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sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21538: Casos: a verdade sobre... (15): A retirada de Madina do Boé e o enfraquecimento do flanco sul / sudeste do território (regiões de Gabu e Bafatá) (Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / António Rosinha / Fernando Gouveia)


Foto nº 4

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal.


Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > Restos, carboizados, da antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. 


Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O grupo de combate do Fernando Gouveia, progredindo nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   


Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O Fernando Gouveia, nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   



Foto nº 5 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 t > Uma pausa para retemperar as forças, a caminho de Madina Xaquili que, tal como Padada antes, viri a ser abandonada em outubro de 1969. 
  

Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos da guerrilha do PAIGC.


otos (e legendas): © Fernando Gouveia (2009. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários de Valdemar Queiroz, Cherno Baldé e António Rosinha ao poste P21531 (*)

(i) Valdemar Queiroz

A questão do abandono de Madina e toda aquela região da zona além Corubal,  é estranha em termos de estratégia da ocupação do terreno, para, inclusivamente, não dar azo a "zona libertada".

Vejamos nos mapas existentes no blogue de toda essa região à data em que foram elaborados. Vejamos, depois, como era a ocupação/fixação da população e presença da NT a partir do início do ano de 1969. 

Verificamos que apenas Canjadude e mais acima Cabuca eram as únicas tabancas existentes a fazer tampão a incursões a Nova Lamego, Dara e Piche, que a partir daquela data começaram a ser atacadas mais frequentemente. 

Em toda aquela área a leste da linha (estrada) Buruntuma - Nova Lamego, só existam Cabuca e Canjadude com pouca população e praticamente só ocupação militar. 

Não sei o que entretanto foi acontecendo (vim para a peluda em dezembro de 1970) com flagelações a estas duas tabancas. O facto de cada vez mais população abandonar essas tabancas da região, concentrando-se nas grandes localidades de Nova Lamego e Bafatá,  fazia com que apenas a NT resistisse nesses locais, não tardando, sabe-se lá, tambéma serem consideradas para retiradas estratégicas formando, assim, mais "zonas libertadas".


(ii) Cherno Baldé: 

Antes do início da guerra, o Sudeste da Guiné, que inclui a parte sul da região de Bafatá (Galomaro Cossé) e da região de Gabu (Boé), não eram zonas desabitadas,  como se pode pensar. 

O seu despovoamento foi gradual e aconteceu nos primeiros anos da Guerra e, em 1968 quando chega o Gen Spinola, a situação ja era irreversível. 

O Galomaro, como diz o nome,  era uma zona habitada por ricos ganadeiros fulas e com arrozais nas bolanhas a perder de vista. Foram abandonadas com o recrudescer da guerra. 

Se depois o abandono do terreno se justificava devido à inexistência da população, é caso para dizer que sempre existiu e existe uma grande diferença entre a teoria e prática, entre os sonhos e a realidade, como podemos perecber no excertodo discurso em baixo, é pena que o homem [. o António Oliveira Salazar,]  nunca tenha vindo ao terreno para constatar a realidade "in loco". 

“As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade populacional são o natural complemento da agricultura metropolitana, nos géneros pobres sobretudo, e das matérias-primas para a indústria, além de fixadores de uma população em excesso daquilo que a metrópole ainda comporte e o Brasil não deseje receber. (...) 

"Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação as quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. (...)"

Fonte:  António Oliveira Salazar. Discursos e Notas politicas, vols. III e V (1943 e 1957). Coimbra, Coimbra editora, sem data. 

(iii) António Rosinha:

Amigo Cherno: "as terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade" a que o Salazar se referia, foram os tais colonatos que foram construidos em Moçambique e principalmente Angola. 

Na Guiné não havia extensões agrícolas desabitadas, para albergar tantas famílias, como as que foram para Angola e Moçambique, principalmente transmontanos e açoreanos. Os colonatos de Angola conheci-os relativamente bem. 

Cherno, ainda hoje estou convencido que continua a haver maiores extensões desabitadas em Angola do que as que existem na Guiné, mesmo considerando que a região de Madina do Boé continue pouco habitada. Só que as grandes extensões desabitadas em Angola, hoje já está tudo demarcado e aramado pelos "novos senhores" de Angola. 

A Guiné, tirando a região de Madina, sempre deve ter tido uma densidade populacional muito maior que Angola, que conheci bastante bem. Salazar não ia ao terreno, mas estava bem informado. 

PS- Onde parece que está a ficar muito despovoado é o norte de Moçambique, com decapitações e fugas da população e nem a ONU nem Portugal nem a Inglaterra (aquilo já se passou para a Commonuelth) fazem frente à Jihad ou o que aquilo é. A Europa já não pode com uma gata pelo rabo! 

2. O caso do abandono  de Madina Xaquili em outubro de 1969:

Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Allf Mil Rec e Inf, Comando de Agrupamento nº 2957,  Bafatá, 1968/70)  explica o porquê da sua ida intempestiva para Madina Xaquili,lá  no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06 de fevereiro de 1969 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 [,  de 8 a 21],  era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor  Hélio Felgas, meu Comandante (, Cmando de Agrupamento nº 2957), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, cap inf José Miguel Novais Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...). (**)




Guiné > Carta geral da província (1961) (Escala 1/500 mil) >  Posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde)  em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte a estrada Bafatá-Gabu. Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50 mil). 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


3. Com a retirada de Béli (em julho de 1968), Madina do Boé e Cheche (em fevereiro de 1969), passou a haver um corredor, com "via verde", por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sul / sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal. 

Apesar do reforço temporário de tropas paraquedistas do BCP 12, ao sector de Galomaro (a partir de agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia e batismo de fogo logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili,  guarnecida Pel Mil 147.  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT logo em outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura). O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, e nomeadamente o Cossé donde eram originários, juntamente com Badora,  os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em finais de setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1), da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).


(***) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia em kunho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19663: Tabanca Grande (475): Fernando José Estrela Soares, cor inf ref, membro da Tabanca da Linha, senta-se à sombra do nosso poilão, sob o lugar nº 786: foi comandante da açoriana CCAÇ 2445 (Cacine, Cameconde e Có, 1968/70)


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 2445 (1968/70) >  Cap inf Estrela Soares no tarrafo do rio Cacine


Foto nº 3  |  Foto nº 1

Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 2445 (1968/70) > O então cap inf Estrela Soares, na viagem para a Guiné (foto nº 3) e hoje cor ref (desde 2007) (foto nº 1)

Foto (e legenda): © Estrela Soares  (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Manuel Resende, régulo da Magnífica Tabanca da Linha, com data de 3 do corrente:

Caro Luís:

Há cerca de um ano já falámos deste assunto, mas só agora o próprio decidiu inscrever-se.
Trata-se do Coronel Fernando José Estrela Soares, de Algés, membro da Tabanca da Linha, desde 7 de outubro de 2016.

Um abraço,
Manuel Resende


2. Pequena nota curricular no novo membro da Tabanca Grande, nº 786:

Nome:  Fernando José Estrela Soares;
Local e data de nascimeto: Lisboa, 6 de agosto de 1940;
Tem página no Facebook;
Posto: Coronel inf  reformado desde 4-12-2007.

Foi Comandante da Companhia Independente,  CCAÇ 2445, esteve em Cacine, Cameconde e Có  (1968/70)

 Síntese da Actividade Operacional da CCAÇ 2445, mobilizada pelo BII 18 (Ponta Delgada):

(i) partiu para o TO da Guiné em 9/11/1968 e regressou a 19/8/1970;

(ii) em 1 Dezembro 1968 seguiu para Cacine e Cameconde a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CART 1692 (, que foi substituir);

(iii) em 28 Dezembro 1968 assumiu a responsabilidade do subsector, sob o comando operacional directo do Comando Chefe e ficando administrativamente dependente do BCAÇ 2834 e depois do BART 2865;

(iv) em 2 e 4 Maio 1970, com o assassinato dos Majores no Chão Manjaco em 20 de Abril anterior em Jolmete, foi rendida por fracções pela CCAÇ 2726, deslocando-se a CCAÇ 2445 para o subsector de Có em 7 e 22 de Maio 1970 para reforço da guarnição local, a CCAÇ 2584, ficando a subunidade integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 2884, com vista à realização de operações nas áreas de Peconha, Quete, patrulhamentos, emboscadas e protecção de itinerários;

(v) em 9 de Julho 1970 recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, colaborando na segurança e protecção das instalações e das populações da área, sob controlo operacional do COMBIS, até à chegada da CCAÇ 2753.

Foto nº 1 - Recente | Foto nº 2 - No tarrafo do rio Cacine | Foto nº 3 - Na viagem para a Guiné


3. Mensagem do Fernando José Estrela Soares, cor inf ref:

Data: quinta, 4/04/2019 à(s) 17:25
Assunto: Inscrição de novo membro para a Tabanca Grande

Agradeço ao camarada Luís Graça o ter-me inscrito na Tabanca Grande,  que bastante me honra. Já há bastante tempo que tencionava solicitar a inscrição mas, por uma razão ou por outra , fui sempre protelando.

Como curiosidade,  devo dizer que o Bento Soares,  oriundo da Arma de Transmissões e hoje  Major General, é do meu Curso de entrada na Academia Militar e somos muito amigos.

O Mundo é Pequeno... e a nossa Tabanca é Grande.

Abraço,
F. J. Estrela Soares


4. Comentário do editor Luís Graça:

Obrigado, Manel. E obrigado ao camarada Estrela Soares, que conheço de há dois ou três anos atrás, dos almoços-convívio da Magnífica Tabanca da Linha. Fico feliz por termos mais um "magnífico" na nossa Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas.

O Fernando José sentar-se-á no lugar  nº 786, ao lado do João Afonso Bento Soares, maj gen, que já foi apresentado  na passada sexta-feira (*), e que por sua vez se sentou ao lado de outro seu camarada da Academia Militar, o cor art ref António C. Morais da Silva, membro nº 784.

O Fernando José  passa a ser o primeiro representante da CCAÇ 2445 na nossa Tabanca Grande... Infelizmente, as companhias madeirenses e açorianas estão mal representadas na nossa Tabanca Grande ou não estão representadas de todo.

A CCAÇ  2445, até à data, tem  muito poucas referências no nosso blogue... Vamos ver se atrás do seu capitão surjam dois ou mais antigos militares da CCAÇ 2445 que queiram connosco partilhar memórias (e afetos) do nosso tempo de Guiné.

Este ano entraram três novos membros da Tabanca Grande, desde o início do ano, E curiosamente todos eles oficiais oriundos da Academia Militar... Vamos ver também se até ao fim do ano chegamos ao grã-tabanqueiro nº 800... Já só faltam 14... Conto com a preciosa ajuda do Manuel Resende  e do F. J. Estrela Soares  para o trabalho de coaptação de mais alguns  "magníficos" para a Tabanca Grande.  Aliás,  há tabanqueiros de outras tabancas (Matosinhos, Centro, Linha, etc.) que não estão "inscritos" na mãe de todas as tabancas...

O ideal era termos pelo menos 1 representante por cada unidade ou subunidade mobilizada para o CTIG... E foram mais de mil, entre batalhões, companhias indepentes, pelotões (mort, REC, canhão s/r, caçadores, etc.).

Um grande abraço de boas vindas ao cor inf ref Estrela Soares!


5.  Uma história passada com as CCAÇ 2445 , em Cacine, em dezembro de 1968:

Texto do António José Pereira da Costa (Cor Art Ref):

(i)  esteve duas vezes no TO da Guiné, primeiro como alf art,  CART 1692, a partir de 16 de janeiro de 1968; era  adjunto do capitão art José João de Sousa Veiga da Fonseca, comandante da CART 1692 / BART 1914, Abril de 1967 e Março de 1969, Sangonhá, Cameconde, Bissau;

(ii) voltou ao CTIG em 25 de maio de 1971, colocado  na defesa antiaérea da BA 12, como Cmdt da BTR [Bateria]AA 3434;

(iii) em 22 de junho de 1972 assumi o comando da CART 3494 que, então guarnecia o Xime; e a 11 de novembro de 1972 passou à CART 3567, estacionada em Mansabá;

(iv) regressou à metrópole em 9 de agosto de 1973;

(v) é membro da nossa Tabanca Grande, tem mais de 140 referências no nosso blogue  a assina a série "A Minha Guerra a Petróleo".


Guiné > Região de Tombali > Cacine > CART 1692 > Dezembro de 1968 > A ten enf paraquedista Maria Ivone Reis e o alf art QP António José Pereira da Costa, posando para a "posteridade" (**)

[A CART 1692 foi rendida, em Cacine e Cameconde, pela CCAÇ 2445 que, curiosamente, vai estar debaixo de fogo, em Madina Xaquili, com a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, em 24 de julho de 1969... Foi o batismo de fogo da nossa rapaziada, ainda em farda nº 3, o pessoal africano... (LG] (***)

Foto (e legenda): © António Costa (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Assunto - Cacine 68

Camarada: Aqui vai uma foto da Ten Enf Pára, (como ela escrevia, ) Ivone Reis. Foi já em Dezembro de 1968 quando estávamos ser rendidos pela CCaç 2445.

Nesse dia, vi a guerra do ar! Um Gr Comb da nossa unidade e a CCaç [2445] completa andavam ali para os lados de Cacoca a procurar o IN.

Eu e o cap
 andávamos a ver como iam as coisas. Subitamente, detectámos um grupo de 25 turras. Pedimos o héli-canhão para cima deles. E então foi alucinante: o avião às voltas sobre o héli e o héli às voltas sobre os turras e aquele rotor a rodar tão depressa...

Subitamente, os turras começaram a acenar com os bonés... Era o nosso grupo que, com os camuflados desbotados, foram confundidos e ia havendo um azar.

Aterrámos e eu estava completamente almareado. Confesso que "sujei" o avião. A Ivone  deu-me uma ordem seca:
- Patinho! Lavar o avião, já!

E lá fui eu, às ordens da nossa tenente, lavar o material de guerra.

Depois pousámos para "memória futura"... Será que também há memória passada? (...)

_______________

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 Km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos do IN.







Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 >Nas proximidades da antiga tabanca de Padada >  Como refere o Fernando na sua série A Guerra Vista de Bafatá, na sequência do agravamento da situação no Cossé, em mados de Junho de 1969 fora destacado para Madina Xaquili, onde viveu "uma experiência verdadeiramente inesquecível". Madina Xaquili ficou-lhe para sempre no coração. Disse-me, há dias, em Monte Real, que teve imensa pena de não ter podido, por razões de transporte, voltar à antiga tabanca onde esteve destacado entre 12 e 24 de Junho de 1969, para uma visita de saudade...





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > Nas prioximidades da antiga tabanca de Padada




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Uma pausa para retemperar as forças, entre Madina Xaquili e Padada. O Fernando está ao centro, tendo à sua esquerda o João Vieira, o comandante de milícias de Madina Xaquili (Pel Mil 147).





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Restos da  antiga tabanca de Padada.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  Um dos abrigos da tabanca que era guarnecdia pelo Pelotão de Milícias 147... O Fernando dispunha  de 10 miliatres metropolitanos e 38 milícias, sem treino e mal armados... Madina Xaquili estava na iminência de ser atacada por um bigrupo do PAIGC, o que viria acontecer um mês depois. A 19 de Junho, recebe a visita do Cor Hélio Felgas, Comandante do Agrupamento de Bafatá (COP 7, a partir de Agosto de 1969), que lhe diz:  "Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos"...O Gouveia comenta, com condescendência: "Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou"...




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  A morança que foi destinada ao Fernando Gouveia.


Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Agrupamento de Bafatá, Bafatá, 1968/70) 
explica o porquê da sua ida intempestiva para aquela aldeia no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...).

Aproveitei para republicar, em formato extralargo,  algumas das belíssimas fotos tiradas pelo Fernando em Madina Xaquili e Padada. Com a devida vénia, e a recomendação  aos nossos leitores para voltarem a ler os postes do Fernando sobre a sua "inesquecível experiência" em Madina Xaquili, à frente de uma tropa fandanga... (LG)Fotos:  © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados
 
 
1. Continuação das mimhas notas sobre a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 onde, noutra encarnação (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) fui pião de nicas, pau para toda a obra, na ausência de posto de trabalho para um Furriel Miliciano, com a especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, a belíssima especialidade que me coube em sorte na tropa ...Na vida civil tinha sido jornalista... (LG)
 
 
A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590, composta por cerca de 50 quadros metropolitanos - oficiais, sargentos e praças especialistas - e por 100 soldados do recrutamento local, oriundos do chão fula) foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5).

Durante a sua primeira comissão (1969/71), irá actuar  sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulados do Enxalé e do  Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (*).

Ainda nem sequer haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590)  fez a sua primeira saída para o mato. A 21 de Julho, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiram, de Bambadinca,  em farda nº 3,  para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o subsector de Galomaro, a sul de Bafatá. (**)

Entretanto, o 1º Gr Comb (comandado pelo Alf Mil Op Esp Moreira)  efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, no chamado Rio Geba Estreito, tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15 desse mês).

Este afluente do Rio Geba, o Gambana,  estava referenciado como um ponto de cambança ou de travessia do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 6 de Fevereiro último, no decurso da Op Mabecos Bravios] e visando especialmente as tabancas dos regulados de Cossé, Cabomba e Binafa.

Dias antes, o  IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé, donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas,  e reagido a uma emboscada das NT.



Pormenor do mapa geral (1/250000) da Província da Guiné (1961) com a posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde, Pel Mil 147), em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte estrada Bafatá-Gabu.  Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50000). Com a retirada de Béli, Madina do Boé e Cheche, passou a haver um corredor por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal.

Apesar do reforço temporário de tropas pára-quedistas ao subsector de Galomaro (a partir de Agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT em Outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura).  O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, donde eram originários os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em  finais de Setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1),  da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em Agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam  no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado  a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).

Imagem: Luís Graça (2010)


(i) Sori Jau, a primeira vítima em combate

Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

O ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. Em consequência, esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos. [Mobilizada pelo BII 19, partiu para a Guiné em 11/11/1968 e regressou em 1/10/1970. Passou pelo Cacheu, Mansabá, Bafatá, Galomaro, Cancolim e Brá. Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho].

No primeiro ataque a Madina Xaquila, o IN utilizou Mort 60, Lança-rockets e Armas ligeiras, tendo danificado uma viatura GMC e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º Gr Comb, evacuado no dia seguinte para o Hospital Militar 241, em Bissau.

A 25, os três Gr Comb da CCAÇ 12 regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Já não me lembro da reacção dos que tinham ficado... Por mim, senti que essa situação marcou muitos dos meus camaradas que lá foram (o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o António Marques, o Joaquim Fernandes, o José Luís de Sousa, etc.).

Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no subsector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, este aquartelamento seria flagelado com Canhão s/r e Mort 82 durante 10 minutos.

A 26, o 4º Gr Comb seguiu para Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba, a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf  Mil Beja Santos, uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do Rio Passa (limite a partir do qual começava a ZI - Zona de Intervenção do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada em Sinchã Mamajã, na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca.

(ii) Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono, em Outubro, de) Madina Xaquili

Por outro lado, o 1º (Alf Moreira) e o 2º Gr Comb (Alf Carlão) seguiam para o subsector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

A 28  de Julho, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 e meia hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos (bigrupo reforçado), tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de Mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (que ficará inoperacional, com incapacidade permanente) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP, em Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

Na reacção ao ataque, o apontador de Mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

O ataque foi efectuado da diercção SW, e o retirou na direcção de Padada. A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7, sediado em Bafatá, e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população.

O nosso camarada, meu amigo e meu vizinho Humberto Reis, já aqui referiu as dramáticas circunstâncias em que conheceu o Jorge Félix, Alf Pil Heli Al III (1968/70)... em Madina Xaquili:

"O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69 (...) . Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.



"Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock" (...)

Uns dias antes, a 23, pelas 10h, em Dulombi, um grupo IN reagiu com armas automáticas a uma patrulha do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 (Alf Moreira) que havia saído em virtude do accionamento duma mina antipessoal por parte dum elemento civil, a escassa distância do arame farpado, tendo simultaneamente flagelado o destacamento durante 10 minutos.

Neste mês de Julho de 1969, a actividade do IN no Sector L1 foi intensíssima com ataques ou flagelações a diversas subunidades, ou emboscadas nas imediações  (indicam-se a seguir as localidades e entre parênteses o dia): Dulombi  (1), Paia Numba (10), Padada 2E4 (14), Missirá (15), Cansamba (15), Madina Alage (15), Cansamba (20),  Dulombi (24), Mansambbo (24), Xime (24),  Madina Xaquili (24),  Quirafo (25), Xime (26), Mansambo (27), Madina Xaquili (28), Dulombi (29),  Mansambo (30) e Candamã (30)...

(iii) Ataque de duas horas a Candamã

E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [, a subunidade de quadrícula de Mansambo, a que pertenciam alguns camaradas do blogue como o Torcato Mendonça e o Carlos Marques dos Santos] (Op Guita).

Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer. Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [2 bigrupos], armados de 2 Canhões  s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora pesada 12.7, Granadas de Mão e Armas ligeiras automáticas, numa imnpressionante manifestação de força. valeu a coragem e a valentia do Pelotão da CART 2339 que guarnecia na altura Candamã...

Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN terá sofrido   várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de Canhão s/r e de RPG-2.

Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de consideráveis danos materiais (moranças queimadas, etc.).

O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará. Participei nesta operação. Ainda hoje tenho bem presente, na memória, o espectáculo desolador de Candamã, com as moranças a fumegar e os canos das espingaradas ainda quentes... naquela madrugada do dia 30 de Julho de1969...

Por outro lado, pergunto-me: o que é feito de ti, Sori Jau ? E de ti, Braima Bá ? E ainda de ti, Uri Baldé ? O que vos deu a Pátria Portuguesa em troca do vosso sangue, suor e lágrimas ?  Estarão ainda vivos ? Seguarmente abandonados e esquecidos... Alguns dirão, mais valera tal morte do que tal sorte... Nem sequer o vosso rosto consigo agora recordar... Apetece-me, por isso,  acabar este texto com uma citação do Mário Cláudio, no início do seu romance " Peregrinação de Barnabé das Índias" (Lisboa, D. Quixote, 1998, p. 11):

 "De ti se servem, ó morte, inimiga nossa, para alcançar a alegria, tu, que és a mãe do infortúnio; adversária da glória, ao serviço da glória é que te colocam; de ti se servem, porta do Inferno, para entrar no Reino; de ti, abismo da perda, para atingir a salvação" (De um documento cistercense do século XIII).

[Fonte consultada: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 6-8. Documento policopiado. Documento classificado, que foi escrito por mim, na altura Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf, Henriques.]
________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior 25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

(**) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia, um mês antes, em Junho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três  oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(...) Escrevi no Poste P4305, o seguinte comentário, em 8 de Maio de 2009:

Meu caro Fernando: Não estive em Madina Xaquili. Nunca lá fui,  mas alguns dos meus camaradas (dois ou três Gr Comb), incluindo o Humberto Reis,  tiveram lá o seu baptismo de fogo!... Como já referi, os nossos soldados (africanos) acabavam de fazer a sua instrução de especialidade e a IAO, em Contuboel. Tivemos lá os primeiros feridos, dois ou três graves. 

Agora, sei do que falas (e do que experimentaste), quando fostes reforçar a tabanca em autodefesa de Madina Xaquili (vd. carta de Cansissé). Também passei várias temporadas (geralmente quinze dias), em tabancas do Corubal, de Badora, de Joladu (a norte do Geba)... E sei o que era o pesadelo dos dias e das noites, das dificuldades de transmissões, dos problemas logísticos, da disciplina das tropas, dos conflitos com os milícias, dos Comes & Bebes, do suplício da falta de bebibas frescas, etc...

Sei o que era o tédio, a tensão, a espera, a ameaça de ataque do PAIGC, a solidão, a claustrofobia, as minas e armadilhas, a miséria das populações (fulas), confinadas ao arame farpado, a promiscuidade sexual (dos meus soldados com as mulheres dos milícias), a condição das mulheres e das crianças, ...

Para nim, sobretudo era o pesadelo da noite, o calor de estufa das moranças, o odor execrável, os malditos mosquitos, a falta de luz para poder e escrever, o breu da noite africana, o inferno da noite africana, as chuvas torrenciais, as míriades de insectos, a falta de água potável, a falta de latrinas, os banhos à fula, etc. Durante o dia, ao menos, conversava com os habitantes, observava as suas actividades, procurava entender e perceber a sua cultura...

O facto de ter soldados africanos, fulas, tinha as suas vantagens e desvantagens... Mas, em geral, ir reforçar uma tabanca em autodefesa era visto como um prémio: durante esses quinze dias, pelo menos livravas-te da actividade operacional: eramos uma companhia de intervenção, ao serviço do comando do Sector L1... Tanto o BCAÇ 2852 (1968/70) como o BART 2917 (1970/72) exploraram-nos até ao tutano...

Um abração. Estou a seguir-te com muito interesse. Luís (...)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5882: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (22): Ida à Guiné, a pé

1. Mensagem de Fernando Gouveia, (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2010:

Caro Carlos:
Costumo ser mais ou menos regular no envio das minhas estorietas.
Desta vez atrasei-me muito. Tenho razões para isso. Sou uma pessoa que quando tenho uma preocupação, paro tudo o resto para resolvê-la. A “estória” de hoje explicará tudo.

Antes porém, quero dedicar esta “estória” ao sexto aniversário do Blog.

Não direi que, desde há um ano, quando descobri o Blog, a minha vida tenha mudado 180 graus, mas 20 ou 30, isso mudou.

No aniversário do Luís Graça referi o que já no primeiro email, lhe havia escrito em relação ao Blog: -“Já tenho que ler até ao fim da vida”.

Durante quarenta anos nada me fez mexer nas memórias da Guiné. PARA ISSO FOI PRECISO O BLOG, QUAL CAVILHA, DE UM FORNILHO REPLETO DE RECORDAÇÕES MULTICOLORIDAS.

Um abraço a todos os Bloguistas.
Fernando Gouveia

P.S. – E por falar em memórias da Guiné, aproveito para referir que a minha exposição “Memórias Paralelas da Guerra Colonial – Guiné 1968-70” (agora com mais fotos e horário alargado) vai mudar, no dia 26FEV10 para a galeria do Instituto das Artes e Ciências - Fundação Dr. Luís Araújo, na Praça Carlos Alberto, no Porto (quase em frente à Ordem do Carmo), onde se manterá até ao dia 12MAR10.


Um olhar e um sorriso (da actual exposição)

Consertando as redes (da próxima exposição)
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ - 22

Ida à Guiné, a pé


Como todos sabem, há muita gente que por várias razões costuma ir a pé a Fátima. Pois bem, a mim tem-me andado a passar pela cabeça, “como que ir à Guiné a pé ou melhor dizendo, de carro”. Tudo na sequência das conversas que tenho mantido com os camaradas dos almoços na Tabanca de Matosinhos.

Por várias vezes lá se aflorou o assunto. O camarada Pimentel tem-me andado a azucrinar a mente no sentido de ir com eles, de carro, no fim de Fevereiro. O Rego diz-me que também vai, apesar de não se sentir a cem por cento. O João Rocha, não indo, foi-me dizendo que da vez anterior foi, apesar dos seus problemas de saúde.

Verdadeiramente estou entre a espada e a parede. A desculpa, e não é desculpa, que sempre lhes tenho dado para não ir, é o estado deplorável da minha coluna. Apesar de aguentar perfeitamente umas centenas de quilómetros nas nossas estradas e umas dezenas, aos saltos, nos caminhos do “meu” Nordeste Transmontano, cinco mil quilómetros sempre é outra coisa.

Também já se pôs a hipótese de ir e vir de avião, juntando-me ao grupo lá na Guiné, mas não é bem a mesma coisa. A viagem África afora, seria a viagem da vida de uma pessoa.

Sei que não se irá encontrar o território como o deixei, embora agora em paz. Por força do desenvolvimento global, aquelas gentes aspiram hoje a algo que o “global” não lhe pode dar. As pessoas aproximaram-se dos “grandes centros” e aí a miséria prolifera tal como cá.

Pese tudo isso, fui lá muito feliz,  como diria o outro…Tive lá sorte e mais sorte. Foi lá que eu e a minha mulher tivemos a nossa primeira casa, na tabanca de Rocha. Foi lá, na zona comercial, que comprámos a réplica em plástico da nossa filha Joana, que não chegámos a ter (só dois rapazes). Toda aquela gente afável, muita da qual se considerava portuguesa como nós, foi votada, fruto das circunstâncias, ao abandono por parte dos portugueses. Agora parece assistir-se a um vaga de fundo solidária. Espero que não seja tarde demais.

Mas voltando atrás, quero referir que estou a escrever estas linhas depois de ir ao médico tentar mostrar uns exames ao estado dos meus ossos, exame esse que já tinha em meu poder há algum tempo. As conversas em Matosinhos apressaram a necessidade de tirar as dúvidas mas aconteceu que o médico não me atendeu e estou a entender isso como mais um sinal no sentido de protelar a decisão.

Pois bem, podem crer que neste momento para mim ir à Guiné, de carro, me parece tão arriscado como qualquer outra pessoa ir a pé.

Passaram-se uns dias, o médico deu-me luz verde, mas ao mudar uns móveis em casa tive uma crise de coluna. Foi a gota de água. Lá se foi por água abaixo a viagem da minha vida. Resolvi que iria, mas agora de avião. Parto no dia 3 de Março para me encontrar com o grupo que vai de carro e que deve chegar à Guiné no mesmo dia.

Há dias, um camarada escrevia no Blog que estava emocionado com a sua próxima ida à Guiné. Não quero ser monopolista, mas se a minha emoção não for muito maior, será pelo menos igual.

Ir a Roma e não ver o Papa é como para mim ir à Guiné e não ir a Bafatá. Claro que irei. O Chico Allen já me disse que até posso ir e vir no mesmo dia num “toca-toca”. Ir a Madina Xaquili, à minha guerra, seria ouro sobre azul. Lá se verá dessa possibilidade.

Já tenho a mala feita.
A emoção é muita

Até à vinda,  camaradas
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5705: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (21): As diversas formas do medo

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 7 de Junho de 2009:

Caro Carlos:
[...]
Como sugeres, aí vai em anexo a 6.ª e última parte da estória de Madina Xaquili para a série A Guerra Vista de Bafatá.

Tinha combinado com o Luís que iria mais tarde mandar umas bandas sonoras de sons da Guiné. Assim, e esperando que chegue aí em condições de ser postado um primeiro som, incluí na estória o som de pios de morcegos, da forma e com os meios que dispunha. Será para ser ouvido no local do texto onde o coloquei.
Pretendia que ao clicar no desenho do morcego, que nesse sítio aparece, se ouvisse o referido som, mas não consigo. Se tu o conseguires, tudo bem, caso contrário elimina o desenho do morcego. Se assim for o som ouvir-se-á da forma que eu indico.

Se de todo for necessário, mandarei pelo correio um CD. Nesse caso avisa-me.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

7 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - parte 6 e última.

Preâmbulo

Como tenho referido anteriormente, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4470 (10.º dia dessa minha experiência), descrevi a operação que fizemos na região de Padada, com muitos vestígios IN e mostrei fotos de locais lindíssimos por onde passámos.

Relato do 11.º dia – 22JUN69:

Logo pela manhã dei com o João a andar de forma esquisita, de pernas abertas. Não resisti e perguntei o que se passava com ele. O João, como comandante da Milícia, não fazia quase nada na tabanca. Até a sua lavra de mancarra era cultivada pelos milícias. Assim, como não estava habituado a andar muito, e por ser um pouco anafado, tinha ficado com as coxas em carne viva pelo roçar das calças na caminhada do dia anterior de cerca de 25 Km, com temperaturas a rondar os 40º e a humidade própria da época das chuvas. O problema foi resolvido pelo nosso enfermeiro, que pouco depois também teve que dar uma injecção de soro antiofídio a um milícia que foi picado por uma cobra quando cavava na lavra de mancarra.

Por causa da lavra, o abrigo para a população civil continuava por acabar.

Almoçámos mais uma vez a mesma bianda. Aí tive uma ideia (tanto de brilhante como de pérfida). Fui tentar convencer um civil (penso que seria o chefe da tabanca), a trocar duas galinhas por uma lata de atum de 3 Kg. As conversações foram demoradas. Fartei-me de lhe expor as vantagens (ou desvantagens) para ele, da troca: As galinhas podiam morrer, etc., etc. Lá vim com as duas galinhas para tornarmos a tirar a barriga de misérias.

Creiam, camaradas, que ainda hoje sinto remorsos desse negócio, apesar de que passados cerca de três meses nem galinhas, nem palhotas, nem pessoas existiam em Madina Xaquili.

Ao anoitecer, sentado no característico estrado debaixo do mangueiro, no centro da tabanca, com o relampejar ao longe, continuei a inteirar-me dos usos e costumes daquela gente. Uma pessoa podia sentir-se ali isolado mas também sentia uma paz interior difícil de alcançar nos nossos meios, ditos civilizados. Pela cabeça passou-me a ideia de ficar ali para sempre, se guerra não houvesse, claro. A pureza e ingenuidade das pessoas era total.

O som da guitarrinha do Braima induziu-me ao sono nessa noite.

O fula Braima (com as características duas marcas junto aos olhos)

Relato do 12.º dia – 23JUN69

Essa pureza que referi iria ser quebrada. Em determinada altura ouço, perfeitamente fora do contexto, um gargalhar de dois milícias. O que se passava? À porta de uma palhota um militar metropolitano mostrava a esses dois camaradas africanos um baralho de cartas, daqueles com cenas pornográficas. Interrompi a sessão, chamei o metropolitano e expliquei-lhe, em pormenor, a poluição do seu acto, etc., etc.

À tarde aproveitei para tirar algumas fotos e ir falar com o Braima para saber se ele me vendia a guitarrinha, daquelas típicas, feitas com meia cabacinha, pele de macaco e cordas de fio de pesca. Não o consegui mas falando-se também do seu iuri que ele próprio escavou em pau sangue, com forma de canoa, aqui sim, consegui convencê-lo, considerando essa a peça mais significativa que trouxe da Guiné.

O iuri que o Braima fez. As pedras são sementes de cocnote.

A Binta era sem dúvida a mulher mais vistosa e simpática da tabanca.

A mulher de um milícia

A lavra do João continuava a atrasar a construção do abrigo para a população civil.

A segurança de todos nós continuava a preocupar-me muito. Por um lado andava a pensar em redigir um relatório sobre as condições miseráveis em que nos encontrávamos em termos de armamento e na forma de fazer chegar esse relatório a Bafatá. Talvez os superiores não quisessem assumir a responsabilidade de ter um destacamento em semelhante buraco e tão mal equipado.

Se lá continuasse por muito mais tempo, várias iniciativas teria de levar à prática, de imediato:

1 – Para segurar na tabanca a 1.ª mulher do João (ler relato do 7.º dia) e porque era bastante evoluída iria arvorá-la no único elemento armado da população civil, para no abrigo colectivo fazer a defesa, possível, de todos. Dar-lhe-ia instrução de tiro e fornecer-lhe-ia uma G3. Talvez o João não gostasse mas teria que engolir o sapo. Não esquecia o Bonco; a Binta cuidaria dele.

A Binta com o Bonco, filho do João, ao colo.

2 – Além da já existente sentinela avançada na mata, criaria mais duas durante todo o dia.

3 – Passaria a sair todos os dias, a meio da tarde para patrulhar as redondezas da tabanca, com um grupo de combate e faria emboscadas nas zonas mais problemáticas, regressando já noite para jantar. A detecção de vestígios IN na zona próxima era crucial e indicativa de um próximo ataque. Como já anteriormente referi, o IN não me iria encontrar dentro do arame. O primeiro ataque viria a dar-se, já eu não estava na tabanca, mas precisamente à hora por mim prevista…

Na reunião à noite, debaixo de uma grande tensão e medindo bem todas as consequências, tomei a resolução mais controversa da minha estadia em Madina Xaquili.

Conhecia o valor dos homens que tinha comigo mas pensando no armamento que possuía, além das espingardas, (metade dos milícias tinham só Mausers), só tinha um cano velho (só o cano) dum morteiro 60 e 16 (dezasseis) granadas para o mesmo, tinha que tomar uma atitude. Todos sabem com que armamento o IN fazia os ataques: Vários morteiros 82, canhões sem recuo, metralhadoras, RPG7, etc. Quanto tempo nós iríamos aguentar com 16 granadas de morteiro 60?

É certo que me passou pela cabeça simular um ataque ou outro qualquer contacto com o IN e pedir uma urgente remuniciação. Correria o risco de não a fazerem e ficava pior ou podiam mandar-me outras 16 granadas, ou 10, ou 5…

Achava a situação dramática dada a proximidade do IN.

Finalmente expus a todo o pessoal o que já andava a magicar há alguns dias e caso a situação não se viesse a alterar: Um plano de fuga.

No caso de verificar, que com um ataque se estava próximo de gastar a última das nossas 16 granadas, à minha ordem todos retirariam por uma zona baixa da tabanca, próxima da fonte, muito improvável de instalação IN e caminhariam a corta-mato durante cerca de 1 Km, ao fim do qual flectiriam à direita até encontrarem a picada para Galomaro. Eu e um pequeno grupo aguentaríamos o IN até não poder mais, dando tempo a que a população civil se pusesse a salvo. Então, sim, seria a nossa vez.

Esta atitude comuniquei-a, posteriormente, ao então Chefe do Estado Maior do Agrupamento, Ten Cor Teixeira da Silva que, embora arregalando os olhos, a compreendeu perfeitamente. Também sabia com quem estava a falar, quiçá o oficial superior mais culto e menos militarista, dos que então passaram pelo Comando do Agrupamento.

Foi assim, debaixo dum silêncio sepulcral, sem os acordes da violinha do Braima e só quebrado pelo som metálico do piar dos morcegos nos mangueiros, que fui dormir, ainda sem saber que era a minha última noite em Madina Xaquili.

(OBS: Falta encaixar aqui o ruído dos morcegos)

Relato do 13.º dia – 24JUN69:

Na manhã do 13.º e último dia, como por premonição, resolvi tirar a foto de família e a do forno que eu próprio construí, ambas a preto e branco pois tinham acabado as fotos coloridas.

Comigo está o João e mais 15 dos 38 milícias que constituíam a guarnição africana da tabanca.

O forno que construí. Ao meu lado o Sajuma, que se ofereceu para ajudante de padeiro.

Ajudei a posicionar alguns cibes no novo abrigo e a hora do almoço estava a chegar. Ouve-se então o ruído de uma coluna a chegar, com as viaturas a roncar ao passarem uma linha de água a uns 500 metros da tabanca.

Pensei, talvez como os meus camaradas metropolitanos, que viessem ali mais umas cervejas frescas.

Vinham sim reabastecer-nos de géneros, mas também traziam uma ordem para me levarem embora.

Desta vez não consegui tomar a atitude que seria um tanto estranha para quem, como eu, achava que estava em perigo em Madina: Seria não ir com a coluna e ficar na tabanca, pois não era só eu que estava em perigo. Para isso era só necessário mandar uma mensagem para o Agrupamento a perguntar qual ordem cumpria: Se a que a coluna trouxe para me levar, se a do Coronel Felgas quando me visitou e me disse que eu só sairia dali quando houvesse abrigos para a população civil. Ia a mensagem, vinha a resposta, a coluna já tinha partido e eu ficava.

Para tanto não tive coragem. Pensei na família. Pensei na possibilidade do meu filho Miguel já vir a caminho (tinha estado de férias na metrópole um mês antes). Fui com a coluna.

Não sei se foi a minha tristeza que contagiou os que ficavam, se o contrário.

O João e os outros milícias prometeram visitar-me quando fossem a Bafatá, o que veio a acontecer.

Excerto de um aerograma em que refiro a visita que o João me fez em 03OUT69 e a triste notícia da destruição de todas as palhotas de Madina Xaquili

De fugida verifiquei que tinham finalmente trazido mais uma arma para reforçar o cano do morteiro 60 (só o cano) e as suas 16 (dezasseis) granadas: Uma metralhadora ligeira Degtiarev, de disco, apanhada ao IN. O Cap Jerónimo de Galomaro devia continuar com remorsos.

Subi para um Unimog e aí passou-se uma cena, única em toda a minha vida, quando o Furriel que ia ao meu lado me perguntou se tinha gostado de estar na tabanca.

Gostaria muito que fosse esse Furriel, de quem não lembro o nome, a contar o sucedido mas constrangido direi que as lágrimas me vieram aos olhos pelo que baixei a cabeça. Foi então que os meus dois olhos se transformaram em autênticos chuveiros. Durante largos minutos o Furriel, atónito e confuso, respeitou o meu silêncio. Reagi e reatámos então a conversa.

Sei que passei por Galomaro e falei com o Cap Jerónimo, mas não recordo como cheguei ao Comando de Agrupamento em Bafatá.

Fim desta longa e curta estória que para mim fez História.

Até para a semana camaradas, com uma estória curta mas engraçada passada com o pessoal do Esquadrão de Cavalaria instalado ao lado do Agrupamento.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)