontos e aperaltados para a noitada de Alfama e Madragoa.

Tinha chegado enfim, o grande dia, melhor a grande noite, de que tanto se falara nas férias passadas da Beira. Os tios tinham toda a confiança nos dois filhos e, por isso, contra o que era hábito daqueles tempos, não se importaram de que a Isabel fosse também.

O último eléctrico que saía do Terreiro do Paço para o Dafundo, era às duas da manhã. Calhava mesmo bem. Aí vão eles. O eléctrico amarelo ali vem. Traz pouca gente. À noite, não há muita gente que se disponha a ir para Lisboa. Só os boémios ou, então, por uma farra como esta dos três primos.

Em menos de meia hora, já estão a descer em pleno Terreiro do Paço. Frente ao Tejo , agora escuro e com umas luzitas tresmalhadas, pelos lados negros, de lá, desde Cacilhas e Almada ao Seixal, Barreiro...Montijo.

A iluminação da praça não é por aí além, mas dá para se andar à vontade. Não há perigo nenhum. A segurança pública é total.

As ruas da Baixa fervilham de gente a ver as montras. A Rua da Prata, o Chiado, o Rossio, os Restauradores e depois a Avenida da Liberdade, de arvoredo ─ via-se que era frondoso, até lá acima, ao Marquês de Pombal. Está um pouco deserta apesar dos cinemas e cafés que abundam de cada lado e as esplanadas elegantes, nos serenos passeios laterais. De dia, é mais interessante girar por ali. Há muito mais vida.
─ O 28 sobe por Alfama dentro, até à beirinha do Castelo, lá em cima, sobre o Tejo mas o melhor é irmos a pé ─  diz o Pedro. ─ Pela rua do eléctrico, vai-se até à encosta do Castelo, com vistas sobre o rio
─  De dia, deve ser muito giro─  adiantou o Mário. Não perdia pitada de tudo que estava a acontecer.
─  Sim, é uma maravilha ver o Tejo, daqui deste miradouro. Todo “o mar da palha”. Parece mesmo mar. Até ao Barreiro, Montijo, Moita, Alcochete e Vila Franca...É mesmo um mar. Cabem os barcos todos do mundo. Há sempre lugar para mais um. Mesmo daqueles petroleiros gigantes.

Os Cacilheiros lá andam nas suas voltas do costume. Duma para a outra margem. Os da Praça do Comércio só andam até à meia-noite....Depois, só os do Cais do Sodré.
─ O que é isso da Praça do Comércio?─  perguntou o Mário, surpreendido com o nome.
─ Ainda não ouvira falar dessa praça.
 ─ É a mesma, a do Terreiro do Paço. Tem os dois nomes. Não sei desde quando nem porquê. Deram-lhe esses dois nomes. Por mim, acho melhor o de Terreiro do Paço. ─ esclareceu o Pedro, com um ar de certo modo, exaltado. Para o justificar, acrescentou:
─  Onde está então a Praça da Indústria?...Ou a da Agricultura...Não há!....

Uma risada de todos.
─  Tens razão Pedro. ─  disse a Isabel. Até aí ainda não tinha aberto a boca. E continuou:
─ A gente habitua-se a ouvir e a chamar estes nomes e não liga ao sentido deles.
─ Já agora, outro nome que não concordo nada e até me revolta, é o do Parque Eduardo VII, lá em cima, a seguir ao Marquês.
─ Então porquê? ─ perguntou a Isabel, já sem esconder a natural curiosidade. Ela nunca vira mal nenhum nisso...
─ Então, achas bem que aquele jardim, tão grande e num sítio nobre da cidade capital tenha o nome dum rei inglês?...

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10586: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (5): Os cheiros de Lisboa, Parte II: uma sardinhada em Cacilhas (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

domingo, 28 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10586: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (5): Os cheiros de Lisboa, Parte II: uma sardinhada em Cacilhas (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)













Lisboa > Travessa do Ferragial, nº 1 > Lisboa, o Cais do Sodré, o Tejo, Cacilhas... Um dos mais surpreendentes, deslumbrantes e... inesperados miradouros de Lisboa... O último piso do prédio nº 1 da Travessa do Ferragial onde funciona o ACISJF - Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina que "serve almoços", de segunda a sexta-feira, das 12h00 às 15h00, em regime de self-service, aberto a todo o mundo... Menu: preços desde 2 € (!)... Buffet (mínimo 10 pessoas e menu a combinar) por pessoa: 12 €... Um dia temos que lá levar uma representação da  Tabanca Grande!... Fotos tiradas em 30 de setembro de 2011, num belo dia de outono em que lá fui almoçar com a Alice e a sua tertúlia...

O Mário Sasso, se fosse vivo,  teria gostado de conhecer este miradouro (um dos muitos que fazem desta cidade um sitío estranho, maravilhoso e fascinante  aos olhos dos turistas que nos visitam, e que muitas vezes estão melhor informados sobre os segredos de  Lisboa do que muitos lisboetas...).

Fotos: © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados...


A. Continuação da nova série do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), jurista da Caixa Geral de Depósitos, reformado [, foto atual à direita].

[ Esta nova série evoca a figura e narra a história alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728 - Os Palmeirins -, nascido na Beira, em Moçambique, de uma família de origem eslovena, os Sasso; o Mário Sasso foi morto em combate no Cantanhez, em 5 de dezembro de 1965].




B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné > 4. Os cheiros de Lisboa > 4.2. Uma sardinhada em Cacilhas

por J.L. Mendes Gomes [foto acima, assinalado com um círculo a vermelho, Catió, c. 1965; foto do autor]


As férias escolares ainda não tinham acabado. Mas, o Mário ainda tinha de vencer o exame de admissão à faculdade. E não era p’ra brincadeiras. Alínea de filosóficas. O mundo das ideias e a sua evolução, através dos tempos, a visão dos povos pelo mundo fora, acerca dos mesmos temas, exercia sobre ele um fascínio insaciável.

Com a ajuda do primo, mais velho, o Virgílio, que passara para o segundo ano de medicina, todas as complicações da inscrição, e tudo o mais, foi fácil. As provas de latim e filosofia, seriam na primeira semana de Outubro.

Toda a gente se entregou às respectivas tarefas, com sentido de responsabilidade. Fruto da disciplina que reinava na casa laboriosa do tio Diógenes.

Durante o dia, havia silêncio, lá em casa. A atenta, tia Judite, ocupava-se, com esmero e dedicação, de todas as lides da casa e da cozinha. Que perfumes… naquela cozinha divinal! Por isso, quando chegou o primeiro sábado, a ideia lançada pelo tio Diógenes de irem para uma sardinhada, no lado de lá do Tejo, caiu, mesmo a matar...

De eléctrico amarelo e ronceiro até ao Cais do Sodré; atravessava-se, depois, o rio largo, nos largos Cacilheiros, achatados, onde tudo cabia, desde as pessoas às bestas aparelhadas, às carroças, aos poucos automóveis que então havia, tudo seguia sobre o terreiro de ripas de madeira, rentinho às águas do Tejo.

Parecia impossível, como tudo não ia ao fundo!… Eram giros os eléctricos, de bancos de madeira envernizada. Muito airosos, por causa das janelas altas, sobre a rua e os passeios da cidade.

De Algés ao centro de Lisboa, a viagem seguia por entre casas afidalgadas e palacetes, alamedas de árvores, em cada lado. As linhas de ferro cintilante seguiam no meio da rua, à vontade.
O guarda-freio, garboso no seu papel e na farda cinzenta, com botões amarelos, a luzir, ia dando sinal com toques secos e repicados de campainha, com o pé no pedal.

Barato. Um tostão, por pessoa. Por cinco tostões ia-se ao fim de cada linha, nos troços mais longos que havia: a Moscavide, à Ameixoeira e Lumiar e o circuito, longo, do Príncipe Real …por Alfama, pelo Castelo.

Como era linda e sossegada a cidade de Lisboa. Tão asseada, nas ruas e passeios, bem lavados, com calçadas de desenhos em pedra florida. As varandas e janelas, engalanadas de vasos de barro com sardinheiras, begónias e outras flores de cores garridas.

As escadas a subir, lentas, por entre o casario aconchegado nos bairros de Alcântara e dos fundos da Bica, pelas encostas, até ao Chiado, da fidalguia e das igrejas sumptuosas, de outros tempos. O elevador da Bica, que pacto lindo, de amizade, no sobe e desce permanente, entre os vizinhos da Ribeira, de São Paulo e os fadistas castiços do Bairro Alto.

Finalmente, o Largo do Cais do Sodré, ali estava. Com muitas árvores, de rica sombra; muitas pombas a voarem buliçosas, no céu à volta da estátuaaltiva, do Mouzinho da Silveira, erguida ao centro. As derivações p’ra o Chiado, para a zona traseira, com muitos bares e cabarets, restaurantes e tascas castiças, com vinho ao copo de três e petiscos…igrejas e casas fartas de comércio, de todo o tipo.

À beira das escadas suaves da formosa e moderna estação do comboio de Cascais, vendia-se flores e fruta, em barracas, toscas, cobertas por toldos de pano crú, muito velho, havia cauteleiros a seduzirem os inúmeros passageiros que, em formigueiro, iam ou vinham para o comboio e os barcos de Cacilhas.

Lá ao fundo, junto ao molhe do rio, ficava o cais de atracar dos tão famosos cacilheiros, pesados, de ferro. Era neles que todos iriam, para Cacilhas. Dos bilhetes tratou o tio Diógenes. A rapaziada subiu as escadas que dão para o topo do barco. Queriam ver tudo, ali à frente…

O Mário sentia que estava, finalmente, numa das zonas mais castiças da lendária Lisboa. Dali do meio do Tejo, imponente, iria poder ver a cidade toda, em painel vivo e ao natural e a fervilhar: o castelo, a esbordar de verdura, a Sé e a Igreja majestosa de São Vicente de Fora, lá no alto, os bairros de Alfama e da Mouraria, o Terreiro do Paço, com a estátua do D. José, a cúpula da Basílica da Estrela, a mata de Monsanto e a encosta fidalga da Ajuda.

Que manancial de surpresas e de encanto a explorar nos tempos mais próximos!

Voltado p’ràs bandas de Cacilhas, o espectáculo também era encantador. As encostas de Almada, misteriosa, com um castelo altaneiro, lá ao cimo, e as escarpas descarnadas sobre o Tejo; à borda d’água, numa nesga de terra, onde parecia nada caber, havia vários pavilhões de fábricas a trabalhar; o casario de Cacilhas, à vista, e a torre saliente e escura da igreja, tudo era desordenado e pobre. As docas negras da Margueira, ali ao pé. O resto seria para ver depois.

Ali estavam elas, as sardinhas, frescas e molhadas de água do mar, em largos açafates, sobre mochos de pau enegrecido, ao pé da porta exterior dos restaurantes fundos, na ruela de Cacilhas, que vai rente à igreja.

O tio Diógenes e a família já eram fregueses bem conhecidos na casa das sardinhadas. Desde a idade do biberão, transitavam aos poucos para os bancos corridos das mesas compridas .
- Ah!. hoje, vem gente nova. - Exclamou o sr Isidro lá ao fundo, quando contou, num relance toda a família e lhe sobrava um.
- É o namorado da menina?…- Avançou a rebentar de curiosidade.
- É um sobrinho que trouxemos de Moçambique. Vem para cá, estudar.
- È bem da pinta do sr. Diógenes. É ou não é? Eu para tirar parecenças ninguém me bate. Oh este nariz grosso e comprido; os lábios gordos; os olhos grandes e saídos; só o cabelo é que não. É escorrido e comprido.
- É verdade, isso vem da mãe dele. Chama-se Mário tem 17 anos. Vai estudar filosofia.
- Ah, está muito adiantado, p’rà idade.!…
- Lá em Moçambique, não havia nada para o distrair, de modo que era só estudar – adiantou o tio.
- É verdade. Aqui em Lisboa, as coisa não são bem assim, pois não, ? Há muita coisa a puxar noutro sentido. Se bem que os filhos do sr. Diógenes não têm deixado mal os pais, pois não?
- Não. De modo nenhum. Aqui o Pedro está no 3º ano de Medicina, com 20 anos. E se é difícil a medicina; a Isabel, com 19, está em farmácia, passou ao 2º ano.
- É bonito ver filhos assim, nos tempos que correm… Aqueles beatles, guedelhudos e desafinados estão a escavacar tudo! Se. fossem meus filhos…Os seus, aqui ao pé dos pais, é maravilhoso. Vamos ver como se porta o primo…
- Ah, não temos dúvidas de que não vai deixar-nos ficar mal. Também, era só ir à bilheteira, comprar-lhe o bilhete de volta às terras de Moçambique.

Meio a sério, meio a brincar, o aviso estava feito. O Mário registou.
- Bom , sr. Isidro. Vamos ao que nos trouxe aqui.
- São uma especialidade, sr. Diógenes. Fresquíssimas. Chegaram esta manhã.
- Sim. De facto não enganam.

Sentaram-se todos em duas mesas. À maneira de sempre. O pai, no topo e a mãe ao seu lado direito. A  Isabel, ao lado da mãe e os dois primos, frente a frente. A mulher do sr. isidro fora-se adiantando, enquanto o homem da casa se entendia com os clientes já familiares.

Uma volumosa caneca de vidro, cheia de sangria,  foi a luz vermelha que se abriu primeiro, naquela mesa. De fresca, até o vidro embaciara e começava a escorrer. Depressa os copos ficaram cheios com a primeira rodada servida pela tia, sempre atenta ao seu papel.

Uma cesta de fatias de broa e pães do forno, tudo da terra do sr. Isidro, a Malveira. Uma travessa grande a esbordar de salada mista, com pedaços de pimentos verdes e fatias de tomate e cebola, espalhadas sobre um mar de alfaces verdinhas, fizeram disparar o apetite a toda a volta da mesa.

Só faltavam as sardinhas. O cheiro já chegara, cada vez mais apurado e perfumado, como só acontece com este delicioso petisco. Toda a família era perdida por sardinhas assadas. Vamos lá a ver como funciona o Mário.

Este estava desconfiado de que não deveria gostar. Por isso, sentia um certo embaraço. Fingir não era com ele. Se não gostasse, não gostava e pronto. O tio já dera a entender que não seria o fim do mundo. O sr. Isidro arranjaria logo umas febras de porco, para salvar a situação. E se eram boas, aquelas fêveras…não ficavam atrás. Mas se era p’rà sardinha, era p’rà sardinha que tinham vindo.

A srª Isasbel , uma senhora avantajada, mas de luzidias faces papudas, com os olhos a brilhar, avançou com primeira rodada de sardinhas: uma dúzia e meia. Bem tostadinhas e gordas quanto baste. Rescendiam vida na pele reluzente e tisnada pelas brasas.

A srª Judite fez a distribuição pelos pratos que se foram abeirando. Três pra cada, para já. Com batata cozida, para quem quis. Ali, era permitido pegar-lhe à mão. O tio apressou-se a dar o exemplo, para que não houvesse dúvidas.

Fez-se silêncio e a voragem desceu, sobre a mesa. Num instante, só espinhas ficaram e bem aparadas, em todos os pratos. Incluindo o do Mário de Moçambique. Depois de provar foi ele o primeiro a devorar as três desditosas... que lhe tocaram.

Uma gargalhada geral cobriu a alegria da mesa. Não havia dúvidas. Tinham ali um parceiro, de respeito O Mário, via-se bem, naqueles beiços grossos, lambuzados, como se fosse já um aficionado inveterado…

Os olhos bugalhudos estralejavam-lhe, de satisfação…e os da família não lhe ficavam atrás…
- A esta hora, estão os teus pais a deleitar-se com um açafate de ostras, lá na Beira. - disse o tio Diógenes, limpando os dedos a um guardanapo branquinho como a neve. Até deu pena vê-lo como ficou…
- Não tenho inveja nenhuma .- atalhou logo o Mário, sem se dar conta, no primeiro instante, do que custou aos pais terem-no deixado vir. Filho único...

A tia pareceu adivinhar o que se passava na cabeça do sobrinho que sentiu ter metido água.
- Já tens saudades dos pais, não tens, Mário?

Os olhos, reluzentes, responderam por si, bem afirmativos, mas resposta não houve.
- P’rò ano, vêm cá eles passar as férias.

Sentiu que a ideia, de todo, não lhe desagradou, apesar de só terem passado umas semanas. Daqui por um ano…nem se fala.

Os pais até são uns companheiraços, para ele.

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de outubro de 2012 >



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10553: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (4): Os cheiros de Lisboa, Parte I: a feira popular (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)









Lisboa > Tejo: Rio e Ponte > 29 de maio de 2012 > Paisagens...
Fotos: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. Continuação da nova série do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), jurista da Caixa Geral de Depósitos, reformado [, foto atual à direita].


[ Esta nova série evoca a figura e narra a história alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728 - Os Palmeirins -, nascido na Beira, em Moçambique, de uma família de origem eslovena, os Sasso; o Mário Sasso foi morto em combate no Cantanhez, em 5 de dezembro de 1965].

B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné > 4. Os Cheiros de Lisboa


4.1. A Feira Popular


Estava-se em fins de Setembro. Ainda se via sinais de Verão, por todo o lado. Ele vira, do Uíge, à beira rio, do lado de Lisboa, uma larga faixa alourada, com toldos coloridos, às listas de cima a baixo, esqueletos de pau, de barracas e corpos espalhados, ligeiramente, desnudados. Os fatos de banho davam até ao joelho e protegiam bem o peito e as costas …das constipações… todo o cuidado era pouco.

A praga da tuberculose não perdoava… Além disso, a nudez era coisa mais própria dos animais…pensava a gente, púdica, por formação e pregação…

Quando chegaram a casa, ali ao pé de Algés, ainda foram dar um mergulho nas águas, tão azuis, tão limpinhas e calmas, do rio Tejo, sem jacarés, mas com golfinhos, ali mesmo, depois de passarem a linha pachorrenta do comboio de Cascais.

Os vales suaves da ribeira viva de Algés, cheios de hortas e pomares, a encosta densa da mata extensa de Monsanto, bem penteada, de toucado verde, bem aparado e de fino corte, as colinas arredondadas e sensuais, ali pràs bandas de Linda-a-Velha e Alfragide, com os cumes altos da serra de Sintra, espreitando, lá ao longe.

Também era bonita a natureza, aqui em Lisboa. Menos carregada de folhedo, concerteza, sem onças ou pacaças, mas mais leve e suave, como a vida que se vivia, então.
– E se fôssemos à Feira Popular? … – uma voz de puto, atrevida, lançou a bisca para o ar, a ver se pegava…

A magia daquela feira, frondosa e colorida, instalada na cerca duma casa senhorial, do centro da Lisboa, ali p’ra São Sebastião da Pedreira, doutras eras…

Com tanta vida, brinquedos sem conta, barracas de farturas e tantas guloseimas, o poço da morte, a roda das cadeirinhas, os aviões, os carrinhos eléctricos, com volante a valer, o temeroso carrocel oito, o cherinho a sardinhas, a maçaroca de açucar branco que nunca mais acabava; a alegria dos pais e dos avós espelhada nos rostos vermelhuscos da sangria, com vinho bom, as laranjadas e os pirolitos, com rolha de vidro, os rebuçados embrulhados de papel, um a um, à mão, eu sei lá, era o ponto mais alto da magia, prós putos daquele tempo.
– Se passares nos exames…se te portares bem…se…se…,  havemos de ir à feira…– era a inocente e sadia chantagem que todos os pais, de todas as classes, usavam, para segurarem a trela curta da pequenada.
– Está bem. Está cá o Mário, Vamos lá… – exclamou, bonacheiro, o pai dos Sassos, de Lisboa.

Cá para nós, ele também, já tinha saudades da Feira Popular…

Ó que alegria!…O Mário nunca mais se esqueceu daquela recepção. Não podia ter sido melhor. Naquela noite, no largo quarto onde dormiu com primos, ninguém pregou olho, a reviver a feira popular…

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10500: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (3): No N/M Uíge, com Lisboa à vista (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10500: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (3): No N/M Uíge, com Lisboa à vista (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)



Lisboa > O N/M Uíge em 1968, no Rio Tejo, com tropas a bordo. Foto do álbum do nosso camarada, empregado bancário reformado, a viver em Penafiel, José Rocha, ou José Barros Rcoha, ex-Alf Mil, CART 2410 (que passou por Mansoa, Guileje e Gadamael, 1968/70).

Foto: © José Rocha (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

A. Continuação da nova série do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), jurista da Caixa  Geral de Depósitos, reformado [, foto atual à esquerda]. 

[ Esta nova série evoca a figura e narra a história alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728 - Os Palmeirins -,  nascido na Beira, em Moçambique, de uma família de origem eslovena, os Sasso; o Mário Sasso foi morto em combate no Cantanhez, em 5 de dezembro de 1965].




B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné >  

3. A Barra do Tejo


Foi o primeiro a subir ao portaló, do garboso Uíge, ao raiar do dia previsto para a chegada. Que ansiedade...

Fazia uma ligeira neblina sobre a extensão de mar, mas dava para ver, ao longe, em recorte de brincar, uma faixa de verdura, salpicada de pontos brancos, avermelhados por cima. Eram as casitas da costa alentejana todas rasteirinhas ao chão.

Não havia ainda aquela praga de betão, a crescer em altura, que havia de surgir, muitos anos, mais tarde. Muito diferente do que estava habituado a ver. Nada que se parecesse com aquela pujança de verde, em altura e densidade.

A luminosidade do céu e a cor da luz do sol eram diferentes. Ali, o sol estava a nascer dos fundos da terra e não das larguras das águas do mar, como na Beira. A bola de fogo não era tão cheia de lume e o vestido do céu era de um azul muito mais ténue, como o de uma criança... O céu era mais alto e transparente até ao infinito, em vez da capa acinzentada a que se habituara, desde pequeno.

Do outro lado do vapor, era o mar imenso, a perder de vista. Já estavam todos fartos de mar, desde a saída, há uns dez dias, sem parar.

Ao fim de uma horas sempre iguais, surge uma grande embocadura, a entrar pela terra dentro. Um farol ao meio, divide-a, em partes diferentes. A do lado direito é amarelada e ondulada; desce, erma e alcantilada, sobre as águas verdes do rio; a do lado esquerdo está cheia de casario estendido pela encosta suave e verde acima, coberta de pinheiros.

O rio vai-se estreitando, lentamente, sem deixar de ter um grande porte…enquanto o casario se vai adensando.

Um frémito nunca sentido invade o jovem Mário que está a sorver tudo, como se fosse uma máquina de filmar. Ali está a famosa Torre de Belém. Tão pequena que ela é afinal…mas é bonita!… Os Jerónimos de telhado rendilhado e com vários torreões esguios lançados para o alto… Um grande palácio ao meio da encosta. Deve ter sido um palácio real. E o casario adensa-se cada vez mais.

O Uíge avança lentamente, em direcção ao cais e deixa ver mais além o Castelo de são Jorge, lá em cima e a Sé, no meio de um mar avermelhado de telhados entrelaçados, sem uma ordem que se percebesse, à primeira vista…A balaustrada do paquete está abarrotar do lado do cais. Lá em baixo há muitos lenços a esvoaçar.

Era a cena que estava sempre a repetir-se. Várias vezes por semana. Os vapores de transporte de passageiros eram o principal, se não exclusivo, meio de ligação da metrópole, pelo mar abaixo, com as extensas e numerosas colónias que formavam o Portugal, de então e com o além-mar, americano.

O avião, sem qualquer carácter de regularidade, ainda estava reservado ao transporte militar.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10459: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (2): A cidade moçambicana da Beira,berço do Mário Sasso (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)


domingo, 30 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10459: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (2): A cidade moçambicana da Beira,berço do Mário Sasso (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)




Moçambique > Cidade da Beira > c. 1905 > Rua Conselheiro [António] Ennes > Foto do domínio público, cortesia da Wikipedia ("View of Rua Conselheiro Ennes, Beira, Mozambique. Photograph of original postcard c1905, published by The Rhodesia Trading Co. Ltd., Beira"). A capital da província de Sofala tem o estatuto de cidade a partir de 1907. É hoje a maior cidade de Moçambique, a seguir a Maputo (antiga Lourenço Marques).

António José Enes  (Lisboa, 1848 / Queluz, 1901), mais conhecido por António Enes, diplomado com o Curso Superior de Letras, foi um político, jornalista, escritor e administrador colonial português:  destacou-se  em Moçambique,  onde exerceu as funções de Comissário Régio durante a rebelião tsonga,  na região sul daquele território. Foi o principal organizador da expedição de Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque contra o Império de Gaza, e que levou à prisão de Gungunhana, em 1895.

Enes defendera,  em 1870, a ideia dos Estados Unidos da Europa, temendo que Portugal fosse absorvido pela vizinha Espanha. Foi membro destacado do Partido Histórico e da Maçonaria. Exerceu as funções de deputado, de bibliotecário-mor da Biblioteca Nacional de Lisboa (1886) e de Ministro da Marinha e Ultramar na primeira fase do governo extrapartidário de João Crisóstomo de Abreu e Sousa. Era amigo pessoal de D. Carlos, que lhe atribuiu a grã cruz da Torre e Espada pelos seus "grandes e relevantes serviços", prestados à Pátria e ao ao seu Rei,  em África.

É autor, entre outras obras, de A Guerra de África em 1895. Prefácio de Afonso Lopes Vieira. Lisboa: Prefácio, 2002. 507 pp. [1º edição, 1898].  Fonte: Wikipédia e LG].


A. Continuação da nova série (*) do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) [, foto à esquerda, em Catió, assanaldo com um círculo a vermelho].


B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné > (**)

2. A Cidade Moçambicana da Beira

Situada na costa leste de Moçambique, lá em cima, à borda do Índico, a cidade da Beira, de traçado geométrico, foi a encruzilhada onde se fixaram tanto as gentes do oriente amarelo como as do ocidente, negro e de feição europeia, por efeito da colonização ocidental, secular.

Indianos e malabares, asiáticos e gente de toda a orla mediterrânica, foram-se implantando, ao longo da costa de África, colorindo-a de matizes étnicos originais e muito singulares. Mesmo os que mantinham as linhas fisionómicas europeias comungavam, todos, de um mesmo tipo, anímico, resultante dessa peculiar mistura, visivelmente marcado pelos traços da grandeza ilimitada dos elementos geográficos que a todos abraçava.

Ali arribou, em tempos, gente vinda das costas do Adriático. Os Balcãs foram sempre um sítio sujeito a inesperadas convulsões, radicadas em rivalidades étnicas e religiosas, nunca bem resolvidas. 

Uma dessas famílias dava pelo apelido desconhecido, que não suscitava qualquer significado no linguajar típico, misto de português e de falares, indígenas. Era o ramo dos Sassos, oriundo da Eslovénia. Pacatos, com visível espírito de iniciativa e trabalhadores. Ficaram deslumbrados com a abundância natural que encontraram naquelas paragens. Depressa se tornaram, não só, queridos no meio, como assumiram um papel de dinamização daquelas terras. Desde as pequenas lojas de comércio, sempre a abarrotar das coisas mais modernas e de úteis utensílios, já consagrados nas terras balcânicas, às primeiras empresas empregadoras, em moldes nunca vistos.

O trabalhador duma casa dos Sassos tornava-se, a breve trecho, se demonstrasse razões de confiança, num elemento participativo integral, nos ganhos e nas perdas. A prosperidade florescia, de dia para dia, enquanto os Sassos se afirmavam como indispensáveis à vida e harmonia da cidade.

Foi assim até à 3ª geração. Eslovénia ou Jugoslávia, escondidas para lá do Adriático, já não diziam nada aos netos dos primeiros. Nunca lá foram. Era só o que os velhotes saudosistas iam tartamudeando sobre as velhas lembranças da mocidade difícil que tinham tido, há tanto tempo. Eram ferretes cravados na cabeça que só eles enxergavam.

Quando o Mário fez e 7º ano do liceu, ali na Beira, sem grandes novidades, no dia a dia, tudo era igual, nunca mais largou o pai, a chagá-lo com a de querer ir estudar para Lisboa, da Europa…. Seria talvez o apelo telúrico europeu que lhe corria no sangue a ditar toda a teimosia, que chegava a ser irritante. Tinha lá uns tios a viver. Já não era tão difícil. Na cabeça delirante do puto, tudo girava em turbilhão, à procura de uma porta aberta.

Quis o destino encarregar-se de lhe fazer a vontade. Naquele ano, os tios de Portugal foram passar férias à Beira. Em casa deles. Durante os 3 meses de verão. Fartou-se de acompanhar os primos que lhe encharcaram a cabeça com loas das ruelas e coisas de Lisboa. O Castelo de Lisboa, Sintra e arredores, a vida nocturna de fado, nos românticos bairros alfacinhas…Até a fala típica alfacinha deles o seduziam. Sabe-se lá porquê.

O certo foi que o vapor que os trouxe de volta, teve mais um passageiro a bordo. O Mário, de grandes orelhas e olhos bogalhudos, uma boca com uns lábios grossos que até chateavam…e cabelos lisos, demasiado compridos, atrevidos, à boa maneira dos futuros Beatles, até seriam da mesma idade… Havia de facto, uma certa semelhança entre ele e os futuros reis da fama. Com as suas guedelhas de rebeldia, haveriam de revolucionar o mundo inteiro.

Deixar os pais em África, a dizer adeus, chorosos, no cais da Beira, foi coisa de somenos importância. Eles ficavam bem e o Mário, ainda ia melhor, na ânsia de ver Lisboa, a mítica Coimbra ou as terras verdes do norte.

Que diferença. Uma terra, já com uns bons séculos de existência e a Europa, civilizada, à espreita, a dois passos. França ou Inglaterra eram já ali, para quem estava habituado às distâncias negras africanas… A África era demasiado natural, nas suas florestas carregadas de vida, e de liberdade, nos rios da fartura e muito francos, nas gentes pacatas e sem histórias, sempre iguais… Sentia um certo enjoo de tanta fartura!…

A atracção pelo desconhecido e pela aventura corria-lhe no sangue. Se possível, viver duas vidas numa só…era seu modo de estar, irresistível, sem saber porquê. (Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 25 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10430: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (1): A origem do nome, Palmeirins (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)


(**) Dedicada à memória do alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728, morto em combate no Cantanhez, em 5 de desembro de 1965

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10430: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (1): A origem do nome, Palmeirins (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)



Guiné > Região de Tombali >  Ilha do Como > Cachil > 1966 >  Interior do aquartelamnento

Foto: © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem, de 1 de setembro, do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66).

Olá Luís!

Aqui te mando parte duma novela escrita em memória do nosso saudoso camarada [Mário} Sasso (*). Talvez se enquadre no nosso blogue.


Um grande abraço, extensivo aos tertulianos todos.
Joaquim Mendes Gomes
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FICOU UM PALMEIRIM NAS BOLANHAS DA GUINÉ… > PLANO

1.- A Origem do Nome – “PALMEIRINS”

2.- A Cidade Moçambicana da Beira

3.- A Barra do Tejo

4.- Os Cheiros de Lisboa

Chapter 1

&.- 1 – A Feira Popular

&.- 2 - Uma Sardinhada em Cacilhas

&.- 3 – As Brumas (Ruelas) Fadistas de Alfama e Madragoa

&.- 4 – As Palmeiras da Estufa Fria

&.- 5 – As Vielas da Ameixoeira

&.- 6 – A Feira da Ladra

&.- 7 – A Baixa às ordens de Pombal

&.- 8- O Jardim do Campo Grande

&.- 9- A Estrela Real

&.-10 - Os Bosques de Monsanto



2. Ficou um Palmeirim nas bolonhas da Guiné (1): A origem do nome: "Palmeirins"

por J. L. Mendes Gomes [, foto atual à direita]

“Os Palmeirins” foi o nome de guerra que a companhia de caçadores 728, aplaudiu, em peso, perfilada no sítio habitual do quartel da Ilha do Como, diante do comandante.

Cerca de 200 homens, na flor da juventude, a maioria, alentejanos, viviam, ali, dentro das 4 paliçadas, de toros de palmeira, carcomidos pelos 2 anos de exposição ao rigor tropical dos elementos, já quase reduzidos à carcaça exterior.


Serviam mais de confortável albergue às possantes ratazanas que abundavam e de cortina, muito frágil, p´ra tapar as vistas, do que de desejado fortim protector para a metralha que, a qualquer hora, poderia chover, grossa e medonha, a partir das matas espessas, lá ao fundo.


A companhia já ia, quase, no final do primeiro ano da comissão. Era preciso arranjar-lhe um nome de guerra, como tinham as mais antigas. Deveria ser um nome que, por si, sugerisse ou tivesse alguma coisa a ver com a companhia, em concreto.


O capitão Silva lançara o repto, de um modo especial, aos 18 sargentos e 5 alferes, como era de esperar. Era pena. Mas, ainda havia muitos analfabetos.


Ao fim de uns dias, o comandante do 2º pelotão, o alferes Mendes Gomes, por sinal e feitio, o alferes que já se tinha revelado mais virado para essas questões, ─ passava a maior parte do tempo livre, a mexer e remexer livros, de história, literatura ou de direito, tinha andado no seminário até muito perto do fim, dera aulas de português aos voluntários, da companhia ─ apresentou ao capitão o nome de “PALMEIRINS”…


O capitão riu…Nem sim, nem não… E ficou à espera da explicação. Nunca tinha ouvido falar na novela de cavalaria do Palmeirim de Inglaterra, famosa, pelo menos, para quem tenha estudado história da literatura portuguesa.
Conta a história de uma figura da cavalaria inglesa na Idade Média, semelhante ao nosso lendário, herói e aguerrido cavaleiro, Nuno Álvares Pereira.

Esta relação histórica com o herói de Aljubarrota e a conotação natural da companhia com o mundo das palmeiras, omnipresentes, transformadas na matéria prima por excelência para tudo que era essencial à segurança e ao conforto, conquistou, logo, a simpatia do comandante, dos alferes e dos sargentos.
 
─ Vamos reunir a companhia, a ver o que eles pensam. “Palmeirins”, é um nome que até soa bem ao ouvido  , acrescentou.

Momentos depois de acabar o bem conhecido toque de corneta, os duzentos homens, tresmalhados pelo universo variado daquele mundo, pequeno mas completo, começaram a formar a companhia, em tronco nú e de chicatas de esponja, nos pés, ( o traje habitual que se imponha a toda a gente) apreensivos com o motivo daquele toque inesperado.

Chegou o último soldado, - era sempre o mesmo, o castiço e pacholas soldado Faria, parecia um pouco atrasado da bola, mas não, era assim mesmo, um ensonso, com a sua regra muito pessoal e sem remédio, por mais que o comandante o repreendesse.
─ Ó meu comandante, eu estava a dar de cadeiras quando ouvi o toque a corneta…e não podia… atalhou ele com a habitual inocência.

Uma gargalhada geral. Agora toda a gente sabia o que era isso de dar de cadeiras…como se dizia no Alentejo…
─ Meus senhores. A nossa companhia já não é maçarica. Também não é velhadas…Ainda vai ter de aguentar mais uns anitos, por estas bandas…

Ouviu-se um urro geral, respeitoso, em uníssono, saído daqueles pulmões bem puxados e bravios…─ Anos?… Nunca. Só uns mesitos. Sim…─ gritou um dos mais atrevidos, como os há sempre.

E o capitão continuou. Todas as companhias precisam de um nome de guerra, em vez do número que lhe deram.
─ 728 é lá para os “mangas” da CCS (Os serviços administrativos)
─ É verdade.  ─  crescentou alguém, lá do meio.
─ Aqui, o nosso alferes Mendes Gomes pensou num nome que me parece bem. Vamos ver o que é que vós pensais dele. Ele vai explicar.
─ Então qual é?…gritou um dos tais que nunca conseguem conter-se.

O alferes Mendes Gomes avançou para a frente da companhia, postada, de olhos arregalados e orelhas arrebitadas…
─ O nome que encontrei é “ OS PALMEIRINS”.

Uma risada geral, entrecortada de um nervoso miudinho , logo interrompida, para ouvirem bem a explicação. O nome soava bem mas não lhes dizia nada. Ainda se fosse o nome de algum animal feroz, de meter medo ou respeito a toda a gente…Os Leões…Os Lacraus…Os Panteras… Palmeirins, que é isso?…Deve ter alguma coisa a ver com palmeiras, mas mais nada…
Foram as interrogações que o alferes começou a avançar como sendo as que lhes estava a ler na cara deles. Começou então a contar os traços essenciais da época famosa da cavalaria, nos tempos recuados da Idade Média, em todos os países da Europa e, principalmente, na Inglaterra e Portugal . Citou o exemplo conhecido da maioria, apesar dos muitos analfabetos que havia, do nosso D. Nuno Álvares Pereira, o vencedor da Batalha de Aljubarrota.

Via-se que as coisas já estavam a ganhar algum sentido. Pois bem, quem estudou a História da Literatura Portuguesa, ouviu falar dum romance famoso que conta história de um guerreiro inglês, chamado “ O Palmeirim de Inglaterra”. Foi um livro tão famoso e lido pelas pessoas daquele tempo, como agora se lê a história do Tio Patinhas… [Vd. à esquerda capa da  Crónica de Palmeirim de Inglaterra, de Francisco de Moraes, ed. 1786, publicada originalmente em Lisboa, em 1592, cortesia do sítio Open Library]

De novo, uma gargalhada rebentou. Bom sinal…

Esse Palmeirim era um guerreiro terrível para conquistar castelos. Nem um só lhe resistiu. O simples boato de que o Palmeirim e o seu pelotão de cavaleiros andavam, por perto, era o bastante para toda a gente fugir dos campos e aldeias e se fechar a sete chaves nas muralhas do castelo, até a onda de terror passar.
 
─ Era um “gajo fodido”, meu alferes. ─ avançou, inesperadamente, de forma interrogativa e a resumir, bem à sua moda, aquela lengalenga duma cavalaria, atrasada, movida a fardos de palha que já não dizia nada a ninguém  ─ um dos habituais soldados, desavergonhados, mas com a malandrice toda deste mundo meida na cabeça.

O alferes, que ainda continuava a ser, um tanto, púdico, demais para a maioria, apenas esboçou um ligeiro sorriso, o bastante para se peceber o seu acordo, parcial e continuou a descrever as virtudes daquele energúmeno, inglês, na tentativa de conquistar não só a simpatia como a admiração e orgulho do novo patrono de guerra…Diga-se que sentiu medo de o não vir a conseguir e, no seu íntimo, chegou a arrepender-se de o ter indicado.

Mas quando se lembrou, sentiu tanta alegria e certeza que nunca imaginaria que não fosse aceite. Se o não fosse, seria porque não tinha sido capaz de o apresentar à rapaziada. 
O capitão gostou logo, lembrou-se, de si para si, num esforço íntimo de se mostrar mais convincente.

De repente, uma salva de palmas irrompeu inesperada e estrepitosa. Estava consagrado o acordo de toda a gente. Nem era preciso mais histórias. Que alívio invadiu o alferes Mendes Gomes, já quase a esgotar as ligeiras recordações que ainda se encontravam na memória. Não tinha ali um só livro de literatura, onde pudesse ir beber qualquer coisinha.


Guiné > Região de Tombali > Pendão da CCAÇ 728, Os Palmeirins (1964/66)


Foto: © J. L. Mendes Gomes (2006). Todos os direitos reservados




Pronto. Agora, havia que desenhar o emblema para a bandeira dos “PALMEIRINS”.  Desenho, isso, já não era para a sua mão pesada e cegueta…

Alguém haveria de arranjar um desenho. E arranjaram. A tempo de o nosso famoso Primeiro Sargento, de carreira, levar consigo, para mandar fazer na metrópole, quando fosse de férias…em Julho seguinte. Um fundo preto. Duas palmeiras, fera, altas e esguias, ao centro de um quadrilátero em movimento . Uns traços sugestivos, a amarelo e vermelho e ali estava o futuro símbolo daqueles guerreiros, com muito sangue na guelra, mas que, - a verdade é para se dizer- ainda não tinham tido o seu baptismo de fogo !…

Mais uns tempos e já era corrente o uso fraternal de palmeirim, no trato matinal e saudação de cada novo encontro dentro da companhia.

A ideia do alferes fora um sucesso.

(Continua)
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Nota do editor:

/*) Vd. poste de 29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez


(...) 2.15. O dia final do alferes Sasso

As densas matas do Cantanhez, só de ouvir o seu nome, causavam calafrios aos mais corajosos… Aí, se acoitava uma forte concentração de casas mansas, uns verdadeiros fortins inexpugnáveis, mesmo à força da intensa metralha de artilharia. Podia dizer-se que ali se encontrava o quartel general, inimigo, da zona sul da Guiné.

De lá saíam expedições constantes de grupos a espalhar a insegurança por todos os nossos aquartelamentos, quer por emboscadas quer por ataques às unidades isoladas.

Além disso, controlavam uma população nativa muito numerosa que, voluntariamente ou não, trabalhava os campos, fonte principal do seu abastecimento.

Por todas estas razões tornou-se premente efectuar uma grande operação que desagregasse aquele bastião. Foi o que se pretendeu com a Operação Tornado.


Os três batalhões sitiados no sul, com as unidades de artilharia e cavalaria, mais um grupo de fuzileiros e uma LDM, ajudados pela força aérea, ficaram responsáveis por esse objectivo.

A CCAÇ 728, aproveitando a maré-cheia, saíu, à noitinha, do cais de Catió a bordo de uma LDM; atravessou o estuário do Cacine e foi deixada, nas primeiras horas da madrugada, algures, em terra firme, do território inimigo.

Todo o cuidado era pouco. Tocou ao meu pelotão seguir à frente, logo depois do destemido grupo indígena do João Bacar Jaló.

Caminhou-se toda a noite; quando o dia começava a querer alvorecer, estávamos a atravessar a zona, crítica, de Dar es Salam [na carta de Cacine, Darsalam]. De repente, alguns tiros caíram sobre o pelotão que seguia na cauda da fila, comandado pelo alferes Sasso.

A resposta foi pronta e, depressa, tudo se calou. À frente, nada se tinha passado.

Só quando o dia nasceu e um helicóptero chegou, tivemos conhecimento de que o Mário Sasso tinha sido atingido com um tiro nas costas que lhe vasou o pulmão e coração. A esperança de sobreviver era pouca… e assim foi. (...)