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segunda-feira, 29 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22048: Tabanca Grande (517): Jean Soares, ex-1º cabo de radiolocalização, Batalhão de Reconhecimento de Transmissões (Trafaria, e Maquela do Zombo, 1972/75): enfermeiro psiquiátrico reformado, a viver em França, em Caen, Normandia, e que está a tentar a recuperar a nacionalidade portuguesa que perdeu... Nasceu em Pirada... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 839.



Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Pirada > s/d  [c. meados 1950]  > O João Pinheiro Soares, talvez com 4 anos, brincando com um jipe da MP [Polícia Militar] dos EUA


Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Pirada > s/d  [c. 1960] > O jovem João Pinheiro Soares, na fronteira do Senegal, nas férias grandes, com um chefe de posto administrativo à sua direita e um alferes miliciano do Exército Português à sua èsquerda


Foto nº 2A >  Região de Gabu > Pirada > s/d  [c. 1960] > O nosso  jovem  , na fronteira do Senegal, nas férias grandes, com um chefe de posto administrativo   


Foto nº 2B Região de Gabu > Pirada > s/d  [c. 1960] > Possivelmente m alferes miliciano  do Exército Português, das primeiras subunidades que passaram por aquelas bandas. Esta foto deve ser anterior ao Carlos Geraldes (1941-2012),  ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.



Foto nº 3 >  Região de Gabu > Pirada > s/d  [c. meados de 1960 ] > O jovem João Pinheiro Soares, já com 13 ou 14 anos (o primeiro à direita), num jantar de família, tendo à sua direita a mãe,o pai, duas irmãs e outros familiares. Os dois  adultos, no lado esquerdo, devem ser militares.

 Sabemos, pelo nosso saudoso Carlos Geraldes, que foi amigo  e "hóspede" do comerciante de Pirada, que em 1964/65, era casado, tinha duas filhas e um filho e era natural de Lisboa. É possível o Carlos que  tenha intencionalmente  trocada os nomes dos familiares para proteger as suas verdadeiras identidades..., mas Luísa seria o nome da esposa, Rosa, o da  filha mais velha, e o filho do meio era José  (e estudava em Lisboa) (, na realidade era o nosso João, ou Jean Soares). A mais nova, Eva Lúcia, tinha nascido em 11/9/1957. O Carlos Geraldes chamava M. Santos ao Mário Soares. 

Por email de hoje, o Jean Soares acrescentou o seguinte a respeito desta foto:

(...) "O senhor Carlos Geraldes nâo tenho lembranças em o ter visto, infelizmente. Na fotografia da família está um alferes e o médico da companhia que gostava muito de fado. O nome da minha mãe era Irene ( morreu o ano passado com 102 anos) e as minhas irmãs sâo a Nini (Maria Irene) e a Ana Maria. O outro médico que esteve em Pirada foi o Dr. Luís Goes já falecido." (...)




Foto nº 4 > Guiné Região de Gabu > Pirada > s/d [c. meados de 1960 ] > O jovem João Pinheiro Soares, com um dos empregados da família. (Seria o Demba, de que nos fala o nosso saudoso camarada Carlos Geraldes, em 1964 ?)



Foto nº 5  > Bilhete de Identidade Militar do soldado recruta João Pinheiro L.P. Soares, emitido pelo R I 7 [, Leiria,] em 10/7/1972


Foto nº 5A > Assinatura do João Pinheiro L.P.Soares, nº mecanográfico 101687/72


Fotos (e legendas): © Jean Soares (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Mensagem de Jean Soares, filho do c0merciante de Pirada, Mário [Rodrigues] Soares,vivendo desde 1975 em França, atualmente em Caen, Normandia.



Jean Soares, 70 anos, 
nascido em Pirada, Gabu, Guiné-Bissau.
Vive em França. Foto atual.



Sold reruta nº
mecanográfico  101687/72
 
Data - quarta, 24/03, 15:11 
Assunto - Mário Rodrigues Soares


Senhor Luís Graça,

Muito obrigado em ter publicado no seu blogue a minha história e tentar ajudar -me (*).

 Vou tentar responder às suas perguntas:


1. A minha história de vida:

Chamo-me Joâo Pinheiro Loio Pequito Soares, tenho 70 anos e nasçi em Pirada [, hoje Guiné-Bissau], aí vivi até aos 6 anos.


Nesse ano fui para Lisboa viver com a minha avó paterna, na calçada de Sant’ana [, freguesia da Pena], tendo feito os meus estudos até o serviço militar. 

Todos os anos ia a Pirada durante as férias grandes (4 meses).

Após o serviço militar ,  em 1975 fui para a França fazer os meus estudos , casei, e obtive a naçionalidade francesa. Fui enfermeiro em psiquiatria e estou reformado desde 2011. Tenho 2 filhos e 3 netos. Hoje moro na Normandia, na cidade de Caen.  [Hoje uma belíssima cidade, que foi quase totalmente destruída durante a II Guerra Mundial, justamente na sangrenta batalha da Normandia, iniciada em 6 de junho de 1944. (LG)]

2. Regresso de meu Pai a Lisboa, em  1975:

Quando chegou, foi para a prisâo de Caxias, por ordem do  pela Copcon,  tendo saído livre mais tarde.

Tentou uma nova vida em Aljezur,  criando uma fábrica de mármore e um restaurante mas sem sucesso e com muitos problemas pessoais (, incluindo o divórcio em 1983).

Das poucas relações que guardou em Portugal foi com o senhor Comandante Alpoim Calvão,
faleçido em 2014, em Cascais.

3. Relações com o meu Pai :

Tenho a recordação de um pai "distante, ausente",  durante a minha infância. 

Na adolescência não partilhava as paixões dele,  como a política, a vida social, mas sempre o admirava.

De 1984 a 1995 (ano da sua morte), ficávamos muito juntos com a presença dos seus netos todos os anos durante as férias, na Quarteira,  com a sua segunda esposa.

Os meus respeitosos cumprimentos
Jean Soares

P.S. - Junto envio fotos de documentos militares meus [. Fotos nºs 5, 6 e 7], fotografias de oficiais em nossa casa em Pirada [, Foto nº 3]  e na fronteira com o Senegal [,Foto nº 2], uma  foto quando tinha 4 anos  [Foto nº 1] e que se parece com aquela em que me enganei (*),  assim como o livro que fala do meu pai, de António Ramalho de Almeida  (páginas 125 a 140) [Vd, capa, Foto nº 8]

Espero que compreenda, depois de ter lido a minha história e a do meu pai,  que vou passar o resto da minha vida a bater-me para recuperar a minha nacionalidade portuguesa e a minha caderneta militar.

Obrigado pela atenção.
 



Foto nº 6 > Passaporte militar: licença, com data de 6 de maio de 1975, assinada pelo comandante do Batalhão de Reconhecimento de Transmissões, autorizando o 1º cabo de radiolocalização nº 101687/72 João Pinheiro Loio [, no original Loiro, erro dactilográfico,] Pequito Soares, na situação de disponibilidade, a ausentar-se do país "a título eventual, por espaço de tempo não superior a noventa dias"...


Foto nº 7 > Documento passado pelo Consulado Português do Havre, com data de 10 de maio de 1978.


Foto nº 8 > Capa do livro de António Ramalho de Almeia (**), que conheceu em Pirada o comerciante Mário Soares. 


Luís Graça, editor

II.  Mensagem do editor LG, enviada no passado domingo, 28,às 11h23:


Jean, obrigado pela partilha. Vamos tratar-nos por tu, como mandam as nossas regras da Tabanca Grande. Facilita a comunicação. E de resto somos/fomos camaradas (de armas) e amigos da Guiné. O enfoque deste blogue (com 17 anos!) é a partilha de memórias (e de afetos). 

Vejo que estiveste ligado à saúde toda a vida. Este blogue deve ser salutogénico. Eu próprio sou da área da saúde: socíólogo, doutorado em saúde pública, docente da Escola Nacional de Saúde Pública. Estou com 74 anos, já aposentado. Tenho uma mana mais nova que é enfermeira e dois filhos "psis", ele psiquiatra (em oncologia) e ela psicóloga...

Diz-me se posso partilhar no blogue a tua história,incluindo as fotos... E se aceitas integrar a Tabanca Grande (tertúlia): já tenho as 2 fotos da praxe, uma atual e outra mais antiga. Se sim, passas a ser o membro nº 839. Temos um "livro de estilo" com 10 regras de "convívio" que todos procuramos respeitar.
 
Jean, tu dando a cara no blogue, facilitas também a resolução do teu problema. Haverá mais gente a interessar-se pelo teu caso. Tens o meu/nosso apoio. E vais reaver a tua nacionalidade portuguesa. O teu processo militar deve estar no Arquivo Histórico-Militar (de momento fechado, por causa da situação pandémica).

O autor do livro cuja capa nos manda,foi visita do teu pai, e é amigo de dos nossos coeditores, o Virgínio Briote

Fico à espera da tua resposta. Luís

4. Resposta pronta do novo membro da Tabanca Grande, nº 839. Jean Soares (***):

(...) "É com honra que aceito integrar a vossa Tabanca Grande com o número 839; li as 10 regras de »convívio" e aceito partihar no vosso blogue a minha história mais  as fotografias." (...)

_____________



(...) António Ramalho de Almeida, estudante de medicina em 1963, foi mandado apresentar-se em Mafra para efectuar a recruta, após a qual foi destacado para a EPC em Santarém, onde tirou a especialidade de autometralhadoras Panhard. Logo a seguir, que o tempo urgia, foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, recebendo como missão dar instrução a naturais da então Província, organizando-os em companhias de milícias.

Neste livro, António Ramalho de Almeida aproveita para nos descrever os contrastes a que assistiu. A guerra, ainda no princípio mas já na brutalidade em mortos e estropiados pelas minas, armadilhas, emboscadas e flagelações, os olhos a perderem-se nas maravilhosas paisagens, a presença de Portugal de mais de 400 anos praticamente ausente no interior da Província, de tal forma que, em certos locais, se julgava o primeiro branco a pisá-los e a vê-los.
 
(...) Fui contemporâneo do António Ramalho, conhecido, entre nós, por Toni Ramalho. Éramos companheiros assíduos, sempre que coincidia estarmos presentes em Bissau, na esplanada do Bento e nos jantares à mesma mesa do hotel. Muito do que aqui conta, regressou-me, vi, ouvi e vivi naqueles anos. Quanto mais não fosse estou-lhe grato por isso.
 
(...) António Ramalho prometera à Mãe, antes de a ver morrer, que havia de ser médico. Fiel à promessa e ao desejo pessoal preparou-se para o ser e convenceu-se de que iria beneficiar do estatuto de adiamento de incorporação que o Exército então facultava, dada a escassez de médicos.

Houve, porém, um acontecimento, que lhe alterou a vida. Em Maio de 1963, comemorou-se em Lisboa o Dia do Estudante e esse dia trouxe-lhe consequências. Quando deu por si estava em Mafra a fazer o COM. Depois seguiu-se Santarém, o RC6 (Porto), o RC8 em Sta. Margarida e o embarque, em 12 de Outubro de 1964, no Niassa, rumo à Guiné. (...)
 
Vd. também postes de:

16 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12048: Notas de leitura (520): "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Mário Beja Santos)

(...) alferes instrutor de milícias,  chega a Pirada, descreve o ambiente fronteiriço, a atmosfera de espionagem e o papel de levar e trazer atribuído ao comerciante Mário Soares. Tanto quanto parece, já não estamos na ficção, o que se descreve é real, os incidentes fronteiriços, com retaliações de premeio. (...)

1 de julho de  2014 > Guiné 63/74 - P13352: Notas de leitura (607): Livro de memórias de guerra, de António Ramalho de Almeida, médico pneumologista, do Porto, ex-alf mil, GG, Bissau, 1964/66

(***) Último poste da série > 19 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22019: Tabanca Grande (516): Joaquim da Silva Correia (Penalva do Castelo, 1946 - Oliveira de Azemeis, 2021), ex-1.º Cabo, Pel Mort 1242 (Buba, 1967/69): em sua memória, no dia do Pai (e em apreço ao gesto do seu filho, António Correia), reservamos o talhão n.º 838, sob o nosso simbólico poilão

quarta-feira, 24 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22030: O nosso livro de visitas (209): Jean Soares, filho do antigo comerciante Mário Soares, de Pirada: fez o serviço militar em Portugal, em 1972/75, esteve na Trafaria e em Maquela do Zombo, Angola, foi para Paris, onde casou e teve filhos... Gostava de recuperar a nacionalidade portuguesa que perdeu e encontrar-se em Lisboa, em setembro/outubro de 2021, com conhecidos e amigos do seu pai

Foto nº 1 > Capa da revista do "Expresso", edição de 22 de janeiro de 1996. Tem quase a idade do Presidente [Mário Soares] mas uma vida ainda mais aventurosa. E um enigma.



Foto nº 2 > Cópia do nosso poste P20994 (*) 

Imagens enviadas pro Jean Soares (2021)

1. Mensagem de Jean Soares, que reside em França:

Date: segunda, 22/03/2021 à(s) 17:18
Subject: O comerciante Mário Soares de Pirada, Guiné-Bissau

Foi com grande emoção que li os artigos e testemunhas no seu blog sobre o meu Pai, Mário Rodrigues Soares, comerciante em Pirada.

Isto provocou em mim muitas recordações da minha infância (a criança na fotografia da visita do governador Sarmento Rodrigues, sou eu com 4 anos) (*); também me lembro o ataque a Pirada em junho de 1965, tinha 14 anos e assisti a tudo.

Obrigado às testemunhas.

Hoje estou a bater-me para recuperar a minha nacionalidade portuguesa que perdi, sem saber, devido ao decreto-lei nº 308-A/75 de 24 de Junho 1975 (Nasci numa província ultramarina antes da revolução.)

Fiz o serviço militar de 1972 a 1975 no BRT [ Batalhão do Reconhecimento das Transmissões], Trafaria [, Almada] e depois em Angola, em Maquela do Zombo

Passei à disponibilidade em Maio 1975 e fui logo para Paris onde fiz os meus estudos, casei e obtive a nacionalidade francesa.

Hoje o meu maior desejo é recuperar a nacionalidade portuguesa e a cédula militar que não consigo recuperar, para um dia poder mostrar aos meus netos as minhas raízes portuguesas.

Estarei em Lisboa em Setembro e Outubro [de 2021], ficarei muito contente em encontrar alguém para trocar impressões.

Os meus respeitosos cumprimentos
Jean Soares

P.S. - Junto envio também a capa da revista "Expresso", de  22 de Janeiro de 1994,   com a foto do meu Pai com a história dele um ano antes da sua morte.


2. Comentário do editor Luís Graça:

Obrigado, Jean Soares, pelo seu contacto. Graças à Internet hoje é mais fácil haver felizes reencontros com o passado, como este.  Como nós costumamos dizer aqui, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

Ainda bem que nos encontrou e quer "matar saudades" da terra onde você (e a sua família) viveu e foi feliz. Imagino que tenha nascido na antiga província portuguesa da Guiné, hoje Guiné-Bissau)  aplicando-se ao seu caso o disposto no supracitado diploma legal (que estabeleceu normas sobre a conservação da nacionalidade portuguesa pelos portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente). 

Pode ser, entretanto,  que alguns dos nossos camaradas, com formação jurídica, o possam ajudar a recuperar o que perdeu, e que tanto estima; a cidadania portuguesa. 

No que diz respeito à sua caderneta militar, talvez não seja difícil obter uma certidão com o historial da vida militar do Jean Soares [ou João Soares ?], no Arquivo Histórico Ultramarino ou no Arquivo Geral do Exército. Vou encaminhar o seu mail para um dos nossos especialistas nesta área.

Quanto ao seu pai, o conhecido comerciante Mário Soares, de Pirada, vou-lhe mandar também uma lista dos postes com referências a ele... São cerca de um dezena e meia: poderá consultá-los livremente, são públicos.

2. Deixa-me entretanto fazer-lhe uma observação e uma pergunta (se nos quiser e puder responder ):

(i) a observação: o miúdo que aparece na foto n.º 2, acima, não pode ser o Jean Soares, com 4 anos, já que, pelas minha contas, terá nascido no princípio da década de 1950: ora a visita do Governador Sarmento Rodrigues a Pirada foi em maio de 1945;

(ii) a pergunta: o que se passou exatamente com o seu pai (e a sua família) logo a seguir ao 25 de Abril e à independência da Guiné-Bissau? O seu pai terá morrido em 1997, segundo o "Expresso", e relativamente novo (com cerca de 70 anos)... E já agora, com que idade se fixou na Guiné? 

Sobre estas e outras questões da história de vida do seu pai, há versões contraditórias (e algumas por certo fantasiosas) sobre o seu percurso e o seu destino: veja aqui, entre outros, este poste P20949 (**).

Já não me lembro se li ou não  o dossiê do semanário "Expresso", edição de 22 de janeiro de 1996,  sobre o seu pai (, e que penso terá sido trabalho do jornalista José Pedro Castanheira), "O outro Mário Soares", mas vou procurar obter uma cópia.

Se o Jean Soares sempre vier a Lisboa em setembro / outubro de 2021, e se houver condições para nos encontrarmo-nos, avise-nos com antecedência: o seu pai tem na Tabanca Grande pessoas que beneficiaram da sua hospitalidade e até sua sua amizade e que, decerto, irão desejar  poder estar  consigo.  

Eu pessoalmente não o conheci,  ao seu pai, mas muito ouvi falar dele, já no meu tempo (1969/71), nos sítios do Leste da Guiné por onde andei: Contuboel, Bafatá, Bambadinca... Mas até lá podemos trocar emails. (***)

Mantenhas (, como dizíamos em crioulo)... Luís Graça
______________


(***) Último poste da série >  3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21846: O nosso livro de visitas (208): Afonso de Melo, ex-fur mil cav, EREC 2641 (Bula, 1970/72)

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)



Foto 1: Pirada, Maio de 1945. Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.

Citação: (s.d.), "Visita oficial do Governador Sarmento Rodrigues à Guiné - inauguração de um monumento a [Manuel Maria] Sarmento Rodrigues [1899-1979], Pirada. Maio de 1945.", Fundação Mário Soares / INEP-CEGP-MGP, 
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_10635 (Autor desconhecido), com a devida vénia.


Foto 2: Vista aérea de Pirada em Agosto de 1972. Foto de António Martins de Matos – P20867, com a devida vénia.


Mapa da Zona Leste, com a indicação de algumas localidades onde estavam estacionadas as unidades de quadrícula atribuídas ao Comando do BCAÇ 238 (1961/63).




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873
 (Xime e Mansambo, 1972/1974); professor de eduxção física, 
docente do ensino superiro; nosso coeditor, autor da série "(D)o outro kado do combate"; régulo da Tabanca dos Emiratos,



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE:
O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963:   
 EM BUSCA DAS "PEÇAS" DO PUZZLE 

1.   - INTRODUÇÃO

A publicação das últimas narrativas relacionadas com o comerciante Mário Soares, de Pirada, suscitaram-me um particular interesse, neste tempo de confinamento prolongado, devido à pandemia de COVID-19.. Encontrei em todas elas "assunto", mais do que suficiente, para aprofundar todas as dúvidas e interrogações emergentes em cada uma delas, particularmente a partir das "pontas" ou dos "pontos" que o camarada Luís Graça deixou em aberto.

Desde logo o P20927 abriu o caminho sobre o caso do "ataque a Pirada em 28/5/1965". No P20867, síntese do P4879: «Gavetas da Memória», série de episódios da autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66, a questão principal era: "Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie de praceta, com um pequenino monumento [?] e tudo". 

Que monumento seria esse? Pois é o que se indica na foto 1, inaugurado em Maio de 1945. Finalmente, o P20927, o último desta série até á data, coloca-nos em frente de uma nova "picada", agora em direcção ao "ataque a Pirada em 15 de Julho de 1963" de que resultou (está escrito) a morte de 1 soldado europeu" (?).

É sobre esta "peça" da história que trata este fragmento.  

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO MILITAR DA ZONA LESTE, COM DESTAQUE PARA PIRADA

Ao Batalhão de Caçadores 238 [BCAÇ 238], mobilizado pelo BC 8, de Elvas, foi-lhe atribuída a responsabilidade da Zona Leste, com fronteira com o Senegal e a Guiné-Conacri, e para oriente da linha Cambajú-Xime-Rio Corubal, após a sua chegada a Bissau, em 06 de Julho de 1961, 5.ª feira, sob o Comando reduzido do Major Inf José Augusto de Sá Cardoso.

Em 19Jul61, esta Unidade assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, com sede em Bafatá, comandando e coordenando a actividade das companhias estacionadas em Nova Lamego (CCAÇ 90) e Bafatá (CCAÇ 84) e pelotões de reforço, cujos efectivos se encontravam disseminados por Contuboel, Piche e sucessivamente, a partir de 16Ago61, por Pirada [3.ª CCaç (RL) e 1 Sec/CCAÇ 84], Buruntuma [2 Sec/CCAÇ 84], Canhamina, Sare Bacar, Paunca, Bajocunda, Canquelifá, Enxalé, Bambadinca e Saltinho.

2.1   - INÍCIO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA REGIÃO DE PIRADA

Segundo a literatura Oficial, em particular o livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974); Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; "as actividades subversivas, atribuídas ao PAIGC, tiveram início no final de Junho com diversas sabotagens na região de Pirada-Sonaco".

3.   - O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963 - DOCUMENTOS ANALISADOS

Ainda que não tenha obtido registos de prova, quanto ao modo como decorreu o ataque a Pirada e suas consequências, mesmo que ele tenha sido executado, é possível garantir que não produziu quaisquer baixas nas NT, quer sejam de origem africana ou europeia.
Para melhor análise e interpretação do seu valor factual, damos conta abaixo, por ordem cronológica, dos diferentes conteúdos reportados à correspondência trocada entre remetentes e destinatários, conforme se indica no quadro.



3.1   - PIRADA, 09 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NOME DE GUERRA DE NORBERTO ALVES]

Pirada, 9 de Julho de 1963 (3.ª feira) – (tradução do francês)
Caro camarada Yaya Koté.

Gostava que esta carta chegue pelo menos a tempo, encontrando-o com saúde, assim como os outros camaradas. O objectivo da carta é informar que dois dos nossos guerrilheiros abandonaram a luta por falta de resistência necessária aos desempenhos físicos e morais da luta, de acordo com os seus próprios testemunhos. Eles vão-lhe contar tudo minuciosamente. Por outro lado, fizemos uma boa viagem e começámos hoje os actos de sabotagem, para depois iniciarmos a luta armada. Esta será em breve!

Com os meus melhores cumprimentos, termino com muita amizade por ti. Saúde. Kanfrandi Ká - Norberto Alves.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36861

3.2   - PIRADA, 10 DE JULHO DE 1963; ASSINAM: AREOLINO CRUZ E KANFRANDI KÁ

Pirada, 10 / Julho de 1963 (4.ª feira)

Caro [Pedro] Pires.

Saúde em primeiro lugar e acima de tudo. Nós vamos indo bem graças a Deus. O portador desta carta é um camarada que se encontra doente talvez por causa da frieza. Ele costuma ter dores na região lombar (?). É preciso tratá-lo bem para que ele possa voltar depressa porque é um elemento precioso para a nossa zona e é adjunto do nosso responsável. Ontem quando voltámos da sabotagem que fomos fazer em Pirada ele foi atacado fortemente por tal doença que só muito dificilmente pôde marchar em braços. Fomos obrigados a sair do mato essa noite e entregá-lo numa tabanca vizinha pois que chovia torrencialmente e ele não podia de modo nenhum estar exposto à intempérie.

Tentámos fazer explodir a ponte do rio Bidigor, entre Pirada e Bafatá, metemos na acção 700 g de plástico mas da explosão só resultou um buraco na dita ponte. É uma ponte bastante resistente. Cortámos os fios telefónicos numa distância de quase 300 metros. Na região de Pirada é difícil de trabalhar, pois que não foi mobilizada; nela só há um responsável (?) mas ele tem medo de contactar connosco e até de nos alimentar. Passamos dias seguidos sem comer e por isso dois fulas que vieram connosco recusaram a continuar. Precisamos de dinheiro para a alimentação, precisamos de explosivos TNT e balas de calibre 7,75.

Após a sabotagem os fulas da região [3.ª CCAÇ] mobilizaram-se e entraram para o mato à nossa procura. O Borges pode melhor contar-te a situação. Diz ao senhor Bebiano que o Kouko já chegou e foi cá recebido com grande entusiasmo. A escassez de explosivos deixa-nos uma falta terrível.

P.S. - Espero que não te esqueças de me enviar as botas de lona e as calças americanas. O responsável quer também 1 par de calças. Para mim manda-me o cobertor do Caetano que ele não vem agora.

Sempre esperando, Areolino Cruz e Kanfrandi Ká (Norberto Alves)  



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36865.

3.3   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo) – (tradução do francês)

Caro irmão e companheiro de luta Yaya Koté.

Neste momento decisivo da história de nosso povo, onde surgem dificuldades de todos os lados, a acção de cada um de nós é essencial para o triunfo, pois os nossos companheiros já derramaram o seu sangue.

Na última carta que lhe enviei, destaquei as dificuldades que nos cercam, mas até agora não nos conseguimos livrar delas ou, pelo contrário, estão aumentando dia-a-dia. Para isso, é necessário partir sem demora para Dakar para entrar em contacto com a Direcção, expondo concretamente a nossa situação a fim de estudarmos juntos e decidirmos como nos livrar desse impasse. Irmão deve deixar tudo para cumprir esta missão, que é tão importante, caso contrário tudo estará condenado ao fracasso.

Em anexo está uma carta em português para ser entregue à Direcção. Ela transmite tudo o que precisamos aqui e ainda a nossa situação concreta.

Devemos adverti-los de que, para atender às necessidades urgentes no campo de equipamentos, já enviei 40 jovens a Koundara para receber os equipamentos para a região. O seu irmão para sempre - Chico Té [Francisco Mendes]



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36869.

3.4   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo)

Ao Secretariado-geral – Bureau de Dakar

Boa saúde. Nós por cá estamos todos bons apesar de estarmos rodeados de dificuldades que tentamos transpor para o triunfo urgente da nossa causa.

Essas dificuldades são as seguintes: devido à grande pressão em que se encontra o povo desta região, a fome coloca-se em primeiro lugar, porque sem alimentação um combatente não pode pegar em armas para fazer combate. Encontramos nesta situação desastrosa. Desde que entrámos no país sentimos falta de alimentação o que obrigou à deserção de vários camaradas fulas. A fome é tão maior que não podemos fazer nenhum combate e resolvemos unicamente defender a nossa pessoa contra os ataques dos colonialistas e dos régulos fulas. Na fronteira a cotização rareia devido à situação económica dos militantes.

A outra dificuldade é a falta de munições que no princípio não era suficiente porque para cada metra só havia munições para os carregadores.

Os medicamentos que alistei na presença do camarada Bebiano e que ele prometeu que desde que chegasse a Dakar faria todo o possível para que cheguem às nossas mãos, tal não aconteceu. A decisão dele era simplesmente para se desembaraçar de nós. Há camaradas que saiem por falta de comprimidos para febre ou outra crise parecida.

O Yaya Koté exporá tudo quanto nos é preciso aqui pois a fome não me deixa prolongar a carta. Até breve. Chico Té.

Para responder às necessidades da luta já enviei 40 jovens para Koundara com o fim de receber material para a Região porque estamos num momento difícil para nós. O camarada Koté explicará tudo. Chico Té. 



  
Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36873.

3.5   - PIRADA, 15 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Comunicado

Na madrugada do dia 15 de Julho de 1963, 2.ª feira, um grupo de guerrilheiros do nosso Partido, comandados pelo camarada Kanfrandi Ká, atacou por força o quartel de Pirada. Do ataque resultou da parte inimiga um morto. Não puderam os guerrilheiros apoderar-se da arma do inimigo morto por aquele se encontrar nas traseiras do quartel que é rodeado de arame farpado. Kanfrandi Ká (Norberto Alves)



Citação: (1963), "Comunicado [Região 4]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40527.

3.6   - PIRADA, 17 DE JULHO DE 1963; ASSINA: AREOLINDO CRUZ

Pirada, 17 / 7 / 63 (4.ª feira)
Caro [Pedro] Pires~

Saúde é o que te desejo. Nós vamos indo menos mal. Há dias escrevi-te uma carta tendo por portador um camarada doente, o Borges.

Já não vale a pena enviares as minhas correspondências pois que elas podem extraviar-se. Terei alguma carta do Fernando? Não estará ele já em África?

Na madrugada de 15 deste mês [Julho], 2.ª feira, fizemos um ataque ao quartel de Pirada e incendiamos a casa de um tipo da Pide. Morreu 1 soldado europeu. Os soldados têm agora medo de sair à noite e mesmo depois das 6 da tarde. Formaremos de agora em diante um só grupo comandado pelo Chico Té [Francisco Mendes] com aproximadamente 22 homens. Com saudações imensas, Areolind
o Cruz-

Cumprimentos ao Paulo, Caetano, José Araújo, e Bebiano. Quando o Borges tiver de voltar, dá-lhe o que tiveres para mim. Obrigado.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36881.

3.7   - PAUNCA, 20 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Paunca, 20 / 7 / 63 (sábado)

Camarada Yaya Koté

Desejo-te saúde e felicidades em companhia de todos.

Comunico-te que o Chico Té [Francisco Mendes] está mal, 10 dias sem comer e não sabemos o paradeiro dele, chegou cá o Umaro, onde ele informou o estado dele. Ele teve que vir à frente, porque ele confessou que não podia resistir, e alguns dos camaradas fugiram. Comunico-te que dos meus camaradas alguns desistiram e alguns doentes.

Tive que vir colaborar com o Domingos, que é para trabalhar melhor, é único plano.
Comunico-vos que de facto o camarada Pulo desistiu da luta, onde que ele disse que não podia aguentar a maçada do mato, fui informado mesmo pelos militantes do Domingos e alguns responsáveis. Dos meus camaradas são 3 doentes e dois que desistiram. Vocês que arranjem dinheiro para nós de alimentação e para mandar ao Chico Té e mandar uma pessoa à sua procura.

Manda dinheiro urgente, estamos mal, não temos apoio do povo principalmente em Pirada, passamos 5 dias sem comer.

Tive que procurar o camarada Domingos, o Demba [será o criado do Mário Soares, P20904?) e o Cruz, foram para Açadung (?) porque eles estão doentes.

Comunico-te que o camarada Umaro chegou fraco. Veja se arranja um montiador [caçador] que conheça bem o mato para ir à procura do Chico Té, porque ele não pode ficar a padecer dentro do mato.

Diga ao Bebiano que nós aqui estamos no meio de dois inimigos: Colonialistas e fulas. Estamos com faltas de munições e da alimentação. À noite quando fizemos emboscada para Colonialistas, de dia os fulas também fizeram as suas emboscadas contra nós. Manda procurar o Chico no mato na área de Contuboel na Tabanca Sama.

Sou, Canfrandim Cá.




Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36885, co m a devida vénia.

► Em resumo:

1.    Em função da análise documental, não é possível confirmar a execução do ataque ao quartel de Pirada, no dia 15 de Julho de 1963 [informação de Kanfrandi Ká (Norberto Alves), simultaneamente autor do comunicado e comandante do ataque].

2.    Quanto ao incêndio provocado na casa de um elemento da PIDE, em Pirada, na sequência do ataque indicado no ponto anterior, e referido por Areolindo Cruz na carta enviada a Pedro Pires dois dias depois, também não foi possível confirmar. Não se entende, porém, como é que o comandante da missão se tenha "esquecido" de o mencionar no seu comunicado.

3.    Há "peças" que não encaixam neste "puzzle".

► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04MAI2020
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